17 julho 2013

Dos Operativos aos Especulativos: o catalisador


No penúltimo texto, procurei demonstrar como algo falta na versão normalmente aceite sobre a evolução da Maçonaria Operativa para a Maçonaria Especulativa, como a simples aceitação de intelectuais que, progressivamente, passaram a controlar todas as Lojas operativas, ou quase, e, em quase perfeita sintonia temporal, modificaram a Maçonaria Operativa na realidade Especulativa que surgiu, em todo o seu esplendor, no início do século XVIII, me parece não muito provável, em termos lógicos.  Enunciei também a hipótese de que algo catalisou essa transformação. 

No último texto, efetuei uma deriva à época do Renascimento e chamei a atenção para os efeitos que a descoberta da obra De Architectura, de Vitrúvio, e dos princípios nela expostos, particularmente logo no seu primeiro Livro, tiveram em parte apreciável da intelectualidade europeia continental, especialmente nos profissionais ligados à construção, arquitetos, engenheiros e mestres construtores. Pontuei também que a documentação relativa às Lojas Operativas britânicas não indiciava idêntica influência. Concluí que, entre o mais do mesmo que se verificava na primeira metade do século XVII, no que toca às Lojas Operativas britânicas, que irreversivelmente conduziria à sua extinção ou completa irrelevância,  e a súbita florescência, em novos moldes, no início do século XVIII, teria certamente que decorrer um evento catalisador que justificasse essa improvável mudança. 

O que forçou então esta mudança? A meu ver, um segundo catalisador (considerando o primeiro, e longínquo, a influência, na Europa Continental, das teses vitruvianas) e a evolução dele decorrente. 

Refiro-me  ao Grande Incêndio que destruiu Londres em 1666. 

A destruição da cidade implicou a necessidade da sua reconstrução. Reconstruir toda uma grande cidade implicou a mobilização de grande número de construtores, não somente executores da construção, operários, mas também arquitetos e diretores de obras. A necessidade excedeu a capacidade de resposta dos profissionais existentes em Inglaterra e houve uma migração maciça de profissionais continentais, franceses, flamengos, alemães, italianos, etc.. Entre eles, muitos arquitetos, engenheiros e dirigentes de obra, que traziam na sua matriz genética profissional os princípios vitruvianos.

Naturalmente que este sangue novo – e abundante – de qualificados profissionais da construção, em época em que o que não faltava era trabalho, facilmente se misturou com os profissionais da construção existentes. Ou seja, naturalmente que este grande número de profissionais vindos da Europa Continental se integrou nas Lojas operativas. E revitalizou-as. E trouxe-lhes a evolução de ideias, de princípios, de abrangência cultural que faltava nos cultores do tradicionalismo operativo. E obviamente que foi muito mais fácil para os operativos já existentes, por muito tradicionalistas, por muito imobilistas que porventura fossem, aceitar as inovações trazidas pelos colegas de ofício que, em virtude das circunstâncias, se integraram nas Lojas Operativas, do que se lhes fossem impostas por maçons aceites, não integrantes do ofício.

E evidentemente que esta evolução rapidamente conduziu as Lojas Operativas para a grande transformação que, em apenas duas gerações, veio a ocorrer. 

Em 1717, a transformação ideológica, de atitudes e de práticas propiciada por estes dois aceleradores, os profissionais chegados da Europa Continental em abundância para suprir as necessidades decorrentes da reconstrução de Londres após o Grande Incêndio de 1666 e as ideias de que eram portadores, estava completa. A Maçonaria Operativa consumava o seu desaparecimento, por completa desnecessidade social da sua existência, mas não pela sua extinção, antes pela sua transformação em algo de novo, de pujante, com todas as condições para o crescimento explosivo que viria a ter nos dois séculos seguintes: a Maçonaria Especulativa.

E foi assim que, na minha tese, do velho se fez novo e diferente.

Bibliografia

São os franco-mações os herdeiros dos construtores de catedrais?, Jean-Michel Mathoniére,  in Os Franco-Mações, Pergaminho, , 2003, tradução do original  Les Francs-Maçons, Éditions Tallandier, Paris, 1998.

Rui Bandeira

10 julho 2013

Dos Operativos aos Especulativos: Vitrúvio


No texto anterior, expus o meu entendimento de que a tese clássica sobre a evolução da Maçonaria Operativa para a Maçonaria Especulativa necessita de  ser completada, designadamente com a indicação do que terá ocorrido que tenha funcionado como propiciador e ou acelerador dessa transformação. A meu ver, houve, não um, mas dois fatores catalisadores. Um longínquo, temporal e geograficamente. Outro breve, dramático e gerador de brusca evolução.

