16 junho 2025

O Futebol e o Espírito da Maçonaria

 

Diz-se, e com razão, que em Loja não se discute futebol. Tal como a política ou a religião, o futebol desperta paixões intensas. As paixões, quando desgovernadas, nunca ou raramente constroem.

Mas há um lado luminoso nessas mesmas paixões, a capacidade de juntar milhares em torno de uma ideia, de um símbolo, de um propósito comum. E quando essa energia é canalizada com elevação, pode erguer verdadeiras catedrais humanas, dentro e fora do Templo.

Há poucas coisas no mundo profano que consigam unir tantas pessoas, de tantos cantos do mundo, como o futebol. Línguas diferentes, culturas opostas, crenças divergentes, e ainda assim, num estádio, ou diante de um ecrã, milhares erguem-se ao mesmo tempo, pelo mesmo motivo.
É um fenómeno de comunhão., de pertença, do símbolo.

E, curiosamente, não está assim tão longe do espírito da Maçonaria.



Também nós, Maçons, vestimos aventais, às vezes, de cores diferentes mas trabalhamos para o mesmo fim. Também nos reunimos em assembleias silenciosas, vindos de mundos tão distintos, para construir em conjunto, também nós acreditamos que, no meio do caos, pode haver harmonia se houver propósito, vontade e elevação.

Ver um clube como o Benfica (peço desculpa aos nãos Benfiquistas, mas a verdade é para ser dita), que tantos Portugueses une, até mesmo entre a diáspora entrar em campo num torneio global como o Mundial de Clubes, faz lembrar-nos que os símbolos têm força. Que a identidade não é apenas um dado biográfico, é um farol.
As Casas do Benfica espalhadas pelo mundo, tal como as Lojas Maçónicas, são pontos de contacto entre mundos, entre tempos, entre memórias. São espaços onde se fala a língua do coração, mesmo quando longe de casa.

Na Maçonaria não se joga para ganhar., joga-se para construir., mas o espírito é semelhante: vencer o ego, ultrapassar o ruído, afinar o compasso colectivo, para que da diversidade surja uma obra comum.

Que este Mundial de Clubes, e os que nele participam, nos recordem que é possível sonhar em conjunto, sem perder o que nos distingue e que no mundo profano, como no Templo, a verdadeira vitória é conseguirmos permanecer fiéis àquilo que nos faz levantar e seguir em frente.

João B. MM

13 junho 2025

Estás no Ritual ou apenas numa sala?

Há quem diga que o ritual é um formalismo, uma peça decorada, um guião repetido. Talvez, visto de fora, seja mesmo isso. Mas o erro começa precisamente aí, o ritual não é para ser visto., ele é para ser vivido.

Cada palavra tem o seu peso, cada gesto tem o seu tempo, cada pausa tem o seu silêncio e é nessa cadência, que não é nossa mas que nos é facultada por séculos de trabalho, que se esconde a força do ritual. Não é uma invenção moderna, é uma herança e como tal, deve ser recebida com reverência e transmitida com fidelidade.



Seguir o ritual à letra pode parecer, a quem ainda não compreendeu, uma rigidez sem sentido. Eu, sem dúvida, que lhe vejo um sentido. Um sentido em acender a vela com a mão certa, em bater o malhete no tempo exacto, em dar o passo no momento justo, com o pé certo, na direcção certa.
Seguindo o gestos, afina-se a atenção e onde há atenção, há presença. Onde há presença, pode sempre haver transformação.

O ritual não é inicio ou fim, é parte do caminho, e parte essencial. É a ordem que se opõe ao caos, é o compasso que dá medida ao tempo e ao homem, é o prumo que nos obriga a alinhar corpo, mente e espírito, mesmo quando cá fora andamos tortos.

É raro o dia que não ouço certas palavras do ritual a ecoarem na minha vida profana. Há frases que, ditas em Loja, pareciam apenas belas, e no entanto, fora dela, mostram-se verdadeiras, servem para recordar que a Maçonaria não se faz só no templo e em dia de sessão, faz-se todos os dias.

Quando chegamos a casa ou quando chegamos ao trabalho, quantas vezes deixamos os metais à porta?

A nossa vida, o nosso carácter, o nosso lar constrói-se com sabedoria, força e beleza?

