30 abril 2017

Fim do Ciclo



É propósito deste blog ser uma espécie de voz digital dos saberes da Respeitável Loja Mestre Affonso Domingues.

No seu critério editorial a publicação de textos está restrita aos Mestres Maçons da Loja e a convidados.

Hoje termina a minha condição de Mestre Maçon da Loja. Termina o percurso nesta Loja continuando noutra.

Hoje fecho aqui a minha participação, que nos últimos anos por força de funções desempenhadas tem sido quase inexistente.

Um Agradecimento a todos os leitores.

Um abraço a todos os demais escribas.

José Ruah

24 abril 2017

Respeitável Loja Comércio e Artes, n.º 99


Algo que é inerente à vida maçónica é a visita a outras Lojas. Por essa forma, o obreiro pode apreender as semelhanças e diferenças que existem entre a Loja que visita e a sua própria Loja e rapidamente se apercebe que, mesmo com diferenças, apesar das variantes, é a mesma Maçonaria que se pratica. Podem os rituais ser diferentes, podem as palavras e os gestos e movimentos ser diversos, pode a prática e a forma de execução ser dissemelhante, mas o espírito e o propósito são exatamente os mesmos.

Só raramente visito outras Lojas. Mais raramente do que gostaria e muito mais do que deveria. Mas recentemente - um dia não são dias... - tive oportunidade de, aproveitando uma deslocação e estada no Porto, visitar a Respeitável Loja Comércio e Artes, n.º 99. Esta Loja tabalha no Rito Adonhiramita, um rito que nasceu em França em meados do século XVIII, foi introduzido em Portugal no século XIX e daqui migrou para o Brasil, onde adquiriu assinalável expansão. Entretanto, caiu em desuso em Portugal, até que há alguns anos, fez o percurso inverso e, do Brasil, reintroduziu-se em Portugal, sendo agora um dos cinco ritos e rituais praticados pela GLLP/GLRP (os outros quatro são o Rito Escocês Antigo e Aceite, o Rito Escocês Retificado, o Rito de York e o Ritual de Emulação).

O Rito Adonhiramita tem evidentes diferenças em relação àquele que se pratica na Loja Mestre Affonso Domingues, o Rito Escocês Antigo e Aceite. Mas a ideia, o propósito, o objetivo, são exatamente os mesmos. Assistir à execução do Rito Adonhiramita pelos Irmãos da Respeitável Loja Comércio e Artes, n.º 99, foi uma agradável suspresa. O rito é bonito e apelativo. Foi muito bem executado por todos os Oficiais, com um justo destaque para o Irmão que executou o ofício de Mestre de Cerimónias. Não era o Oficial titular, mas não se notou...

Em menos de duas horas de trabalhos - que passaram depressa... - foram apresentados dois trabalhos por dois Irmãos Aprendizes e uma Prancha Traçada por um Irmão Mestre. Todos os trabalhos mostraram qualidade acima da média, revelando-se claramente que a Loja está a trabalhar muito bem, a formar convenientemente os seus Aprendizes e todos os seus obreiros.

A Respeitável Loja Comércio e Artes, n.º 99, é uma Loja recente e, portanto, ainda com um pequeno número de obreiros. Mas vê-se ali muita qualidade e sente-se espírito de união. Auguro um muito agradável futuro a esta Loja. Repetindo aqui o que tive oportunidade de referir na sessão da Loja, acho justificado fazer a esta Loja o maior elogio que eu lhe poderia fazer: estar nesta Respeitável Loja Comércio e Artes, n.º 99, assistir aos seus trabalhos, ver a correção e o empenho de todos, sentir a exemplar união ali existente, transportou-me à minha Loja Mestre Affonso Domigues, nº 5, de há vinte e cinco anos atrás. Estou, pois, certo, que esta nova Loja fará um percurso, terá uma evolução, pelo menos tão agradável como foi a da minha Loja. A qualidade está lá. O espírito de união também. A capacidade, idem!

Após os trabalhos, tive o gosto de acompanhar os Irmãos no ágape, de são e agradável convívio. Mais uma vez, senti-me em casa...

Agradeço ao Venerável Mestre  e a todos os Irmãos da Respeitável Loja Comércio e Artes, n.º 99, a excelente receção que fizeram o favor de me proporcionar. Espero vir a ter oportunidade de repetir a visita. Reitero o convite que a todos fiz de que, quando possam, venham visitar a Loja Mestre Affonso Domingues. Sobretudo, recomendo a todos os Irmãos da GLLP/GLRP que visitem esta Loja. Asseguro-vos que não darão o vosso tempo por perdido. Encontrarão um Ritual interessante, muito bem executado, trabalhos empenhados e de qualidade, uma atmosfera de comunhão e amizade entre todos. Em suma, Maçonaria no seu melhor!