Vejamos primeiro o fator longínquo. Para tal, deixemos os ingleses entretidos nas sua guerra civil, metaforicamente recuemos a 1414 e desloquemo-nos à neutral Suíça, mais precisamente à aprazível localidade de St. Gallen.  Nesse tempo e lugar, o humanista florentino Poggio Bracciolini, descobre, na abadia beneditina local, um antigo manuscrito reproduzindo uma obra originalmente escrita por volta do ano 15 antes de Cristo, intitulada De Architecture. O seu autor? Marcus Vitruvius Pollio ou, como é comummente referido, Vitrúvio (o Homem de Vitrúvio, de Leonardo da Vinci, lembram-se?). Vitrúvio foi um arquiteto e engenheiro romano que escapou ao anonimato por causa da referida obra, um tratado sobre a arte da construção em dez volumes, abordando diferentes aspetos específicos da arquitetura e construção: (1) Sobre os conhecimentos necessários à formação do arquiteto; (2) Sobre os materiais e a arte da construção; (3) e (4) Sobre os edifícios religiosos; (5) Sobre os edifícios públicos; (6) Sobre os edifícios privados; (7) Sobre os acabamentos; (8) Sobre hidráulica e distribuição da água; (9) Sobre gnomónica nas edificações; (10) Sobre mecânica e os princípios das máquinas.

A propósito do Livro 9: gnomónica é a ciência responsável por desenvolver teorias e reunir conhecimentos sobre a divisão do arco dia, ou trajectória do Sol acima do horizonte, através da utilização de projecções sobre superfícies específicas. Esta ciência é muito útil para a concepção e construção de relógios de sol, bem como cartografia (Projecção gnomónica) - definição retirada de http://tradutor.babylon.com/portugues/Gnom%C3%B3nica/. Era uma antiga ciência caldeia. O seu nome deriva de gnómon, que em grego significa "saber", "conhecer" e tratava sobre o universo, os planetas, as constelações, astrologia e a sua interpretação pelo homem. Vitrúvio escreveu no Livro I: "a partir da astrologia, o arquiteto conhece os pontos cardeais: oriente, ocidente, sul e norte; e também a estrutura do céu, dos equinócios, dos solstícios e dos movimentos orbitais dos astros. Se se ignora a Astrologia (termo que engloba a Astronomia), é absolutamente impossível que conheça a disposição e estrutura dos relógios" (de sol, obviamente). Na Mesopotâmia, o primeiro instrumento astronómico conhecido foi o mais simples, o gnómon, um pilar de pedra que terminava em ponta, com uma altura aproximada de 2,5 metros. A pedra espetada na terra recebia a luz do sol e gerava sombra, projetada no solo ou numa parede.

Em pleno Renascimento, muito rapidamente se difundem numerosas traduções da obra de Vitrúvio por toda a Europa Continental. Nela ressalta o retrato do que seria o “arquiteto ideal”, conhecedor de geometria, matemática, dos materiais, mas também de meteorologia, astronomia, música, medicina, ótica, filosofia, história, direito, mecânica, etc.. 

As traduções desta obra influenciaram grandemente os arquitetos, engenheiros e mestres construtores da Europa Continental, a partir do Renascimento, no sentido de adquirirem competências mais abrangentes e tão completas quanto possível. Este aspeto da universalidade e abrangência do conhecimento do Homem Completo encontramo-lo hoje em dia particularmente pontuado em determinada fase da evolução do maçom moderno e é, indubitavelmente, uma caraterística matricial da moderna Maçonaria. 

No entanto, a grande influência que, sobretudo sobre os arquitetos, construtores e outros intelectuais europeus continentais esta obra de Vitrúvio exerceu, aparentemente passou ao lado dos maçons operativos britânicos. É o que se pode concluir do facto de os manuscritos operativos até agora encontrados, do século XV ou posteriores, não mostrarem qualquer referência a esta obra ou introdução, ainda que indireta, dos princípios atrás aludidos, nem denotarem uma particular evolução cultural ou de abrangência de conhecimentos dos construtores associados nas Lojas britânicas.

Podemos, portanto, estabelecer, com razoável segurança, que, em meados do século XVII, a Maçonaria Operativa britânica denotava insensibilidade aos princípios do Homem completo, da aquisição de noções das mais variadas ciências e ramos do conhecimento humano. No entanto, cerca de meio século depois, o tempo de duas gerações, repito, verificamos que um dos pilares da ideologia da nascente Maçonaria Especulativa é precisamente esta noção da Universalidade e abrangência do Saber, como um dos objetivos do aperfeiçoamento do maçom.