Estas palavras surgem-me às vezes no trânsito, numa reunião, ou no silêncio antes de adormecer, não por serem místicas, mas porque são verdade, ao menos a minha Verdade. 

Não importa se és Aprendiz, Companheiro ou Mestre já com vinte anos de Loja. A pergunta é a mesma: 

Estás no ritual ou estás apenas numa sala?

O ritual não é uma encenação, é um espelho. Se entrares com o ego cheio e os ouvidos vazios, ouvirás apenas palavras, mas se entrares com humildade, talvez escutes sentido. E, quem sabe, um dia, te escutes a ti próprio.

Resumindo: o Ritual é para ser seguido à risca. não porque sejamos fanáticos pela forma, mas porque a forma é o molde da transformação. Só quem repete o gesto com intenção começa a entender o símbolo. E só quem respeita o símbolo pode um dia perceber o seu segredo.



A Loja é o espaço, o ritual é o ritmo, nós somos os instrumentos desta bela orquestra.

A escolha é tua: finges que entras, ou trabalhas para merecer estar? E já sabes, se vens por bem, não te acanhes, bate á porta que serás muito bem vindo. 

João B. MM

10 junho 2025

Portugal, Pedra sobre Pedra

Hoje é dia de  Portugal, não apenas a geografia ou a língua, mas a ideia. A ideia de uma Nação moldada ao longo de séculos, onde o engenho venceu a geografia e o sonho navegou antes da ciência.

Vivemos tempos em que se tenta reescrever o passado com as tintas voláteis do presente. Julgam-se descobrimentos como se fossem crimes, alianças como se fossem submissões, batalhas como se fossem vergonhas. Há quem peça que nos ajoelhemos perante o tempo, como se a História fosse um tribunal e não uma herança.

Portugal não se deve ajoelhar, conhecemos o peso da pedra que carregamos.



Somos Aljubarrota, onde um povo defendeu o seu futuro com braços e foices.
Somos os mares por dobrar, os cabos por nomear, as constelações por medir com astrolábios.
Somos a ousadia de lançar velas ao desconhecido e a coragem de não voltar atrás.

Somos o início da globalização, ligando novos mundos e continentes, línguas, saberes, mercadorias e mitos. O mundo tornou-se redondo quando nós o começámos a percorrer.
E também Somos, os que antes de muitos outros, disseram “basta”, abolimos a escravatura muito antes de isso ser moda, e a pena de morte antes que o século XX a tornasse um escândalo. Porque ser pioneiro não é só descobrir terras, é também abrir consciências.

Somos Camões, Eça, Queiroz.
Somos também a Passarola de Bartolomeu de Gusmão, que se atreveu a imaginar o impossível,
Somos o joelho do Eusébio, o pé direito do Éder e o “Simmmm” do Cristiano.
E somos, apesar de tudo, os que continuam aqui neste cantinho à beira mar plantado, onde a terra acaba e o mar começa.



Há quem queira que Portugal peça desculpa, talvez um pedido formal com assinatura reconhecida, ou uma tabela de indemnizações com juros acumulados desde 1500.
Mas não se pede desculpa por ter existido. Estudam-se os erros. Corrigem-se as consequências. Aprende-se. E segue-se em frente, com memória.

Porque só um povo com memória constrói com sentido.

Talvez os Portugueses de 2225 nos olhem com espanto, com censura, talvez com pena. Mas será sempre fácil criticar o templo. O difícil é ter sido o pedreiro.

Portugal é, há muito, uma obra inacabada, mas viva. Feita de pedra sobre pedra, de gerações que lavraram o seu tempo com o que tinham e sabiam.

Herdámos pedras lavradas por outros, cabe-nos, com lucidez e esforço, preparar as que virão.

E não, não devemos nada a quem nos quer apagar.

João B. MM

08 junho 2025

Ciência e Religião: Ainda um falso conflito?


Relendo uma prancha que escrevi há alguns anos, no RLMAD , sobre o eterno tema da ciência e da religião, surpreendi-me com a sua actualidade. Continuamos a debater se são opostas ou complementares. Continuamos, no fundo, a tentar descobrir se o universo tem apenas leis — ou também sentido.

Na altura escrevi que não via ali conflito, mas antes dois caminhos diferentes para uma mesma busca: compreender o que nos rodeia e o nosso lugar nisso tudo. A ciência diz-nos como as coisas funcionam. A religião tenta explicar porquê.

