05 outubro 2010

5 de Outubro, revolução e maçonaria


Não pode deixar-se passar a data de 5 de Outubro - aniversário da implantação da República em Portugal - sem se falar na Maçonaria. É público e conhecido o papel que a maçonaria teve neste evento. De facto, a revolução não só terá sido promovida, arquitetada e executada - pelo menos em parte - por maçons, como a maçonaria terá na mesma participado ativamente de forma institucional.

O que poucos saberão é que tal modo de atuação é daqueles que distingue a Maçonaria Regular da Maçonaria Liberal. Não se questiona o mérito da causa, mas a forma e os meios utilizados. De facto, as razões invocadas para a revolução - o despotismo político-religioso, a ausência de liberdade de culto e da liberdade de consciência que se viviam no regime de então - são válidas e meritórias, e pode mesmo dizer-se que pertencem ao ideário maçónico. Todavia, algumas questões de fundo separam inexoravelmente as duas correntes da Maçonaria - Regular e Liberal - e podem ser apreciadas neste contexto.

Por um lado, tomemos a questão da discussão de política e religião em loja. Pelo que se sabe, esta revolução - como outras - foi preparada durante sessões de loja. Forçosamente se discutiu o mérito desta política sobre aquela e - sabendo-se que havia maçons quer na fação republicana quer na monárquica - certamente houve vozes minoritárias que viram os seus Irmãos, a sua Loja, e mesmo a sua Obediência, agirem como um corpo na prossecução de objetivos e de ideias contrários aos seus. Por fazer prevalecer, na escala dos valores, a harmonia fraterna, é que a maçonaria regular proíbe essas discussões, para que não se estabeleçam partidos opostos dentro das lojas, para que estas não escolham lados, e para que as grandes lojas não manifestem preferências que poriam, em qualquer dos casos, uns "de dentro" e outros "de fora".

Por outro lado, atente-se a que a maçonaria regular exige dos seus membros que sejam cidadãos cumpridores das leis do país. Ora, esta questão tem duas consequências. Por um lado, de forma mais imediata, implica que caso um maçon seja condenado pelo sistema judicial civil por um crime que tenha cometido, sofrerá quase que por certo uma sanção disciplinar no seio da sua Obediência, sanção essa que poderá mesmo constituir a sua expulsão (mas, evidentemente, ninguém é expulso por algo como uma multa de estacionamento). Por outro lado, esta exigência reflete-se nas Obediências, não sendo reconhecidas a nível internacional aquelas que, para existirem, impliquem que os seus membros cometam algume ilegalidade; por exemplo, se as leis do país passarem a proibir a Maçonaria, e mesmo assim uma Grande Loja continue a existir - cometendo uma ilegalidade - ser-lhe-á retirado o reconhecimento internacional por parte das outras Grandes Lojas regulares. 

Tais condicionantes - a proibição de discussão política e religiosa, e a obrigação de cumprimento da lei do Estado - não se verificam na Maçonaria Liberal. Cada maçon que pertença a uma Obediência da Maçonaria Regular é livre de agir como a sua consciência lhe dite e continuar a ser maçon - desde que não cometa nenhum crime. Participar de  - e, especialmente, promover - uma revolução, atentando contra os órgãos do Estado, é um crime contra o mesmo Estado, e não é considerado pela Maçonaria Regular uma forma aceitável de se agir. Entendimento diametralmente oposto tem a Maçonaria Liberal, que argumenta que uma lei injusta não tem legitimidade, que crime seria observá-la, e que promove o seu derrube.

Dois pontos de vista.
Duas formas de agir.
Duas Maçonarias.

Paulo M.

21 comentários:

Candido disse...

Caro Paulo:
Não questiono as regras de uma ou outra.São regras ponto.
Mas ponho a questão das pessoas de cada uma delas.
Acha que o maçon de uma é diferente
do da outra?
Não se coloca de forma nenhuma a questão de qualidade!
Abraço e obrigado pelo excelente post.

José Jorge Frade disse...

Aguardo expectante a resposta à questão posta pelo Candido...

Jocelino Neto disse...

"...por exemplo, se as leis do país passarem a proibir a Maçonaria, e mesmo assim uma Grande Loja continue a existir - cometendo uma ilegalidade - ser-lhe-á retirado o reconhecimento internacional por parte das outras Grandes Lojas regulares. "

Caro Paulo,

Ocorrendo o veto as práticas Maçônicas em um país, como os filhos da viuva desta localidade realizariam suas obras? Adormeceriam a espera da liberação? Trabalhariam na clandestinidade? Se sim, estariam estes condenados perante seus irmãos que gozam de situação diversa?

