17 julho 2013

Dos Operativos aos Especulativos: o catalisador


No penúltimo texto, procurei demonstrar como algo falta na versão normalmente aceite sobre a evolução da Maçonaria Operativa para a Maçonaria Especulativa, como a simples aceitação de intelectuais que, progressivamente, passaram a controlar todas as Lojas operativas, ou quase, e, em quase perfeita sintonia temporal, modificaram a Maçonaria Operativa na realidade Especulativa que surgiu, em todo o seu esplendor, no início do século XVIII, me parece não muito provável, em termos lógicos.  Enunciei também a hipótese de que algo catalisou essa transformação. 

No último texto, efetuei uma deriva à época do Renascimento e chamei a atenção para os efeitos que a descoberta da obra De Architectura, de Vitrúvio, e dos princípios nela expostos, particularmente logo no seu primeiro Livro, tiveram em parte apreciável da intelectualidade europeia continental, especialmente nos profissionais ligados à construção, arquitetos, engenheiros e mestres construtores. Pontuei também que a documentação relativa às Lojas Operativas britânicas não indiciava idêntica influência. Concluí que, entre o mais do mesmo que se verificava na primeira metade do século XVII, no que toca às Lojas Operativas britânicas, que irreversivelmente conduziria à sua extinção ou completa irrelevância,  e a súbita florescência, em novos moldes, no início do século XVIII, teria certamente que decorrer um evento catalisador que justificasse essa improvável mudança. 

O que forçou então esta mudança? A meu ver, um segundo catalisador (considerando o primeiro, e longínquo, a influência, na Europa Continental, das teses vitruvianas) e a evolução dele decorrente. 

Refiro-me  ao Grande Incêndio que destruiu Londres em 1666. 

A destruição da cidade implicou a necessidade da sua reconstrução. Reconstruir toda uma grande cidade implicou a mobilização de grande número de construtores, não somente executores da construção, operários, mas também arquitetos e diretores de obras. A necessidade excedeu a capacidade de resposta dos profissionais existentes em Inglaterra e houve uma migração maciça de profissionais continentais, franceses, flamengos, alemães, italianos, etc.. Entre eles, muitos arquitetos, engenheiros e dirigentes de obra, que traziam na sua matriz genética profissional os princípios vitruvianos.

Naturalmente que este sangue novo – e abundante – de qualificados profissionais da construção, em época em que o que não faltava era trabalho, facilmente se misturou com os profissionais da construção existentes. Ou seja, naturalmente que este grande número de profissionais vindos da Europa Continental se integrou nas Lojas operativas. E revitalizou-as. E trouxe-lhes a evolução de ideias, de princípios, de abrangência cultural que faltava nos cultores do tradicionalismo operativo. E obviamente que foi muito mais fácil para os operativos já existentes, por muito tradicionalistas, por muito imobilistas que porventura fossem, aceitar as inovações trazidas pelos colegas de ofício que, em virtude das circunstâncias, se integraram nas Lojas Operativas, do que se lhes fossem impostas por maçons aceites, não integrantes do ofício.

E evidentemente que esta evolução rapidamente conduziu as Lojas Operativas para a grande transformação que, em apenas duas gerações, veio a ocorrer. 

Em 1717, a transformação ideológica, de atitudes e de práticas propiciada por estes dois aceleradores, os profissionais chegados da Europa Continental em abundância para suprir as necessidades decorrentes da reconstrução de Londres após o Grande Incêndio de 1666 e as ideias de que eram portadores, estava completa. A Maçonaria Operativa consumava o seu desaparecimento, por completa desnecessidade social da sua existência, mas não pela sua extinção, antes pela sua transformação em algo de novo, de pujante, com todas as condições para o crescimento explosivo que viria a ter nos dois séculos seguintes: a Maçonaria Especulativa.

E foi assim que, na minha tese, do velho se fez novo e diferente.

Bibliografia

São os franco-mações os herdeiros dos construtores de catedrais?, Jean-Michel Mathoniére,  in Os Franco-Mações, Pergaminho, , 2003, tradução do original  Les Francs-Maçons, Éditions Tallandier, Paris, 1998.

Rui Bandeira

5 comentários:

Streetwarrior disse...

Olá Rui.
Gostaria de lhe colocar uma duvida e que me pudesse responder se souber ou se assim o entender.

Já por várias vezes, em diversas figuras, principalmente religiosas, vi a imagem de uma perna flectida (só a perna mesmo sem mais nada )ou por vezes a representação de um Joelho.
Qual é o significado dessa simbologia Rui ?
Gostaria de aprender...pode me ensinar?
Não sei se conhece o castelo de Sesimbra.
Subindo ao Castelo de Sesimbra, ao seu lado, encontra-se uma pequena igreja datada do Séc XIV, muito bem cuidada.
Toda ela é muito interessante, revestida de azulejos em excelente estado.
Curiosamente, quando se entra e nos colocamos ao centro da igreja, reparamos que ao nosso lado Esq, encontramos a imagem de 1 carneiro carregando uma bandeira com a cruz cristã.
Do lado oposto,a Oriente...encontramos um outro azulejo com as escalas de uma balança.
De frente...por cima do Altar, encontramos um buraco na parede em forma de circulo...e nas nossas costas, bem no alto a imagem do bebé Cristo nos braços de sua mãe, a Virgem Maria.