Hoje, o cenário até parece que mudou, mas não para melhor, a ciência é questionada por teorias da conspiração e vídeos de TikTok, por seu lado a religião continua a ser usada para justificar guerras e ódios. Ninguém ouve, poucos pensam, e muitos gritam "o meu Deus é melhor que o teu".

E assim voltamos ao essencial.

Mesmo Stephen Hawking, tantas vezes apontado como ateu, dizia que se descobríssemos uma teoria unificada, estaríamos a conhecer a mente de Deus. No fundo, ele sabia, como Einstein e Galileu também sabiam, que há um ponto onde a razão bate no limite. Um ponto fora da equação, onde tudo o que sabemos falha. Uma singularidade. E talvez aí, nesse exacto lugar onde a física se cala, comece a linguagem do Grande Arquitecto.



Não precisamos de escolher entre razão e fé. Precisamos é que ambas iluminem o que andamos a tentar ver. Recordo do Evangelho segundo São Lucas: “Ninguém, depois de acender uma candeia, a cobre com um vaso ou a coloca debaixo da cama; pelo contrário, coloca-a num lugar alto, para que os que entram vejam a luz.”

A ciência é essa candeia, acesa com esforço, com estudo, com dúvidas. E também a fé o é, alimentada por silêncio, por prática, por esperança, mas nenhuma serve de alguma coisa caso seja escondida, nenhuma ajuda se for usada para controlar ou para envergonhar. A luz foi feita para guiar. Para mostrar. Para que quem entra veja e compreenda.

Entre leis naturais e mistérios espirituais, há sem dúvida em comum a procura sincera pela Verdade, e essa busca, se autêntica, nunca divide, pelo contrário: revela.

João B. M∴M∴


05 junho 2025

Como entrei para a Maçonaria e porquê.

Não sei dizer ao certo quando ouvi falar pela primeira vez da Maçonaria. Talvez tenha sido numa reportagem de televisão, daquelas que falam mais do que explicam, deixando no ar um certo mistério. Ficou a curiosidade e, com o tempo, nasceu uma vontade mais séria de perceber o que estava por trás de tantos símbolos e de tanta suspeita.

Mais tarde, enquanto vivia em Inglaterra, comecei a ler com mais atenção. Havia polémicas, é verdade, sobretudo em Portugal, mas também testemunhos de homens que falavam de ética, de esforço pessoal, de um trabalho que era mais interior do que exterior.
Em terras de sua Majestade, também via, como os maçons continuavam activos, discretos, mas empenhados em fazer melhor pela comunidade, e isso despertou-me, não para uma aventura, mas para um caminho, um caminho que me pareceu ter método, exigência e sentido.

Na altura em que estava a viver na Colômbia, descobri este blog, A Partir da Pedra. Escrevi ao autor de um dos textos que mais me marcou, ainda não havia WhatsApp, por isso começámos a trocar e-mails. Sempre que regressava a Portugal, encontrávamo-nos na Mexicana, em Lisboa. Conversas longas, esclarecedoras. Nunca houve promessas nem pressas, apenas escuta, partilha e confiança.
A minha situação profissional era itinerante, só me falta a Oceania para poder dizer que já trabalhei em todos os continentes, e não facilitava, mas houve um dia, que me foi feita a pergunta e assim surgiu a hipótese de ser iniciado em Portugal e neste Respeitável Loja.

Sabia algumas coisas, o suficiente para estar curioso, mas estava longe de imaginar o que seria, realmente, viver essa experiência. No dia da Iniciação, estava nervoso. As pernas tremiam. Não por medo, mas porque o desconhecido tem esse peso. E no entanto, o que senti no final foi uma alegria serena e inesquecível. Houve até uma muito agradável surpresa, pois entre os presentes, estava alguém que me conhecia desde o dia em que nasci, nunca imaginei encontrar ali um rosto tão familiar, num momento tão simbólico. Senti, nesse instante, que aquele caminho já vinha traçado de longe.

Recordo também as palavras do meu padrinho: “É um caminho sozinho, mas acompanhado.” Assim é. Cada um trilha o seu percurso à sua maneira, mas com o apoio invisível e firme dos Irmãos que caminham ao nosso lado.