Rui Bandeira 

17 abril 2017

Os senadores


Esta é uma denominação ou classificação que não existe em Maçonaria. Coloquialmente, é uma expressão que, na nossa Loja, é usada para referir os elementos mais antigos dela. Dir-se-ia que é uma expressão desnecessária, que pode muito bem referir-se o mesmo grupo simplesmente como Mestres Instalados. Mas, em bom rigor, nem todos os Mestre Instalados são senadores da Loja e pode muito bem haver senadores da Loja que não são Mestres Instalados. 

Mestres Instalados são os Mestres da Loja que exerceram o ofício de Venerável Mestre e é aquele que, no momento, tem a responsabilidade de dirigir a Loja. A designação resulta de a tomada de posse, digamos assim, do ofício de Venerável Mestre se realizar através de uma cerimónia em que o eleito para exercer a função é instalado no assento onde toma lugar o Venerável Mestre, designado por Cadeira de Salomão. Mestres Instalados são, portanto, elementos experientes da Loja, que exerceram vários ofícios da Loja antes de serem eleitos para o de Venerável Mestre e, em consequência, terem sido instalados na Cadeira de Salomão. Mas o conceito coloquial de senadores que é usado na nossa Loja é ligeiramente diferente.

Para nós, um senador da Loja é um elemento que, pela sua antiguidade e pela sua assiduidade adquiriu uma noção de como é a Loja, como ela funciona, como ela reage, das suas virtudes e dos seus defeitos, que é reconhecida pelos demais, que, por isso mesmo, dão especial atenção aos seus conselhos e propostas para resolução de qualquer problema ou definição do rumo da Loja.

Nem todos os Mestres Instalados são reconhecidos pelos demais como senadores da Loja, porque, por vicissitudes várias, reduziram ou interromperam, durante algum tempo, a sua assiduidade na Loja, com inevitável reflexo na diminuição do seu profundo conhecimento dela e da sua evolução. 

Mas também haverá senadores da Loja que vão sendo reconhecidos como tal, apesar de não terem (ainda) exercido o ofício de Venerável Mestre. São assíduos, são participativos, conhecem a Loja a fundo. Só não exerceram (ainda) o ofício de Venerável Mestre porque tal anda não se proporcionou. E repare-se que tive o cuidado de não utilizar o conceito de Mestre... É que, por exemplo, na nossa Loja existe um Aprendiz que, por vontade própria, permanece nesse grau há vários anos, não aceitando passar ao grau seguinte... Como na nossa Loja (e deve suceder em todas as Lojas) o respeito pela individualidade dos seus obreiros é total, não há nenhum problema nisso. Periodicamente, pergunta-se a esse Irmão se é tempo de seguir adiante. Ele tem vindo sempre a responder que não. Respeita-se a sua opção e decisão. Claro que, ao fim de significativo tempo, já se brinca um pouco com isso, mas não deixa de se respeitar a opção deste nosso Aprendiz. Um dia destes, ainda criamos, só para ele, a figura de Aprendiz-Mor...! E suspeito que tempo virá em que, mesmo Aprendiz - se persistir em nesse grau permanecer - outro dia destes este "Aprendiz-Mor" adquire, por direito próprio, o estatuto de senador da Loja...

Os senadores da Loja, por tão bem a conhecerem, podem fazer-lhe muito bem, mas também podem causar-lhe grave dano. 

Serão benéficos para a Loja se derem o seu conselho, formularem a sua opinião, mas resistirem à tentação de procurarem impor os seus pontos de vista. Ao contrário do que sucede na vida militar, a antiguidade não é posto. E também não constitui garantia de se estar certo, de se ter razão. E, mesmo quando está certo, o senador deve sempre ter presente que os mais novos têm direito ao erro, que porventura até necessitarão de cometer erros, de suportar as consequências deles e de os superar. Tal como sucedeu com o senador, que seguramente não foi infalível e evidentemente que cometeu a sua quota-parte de erros.

Serão perniciosos para a Loja os senadores que, por convencimento ou falta de cautela, se derem demasiada importância a si próprios, à sua experiência, ao seu conhecimento da Loja, e insistirem em tentar impor os seus pontos de vista, as suas ideias, e busquem conduzir a Loja pelos caminhos que lhes suscitem os seus amores e os seus temores. Porque isso é arrogar-se ser dono da Loja e isso a Loja não lho permite. Com ou sem experiência. Mesmo conhecendo e respeitando toda a assiduidade e dedicação.

No fundo, a questão é sempre a mesma: o principal princípio que impera na Loja é a essencial Igualdade entre todos. Podem uns iguais atentar com especial atenção em iguais mais antigos e mais experientes. Nunca - e fazem muito bem! - aceitarão anular-se ou prestar injustificada vassalagem ao senador só porque o é. Tal como um maçom só o é porque é reconhecido como tal pelos seus Irmãos, a influência do senador na Loja é apenas aquela que os seus Irmãos lhe reconheçam.