Em cerca de meio século, algo mudou - e drasticamente. É aqui que entra o segundo catalisador que referi no início deste texto. Mas essa é matéria para o próximo texto...

Bibliografia

03 julho 2013

Dos Operativos aos Especulativos: um elo perdido


Das várias teses sobre as origens da Maçonaria, a mais consensualmente aceite é que esta, na sua forma atual, geralmente referida como Maçonaria Especulativa, deriva das associações profissionais de construtores criadas na Idade Média. A essas associações designamos hoje por Lojas Operativas e ao conjunto de todas elas e regulamentos da profissão então instituídos referimo-nos por Maçonaria Operativa..

A forma como a transição ocorreu é normalmente referida como tendo decorrido da progressiva aceitação nas Lojas Operativas de elementos alheios ao ofício de construtor (proprietários, intelectuais), os chamados Maçons Aceites, que progressivamente foram aumentando de número até dominarem as Lojas Operativas e as transformarem nos centros de debate, estudo, fraternidade e aperfeiçoamento que hoje associamos ao conceito de moderna Loja maçónica.

Não colocando em causa, genericamente, este entendimento, sempre mantive algumas perplexidades sobre a forma de evolução e, sobretudo, sobre a forma como a realidade antiga veio a gerar precisamente a nova realidade, tal como a conhecemos. Desde logo, esta hipótese da evolução dos factos, sendo possível para uma Loja, torna-se muito mais improvável para um conjunto de Lojas, geograficamente dispersas. Quais as probabilidades de o lento processo de integração de Maçons Aceites originar, mais ou menos ao mesmo tempo, o domínio por estes de todas as Lojas Operativas geograficamente dispersas? E de lhes ser conferidas, a todas, precisamente as mesmas caraterísticas evolutivas? Parece óbvio que a resposta deve ser um número muito próximo do zero... Algo falta. Falta, seguramente, um elo na cadeia factual, algo que veio a possibilitar e a favorecer a mudança. 

As associações profissionais medievais, após o fim da Idade Média, o advento da imprensa e  aumento da possibilidade de circulação e aquisição de conhecimentos, estavam em franco declínio. No início do século XVII, as Lojas Operativas estavam em processo de enfraquecimento, que, normalmente, levaria à sua extinção. As técnicas de construção e os conhecimentos geométricos a elas subjacentes não eram já  monopólio dos construtores associados. Muitos outros sabiam construir e construíam e competiam pela obtenção de contratos com os profissionais associados. Nesse clima, afigura-se-me que a aceitação de proprietários locais, de burgueses de outros ofícios ou intelectuais com prestígio local foi uma tentativa desesperada de procurar manter a máxima quota de mercado possível na órbita das Lojas Operativas.  Mas tal dificilmente travaria o declínio e o inexorável caminho para o baú que a História reserva para o que perdeu a sua razão de existir. Com ou sem Aceites, as Lojas Operativas estavam condenadas. 

Em toda a primeira metade do século XVII não há mudanças significativas da situação. Em cada região, a respetiva Loja Operativa lutava pela sobrevivência e procurava juntar a si elementos estranhos ao ofício. Era através da convivialidade, da integração social que os Operativos procuravam manter o seu mercado, sempre acossados por construtores não associados, capazes e competitivos, designadamente, em matéria de preço.

Até que, na segunda metade do século XVII, algo muda! O que declinava, passou a florescer. Não só as Lojas Operativas, agora essencialmente conviviais, não desapareceram, como surgiram outras novas e os seus objetivos mudaram: de meras organizações profissionais, passaram a, com a marca distintiva da união e da fraternidade, centros de debate, estudo e auxílio mútuo no aperfeiçoamento (desde logo cultural e, genericamente, em matéria de aquisição de conhecimentos e competências). Mais: florescem nas zonas urbanas mais desenvolvidas. As quatro Lojas de Londres que decidiram unir-se na Grande Loja de Londres em 24 de junho de 1717 não eram as únicas de Londres e Westminster. Em 1722, aquando da aprovação das Constituições de Anderson publicadas em 1723, a Grande Loja de Londres agregava já vinte Lojas. Era manifestamente impossível que quatro Lojas lograssem quintuplicar o seu número em escassos cinco anos. Logo, o que sucedeu foi a junção de outras Lojas, já existentes, ao projeto iniciado pelas quatro pioneiras. O que nos conduz à conclusão de que, seguramente, mais de uma dezena de Lojas existiam só na zona de Londres, no início do século XVIII.