Desde então, mudei. Não me tornei outro, tornei-me mais eu.
Passei a ouvir antes de falar, a pensar antes de reagir. Deixei de ser tão impulsivo. A imagem da Pedra Bruta acompanha-me, tudo o que fazemos pode, e deve,  ser limado, ajustado, aperfeiçoado. Essa ideia, simples, tornou-se uma exigência diária.

Ganhei paciência, atenção, capacidade de escuta. Ganhei também irmãos e em alguns casos, verdadeiros amigos. Com eles aprendi a debater temas importantes, com profundidade e respeito. E cresci intelectualmente ao ouvir mentes verdadeiramente brilhantes,  irmãos com uma visão do mundo que me obrigou a repensar muita coisa.

Hoje partilho este testemunho como gesto de gratidão e também de continuidade. Este blog foi, em parte, o início do meu caminho. E continua a ser uma pedra viva, onde muitos já escreveram, pensaram e partilharam. Não se trata de recomeçar, mas de continuar a obra.

A Maçonaria não é perfeita, nenhuma família o é. Mas é uma escola e um espaço de trabalho interior, de crescimento pessoal e de escuta activa. Transforma, pouco a pouco, com paciência, com método, com silêncio.

E se estás à porta e hesitas, bate. Se vieres por bem, serás bem-vindo.


Olha com humildade para os Céus e se o teu coração for sincero, verás que o Templo tem sempre lugar para mais um pedreiro livre.


João B. M∴M∴

28 maio 2024

 


Em memória de um GM:.

TENTAÇÕES

 Na vida de um pardal

há sempre uma pardoca

e na ponta de um anzol

há sempre uma minhoca!

 

São coisas da mão de Deus

no campo da tentação,

 

para o pardal a pardoca,

para o peixe a minhoca,

para Deus, o pecado,

para o gato o peixe cru,

para o caminhante, o cajado


 e para mim…

só tu!

 

Mês de Maio/6024

A GLLP/GLRP está em período eleitoral.

Pela primeira vez apresentam-se 4 candidatos ao acto eleitoral para GM:. e esse facto leva-me a algumas reflexões que não vou partilhar aqui.

O que me traz ao A-Partir-Pedra é a recordação, misto de saudade e reverência, por um dos GM:. que tive a “sorte” de conhecer no meu percurso maçónico e que nos deixou, a caminho do Oriente Eterno, há alguns anos.

Água, meu caminho

Quando sozinho,

Envolto em dor e mágoa, procuro o meu caminho,

Imagino que sou água.

 Cavo desfiladeiros,

separo montanhas, divido-me em ribeiros,

infiltro-me, contorno, alargo e estreito-me em barragens,

condenso-me, evaporo, sou fruto de miragens,

 

alio-me ao vento e faço-me erosão,

despenho-me em tormento e converto-me em paixão,

 

sempre certo de arribar

por saber que sou mar!

 

Posso contar duas das minhas memórias convividas com este enorme Maçon.

- Razoavelmente baixo ainda que bem constituído (pelo menos aparentemente). Sempre o vi, fosse em que circunstâncias fosse, com um avental branco. Com as “joias” da função, pois claro.

Mas branco. Como os Aprendizes.

- Numa sessão de GL:. fora do templo preparava-se a cerimónia. Os participantes paramentavam-se, conversava-se sobre os assuntos mais diversos. Alguns participantes entravam e iam tomando os seus lugares, outros ainda entravam e saiam. Nesta movimentação ainda desordenada encontrei-me nos degraus do Oriente com o GM:. que, também ele, foi dar uma olhada a ver se a disposição de lugares e ferramentas estavam “en su sitio”. Na 1ªfila do Norte, ali perto de nós que falávamos de qualquer coisa, sentou-se um Irmão, PVM:. como devia ser, mas apenas identificável pelo avental pois não trazia qualquer colar ou joia que o distinguisse e o GM:., não reparando nos pormenores do avental e não conhecendo aquele Irmão, perguntou-lhe se era PVM:. Acontece que se tratava de um Irmão que ferve em pouca água e achou que devia sentir-se ofendido com a pergunta e respondendo algo como “com certeza senão não estava aqui”, levantou-se e arrancou porta fora. E o GM:. face ao engano em que caíra chamou o Irmão desavindo que não respondeu, e arrancou ele mesmo do Oriente onde estava, atrás daquele Irmão “zangado”, foi buscá-lo ao exterior do templo, trouxe-o com ele e pediu-lhe desculpa à frente de vários de nós, aqueles que já ali estavam.