É assim que deve ser . E, senador ou não, se porventura algum dia alguém se esquecer disto, corre o risco de falar, falar, falar, convencido de que convencerá os demais a seguirem o caminho que as suas palavras iluminam e, quando se der conta, verificar que está, afinal a falar sozinho...

Rui Bandeira

10 abril 2017

O obreiro e o Grande Oficial


Sempre que um obreiro de uma Loja é eleito ou designado Grande Oficial é uma satisfação para essa sua Loja e os que a integram. Para além do mais, é um reconhecimento do valor do obreiro e esse resulta também do trabalho da Loja. Mas, assim sendo, devem ambos, obreiro e Loja, estar cientes que esta situação implica a necessidade de alguns ajustamentos, seja em termos de disponibilidade do obreiro em relação à Loja, seja sobretudo em termos de relacionamento entre o novel Grande Oficial e os demais elementos da sua Loja.

Quanto às consequências para a disponibilidade do obreiro em relação à sua Loja, dependem as mesmas do tipo de ofício  que o Grande Oficial vai desempenhar. Haverá poucos constrangimentos se se tratar de um ofício com atividade essencialmente ritual e exercida em sessões de Grande Loja. Nesse caso, o obreiro poderá manter a sua disponibilidade praticamente total para a sua Loja, pois apenas estará impedido no decurso das sessões rituais de Grande Loja e terá só que compatibilizar as suas tarefas em Loja com o estudo e preparação da sua intervenção ou atuação enquanto Grande Oficial. Já se o ofício na Grande Loja for de natureza administrativa ou implicar alguma dedicação de tempo, inevitavelmente que a participação e colaboração na Loja do Grande Oficial que assumiu esse tipo de responsabilidade se ressentirá. 

Esta necessidade de afetação de tempo ao cumprimento de ofício de Grande Oficial deve sempre estar presente no espírito do obreiro, de modo a que este salvaguarde o justo equilíbrio entre a sua disponibilidade e o cumprimento das suas obrigações e o seu desempenho, quer perante a Grande Loja, quer perante a Loja. Tocar demasiados instrumentos em simultâneo faz com que nenhum seja executado com a devida qualidade... Assim, o obreiro deve estar sempre consciente das limitações decorrentes do exercício de ofício em Grande Loja em relação à sua Loja e necessita de utilizar, mais frequentemente do que desejaria, a palavra "não". Não aceitar tarefas que, por colidirem com o ofício em Grande Loja ou com o tempo que precisa de lhe dedicar, não poderá vir a cumprir com qualidade e eficiência é imposição de bom senso. Por sua vez, a Loja e os seus responsáveis deverão ter sempre presente a limitação que impenda sobre o obreiro, resistindo à tentação de o procurar convencer a "dar um jeitinho". Quer se queira, quer não, a qualidade, o acerto ou a eficiência na execução da tarefa será sempre afetada. Ou então fica afetado o cabal desempenho ds obrigações enquanto Grande Oficial...  Pode a acumulação insensata eventualmente ser suportada, sem grande problema, durante algum tempo, com esforço acrescido do obreiro Grande Oficial. Mas, para além da injustiça que constitui a sobrecarga infligida ao obreiro, sempre se aumenta o risco de, mais tarde ou mais cedo, ele vir a falhar em algo que não falharia, não fosse essa sobrecarga.

No entanto, por muito importante que seja - e é! - a consideração da disponibilidade, a questão essencial respeita ao relacionamento entre a Loja e o seu obreiro Grande Oficial. Isto de ser Grande Oficial tem agarradas algumas implicações que propiciam desvios do correto relacionamento entre a Loja e o seu obreiro Grande Oficial. Afinal todos somos humanos e nenhum de nós é perfeito... O Grande Oficial usa um avental todo bonito, todo cheio de arrebiques e dourados (e também carote, diga-se em abono da verdade...). O Grande Oficial tem direito a tomar lugar no Oriente, ladeando o Venerável Mestre e, quando presente, o próprio Grão-Mestre. O Grande Oficial, naturalmente, é credor da cortesia de saudação específica. Tudo isso propicia a sensação de "importância", de "poder", de "autoridade", de diferença entre o Grande Oficial e os demais obreiros da Loja. Pode propiciar tudo isso, mas a Loja ou o Grande Oficial que porventura caírem numa dessas armadilhas estão a precisar de uma reciclagem sobre o seu entendimento do que é a Maçonaria e do que é ser maçom! 