Em meio século, em duas gerações, a vereda do declínio transforma-se na ampla estrada do crescimento. No entanto, o ambiente social era tudo menos propício! Entre 1640 e 1650, trava-se em Inglaterra uma dura guerra civil e religiosa, entre os católicos partidários dos Stuarts e os parlamentares, maioritariamente protestantes, liderados por Oliver Cromwell, no âmbito da qual Carlos I perde, literalmente, a cabeça e o seu filho, Carlos II, é obrigado a exilar-se, para que não sofra idêntica, e certamente inconveniente, perda. Em 1660, Carlos II logra retomar o poder para os Stuarts, o qual mantém até à sua morte, em 1685, mas sempre em confronto com os parlamentares. Em 1688-1689, dá-se a chamada Revolução Gloriosa, pela qual o sucessor de Carlos II, o católico Jaime II, é apeado do poder, em benefício de sua filha, Maria II e do seu genro, o holandês e protestante Guilherme, príncipe de Orange. São cinquenta anos de lutas, de tensão, de derramamento de sangue e de destruição, nada propícios a uma pausada e lenta transformação de estruturas vindas da idade Média!

Qual foi então o catalisador, o fator que transformou mais do mesmo – o progressivo declínio das Lojas Operativas, afetadas do mal da irrelevância pelo progresso e evolução sociais – numa nova e pujante realidade, como se veio a revelar a Maçonaria, no meio de convulsão social, guerras e revoluções?


Rui Bandeira

26 junho 2013

Os "Taus" não são Taus ?


É comum ouvirmos designar as três formas geométricas que decoram o corrente avental de Mestre Instalado por "Taus". Tau é a décima nona letra do alfabeto grego, graficamente muito semelhante ao latino "T". É claro que já tinha notado que as ditas formas geométricas no avental de Mestre Instalado estavam invertidas em relação à forma gráfica do Tau, apresentando o elemento vertical sobre o elemento horizontal, enquanto que na dita letra do alfabeto grego o elemento horizontal está sobre o elemento vertical. Mas confesso que não dei grande importância  ao assunto e não procurei aprofundar a razão da notada discrepância. Até que recentemente li um excelente texto de um não menos excelente e conhecedor maçom brasileiro, Kennio Ismail, publicado, já desde outubro de 2011, no seu muito elucidativo blogue No Esquadro, com o título Desvendando o "Triplo Tau".

A tese exposta nesse texto pelo Irmão Kennio Ismail é que, afinal, as ditas formas geométricas não são Taus, não têm nada que ver com essa letra do alfabeto grego, antes reproduzem algo que tem diretamente muito mais que ver com a Maçonaria, uma ferramenta utilizada pelos maçons operativos, especificamente o Esquadro T (em inglês: T-square), também designado por Régua T, ferramenta que, além de se utilizar para desenhar ângulos retos, é útil para desenhar retas paralelas.

Como se vê pela imagem de duas réguas T, também há diferença em relação à representação no avental de Mestre Instalado, não em relação à disposição dos elementos horizontal e vertical (já que, a régua T pode ser posicionada em qualquer sentido), mas em relação à dimensão e proporção do elemento vertical, sensivelmente maior na régua T que na representação no avental. 

Mas o raciocínio exposto pelo Irmão Kennio Ismail parece-me lógico: uma vez que a simbologia maçónica é inspirada na Maçonaria Operativa e nas suas ferramentas, tem mais cabimento que se considere que no avental está triplamente representada uma ferramenta do que uma letra grega...

Pontua seguidamente o referido Irmão que também o vulgarmente designado Triplo Tau do Arco Real 


não é afinal um Triplo Tau, mas sim um "T" sobre um "H", sigla de "Templum Hierosolymae", que em latim significa "Templo de Jerusalém", ou seja, o Templo de Salomão.

Esta hipótese parece-me um pouco mais rebuscada. Ou seja, considero-a possível, mas não beneficiando da simplicidade da referência direta a uma ferramenta operativa que, e a meu ver com muito peso, suporta o argumento anterior. Com efeito, entre várias explicações possíveis, a experiência mostra-nos que, na maior parte das vezes, a mais simples é a correta. É isso que me faz propender para a aceitação da tese de que as formas geométricas no avental de Mestre Instalado possivelmente representam réguas T e não Taus. Já no caso do Arco Real, a hipótese alternativa não só não tem a vantagem da simplicidade como apresenta a dificuldade de o pretenso "H" estar muito deformado, demasiado largo...