Abraços Fraternos.

Nuno Raimundo disse...

Boas...

Não querendo tomar o "lugar" ao Paulo,
a forma de atuação é que é díspar.
Enquanto na Maçonaria Liberal, os seus membros tentam eles próprios ser os "veículos de transformação" da Sociedade envolvente seguindo os preceitos e principios maçónicos;
A Maçonaria Regular, tenta através da sua ação, "arranjar as ferramentas", com as quais a Sociedade se transformará. Agindo cada maçon com a sua livre consciencia.
abr...prof...

Paulo M. disse...

@candido: Creio que, forçosamente, sujeitos a regras, a modos de agir e a prioridades diferentes, os maçons de uma e outra corrente se tornariam diferentes - e isto se fossem iguais à partida, o que igualmente creio não ser o caso. O que, suponho, acaba por suceder na maioria dos casos, é integrar-se uma Obediência onde já se conhece alguém com quem se tem afinidades, o que criva, igualmente, o tipo de pessoas que entram num e noutro lado. Por fim, há quem entre numa Obediência e, ao fim de algum tempo - normalmente alguns anos depois - entenda não ser esse o seu ecossistema, e peça então para ser aceite noutra. Isto acontece pouco, mas vai acontecendo, num e noutro sentido.

Porque a Maçonaria Regular se foca no indivíduo enquanto instrumento de mudança - também pela sua ação direta mas, acima de tudo, pelo seu exemplo - e a Maçonaria Liberal instrumentaliza mais o grupo e as suas sinergias, creio não errar muito se disser que na Maçonaria Regular encontramos uma maior expressão da individualidade no pensar, ser e agir, e eventualmente uma maior diversidade, enquanto que na Maçonaria Liberal o grupo tem mais expressão, as ideias são mais partilhadas e a postura mais uniforme. Mas - repito - é só uma impressão, que vale o que vale, e que agradece contraditório.

Um abraço,
Paulo M.

Jocelino Neto disse...

Boas Nuno!

Quais ações da Maçonaria Regular auxiliam a transformação da sociedade? Seriam estas as caritativas (hospitalarias,...)? Quais seriam essas "ferramentas" que citas?

Abraços Fraternos!

Candido disse...

@nuno, acho que é exactamente o contrario, mas não seria este o fundamental da questão.
@ paulo,entrar na vida iniciática não tem um menu para escolher, tem sim afinidades com alguém.
Mas paulo, cada pessoa é um ser único que absorve um conjunto de princípios que será diferente da "osmose" de qualquer outro. Mas a base e a essência da doutrina iniciática em cada maçon e o respeito e aceitação que cada um tem não é mensural! Não me parece justo falar em maçons vermelhos, azuis, ortodoxos ....
Acredito nas pessoas(porque pensantes) e respeito as acrenças ou filosofias de vida de cada um.
Para mim azul ou verde têm o mesmo peso! Digo-lhe também que respeito os 4 Gran - Mestres das GL e GO, mas a minha preferencia ou afinidade só ma mim diz respeito.
Um abraço para si e outro ao Nuno.

Paulo M. disse...

@Jocelino Neto: A Maçonaria já foi proibida em Portugal, entre 1935 e 1974. Durante esse período o Grande Oriente Lusitano continuou a existir e a reunir-se, se bem que na clandestinidade. Tal situação seria impossível numa Obediência Regular - sob pena de esta perder a regularidade. O que pode suceder é os maçons se constituírem em lojas num país vizinho, ou se juntarem a lojas nesse país que já existam. Agora a Grande Loja, essa, não pode permanecer. Por outro lado, os maçons não são maçons só em loja; diria mesmo que devem sê-lo mais "cá fora". Por isso, numa situação limite, adormecer à espera de melhores dias - e continuar a viver os seus princípios no dia-a-dia - não me parece mal de todo...

Um abraço,
Paulo M.

Paulo M. disse...

@Jocelino Neto: Fez a pergunta ao Nuno, mas tomo a liberdade de lhe responder com uma caricatura. Suponhamos que se descobre que os golfinhos são mesmo inteligentes, e que a forma como os temos tratados passa a ser equiparada à escravatura: uma violação dos princípios de igualdade entre seres pensantes.

Um Maçon Liberal agremiaria uma força suficientemente significativa entre os seus irmãos e, assim que pudesse, faria uma revolução para criar uma lei que estabelecesse a paridade entre homens e golfinhos, de modo que jamais um golfinho voltasse a ser maltratado. A maioria da população viria a apoiar a causa, mas não deixaria de ver-se-ia confrontada com uma alteração de princípios orquestrada à sua revelia. Se, contudo, a revolução falhasse, poderia haver lugar a pesadas penas para os seus participantes.