A este respeito e para evitar dissabores e erros, é importante que a Loja e o Grande Oficial tenham sempre presentes dois princípios, que, sendo-o, por natureza são inegociáveis: (1) ser Oficial da Loja ou ser Grande Oficial, não é uma honra, é um serviço; (2) todos os maçons, desde o mais recente Aprendiz ao Grão-Mestre, passando por todos os obreiros que, com discrição, procuram cada dia ser um pouco melhores do que eram na véspera, são essencialmente iguais.

Ser Oficial de Loja ou ser Grande Oficial não é uma honra, não é um privilégio, não é um título. Ser Oficia de Loja ou ser Grande Oficial é, simplesmente, assegurar um ofício, uma tarefa. O Oficial de Loja não é comparável ao Capitão ou Major de uma Companhia ou Batalhão, Ser Grande Oficial não tem, em bom rigor, nada a ver com ser General de um Exército. O termo "Oficial" não tem nada a ver com nomenclatura militar. Em Maçonaria, Oficial é o que assegura um ofício, o que cumpre uma tarefa. Tão só!

Em Loja, todos, rigorosamente todos, são essencialmente iguais e como iguais são e só podem ser tratados. Eventuais deferências são devidas à função, não ao que a exerce. O Grande Oficial não tem nem mais um pingo de importância por o ser. É exatamente como era até ao momento em que começou a exercer o ofício e como será depois de o deixar de exercer. Não tem assim importância acrescida em relação aos demais obreiros. Continua a ser mais um entre todos e é assim que deve ser e que se deve sentir confortável. A sua palavra tem o mesmo peso que tinha antes de ser Grande Oficial, tem a mesma importância do que a de qualquer outro Mestre da Loja.

O obreiro pode ser Grande Oficial. Mas na sua Loja é apenas - e tanto é! - mais um igual entre iguais. Na sua Loja, o Grande Oficial pode usar um avental todo apinocado, pode sentar-se no Oriente, pode tudo isso. Mas continua a ser, a dever comportar-se e a ser tratado da única forma que faz sentido sê-lo na sua Loja: como um Irmão, mais um do grupo, mais um entre todos. E muito isso é! E sobretudo é o que interessa!

O obreiro pode ser Grande Oficial. Mas, antes de tudo, acima de tudo, mais importante do que tudo, continua a ser um obreiro da sua Loja.   

Rui Bandeira

03 abril 2017

Lição prática de Maçonaria


Um maçom português está na Alemanha. Outros maçons portugueses vão à Alemanha visitar uma Loja local. Tertulia-se. A conversa faz-se em torno de um tema cujo ponto de situação atual suscita dúvidas. Esse maçom português comunica por mensagem de correio eletrónico com um experiente e sabedor maçom residente no norte de Portugal. Por acaso, o tema em causa não é assunto em que o maçom residente no norte de Portugal seja especialmente versado. Para não dar uma resposta errada ou incompleta, remete a questão a outro maçom, também já com alguma experiência, que reside em Lisboa.

Por coincidência, esse maçom residente em Lisboa tinha recentemente ultimado um texto sobre o tema, que considerou que esclarecia as dúvidas suscitadas na teruliana conversa. Envia esse texto ao maçom do norte de Portugal. Por sua vez, o maçom do norte de Portugal envia o dito texto ao maçom que está na Alemanha, que por sua vez o circula pelos outros elementos que tiveram a tertuliana conversa onde surgiram as dúvidas.

Entretanto, o maçom do norte de Portugal acha que o tal texto pode ser interessante para outros maçons e, com a prévia anuência para tal do maçom de Lisboa, faz circular o dito texto pela sua lista de contactos maçons.

Sucede que, no tal texto, o maçom de Lisboa escrevia, a dado passo, que havia uma pequena parte do assunto que não podia melhor desenvolver, porque não lograra encontrar um documento essencial para tal.

Um dos maçons da lista de contactos do maçom do norte de Portugal, por fortuna, tinha a tradução em castelhano desse documento que o maçom de Lisboa não conseguira encontrar. Logo tomou a iniciativa de enviar essa tradução em castelhano para o maçom de Lisboa, que pode assim aperfeiçoar o seu escrito com o desenvolvimento que faltava.

Tudo isto se passou em não mais de 24 horas. De todos os intervenientes, o maçom residente em Lisboa apenas conhece pessoalmente o maçom que reside no norte de Portugal. Uma conversa gerou uma dúvida e, de uma normalíssima diligência para esclarecimento dessa dúvida, gerou-se, em muito pouco tempo, uma cadeia de eventos em que vários elementos se ajudaram a melhor esclarecer todos sobre o assunto em causa. Essa cadeia de eventos permitiu, designadamente, que aquele que ajudou acabasse, afinal, por ser também ajudado.

Materialmente, ninguém ganhou nada com isto - afinal, uma banal cadeia de eventos do quotidiano. Mas, no final, todo um conjunto de pesoas ficou a saber mais um pouco, designadamente em relação ao tema que gerou a dúvida.