Não sou particularmente versado no Arco Real (a minha praia é o Rito Escocês Antigo e Aceite...) e assim abstenho-me de dar opinião definitiva sobre esta segunda situação. A meu ver, a melhor explanação sobre o assunto (ainda assim não conclusiva) é a que se encontra no artigo "1868 Sterling Silver Mark Master Keystone", que encontrei no também muito interessante sítio http://www.phoenixmasonry.org/, (administrado pelo ilustríssimo maçom Frederic L. Milliken) e de que traduzo a passagem mais relevante, no meu entendimento:

A Cruz de Taus, ou Cruz de Santo António, é uma cruz na forma de um Tau grego. O Triplo Tau é uma figura formada por três destas cruzes unidas pelas bases, assim se assemelhando à letra "T" sobreposta na barra transversal de um "H". Este símbolo, colocado no centro de um triângulo inscrito num círculo - ambos símbolos da Divindade - constitui a joia do Arco Real, tal como praticado em Inglaterra, onde é tão estimado que é considerado o "símbolo de todos os símbolos" e "o grande símbolo da maçonaria do Arco Real". Foi adotado nessa forma como emblema do Arco Real pelo Grande Capítulo Geral dos Estados Unidos em 1859. O significado original deste símbolo tem tido variadas explicações. Alguns supõem que ele inclui as iniciais do Templo de Jerusalém, "T" e "H", Templum Hierosolymae; outros que é um símbolo da união mística do Pai e do Filho, "H" significando Jehovah e "T", ou a Cruz, o Filho. Um autor no Moore's Magazine engenhosamente considera-o ser uma representação de 3 Réguas T, aludindo às três joias dos três Grão-Mestres (da Lenda da construção do Templo de Salomão: Salomão, Hiram, rei de Tiro, e Hiram Abif). Também tem sido dito ser o monograma de Hiram de Tiro; e outros sustentam que é apenas a modificação da letra hebraica shin, que é uma das abreviaturas judaicas do Nome Sagrado.  

Como se vê, interpretações há muitas... Quais são, nas duas situações, os significados corretos? No meu entendimento, também aqui se aplica o que eu considero dever ser a regra básica da interpretação simbólica em Maçonaria: não há significados obrigatoriamente corretos. Cada um analisará, tirará as suas conclusões, atribuirá a cada símbolo o significado que entender mais adequado. O significado correto para si é esse. O que não impede que o significado correto para outro Irmão seja outro, total ou parcialmente diferente. Nos casos referenciados neste texto, para o Irmão Kennio Ismail, os significados corretos são os que ele indica, a régua T no avental e "T" sobre "H" no símbolo do Arco Real. Quanto a mim, e no meu atual entendimento (em matéria de interpretação simbólica considero estar permanentemente em work in progress), no avental concordo estar representada triplamente a régua T, mas, quanto ao símbolo do Arco Real, ainda me mantenho ao lado da interpretação mais difundida, do triplo Tau. E daí não vem qualquer mal ao Mundo: a interpretação do Irmão Kennio Ismail é a correta para ele, a minha é a que eu acho correta para mim. E ambos, ora aqui concordando, ali debatendo, vamos percorrendo os nossos caminhos que, sendo diferentes, vão na mesma direção e têm muitos trechos comuns. 

Rui Bandeira

19 junho 2013

Passagem, Elevação, Receção ou Colação? Elevação, Exaltação, Colação ou Receção?


Por vezes, a mesma situação ou ação é designada, entre os maçons, por termos diferentes, sem que muitos deles se apercebam da origem ou da razão de ser das diferentes designações.

Por exemplo, alguns maçons costumam designar o acesso ao grau de Companheiro e a respetiva cerimónia como a Passagem a Companheiro; outros designam essa mesma ocorrência de Elevação a Companheiro, outros referem tratar-se de uma Receção e outros ainda falam de uma Colação. Mas também é comum haver quem utilize a expressão Elevação para referir o acesso ao grau de Mestre Maçom e respetiva cerimónia. Mas, neste caso, também há quem utiliza e expressão Exaltação, quem use a palavra Receção e quem se sirva do termo Colação. Não é incomum, numa conversa entre maçons, por vezes até da mesma Loja, verificarmos a utilização em simultâneo de todas estas palavras, para referir estas duas ocorrências.

Mas, se passarmos da referência coloquial a uma análise mais aprofundada e perguntarmos a quem intervém na conversa qual o termo correto a utilizar, verificamos facilmente que as opiniões se dividem e não raro se estabelecem debates sobre a qual delas dar primazia. Se procurarmos aprofundar mais e perguntarmos a razão da existência dessas diversas denominações, raramente obteremos uma resposta satisfatória.

