01 outubro 2012

Integração e tolerância



Uma adolescente muçulmana de 12 anos de idade, vivendo em Frankfurt, requereu a um tribunal alemão a dispensa das aulas de natação, alegando desconforto em estar tão perto de rapazes em tronco nu. De acordo com o seu advogado, o Corão não só a proibiria de se mostrar aos rapazes como de ver os rapazes despidos da cintura para cima.

Na passada sexta-feira o tribunal  emitiu a sentença, na qual recordou que ela poderia usar um fato de banho de corpo inteiro - já usado, aliás, por outras colegas da mesma escola - o que seria garante suficiente da sua liberdade religiosa. Por outro lado, notou que a família - original de Marrocos - escolhera viver na Alemanha, onde as aulas de natação mistas são a norma. Remeteu, por fim, para uma sentença do tribunal constitucional alemão, de acordo com a qual  um dos propósitos do sistema escolar seria a promoção da integração e da tolerância. Por tudo isto recusou a pretensão da requerente, tendo esta que suportar a vista dos colegas nos seus fatos de banho.

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Por ser a tolerância religiosa um dos valores que estiveram na génese da maçonaria especulativa, é natural que os maçons tenham na tolerância um valor fundamental. No entanto, se perguntarmos a duas dúzias de maçons o que é a tolerância, receberemos duas dúzias de respostas, algumas das quais contraditórias - e é bom que assim seja. A tolerância decorre da diversidade; sem diversidade não há necessidade de tolerância: só faz sentido ser-se tolerante perante o que é diferente de nós.

É natural que procuremos a proximidade daqueles com quem nos identificamos mais, e nessa identidade acabemos por nos afastar dos que não se nos assemelham. A própria origem das espécies decorrerá dessa tendência de agremiação de seres mais semelhantes entre si mas um pouco diferentes de outros, mesmo quando todos partilhem antepassados comuns. O reconhecimento de seres diferentes - porventura portadores de uma mutação genética, ou doentes - e o afastamento dos mesmos poderá servir de  mecanismo de preservação das populações.

Por outro lado, pode dizer-se que a intolerância é um mecanismo de defesa, de repulsão de um ataque - tenha este de facto decorrido, ou esteja iminente, ou seja meramente possível. Neste sentido, é uma qualidade saber-se reconhecer o inimigo que pode destruir-nos a nós ou às nossas crias. Porém, tomar por agressão a própria diferença independentemente dos atos cometidos é um comportamento perfeitamente típico de um ser irracional, se bem que inaceitável num ser humano.

Não deixa, por isso mesmo, de ser desejável que tomemos consciência da dualidade da nossa natureza - animais por um lado, racionais pelo outro - e saibamos tirar o melhor partido de ambas as facetas da mesma. Pois que se, por um lado, o "instinto animal" nos pode salvar de muitas situações perigosas, por outro só uma mente racional nos pode levar até à plenitude da nossa humanidade.

Tolerar a intolerância sob o argumento de que "é natural" só é aceitável para quem esteja disposto a abdicar de tudo quanto desenvolvemos enquanto seres racionais. Aceitar que somos todos diferentes, e que nada de mal tem forçosamente que advir daí, é uma atitude tão mais importante quanto mais populado está o nosso mundo, e quanto mais globalizado e culturalmente miscigenado este se vai inexoravelmente tornando.

Li há anos um livro de Robert Heinlein (já não me recordo de qual...) de que retive uma frase: "Um homem sábio não pode ser insultado, pois a verdade não insulta, e a mentira não merece atenção." Copiei essa frase cuidadosamente para um papelinho que guardei cuidadosamente espetado num painel de cortiça no meu escritório durante anos. 

Curiosamente, o presidente Obama disse há dias uma coisa parecida: que a cultura ocidental reconhece o direito à liberdade de expressão, mas não reconhece o direito a não ser insultado. Nas nossas sociedades - nos chamados "Estados de Direito" - a lei estabelece uma linha mínima de homogeneidade: todos são iguais perante esta, todos devem cumpri-la, e ninguém deve ser forçado a fazer o que esta não preveja. A lei constitui, assim, como que as "regras da casa" de uma sociedade, estipulando o que é e não é aceitável. 