A Fraternidade é isto. Permite que Irmãos que se encontram a centenas e milhares de quilómetros uns dos outros e que, na sua maior parte, nem sequer se conhecem pessoalmente, naturalmente cooperem entre si, se auxiliem e cada um aprenda um pouco com o que os demais lhe proporcionam.

Assim são os elos da cadeia de União que une os maçons, que funcionam para as pequenas coisas (como esta que descrevi) e possibilitam, quiçá, grandes realizações. Porque são as pequenas coisas que cimentam os alicerces das grandes edificações. Por isso a Maçonaria é uma Fraternidade que completa este ano trezentos anos, está bem e recomenda-se e prepara-se para os próximos trezentos. 

Rui Bandeira

27 março 2017

Comunicação do Grão-Mestre por ocasião do equinócio da primavera


Queridos Irmãos em todos os vossos graus e qualidades, a todos saúdo: sede bem-vindos à casa dos valores, à casa dos irmãos, à nossa casa. 

Hoje celebramos em Grande Loja o equinócio de Primavera. O vocábulo “equinócio” forma-se a partir de duas palavras latinas: ‘aequus’ que significa ‘igual’ e ‘nox’ que significa noite. Estamos, portanto, numa data, em que a inclinação da terra e os raios da luz do sol, garantem igual duração dos dias e das noites. 

Igual e permanente durabilidade também deve ter para o maçom, o brilho dos vértices do triângulo rectângulo em que assentam os princípios que sempre nortearam a nossa Augusta Ordem: Liberdade, Igualde, Fraternidade: liberdade de consciência e liberdade de pensamento, que permitam a todo o ser humano a aventura de conhecer-se e construir-se; a tolerância e a compaixão fraternal para com o semelhante, o respeito pela dignidade humana sem olhar a credos, classes sociais, raças, género, orientação sexual ou outro tipo de ideias ou ideais. 

Em 2017 a maçonaria moderna celebrará o seu terceiro centenário: a Maçonaria mundial completa 300 anos desde que se atreveu a sonhar e lutar por um ideal de Humanidade, suportado por princípios simples, mas fundadores: o direito de pensar e o dever de tolerar. 

Lamentavelmente, neste início conturbado de terceiro milénio, o mundo e a humanidade ainda está muito longe de ser um lugar que aceite e pratique pacificamente estes ideais simples e fundadores, perpetrando-se ainda muitas formas de obscurantismo: fundamentalismos religiosos, totalitarismos políticos, pensamentos únicos e outras ameaças. 

O velho mundo Europeu e o novo mundo Americano, criadores e resguardos da democracia e dos valores: por vezes cambaleiam, vacilam, duvidam do caminho! Nós maçons, nunca podemos cambalear, vacilar, duvidar: os valores são as nossas únicas grandes luzes, que permanentemente devem aclarar o nosso caminho. 

A este propósito, no dia 27 de Fevereiro último, pela primeira vez na história, um Presidente francês, neste caso François Hollande, visitou o Museu da Franco-Maçonaria em Paris. O objectivo foi simples e claro: reconhecer e enaltecer a contribuição positiva e fundamental que teve a Maçonaria francesa para a história da França, para a história dos países latinos e de maneira universal para a história da Europa, do mundo livre, democrático e progressista.

No seu discurso, François Hollande referiu-se à Maçonaria como grande impulsora do fim do colonialismo, da concessão da nacionalidade francesa aos judeus, da autorização dos sindicatos, do direito de associação, da liberdade de imprensa, da laicidade do Estado francês, do ideal de liberdade dos Estados Unidos ou ainda da fundação da Sociedade das Nações como ponte entre os povos. 

Respiguei algumas passagens do seu discurso que gostaria hoje de partilhar aqui com todos os meus irmãos, para que ouçais e mediteis, para que vos enchais de orgulho e continueis a dar as mãos aos valores em inabalável cadeia de união. 

"No nosso tempo, a Maçonaria é uma bússola muito valiosa, uma luz que ajuda a compreender os problemas para lhes dar respostas. A Maçonaria não se baseia num dogma fechado, mas sim numa visão aberta, é um método e não apenas uma finalidade de propósito. Hoje não diria que as batalhas são as mesmas, mas ao fim de três séculos, são os mesmos valores que precisamos promover, que precisamos organizar, que precisamos defender até atingir o âmago das nossas sociedades que, entretanto, mudaram e evoluíram. 

A Liberdade em primeiro lugar, a liberdade contra o obscurantismo, contra o fanatismo, contra o fundamentalismo, a liberdade absoluta de consciência, contra os dogmas, a liberdade de pensamento contra aqueles que procuram censurar. [...] 