Pois bem, a resposta para esta diversidade de denominações dos mesmos atos é muito simples, tão simples que alguns, obcecados pela busca em lugares longínquos, documentos antigos ou razões esotéricas, se esquecem de olhar à sua volta: essa diversidade resulta apenas do facto de existirem diversos Ritos e diferentes rituais na Maçonaria e ainda de cada Obediência elaborar soberanamente os seus rituais, daí decorrendo, com alguma frequência, pequenas divergências - que, por vezes, decorrem de simples diferenças de tradução, outras de fixações de práticas em uso na respetiva Obediência, que constituem evoluções ou corruptelas de práticas mais antigas ou recolhidas em outros lugares, etc..

Se consultarmos os rituais do Rito Escocês Antigo e Aceite em uso na GLLP/GLRP, verificamos que o termo de Elevação é utilizado, quer para exprimir o acesso ao grau de Companheiro, quer ao grau de Mestre. Já os rituais do Rito Escocês Antigo e Aceito (note-se a diferença na última palavra...) em uso no Grande Oriente do Brasil usam o termo Elevação para o acesso ao grau de Companheiro, reservando para o acesso ao grau de Mestre o termo Exaltação. Mas se consultarmos os rituais do Rito Brasileiro em uso no Grande Oriente do Brasil, verificamos que aí se reserva o termo Passagem para a transferência dos trabalhos do grau de Aprendiz para o grau de Companheiro e deste grau para o grau de Mestre e se utiliza o termo Colação para o acesso do obreiro Aprendiz ao grau de Companheiro e do obreiro deste grau ao grau de Mestre. Consultando os rituais do Rito de York em uso na GLLP/GLRP, verifica-se que o acesso do Aprendiz ao grau de Companheiro é designado pelo termo Passagem (em consonância com o original Rito Azul anglo-saxónico) enquanto que o acesso do Companheiro ao grau de Mestre é designado por Elevação. Finalmente - em relação aos rituais que possuo em meu poder e que pude, assim, consultar -, nos rituais do Rito Escocês Retificado em uso na GLLP/GLRP, o Aprendiz que está em condições de progredir é Recebido Companheiro e o Companheiro pronto para avançar para o grau seguinte é Recebido Mestre e, consequentemente, as respetivas cerimónias são designadas de Receção.

Por esta breve excursão por vários rituais, verificamos não haver, em bom rigor, que dar primazia a um termo sobre outros. Cada rito utiliza os seus termos, podendo haver variantes, mesmo dentro do mesmo rito, entre Obediências. Não há, assim, um termo "certo" para designar qualquer das duas ocorrências que aqui refiro. Obviamente que, dentro da mesma Loja, não faz muito sentido que se usem termos diferentes para designar a mesma realidade, devendo todos os obreiros dessa Loja ter em atenção que devem utilizar o termo em uso no respetivo ritual do seu Rito, por evidente questão de rigor. Em termos mais abrangentes, o que convém é que todos os maçons - pois convivem entre si maçons de todos os ritos e de todas as Obediências - conheçam as várias variantes existentes, para que saibam do que estão a ouvir falar, quando um destes termos vier à baila na conversa. E, quando porventura alguém não esteja familiarizado com algum termo, não hesite em perguntar... Entre Irmãos, perguntar algo não é nunca sinal de fraqueza ou menor capacidade. É para isso e por isso que todos os maçons se consideram mutuamente como Irmãos: para e por se auxiliarem mutuamente a suprir os desconhecimentos ou asperezas de cada um, assim ajudando a que todas as brutas pedras progressivamente ganhem forma e polimento... 

Rui Bandeira

12 junho 2013

Os limites da Tolerância


Quando se fala de Tolerância, é frequente vir à baila a questão dos seus limites. Existe alguma tendência para se considerar existir algo de contraditório entre a Tolerância e a consideração de existência de limites à mesma. A meu ver, esta é uma falsa questão, que um pouco de reflexão facilmente resolve.

Antes do mais, é preciso entender que o conceito de Tolerância se aplica a crenças, a ideias, ao pensamento e respetiva liberdade, às pessoas e sua forma, estilo e condições de vida, mas nada tem a ver com o juízo sobre atos. Cada um de nós deve tolerar, aceitar e respeitar, independentemente da sua diferença em relação a si e ao seu entendimento, a crença alheia, as ideias e o pensamento de outrem, pois a liberdade de crença e de pensamento são expressões fundamentais da dignidade humana. Cada um de nós deve tolerar, aceitar e respeitar o outro, quaisquer que sejam as diferenças que vejamos nele em relação a nós, porque o outro é essencialmente igual a mim, não ferindo essa essencial igualdade as particulares diferenças entre nós existentes. Mas não é do domínio da Tolerância o juízo sobre os atos. O juízo sobre atos efetua-se em função da moral e das regras sociais e legais vigentes.