Pode dizer-se que há, essencialmente, duas formas de gerir a diferença: pretender tornar todos iguais, ou aceitar que somos todos diferentes. Se tivermos em conta quer as lições da História, quer o facto de que mesmo na população mais homogénea há diferenças de indivíduo para indivíduo, não nos resta senão aceitar a diferença - e tirar o maior partido desta. Podemos pretender agir sobre os outros - tornando-os iguais a nós mesmos ou suprimindo-os - ou pretender agir sobre nós mesmos - aceitando os outros como são. É esta, precisamente, a forma como vejo a tolerância tal como a maçonaria no-la transmite: como uma  deliberada indiferença perante a diferença. Não, não é instintivo - mas aprende-se.


Paulo M.

26 setembro 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXI

Se o Grão-Mestre morrer durante a sua gestão, ou, por doença, por estar além-mar, ou qualquer outro motivo, ficar incapacitado de exercer a sua função, o Vice Grão-Mestre ou, em sua ausência, o  Primeiro Grande Vigilante, ou em sua ausência o Segundo Grande Vigilante, ou em suas ausências, quaisquer três Mestres de Lojas, deverão reunir-se e convocar a Grande Loja imediatamente, para que, juntos, possam analisar esta emergência, e enviarem dois dos membros para convidar o último Grão-Mestre a reocupar o cargo em curso, passando a ocupá-lo; ou se este recusar, então o antepenúltimo, e assim por diante. Mas se nenhum antigo Grão-Mestre for encontrado, então o seu Vice Grão-Mestre deve exercer o cargo, até que outro Grão-Mestre seja escolhido; e se não houver nenhum Vice Grão-Mestre, então o mais antigo Mestre desempenhará essa função.

Esta regra regulava a substituição temporária do Grão-Mestre, por sua morte ou outro impedimento definitivo, até à eleição e instalação de novo Grão-Mestre.

Foi concebida nitidamente com o propósito de prever todas as possibilidades, evitando qualquer vazio de poder e, pela minúcia da sua estatuição, prevenindo conflitos sobre quem temporariamente assegurava os destinos da Fraternidade.

Note-se bem que a regra prevê apenas a forma temporária de substituição do Grão-Mestre falecido ou definitivamente impedido, bem como o objetivo dessa substituição. Não era, pois, aceite a possibilidade de substituição definitiva até ao termo do mandato.

Estatuiu-se uma precisa e detalhada ordem de substituição temporária, que seria assegurada, em primeiro lugar, pelo Vice Grão-Mestre; na falta ou impedimento deste, o encargo seria assumido pelo Primeiro Grande Vigilante; mas, na falta ou impedimento deste, interviria o Segundo Grande Vigilante; na improvável falta ou impedimento de todos estes, avançaria então um coletivo composto por quaisquer três Veneráveis Mestres de Lojas.

Qual a função destes substitutos? Unicamente uma: convocar a Assembleia de Grande Loja (e, logicamente, assegurar a gestão corrente até à realização desta).

Uma vez desaparecido ou impedido o Grão-Mestre eleito pela Grande Loja, era a esta, titular originária dos poderes conferidos - e só a esta - que incumbia resolver o problema. Essa resolução ocorria em dois tempos: num primeiro tempo, assegurar a gestão corrente até à realização da Assembleia de Grande Loja que iria proceder à eleição do novo Grão-Mestre; no segundo, essa mesma eleição.

Porquê esta necessidade de duas Assembleias de Grande Loja, uma para designar um gestor provisório e outra para efetuar a eleição? Porque o processo eleitoral necessariamente que demorava algum tempo, com prazos de apresentação de candidaturas, esclarecimento do corpo eleitoral pelos possíveis vários candidatos, execução das operações materiais inerentes a qualquer eleição séria, e se pretendia que, quer a gestão corrente, durante esse período, quer a própria organização do processo eleitoral decorresse sob a égide de alguém especificamente mandatado para tal, expressamente dotado de poderes e confiança pela origem de toda a autoridade maçónica, a Assembleia de Grande Loja.