A Igualdade, que no passado serviu para garantir a igualdade política entre todos os cidadãos, independentemente da sua origem ou das suas condições; nos nossos dias, deve servir para impulsionar outras formas de igualdade. [...] 

E a declaração da vontade de caminharmos juntos, de solidariedade anónima, um valor excepcional de fraternidade que implica caminhar com todos os demais. [...] Não podemos defender a liberdade se contradizemos a igualdade; não podemos defender a igualdade, se mitigamos a fraternidade". 

"Enganam-se os perversos que associam a maçonaria a forças secretas, tal um poder oculto por trás de todos os acontecimentos; é bem mais simples: muitos maçons têm desempenhado um papel importante em nome de uma ética que os predispõe à acção, uma vez que seus valores os conduzem ao progresso. 

Foi a vontade de alguns espíritos brilhantes para associar a razão científica dos sábios, ao ideal humanista dos filósofos à aspiração e transcendência dos artistas que forjou o vosso ideário e a vossa vontade. Numa França, naquele tempo ainda dominada pela monarquia absoluta e a religião do estado, as lojas foram à vez um refúgio de tolerância e uma escola de democracia". 

"Muitos maçons foram, ao mesmo tempo, criadores de grandes textos da Revolução, mas igualmente vítimas do desenrolar dos acontecimentos: das purgas do Terror, da regulação do Império, da repressão da Restauração, […]

Esta é a memória dolorosa da Maçonaria francesa, sempre perseguida pelas ditaduras, […] sempre que houve sombras escuras a pairar na história, os maçons foram perseguidos e ainda continuam a ser. […] e a história sombria de todos aqueles que quiseram questionar-vos sobre o que sois, e que sempre cultivaram as mesmas calúnias, os mesmos fantasmas em nome de uma conspiração que não perde, infelizmente, a sua validade. Basta clicar na Internet, e imediatamente ver ressurgir os conspiradores, e todos aqueles que pensam que os maçons andam neste mundo sempre a preparar não sei muito bem que tipo complô. É desconcertante, mas, infelizmente, propagado, cultivado e difundido." 

Meus irmãos: armai-vos das vossas espadas: continuam profanos à porta do tempo, vociferando calúnias contra nós, desejando apenas a nossa morte e a morte dos valores universais da maçonaria. 

E era esta a mensagem simples que neste equinócio queria partilhar convosco, através da força da palavra e dos valores, e deles imbuídos, continuaremos o nosso caminho, humildemente, harmoniosamente, assumindo a plenitude universal da Maçonaria, para continuar a consolidação e edificação da nossa Augusta Ordem, a bem da Humanidade, à Glória do Grande Arquitecto do Universo. 

Julio Meirinhos 
Grão-Mestre

Publicado por Rui Bandeira

20 março 2017

"Veneráveis e Veneralatos..."


Tal como o Rui Bandeira sabiamente explanou nos seus últimos dois textos e que se reportavam à vida interna das Lojas maçónicas, também é de fulcral relevância salientar o contributo que os Veneráveis Mestres (VM) ("presidentes da Loja")  têm em relação à vida interna destas Lojas.

A própria dinâmica da Loja depende grande parte da dinâmica imprimida pelo seu Venerável Mestre bem como pela sua forma de gerir os "destinos" da Loja.

Uma larga maioria não consegue separar -  e isto não é crítica sequer - o mundo profano do mundo iniciático, ou seja, por defeito profissional, muitos nas suas vidas laborais gerem e dirigem pessoas, logo tenderão a agir na Maçonaria da mesma forma que o fazem no mundo profano. Sendo também, por isso mesmo, mais fácil para estes tomar a seu cargo os destinos de uma Loja e a gerir o que lá se passa no seu interior. Mas não releguemos também que a sua forma de agir e estar perante a Sociedade, a sua Educação e Formação Académica também auxiliam e muito o seu (bom!) desempenho, nomeadamente na forma de lidar com a Loja e os seus membros.

Não existem manuais de sobrevivência para um "VM", existirão sim pequenos guias ou opúsculos que algumas Lojas ou Obediências tenham escrito para facilitarem um pouco a vida de quem durante um ano (em média) terá a responsabilidade de gerir a Loja, mas o essencial para a gestão da Loja será a sua vivência e praxis maçónica. Sendo que uns serão mais "ritualistas" e outros mais "administrativos" no cumprimento das suas funções. 

- Cada um como cada qual... - 

Mas não obstante, esta diferenciação da forma de gerir e de estar, pois a cada identidade corresponderá uma forma de gerir, permite a vantagem mesmo que uma Loja tenha uma prática de trabalho homogénea, esta será sempre um pouco diferente de ano para ano, possibilitando aos seus membros não ficarem reféns de um certo marasmo que não lhes possibilite evoluir, seja maçónicamente quer pessoalmente.