Explicitando um pouco mais: tenho o dever de aceitar alguém que pense de forma diferente da minha, que tenha uma crença religiosa diferente da minha, uma orientação sexual diferente da minha, um estilo de vida diferente do meu. Mas já não tenho idêntico dever em relação a atos concretos desse outro que se revelem violadores da lei, da moral ou da própria noção de Tolerância. Designadamente, não tenho que tolerar manifestações de intolerância em relação a mim, às minhas crenças e convicções, tal como não só não tenho que tolerar como não devo fazê-lo atos criminosos, cruéis, degradantes ou simplesmente violadores das consensuais regras de comportamento social.

Temos o dever de tolerar, de aceitar, a diferença - no estilo, nas ideias, nas crenças, no aspeto ou nas condições individuais. Por outro lado, temos o direito e o dever de ajuizar, de exercer o nosso sentido crítico, relativamente a ações concretas.

Ninguém vive isolado da Sociedade e todos têm de cumprir as regras sociais que viabilizam a sã convivência de todos com todos. Consequentemente, é uma simples questão de bom senso que devemos aceitar, valorizar, integrar as diferenças. Quem é diferente, tem direito a sê-lo. Quem pensa diferente, tem o direito de assim fazer. Mas, por outro lado, o direito à diferença não legitima a atuação desconforme com as regras sociais, legais, morais, em vigor na Sociedade em causa. Ninguém pode pretender só gozar das vantagens sem suportar os inconvenientes. Quem vive em Sociedade tem o direito de exigir que esta e os demais aceitem as suas diferentes ideias, conceções, condição. Mas tem o correlativo dever de respeitar as normas sociais, legais e morais vigentes. Se o não quiser fazer, deve afastar-se para onde vigorem normas que esteja disposto a seguir.

As Sociedades evoluem e é bom que assim seja. Também por isso é inestimável e rica a diferença. Também por isso devemos aceitá-la e aceitar que quem defende ideias ou conceções ou condições diversas da norma procure convencer os demais da bondade das suas escolhas. Isso é Liberdade, isso é Democracia. Nem uma, nem outra subsistem sem a indispensável Tolerância da Diversidade. Mas precisamente por isso - afinal porque quem quer e merece ser respeitado tem o dever de respeitar - o direito de defesa das ideias e convicções, o direito a tentar convencer os demais, o direito a pregar a evolução pretendida, não se confunde com qualquer pretensão de agir como se pretende, se em contrário da lei, do consenso social, da postura moral da Sociedade em que se está inserido.

Resumindo: a Tolerância obriga a respeitar a Diversidade e a diferença; impõe a aceitação da divulgação, da busca de convencimento, mesmo da propaganda das ideias ou conceções diversas. Mas não que se aceitem condutas prevaricadoras do que está legal e socialmente vigente - enquanto o estiver. Por isso entendo que os domínios da Tolerância e do Juízo sobre os atos concretos são diferentes. As ideias, as conceções, as condições confrontam-se, debatem-se, mutuamente se influenciam, enfim interagem no domínio da Liberdade e, assim, da mútua Tolerância. Os atos, esses, necessariamente que têm de respeitar o estabelecido enquanto estabelecido estiver. Se assim não for, o que é aplicável à violação do consenso social não é a Tolerância - é a Justiça, seja sobre a forma de Justiça formal, seja enquanto censura social seja no domínio do juízo individual.

Portanto, onde tem lugar a Tolerância, esta não tem limites. Onde há limites, sejam legais, sejam de normas sociais ou morais, não se está no domínio da Tolerância, mas no domínio do tão justo quanto possível juízo concreto sobre atos concretos.

Rui Bandeira

05 junho 2013

Igualdade, Diversidade e Tolerância



Os maçons prezam a Igualdade. Esta está na matriz genética do que é a Maçonaria. Na Loja, todos são essencialmente iguais, mesmo que alguém dirija, alguém assista quem dirige, alguém ensine e alguém aprenda. Porque todos foram e potencialmente serão tudo, todos fizeram e potencialmente farão tudo em Loja. A dignidade da condição humana é exatamente igual em todos e cada um, quaisquer que sejam as suas habilitações, as suas aptidões, as suas realizações. Cada maçom está entre iguais quando está entre os seus Irmãos. Mais: cada maçom reconhece e preza a essencial Igualdade entre todos os membros da  espécie humana, independentemente de cores de pele, de nacionalidades, de crenças, de lugares ou de estilos de vida.