Não faço qualquer comentário a estes dois momentos que pude conviver com este enorme GM:. . Apenas os recordo e deixo como memória.

Já agora como exemplo, também.

 

SE AINDA NÃO ENTENDESTE

 Se ainda não entendeste

que moras no meu coração

desde o dia em que te vi

 

triste sina a minha, então,

 

não moro dentro de ti!

 

(Recordação do meu Irmão Mário Martin Guia, Maçon e Poeta)

 

J.Paiva Setúbal (MM:.)

21 outubro 2022

A epistemologia da néscionaria e as cinco leis fundamentais da estupidez

 Por Rui Badaró, V.M. da Justa e Perfeita Loja de São João, 680. GLESP. Primeira parte: A epistemologia dos néscios Em seu livro “Discurso da estupidez”, Mauro Mendes Dias brinda o leitor com um verdadeiro manual para aprender a captar as estultices e esclarece que a estupidez não é autoengendrada, vez que, de um lado, ela não é sem causa e, de outro, mantém relação com o tipo de ação da verdade que emerge parcialmente nela. Mas qual verdade? Aquela que metamorfoseia em certeza. Como uma aparição do além-túmulo, ela nos faz lembrar a função que cumpre o fantasma do pai morto para Hamlet, no início da peça de Shakespeare. Assim, na maçonaria, tendo o irmão se ensurdecido para qualquer tipo de dúvida ou objeção, deixa-se conduzir por uma missão que clama por vingança. Diferentemente do gesto de Ulisses na Odisseia, o tapar de ouvidos aqui é condição para o sucesso de viagem em direção às rochas da estupidez, as quais não provocam a morte dos passageiros, mas sim a sua proliferação. A estupidez não precisa de teste, verificação e fundamento. Olhando em volta, vê-se coisas que se enquadram nessa “epistemologia da estultice”, como irmãos acreditando que, por meio da cadeia de união, curam-se doenças – basta enviar as vibrações energéticas. Bom, de qualquer modo, a estultice não está em quem prega — isso é malandragem —, e, sim, está em quem acredita. Claro que esse fenômeno é também uma metáfora da sociedade. Também há outros bons exemplos como o conteúdo do “Breviário maçônico de Rizzardo Da Camino”, que induz irmãos a embarcarem no senso comum de que, afinal, sendo o autor irmão, grau 33 do REAA, “jurista” e profundo conhecedor da fraternidade, não há que se refletir sobre aquilo que por ele foi escrito. Basta ler, crer e dogmatizar. Cogito, ergo estupidus. Aliás, tudo por meio do subjetivismo, do emotivismo, da nossa metaética que é mais meta do que ética — sem epistemologia — esculpida em carrara: o critério de objetividade, na maçonaria, a maioria das vezes, é aquilo que o irmão (estúpido) quer que seja. Eis o busílis nos tempos atuais. Se o irmão não gosta do discurso, monta outra Loja, se discorda da postura da potência, cria-se outra. E assim, a néscionaria multiplica-se exponencialmente num fértil ambiente onde a profundidade do debate não ultrapassa o tamanho das pernas de uma formiga anã. Segunda parte: O negacionismo maçônico e as cinco leis da estupidez comentadas artigo por artigo Tratemos do negacionismo e da epistemologia da estupidez na maçonaria, ou seja, da néscionaria. O interessante é que não há uma fraternidade dos estultos, ao menos não formalmente. O que parece, sim, é haver uma mão invisível que os organiza, como lembra Carlo Cipolla, no livro Allegro, ma non tropo, uma sátira sobre a estupidez. A mão invisível da néscionaria. Cipolla nos brinda com uma epistemologia dos néscios (a expressão é do estimado Prof. Lenio Streck), mostrando as cinco leis fundamentais, que agora adapta-se para a maçonaria: 

1. Sempre e inevitavelmente, cada um de nós subestima o número de irmãos estúpidos que circulam pela fraternidade maçônica. Com efeito, ao ver maçons valendo-se do Whatsapp, YouTube, Tiktok e quejandos para compreender os objetivos da maçonaria e irmãos “ensinando” história e filosofia maçônica sem sequer terem conhecimento e formação nas disciplinas e, pior, outros irmãos estudando a fraternidade por breviários, resumos, resuminhos, esquemas ou limitando-se às apresentações pobres de Powerpoint que pipocam em todos os ambientes virtuais para explicar a importância e finalidade da maçonaria. Essa primeira lei passa pela CHS (condição hermenêutica de sentido) e está demonstrada todo dia. Quod erat demonstrandum constante. 