Outra das vantagens que diferentes abordagens ou estilos de gestão permite, é que pelo facto de a presidência da Loja ser quase sempre anual e dependente de sufrágio pelos Mestres que compõem a assembleia da Loja,  impedirá, por certo(!), determinadas formas gestionais de cariz ditatorial prolongadas no tempo; resultando que se um dado "VM" desempenhar mal ou de forma nefasta o seu cargo, a Loja somente terá de o "aturar"  um ano - ou menos ! -, mas possibilitando a alguém que desempenhou um bom ofício, que soube conviver bem com as responsabilidades que lhe estavam inerentes, e que num bom português eu possa dizer que tenha levado a Loja a "bom porto", deixando saudades e inclusive "fazendo escola", criando assim alguns seguidores que queiram prosseguir nessa forma de (bem) gerir.

- E cada Loja é uma Loja, tal como cada maçom é diferente do seu semelhante -.

Cada Loja tem a sua identidade própria, podendo ser parecida ou não com as outras de uma mesma Obediência, até porque cada Loja é formada por gente que também pode ser diferente entre si. A heterogenia dos seus membros é uma das grandes qualidades que a Ordem Maçónica se pode orgulhar e enaltecer.

Mas por outro lado, e porque nem tudo "são rosas...", nem sempre corre tudo bem ou como deveria ocorrer, dado existirem, por vezes, Lojas que não deveriam estar sequer em funcionamento dado que o que se passa no seu seio ser tudo menos maçónico, e quase sempre com a conivência do seu "VM". - mesmo que ele não seja o responsável por tais actos, a Loja depende dele e ele será sempre a pessoa que dará a cara pela Loja! - E por causa disto é que um "VM" tem de ter características naturais de um Homem bom, Livre e com bons costumes,  - soa a "beato" mas é assim que tem de ser - para que tais situações menos nobres não ofusquem a Luz que deve resultar da Maçonaria e emanar na sociedade à sua volta.

Ser "VM" nao é tarefa fácil, não é "bater malhete" como se queira... Existem determinadas regras a cumprir e a fazer por cumprir!
Logo, ser investido nas funções de Venerável Mestre não poder ser encarado de forma singela, mas antes como uma demanda tanto pessoal como colectiva. Pessoal porque tal é desempenhado através de um labor próprio e que depende intrinsecamente de si mesmo, e colectivo porque é feito a bem da Loja e da Obediência em geral.

Não é fácil esta tarefa, tal como salientei. E uma parte importante deste trabalho também e que não pode ser esquecida é o apoio que os obreiros da Loja dão ao seu "VM", auxiliando-o na condução dos "trabalhos", promovendo iniciativas em prol da Loja, produzindo Trabalhos/Pranchas  e debatendo respeitosamente a vida interna da Loja. 
Apenas uma Loja com obreiros activos e cujo "VM" seja alguém que possibilite a troca de ideias efectivas, terá um bom prenúncio na sua existência, pois as boas decisões nunca estão sozinhas e muitas das vezes para serem correctamente aplicadas dependerão daqueles que, por sinal, as terão de cumprir...

E por isto que anteriormente afirmei é que considero que uma Loja não é do seu Venerável Mestre, mas sim, que o Venerável Mestre é que é da Loja!
E quem não interiorizar isto, ou não sabe ao que se propõe ou não estará bem na Maçonaria...

Mas nem sempre quem já foi "VM" quis despir o seu cargo, isto é, são mestres que embora já não detenham essas funções, mas que mesmo assim desejam e insistem em o a continuar a o ser... Obstaculizando de forma premente o trabalho que o "VM" em exercício possa fazer. Condicionando este com atitudes ou ideias suas e acicatando os demais obreiros contra o desempenho do seu "VM"; considerando eu isto como uma forma de rebelião que não deveria ter lugar num espaço onde a fraternidade deveria ser um dos seus pilares fundamentais.
Mas pior que isto, serão aqueles que nunca cumpriram tal ofício mas que acham que o desempenharam ou que detêm o direito de o vir a ocupar de forma unilateral, condicionando activamente o desempenho que o "VM" deverá levar a seu cargo...

Enfim, há de tudo um pouco...infelizmente!

Até existem aqueles, sendo mestres ou não, que se acham a "voz da razão" e assim se acharem os "donos da Loja", bloqueando tudo (ou quase...) aquilo a que se propusera a fazer o seu "VM". E esta forma de inquinar uma Loja não deveria ser aceite pelos seus membros e muito menos ser feita com a complacência de um "VM", pois foi ele o eleito para a direcção da Loja e mais ninguém. Uma coisa é um "VM"  aconselhar-se, outra diferente, é deixar outros executarem o seu trabalho.