Um Maçon Regular, por outro lado, trataria de propagar a ideia por um número suficiente de pessoas - maçons ou não. Se fosse professor, não perderia a oportunidade de chamar a atenção dos seus alunos para a questão; se fosse biólogo insistiria nesse ponto entre os seus pares, para grangear aliados tecnicamente credíveis; e, se fosse político ou legislador, estaria bem colocado para "meter o dedo" na redação da lei que submeteria à Assembleia da República, e para cuja aprovação mobilizaria todos quantos conhecesse. Podia, contudo, suceder que um povo ignorante ou tendencioso levasse à rejeição da lei; aí, teria que engolir a derrota - para, quem sabe, tentar mais tarde ou com mais afinco.

Como vê, são, acima de tudo, formas diferentes de se estar na vida.

Paulo M.

Jocelino Neto disse...

Caro Paulo,

Agradeço o esclarecimento.

Abraços Fraternos.

Paulo M. disse...

@candido: "paulo,entrar na vida iniciática não tem um menu para escolher, tem sim afinidades com alguém." Admito que seja esse o percurso mais comum; não foi, porém, o meu, nem o de mais uns tantos que conheço. No meu caso, comecei a pesquisar informação sobre a maçonaria a pedido de um familiar ao qual fora dirigido um convite, e com o preconceito de que seria uma coisa má e a evitar, mas vi que, afinal, muito do que se dizia eram histórias do bichoi-papão. Apercebi-me, porém, que havia várias correntes e tendências, e que a branco e preto só mesmo os mosaicos do chão. Sem qualquer afinidade ou, sequer, qualquer conhecimento pessoal, acabei, de acordo com o que li, por escolher uma Obediência, e por bater à porta, pedindo para ser admitido. Ao fim de uma longa e penosa espera, e de uma série de entrevistas com diversas pessoas, acabei por ser admitido e iniciado na Loja Mestre Affonso Domingues. Como vê, às vezes pode ter-se o privilégio de escolher Obediências à la carte... sem estar condicionado, a priori, por cores nenhumas!!!

Um abraço,
Paulo M.

Candido disse...

Caro Paulo:
O seu percurso foi mais consciente/erudito mas naturalmente de convicção igual a qualquer outro.
Também não é por isso que o diferencia ou o torne incolor.
Uns e outros merecem o meu respeito. Permita que lhe diga que tenho em boa conta os Ir: que na sombra ajudaram a sociedade a mudar. Digo sombra, porque a vaidade não será grande virtude, porque desvirtua o espírito de missão.
Bem hajam

Paulo M. disse...

@candido: Não pretendi dizer - e creio não ter dito - ser o meu percurso melhor ou pior do que qualquer outro; apenas que tive o tal menu para escolher! Contudo, hoje apercebo-me de que foi uma escolha muito imperfeitamente esclarecida, quase como quando se vai pela primeira vez a um restaurante chinês e não se vai com ninguém que nos ajude a escolher... Lê-se e relê-se os ingredientes, vai-se percebendo alguns padrões, e, no fim, cruza-se os dedos e... escolhe-se por palpite!

Quanto às cores, falemos com clareza: sou apartidário e não gosto de bola, o que me exclui logo de grande parte do "colorido" nacional. Porém, não sou - nem tenho a pretensão de ser - incolor. Esta forma de estar permite-me ser transversalmente crítico, e ao mesmo tempo louvar o mérito onde ele resida, independentemente do quadrante. Quanto à potência dos holofotes, concordo inteiramente consigo: ao devassar o que deveria manter-se discreto, torna-se no seu próprio prémio, e embacia o mérito da mais nobre das ações.

Um abraço,
Paulo M.

Nuno Raimundo disse...

Boas Jocelino...

O Paulo explicou ( e bem melhor do que o que eu poderia fazer), quais as ferramentas. são a sua conduta e forma de estar na Sociedade, que porventura fará e servirá de exemplo para os restantes, e possivelmente lhes dará o impulso necessário a mudar. mas mudar para melhor. :)

abr...prof...

Nuno Raimundo disse...

Boas Candido...

Possivelmente será...
A minha forma de ver a "coisa" foi a que exprimi, mas pode também ela (eu) estar longe da realidade, e por consequinte, eu me encontrar errado. :)

abr...prof...

Nuno Raimundo disse...

BoaS Paulo...