A regra indica desde logo quem a Assembleia de Grande Loja deve designar para essa função temporária, um dos Antigos Grão-Mestres, com uma ordem de preferência indo do mais recente para o mais antigo. Só na falta, de todo em todo, de Antigo Grão-Mestre disponível para assegurar o encargo, este seria assumido pelo Vice Grão-Mestre em funções ou, em último caso, pelo Venerável Mestre mais antigo (disponível, subentende-se).

Porquê esta opção em detrimento dos Oficiais em funções? E porquê a necessidade de convocação e realização de uma Assembleia de Grande Loja apenas para designar o titular provisório da função, se a norma é tão detalhada na designação de quem a devia exercer e na ordem de precedência e substituição para o efeito?

Quanto à preferência pelos Antigos Grão-Mestres, resolvia uma questão de confronto de legitimidades. Por um lado, os Grandes Vigilantes eram eleitos, tal como o Grão-Mestre, enquanto que o Vice Grão-Mestre era apenas designado pelo Grão-Mestre; mas, pelo outro, aquele era hierarquicamente a segunda figura da Obediência e da confiança do Grão-Mestre eleito. Já na regra XVI se regulara, cautelosamente, a forma de solucionar possíveis conflitos entre os Grandes Vigilantes e o Vice Grão-Mestre. A solução acolhida evitava e escolha entre a legitimidade decorrente da confiança depositada pelo Grão-Mestre eleito (e falecido ou impedido) e a legitimidade eleitoral dos Grandes Vigilantes, fazendo apelo aos "senadores", aos Antigos Grão-Mestres, que o foram por ter sido eleitos para tal e que tinham já experiência de administração da Grande Loja, podendo assim assegurar facilmente um período transitório de substituição. Só na (improvável) hipótese de não haver um Antigo Grão-Mestre disponível, em nítido último caso, a regra se resigna a escolher, optando pelo Vice Grão-Mestre - com alguma lógica, dado que se trata de solução transitória, para assegurar a continuidade do que se vinha fazendo, até à obtenção da solução definitiva, pela legitimidade eleitoral.

Quanto à necessidade de realização de uma Assembleia de Grande Loja intercalar, a meu ver decorria de dois pressupostos. Por um lado, assegurar a transparência da substituição provisória: a verificação do cumprimento da norma e dos sucessivos requisitos e ordem de substituição era publicamente feita perante a Assembleia. Por outro, conferia-se legitimidade da Assembleia ao gestor provisório.

Modernamente - também porque a evolução das comunicações o propicia -, o sistema é simplificado: o Vice Grão Mestre, ou o Primeiro Vice Grão-Mestre, quando haja mais de um, ou ainda o mais antigo dos Vice Grão-Mestres, assume a condução provisória da Fraternidade até à eleição, cujos termos e processo já estão previamente previstos e regulamentados.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 141.

Rui Bandeira

21 setembro 2012

As ondas da fortuna



Um dia, passeando junto ao mar, aproximei-me de uma falésia com as minhas filhas, e mostrei-lhes as ondas revoltosas que fustigavam as rochas. Perguntou-me uma delas sobre aquelas enormes pedras: "Alguém as pôs ali? De onde vieram?". Expliquei-lhe que por debaixo do chão que pisávamos havia terra, areia, pedrinhas pequenas, argilas, e algumas pedras grandes. As ondas do mar e as marés iam corroendo a base da falésia, fazendo desabar partes desta, e dissolvendo depois as partículas menores em areia e em pó. Era daí que vinham as pedras.

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Um maçom tem como principal objetivo tornar-se numa pessoa melhor. É para isso que a maçonaria existe: para tornar homens bons ainda melhores. Melhores não em termos absolutos, mas cada um relativamente melhor do que era antes, aos seus próprios olhos, e em face da sua própria realidade. Os objetivos de cada um, as estratégias de progresso, os critérios de sucesso, a cada um pertencem. É inútil tentarmos quer traçar quer percorrer o caminho do outro; em maçonaria cada um faz o seu próprio caminho. E, quando há vontade e meios, que fantásticos caminhos podemos percorrer!