E é por isto que amíude existem cisões e/ou "abatimentos de colunas" de Lojas com "adormecimentos" ou transferências de membros para outras Lojas, porque já não é possível a convivência entre si. Deixando eu à reflexão para os demais esta situação que é deveras importante para a sobrevivência de uma Loja.

Um "VM" que saiba desempenhar bem o seu cargo nunca permitirá que aconteça o que eu referi e saberá, ou pelo menos tentará, gerir os egos e diferenças de opinião que existem no seio da sua Loja. Essa sim, será talvez a maior dificuldade que poderá encontrar durante o seu veneralato, pois as questões rituais ou administrativas, quando não são graves, são facilmente tratadas ou ultrapassadas. E regra geral são as Admissões de profanos com as suas Iniciações,os "aumentos de salários/graus", gestão corrente da tesouraria da Loja e pouco mais. Aqui sim, um "VM" pode pelas suas qualidades pessoais fazer diferente dos restantes que passam por essa função; a tal "dinâmica" que abordei.

Felizmente que a Respeitável Loja a que pertencem os Mestres "escritores" neste blogue conta nas suas colunas com gente com conhecimentos suficientes para fazer prosperar a Loja. Apoiando-se nos seus membros mais antigos que com a sua experiência e sabedoria corrigem qualquer "desvio administrativo" ou erro ritual que possa surgir, bem como nos seus membros mais recentes, gente pronta a "arregaçar as mangas" e por-se a trabalhar, assim os deixem. 
É somente devido a esta conflexão de "ideias e vontades", convergindo numa acção perseverante e regular, é que uma Loja tem um bom futuro assegurado.
Não basta viver à sombra de feitos do passado, e esta Loja os tem feito; há que criar sempre novas dinâmicas e formas de gerir e a Respeitável Loja Mestre Affonso Domingues nº5 conta já no seu historial de mais de 25 anos de trabalho ininterrupto com gente capaz de o fazer por mais 25 anos e até mais... E gente que pela sua forma de estar, pela sua sensibilidade pessoal  e apoiada nos vastos conhecimentos de alguns dos seus Irmãos, podem ser "herdeiros naturais" da linha de sucessão criada à vários anos  na Loja e que ainda hoje em dia se utilliza.

E concluindo um texto que já vai longo, um Venerável Mestre como sendo alguém com a responsabilidade da gestão anual da Loja, nunca poderá pensar a curto prazo, apenas na gestão corrente, mas sempre com um pensamento a médio/longo prazo, para que a Loja não divirja nos seus destinos, não se preocupando em deixar um "legado pessoal" mas sim, algo sustentado pelo tempo. E por isso mesmo, deve ser alguém com vontade de trabalhar e com "espírito diligente" e rigoroso, sendo meticuloso e disciplinado no que faz, devendo ser o melhor "relações públicas" da sua Loja, pois ele é que dará a cara por ela; não devendo ter um perfil autocrático, mas antes um elevado sentido fraterno. 
Em suma, ser alguém que goste de trabalhar e que o faça pelos outros, não esperando qualquer tipo de encómios à sua pessoa.  

- Somente tendo uma postura humilde perante os seus pares, pode um "VM" ser exaltado pelos demais, e isto se assim o tiver de ser... - 

Para além disso, terá de ser alguém capaz de estabelecer pontes entre os Irmãos que tenham divergências ou contendas entre si, sendo um bom ouvinte e confidente, para além de ter a capacidade em aconselhar os obreiros naquilo que necessitem do seu "VM", e que saiba agir com a "parcimónia" necessária ao seu cargo, sem impulsos ou afins... pois terá de ter a ponderação necessária a cada decisão que tenha de tomar ou que venha a ter de aplicar em relação às funções a si designadas como representante da Loja na Obediência onde esta se encontra filiada. E chegando ao final do seu veneralato, ter a capacidade de fazer um auto-exame de consciência e reflectir no que se propôs a fazer, no que fez e no que poderia ter feito e extrair de aí as suas próprias conclusões, por forma a que quando se sentar no Oriente ao lado do próximo "VM", poder ser ele, também, uma "voz" de e em auxilio a este, porque a função de Past-Venerável ou Mestre Instalado não é mais que isso, uma voz em auxilio do novo Venerável Mestre. 
E como "VM" reconhecer que recebeu a Loja com um determinado funcionamento, em determinado momento, e que entregou ao seu substituto na "cadeira de Salomão" uma Loja que deverá ser mais coesa e mais forte do que aquela que terá recebido do seu antecessor, - esta é a sua obrigação! - o que nem sempre é simples de ser feito. 
Não deixando nunca de ter sempre presente a noção de que por qual forma pretenderá  ser (re)conhecido no final do seu ano de trabalho, se por ter sido "Venerável" ou pelo seu "Veneralato"...