O total de Azulejos á volta do interior da igreja são 13 e um deles...é uma perna flectida dentro da sua armadura de cavaleiro.

O que significará esta perna ou Joelho?
Se necessira de ver a foto, eu tenho, tal como de todos os azulejos e arquitectura.

P.S
Eu sei que foge um pouco ao tópico Rui mas não rfesisti em perguntar.
Obrigado
Nuno

Diogo disse...

Rui Bandeira: «O que forçou então esta mudança (a evolução da Maçonaria Operativa para a Maçonaria Especulativa)? A meu ver, um segundo catalisador (considerando o primeiro, e longínquo, a influência, na Europa Continental, das teses vitruvianas) e a evolução dele decorrente.

Refiro-me ao Grande Incêndio que destruiu Londres em 1666.

A destruição da cidade implicou a necessidade da sua reconstrução. Reconstruir toda uma grande cidade implicou a mobilização de grande número de construtores, não somente executores da construção, operários, mas também arquitetos e diretores de obras. A necessidade excedeu a capacidade de resposta dos profissionais existentes em Inglaterra e houve uma migração maciça de profissionais continentais, franceses, flamengos, alemães, italianos, etc.. Entre eles, muitos arquitetos, engenheiros e dirigentes de obra, que traziam na sua matriz genética profissional os princípios vitruvianos.

Naturalmente que este sangue novo – e abundante – de qualificados profissionais da construção, em época em que o que não faltava era trabalho, facilmente se misturou com os profissionais da construção existentes. Ou seja, naturalmente que este grande número de profissionais vindos da Europa Continental se integrou nas Lojas operativas. E revitalizou-as. E trouxe-lhes a evolução de ideias, de princípios, de abrangência cultural que faltava nos cultores do tradicionalismo operativo. E obviamente que foi muito mais fácil para os operativos já existentes, por muito tradicionalistas, por muito imobilistas que porventura fossem, aceitar as inovações trazidas pelos colegas de ofício que, em virtude das circunstâncias, se integraram nas Lojas Operativas, do que se lhes fossem impostas por maçons aceites, não integrantes do ofício.

E evidentemente que esta evolução rapidamente conduziu as Lojas Operativas para a grande transformação que, em apenas duas gerações, veio a ocorrer.
»



Diogo: Caro Rui, então você acha que os grandes génios em todos as áreas do século XVII iriam absorver os «conhecimentos» de operários, arquitetos e diretores de obras?

Homens como:

Francis Bacon, English philosopher and politician (1561–1626)

Sir Thomas Browne, English author, philosopher and scientist (1605–1682)

Ismaël Bullialdus, French astronomer, (1605–1694)

Abraham Darby I, English Ironmaster, Introduced the first coke-consuming blast furnace (1678–1717)

René Descartes, French philosopher and mathematician (1596–1650)

Pierre de Fermat, French lawyer and mathematician (1601–1665)

Galileo Galilei, Italian natural philosopher (1564–1642)

Pierre Gassendi, (1592–1655), French philosopher, priest, scientist, astronomer/astrologer,[13] and mathematician

William Harvey, medical doctor (1578–1657)

Thomas Hobbes, English philosopher and mathematician (1588–1679)

Christiaan Huygens, Dutch mathematician, physicist and astronomer (1629–1695)

Johannes Kepler, German astronomer (1571–1630)

Antonie van Leeuwenhoek, Dutch scientist and the first person to use a microscope to view bacteria (1632–1723)

Christopher Wren, English architect and scientist (1632–1723)

Gottfried Leibniz, German philosopher and mathematician (1646–1716)

John Locke, English philosopher (1632–1704)

Marin Mersenne, (1588–1648), French theologian, philosopher, mathematician and music theorist, referred to as the father of acoustics

Sir Isaac Newton, English physicist and mathematician (1643–1727)

Blaise Pascal, French theologian, mathematician and physicist (1623–1662)

Baruch Spinoza, Dutch philosopher (1632–1677)

Sir Anthony Weldon, English courtier and politician (1583–1648)

Diogo disse...

Etc, Etc, Etc...

Rui Bandeira disse...

@ Streetwarrior:

Em termos maçónicos, desconheço esse símbolo.
Abraço.

Rui Bandeira disse...

@ Diogo:

Convém saber interpretar o que se lê:

O que eu defendo é que os construtores europeus continentais foram muito influenciados pelas teses vitruvianas e assimilaram a noção de que o Homem deve ter uma cultura tão abrangente quanto possível, ultrapassando em muito os conhecimentos geométricos e despecíficos da arte da construção; que, por virtude da migração de construtores continentais para Lonfres, essas teses influenciaram os construtores ingleses e catalisaram a transformação das Lojas Opertaovas em Lojas Especulativas. Nessa transformação, sem dúvida que os ensinamentos de Francis bacon, Hobbes, Locke, Newton, e muitos outros outros influenciaram os maçons (já não construtores de edificações, mas construtores de si próprios) e não o inverso...


Mas fico muito satisfeito por ver finalmente o Diogo reconhecer que a Maçonaria tem a ver com o estudo e desenvolvimento das ideias de todos esses que citou - e muitos outros - e já não só com teorias conspirativas...