Agradeço o exemplo dado. :)
E como sempre, um bom post, que nos trouxe mais um agradável debate. :)

abr...prof...

José Jorge Frade disse...

Sem dúvida, um debate proveitoso!

taf

Unknown disse...

Pequena nota introdutória:
O texto, em todo o seu conteúdo, achei-o saboroso. Mostrou-me pontos de visão diferente que não os teria entendido se não o rele-se.
Dois pontos de visão - concordo
Duas formas de agir - concordo
Duas Maçonarias - discordo
Maçonaria só há UMA.
Razões erradas levam os homens a cometer erros, e inventar "Maçonarias".

O homem amará mais e por mais tempo aquilo que sabe que irá sacrificar a sua vaidade, do que aquilo que sabe ser promiscuo? Deveremos preferir aquilo ou aqueles que nos perseguem e que não nos agradam ou aquilo que nos deixa perceber que lhes agradamos sem nada dizer? ... agora a escolha recai em nós...
Libertando-nos dos escrúpulos ridículos que a educação de toda uma vida provocou em nós.
Contudo a nossa criação não será de facto um olho, que ao mesmo tempo, é um espelho capaz de ver-se a si mesmo? Não devolve o próprio Eu a cada um?
Os olhos “são o espelho da alma”, e estes o reflexo do coração.
Não será o coração o Brandy das Artes, no sentido metafórico como recepiente dos sentimentos?
Não temos que falar com os olhos se queremos afectar o espírito?
De onde chega a força?
Chegará do coração-sentimento?
Do reflexo sentimento-coração?
Alguma coisa de nós encontra-se no exterior, e nem sempre de fácil visão, apesar da casca ser transparente.
As cantarias trabalhadas a primor pelo cinzel dos artistas, constituem, por assim dizer, um poema de pedra.
Há pedras que são páginas sublimes do livro da nossa história. Saibamos, como bons trabalhadores, compreender, sentir e amar as lições que elas nos dão.

T:.A:.F:.
MOURO

jpa disse...

A Maçonaria Liberal, efectivamente implantou a Republica Portuguesa.
O modo utilizado foi errado no meu entender, pois custou a vida a pessoas de bem, e não resolveu a maioria dos problemas existentes.
Além disso afastaram-se do povo e da igreja, o que levou a um sentimento de revolta generalizado, não contra a Republica, mas contra os republicanos no poder, que não eram outros que não os Maçons Liberais.

Bom fim-de-semana
JPA

pereira do risco disse...

A definição de Maçonaria de que mais gosto, é a “forma de organizar a coragem”!... Independentemente dos que possam estar já formulando o desacordo com as minhas palavras... às vezes simplesmente porque as digo... foram os Maçons desse tempo muito mais corajosos que os de hoje... tristemente conformados com os desmandos do poder, quando não de conluio com ele. Foram os Maçons desse tempo muito mais “vanguarda”, constituindo-se como motor de um progresso que, a despeito dos vacilos provocados pela “Grande Guerra” e pela “Pneumónica”, que mergulharam o estado numa pobreza profunda que deu espaço aos ditadores, deixaram uma obra que perdura na Cidadania que hoje podemos exercer... ainda que muitas vezes dela vamos prescindindo!... E cada um que retire de tudo isto as lições que entenda, e que ajude a construir um futuro melhor para todos nós!...

Unknown disse...

Caro Pereira do Risco;

Parece-me que tive uma discussão sobre isto, à pouco tempo...
Mesmo assim cá vai:

Da forma como entendo a Maçonaria, não deve a "ideia" só por si intervir...

os homens individualmente, de acordo com a sua consciência, se o entenderem individualmente ou organizados noutros grupos que não este serão livres de o fazer...

Para mim a "Maçonaria", é uma via de iniciação e não de revoluções politicas e sociais directamente...

Não retiro, com isso, qualquer mérito aos homens envolvidos na implantação da Républica...

entendo no entanto que na minha obdiência, pelo menos, não deverá a maçonaria intervir em àreas como politica e religião...e não deverá isto ser tido em conta como falta de coragem, mas sim como a vocação da "coisa".

Se dentro de um grupo de maçons insastisfeitos com qualquer aspecto de regime, entenderem que devem intervir em consciência devem eventualmente fazê-lo...mas fora dos caminhos iniciaticos ou em organizações profanas...partidos politicos, associações de cidadãos diversas...à muito por onde escolher...

Parece-me aliás que o post que deu azo a estes comentários bastante claro e que subscrevo...haverá porventura a maçonaria liberal com vocação para esse tipo de intervenções...

Abraços
José C