01 outubro 2010

Correlação e causalidade (III)



Por esta hora estarão já uns quantos a pensar: "Podia ter-lhe dado para pior. Falar de coisas que nada têm que ver com a Maçonaria num blogue sobre Maçonaria..." Quem assim pensar está rotundamente equivocado, por três razões.

Em primeiro lugar, porque, como disse já, confundir estes dois conceitos leva-nos a conclusões precipitadas e, frequentemente, erradas e afastadas da verdade, porque ilógicas; e o estudo da Lógica é parte integrante da formação de um maçon. De facto, o estudo das Artes Liberais - base da formação para o gentlemanship - é promovido e incentivado entre os maçons.

Em segundo lugar porque um meio a que os maçons recorrem para se aperfeiçoarem consiste, precisamente, na exposição aos demais das sua próprias conquistas, das suas próprias conclusões e do seu próprio aperfeiçoamento, para que cada um possa dela retirar os ensinamentos que tiver por convenientes. Neste caso, estes textos, decorrentes da minha própria pesquisa e especulação, refletem o meu percurso na busca de algumas razões que quero agora partilhar convosco.

Como sabeis, uma das diferenças entre a Maçonaria Regular e a Maçonaria Liberal consiste na obrigatoriedade - numa - e a sua ausência - na outra - de crença num Ser Supremo, a que chamamos, para não dar prevalência à terminologia de nenhum credo religioso, "Grande Arquiteto do Universo". Começando por ser estritamente cristã, a Maçonaria Regular alargou o âmbito das fés "aceites", até aceitar qualquer crença em qualquer Ser Supremo, desde que não fosse a crença em coisa nenhuma. A Maçonaria Liberal aceita no seu seio quem tenha ou não qualquer crença. A Maçonaria Regular proíbe a discussão ou controvérsia religiosa ou política em loja; a Maçonaria Liberal promove ambas.

Mas porquê estas restrições? Não poderá surgir uma discussão sadia sobre religião entre pessoas de entendimentos religiosos distintos? Não poderá ser útil a discussão política entre irmãos de facções opostas, quiçá promovendo um entendimento que em mais contexto algum seria possível? E não poderia um ateu aperfeiçoar-se e auxiliar outros no seu respetivo aperfeiçoamento, com respeito pela crença dos demais? Claro que sim! Então porque é que nem um Grão-Mestre, com a unanimidade de toda a sua Obediência,  pode mudar alguns princípios da Maçonaria Regular?

Estas questões colocavam-se-me há já algum tempo, quando me surgiu uma resposta: os Landmarks da Maçonaria nada explicam, apenas enunciam, e isso basta. Não é necessário saber-se de que é feita uma aspirina - e muito menos entender-se como interage com o nosso organismo - para que ela nos livre de uma dor de cabeça. Não precisamos de provar a causalidade para nada - basta-nos constatar a correlação. Toma-se a aspirina e - puf! - lá se foi a dor de cabeça. Mesmo sem se perceber porquê.

Do mesmo modo, determinadas regras - algumas velhas de três séculos - não precisam de se justificar.  Passaram já a prova do tempo, e este tem-lhes dado razão. São como são, e moldam a Maçonaria de um modo com que os maçons se identificam. Como a aspirina, funcionam sem que saibamos muito bem porquê. Se compreendermos como funciona a aspirina, e com base nesse conhecimento a alterarmos de modo que atue de outra forma, tenha outros efeitos, trate doutras patologias, obteríamos talvez um medicamento melhor - mas não era aspirina. Também podíamos passar a aceitar que se jogasse futebol com a mão - mas o jogo,  ao sofrer tal alteração de dinâmica, deixava de ser futebol. E também como é evidente, muita coisa se poderia mudar na Maçonaria - mas deixava de ser, de certeza, a Maçonaria que conhecemos e, quem sabe, deixaria, de todo, de ser Maçonaria. E por isso, mudar por mudar, fica como está.

Paulo M.

6 comentários:

jpa disse...

Não será possível que a Maçonaria Regular tenha anteriormente permitido essas discussões em Loja? E tenha dado mau resultado? Daí tomar estas decisões que a meu ver são acertadas.

Bom fim de semana a todos
JPA

Candido disse...