2. A probabilidade de que uma determinada pessoa iniciada na maçonaria seja estúpida é independente de qualquer outra característica da mesma pessoa. De fato, essa segunda lei também é verificável, já que nos diversos graus da maçonaria, a distribuição do “IE—índice de estupidez” é quase igual. Nesta época pós-pandemia isso fica mais visível. Basta uma olhada rápida no mundo das lives maçônicas. Todo mundo virou “artista/professor”, com o que todos os gatos se tornaram pardos. Interessante é que a febre das lives é mais visível em algumas áreas, dentre elas, a maçonaria. Por que será? Daqui a pouco, teremos uma grande live maçônica sobre lives maçônicas—e ninguém a assistirá, pois estarão todos os irmãos gravando uma live maçônica. A Grundlive maçônica. Grupos de whatsapp sobre maçonaria não escapam dessa fenomenologia. As neocavernas desafiam o desgosto de Platão. 

3. Um irmão estúpido — mormente se tiver atingido o mestrado maçônico (porque são muitos)—é aquele que causa dano a outro irmão ou Loja sem, ao mesmo tempo, obter um benefício para si mesmo ou mesmo causar prejuízo. Perfeito. Cipolla não considerou a estupidez como uma questão de quociente intelectual, mas sim uma falta de inteligência relacional. Ele parte da ideia de que, ao nos relacionarmos uns com os outros, podemos obter benefícios e proporcionar benefícios aos outros ou, pelo contrário, podemos causar danos ou prejudicar os outros. Mas na Maçonaria não é assim. Um irmão estúpido é aquele que prejudica os outros e muitas vezes também ele mesmo. Basta ver nas redes sociais. Se você posta algo sofisticado, o irmão estúpido (mormente o mestre maçom) vem e faz como o pombo no jogo de xadrez: esculhamba as pedras e faz cocô no tablado. E sai dizendo que venceu. De peito estufado. Orgulhoso de sua vencedora estupidez. Por que um néscio quer esculhambar o discurso que ele não entende ou nunca se esforçou para entender? Por que ele só usa livros resumidinhos e resumos dos resumos? Ou seja, está comprovada a terceira lei: o néscio não se importa com soma zero. Segundo Cipolla, há ainda o supernéscio: aquele que esculhamba os nãonéscios e ainda se prejudica, sendo processado pelo que postou. Ou seja, só prejuízo. 

4. Maçons não-estúpidos sempre subestimam o potencial prejudicial de estúpidos. Essa quarta lei de Cipolla é autoexplicativa. Por vezes, eles atacam à socapa e à sorrelfa. E nem é possível reagir. Estupefatos com a estupidez dos irmãos estúpidos. 

5. O irmão estúpido (ou néscio) é o mais perigoso. Por último, a quinta lei é autoaplicável. Como diz Cipolla, “Todos os seres humanos estão incluídos em quatro categorias fundamentais: o desavisado, o inteligente, o malvado (ou ladrão) e o estúpido. De onde: (i) A pessoa inteligente sabe que é inteligente; (ii) o malvado está ciente de que ele é mau; (iii) o desavisado é dolorosamente imbuído do senso de sua própria sinceridade e, (iv) ao contrário de todos esses personagens, o estúpido não sabe que é estúpido. Ele não sabe que não sabe. Como acentua Cipolla e Streck, isso de não saber que não sabe contribui para dar maior força, incidência e eficácia à sua ação devastadora. Aqueles que sabem que não sabem estão perdidos, entre todos aqueles que acham que sabem que sabem, aqueles que sabem que não sabem mas fazem mesmo assim— razão cínica—e aqueles que não sabem que não sabem e não querem saber que não sabem tudo aquilo que não sabem e nem querem saber. Enfim, eis a adaptação das 05 leis fundamentais da estupidez humana de Cipolla. Que sirvam de estímulo para compreensão do estado da arte maçônica e permita a criação de um ambiente de reflexão para combater a néscionaria, uma de suas principais mazelas. Adiante!