Os maçons prezam, também, e em igual medida, a Diversidade e o corolário desta, a diferença. Em Loja, é patente a riqueza advinda do confronto e da cooperação de diferentes experiências, capacidades, opiniões, formações. Por isso, não tiveram nem têm normalmente êxito avulsas experiências de criação de Lojas "monocolores", de médicos ou de músicos ou do que quer que seja, acumulação de experiências semelhantes que, por regra mais cedo do que tarde, se revela entediante e pouco apelativa. Os maçons aprendem e praticam o inestimável valor da diversidade, aprofundam o estimulante potencial da diferença. Cada um contribui com as suas valências, os seus saberes, os seus gostos, as suas experiências, em suma, com a sua individualidade, para enriquecer o grupo e os demais. E cada um aprende, enriquece-se, com o que depara de diferente, com diversos pontos de vista que lhe aguçam e estimulam o intelecto e o espírito crítico.

A  Igualdade não pressupõe, não se faz, de similitude. A Igualdade aceita, resulta, da multitude de diferenças que existem na diversidade.

A Tolerância é a ferramenta que harmoniza a Igualdade e a Diversidade. Entender que os nossos iguais não deixam de o ser porque pensam diferente de nós, aceitar que as diferenças de aspeto, de cor de pele, de experiências, de culturas, não afetam a essencial Igualdade da natureza humana, expressa na individualidade de cada um, é a natural postura que permite, mais do que possibilitar, mais do que meramente compatibilizar, efetivamente rentabilizar a Diversidade existente na Igualdade. Por isso a Tolerância não emerge de qualquer sentimento de pretensa superioridade do que tolera em relação ao tolerado; pelo contrário, a Tolerância pressupõe, enraíza-se, cresce a partir da noção de que o outro é essencialmente igual a mim e acessória e inevitavelmente apresenta diferenças em relação a mim. Diferenças que é estulto julgar, catalogar ou, pior, ridicularizar ou ostracizar; pelo contrário, diferenças que me enriquecem na medida em que as considerar, com elas aprender, integrar nos meus saberes, nas minhas posturas, na minha individualidade - que, por natureza, é diferente de todas as demais... 

A Igualdade é o campo que cada ser humano tem em comum, o solo que todos pisamos, a terra que a todos nós molda. A Diversidade são as diferentes culturas que sobre essa terra comum se semeiam, granjeiam  e, a seu tempo, se colhem, todas diferentes, todas importantes, apesar das suas diferenças, afinal devido às suas diferenças. A mesma terra dá o cereal de que se faz o pão, cria o fruto de que se fabrica o vinho, desenvolve o algodão de que se faz tecido. A Tolerância é a alfaia que trabalha a terra e semeia, granjeia e colhe as culturas.

A essencial Igualdade de todos os seres humanos é uma indispensável base com um inestimável potencial, concretizado numa miríade de diferenças que constituem a formidável riqueza da Diversidade. A Tolerância é o meio pelo qual se aproveita o potencial e se cria a riqueza, a forma como, assumindo a comum base de partida, se propicia a inestimável infinidade de caminhos que podem ser traçados, cruzados, percorridos por iguais com diferentes anseios e diversas caraterísticas, sementes diversas lançadas à mesma terra produzindo inumerável variedade de frutos.

Compreender que todos somos essencialmente iguais, valorizar as diferenças inerentes à nossa individualidade, articular o que é comum com o que é diverso com a harmonia da Tolerância, são caraterísticas imanentes da Maçonaria, presentes desde sempre na sua matriz formadora. Para os maçons, reconhecer a Igualdade e Tolerar, isto é, aceitar, valorizar e aproveitar a Diferença, é pura rotina, algo tão natural como respirar.

No dia em que todos em toda a Humanidade conseguirem compreender e praticar que o ser humano, sendo essencialmente Igual aos seus semelhantes só se valoriza. se potencia, se realiza pelo exercício e aproveitamento das suas diferenças, constituindo o conjunto de todas elas a enriquecedora Diversidade da espécie humana, tão mais enriquecedora e propiciadora do progresso e do bem comum quanto mais bem Tolerada, aceite, fomentada for por todos e cada um, nesse dia finalmente as trevas do obscurantismo serão vencidas pela Luz da razão.

Para que esse dia chegue trabalham, dia a dia, incansáveis formiguinhas obreiras, os maçons. Esta a Grande Conspiração Maçónica! Esta a Nova Ordem Mundial por que anseiam! Os maçons e todas as pessoas de bem e livres de preconceitos!

Rui Bandeira