Acho que "Ser Superior" poder ser uma coisa qualquer é algo que é distutivel.Principalmente quando se está a falar em crença! Quem pode medir o peso da crença?! Estou de acordo com jpa de que é um tema gerador de discussão inconclusiva.
Crença é crença, seja em Fatima seja na Sra da Ladeira ou naquilo que se não diz! É crente ponto!Os "não crentes",desconfiam de qualquer coisa.
Abraço para si.
Jpa: obrigado, bom fim de semana também para si para todos.

Paulo M. disse...

@jpa: Não permitia. A maçonaria surgiu num contexto de pós-guerra civil de génese religiosa, o que condicionou as "regras do jogo" no sentido de, desde o primeiro momento, se proibir esse tipo de discussão. Há algumas semanas escrevi uma série de textos sobre história da maçonaria, que poderá reler, pois referem precisamente esta questão.

@candido: Não se exige crença em nada de específico; apenas uma crença num Ser Superior, chame-se-lhe o que se lhe chame. Só se limita o acesso aos que não tenham crença nenhuma.

A todos desejo, igualmente, um bom fim de semana - espera-se que comprido.

Um abraço,
Paulo M.

Diogo disse...

Portanto, caro Paulo M., a causalidade não interessa à maçonaria, porque esta funciona. Mas será que funciona?

No seguimento deste raciocínio, o que é que é conseguido numa loja maçónica que não seja conseguido cá fora? É Cá fora que estão os grandes filósofos. É cá fora que estão os grandes cientistas em todas as matérias. O conhecimento está cá fora, não nas catacumbas de uma loja, com os seus aventais, as suas colunas, o chão em xadrez e os seus juramentos secretos.

Abraço

Candido disse...

Boas Diogo
LOLO, realmente as suas tiradas fazem falta para animar os neuronios. Oh Diogo, não seja assim tão sectário! Então o conhecimento não está onde houver seres pensantes?
Abraços

Paulo M. disse...

@Diogo: Já por mais uma vez referiu ter sólidas bases de Filosofia. Convido-o, doravante, como forma de complemento, a enveredar pelas sendas da Lógica. É uma disciplina mais dura, mais exigente, mais difícil de dominar, por não se compadecer com os circumlóquios tonitruantes que frequentemente ornam vãs e ocas diatribes de quem faz demagogia.

Por exemplo: a palavra "portanto" tem um significado específico, que traduz uma consequência; contrariamente ao que diz, nada do que escrevi permite inferir que à maçonaria não interesse a causalidade. O que eu escrevi, isso sim, foi que a causalidade nem sempre é necessária, e que, muitas vezes, basta a correlação para que se aceite uma afirmação como útil.

"o que é que é conseguido numa loja maçónica que não seja conseguido cá fora?" Pela enésima vez, a maçonaria não tem o exclusivo de coisa nenhuma. Há muitos caminhos, e a maçonaria é um deles.

"É Cá fora que estão os grandes filósofos. É cá fora que estão os grandes cientistas em todas as matérias. O conhecimento está cá fora," ... e lá dentro também, e certamente em muito maior densidade do que na população em geral. É que muitas das pessoas de reconhecido mérito "cá fora" também estão... "lá dentro"!

"não nas catacumbas de uma loja," Está, certamente, a confundir "lojas" com "templos maçónicos"; já se explicou que uma Loja é um conjunto de pessoas, e um "Templo Maçónico" é um local onde as Lojas se reúnem. De qualquer modo, deve estar mesmo é a confundir com "igrejas", que, essas sim, podem ter catacumbas; não sei de nenhum templo maçónico que as tenha.

"com os seus aventais, as suas colunas, o chão em xadrez e os seus juramentos secretos." ... e mais uma quantidade de símbolos que sabemos que sabe elencar, de tão "secretos" são.

Mas quer que lhe diga uma coisa que se aprende numa loja maçónica, desde o primeiro dia, e que o Diogo não aprende cá fora? A respeitar a opinião do outro, mesmo que se ache que ele está errado, sem o insultar, sem o agredir e, acima de tudo, sem tentar ridicularizá-lo. Essa, sim, é uma lição que a maçonaria ensina, e que muito nos agradaria que o Diogo aprendesse - se não para seu proveito, pelo menos para nosso descanso.

Um abraço,
Paulo M.