Que bem nos sentimos quando a vida nos sorri! Nesses momentos sentimo-nos capazes de tudo, sentimo-nos os melhores homens da Terra, e juramos para connosco que estaremos sempre acima das vilezas da vida. Como é bom subir - e estar em cima! Como é gratificante sentirmo-nos bem connosco mesmos! O esforço paga-se a si mesmo, a consciência do progresso redobra-nos as forças, e ganhamos ânimo para sermos ainda melhores, e capazes de tudo.

Porém, tal como nas marés, a cada subida se segue uma descida. Quando a vida se torna mais dura e o sorriso menos espontâneo é, de repente, muito mais difícil manter o rumo ascendente e tornarmo-nos melhores a cada dia que passa. Pelo contrário, tudo ao nosso redor nos puxa para baixo, como o mar nos arrasta para o largo quando a maré desce. E quantas vezes damos por nós a lutar desesperadamente não por nos tornarmos melhores, mas apenas por não nos tornarmos piores!... Os tempos duros não melhoram os indivíduos; no entanto, dão mais realce aos melhores - àqueles que não se deixam levar pelas ondas.

São homens firmes, voluntariosos, obstinados, fazendo finca-pé perante as adversidades, quem serve de facto de apoio aos mais vulneráveis, quem mantém as sociedades coesas, e quem mais contribui para suportar os grandes embates da História. Orgulha-me saber que muitos destes homens foram maçons, que trabalharam integrados nas suas lojas, que nelas cresceram apoiados nos que os precederam, e foram suporte dos que vieram depois. Ser assim mesmo, composta de uns maiores, outros mais argilosos, outros mais ásperos, mas acima de tudo de gente diferente, é o que dá solidez a uma loja.

E saber que seremos todos, no fim, (des)feitos em areia e pó na implacável voragem das ondas, não restando memória das pedras que outrora tenhamos sido, nada ficando a longo prazo de legado ao futuro, tranquiliza-me em certa medida: faz com que cada homem não valha senão por si mesmo, aos seus próprios olhos, e à luz da sua própria consciência.

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Na base da falésia restavam apenas as grandes pedras que o mar não conseguira ainda vencer. Onda após onda, maré após maré, mesmo estas viriam a soçobrar - mas não já. Pois enquanto estas se perfilassem no seu posto, a falésia estaria mais protegida da fúria inconstante do oceano. Sem elas a falésia não existiria. Mesmo quando fossem quebradas ou arrastadas, outras mas novas viriam tomar o seu lugar, vindas mais de cima, ou mais do interior. E quando, por fim, um dia a falésia deixar de existir, o mar, cansado de não ter mais onde bater, espalhará pelas praias do mundo tudo o que dela restou.


Paulo M.

19 setembro 2012

Jorge Silveira (1953-2012), maçom breve

Conheci o Jorge precisamente no dia 23 de novembro de 2011. Foi esse o dia em que o Jorge foi iniciado Aprendiz Maçom na Loja Mestre Affonso Domingues. Antes desse dia, Jorge Manuel Maciel da Silveira fora apenas um nome numa ficha de candidatura lida e aprovada em Loja para prosseguimento do normal processo de candidatura e, depois, o nome da pessoa retratada nos relatórios dos inquiridores que sobre ele se informaram e, tendo concluído tratar-se de um homem livre e de bons costumes, com sincero desejo de se aperfeiçoar, recomendaram a sua admissão às provas da Iniciação.

Nessa noite de inverno, conheci um homem alto e bem constituído, um pouco mais velho do que eu, que realizou as suas provas de Iniciação com naturalidade e que, no convívio que se seguiu no final da sessão (quando não há uma segunda oportunidade para uma boa primeira impressão...) se confirmou um homem calmo, ponderado, com muita vida já vivida, e se revelou, sobretudo, como um homem sorridente. 

É esta a primeira recordação que tenho do Jorge, o sorriso afável que, natural e frequentemente, surgia no seu rosto. Muito cinquentão, já não muito longe das seis décadas de vida, mantinha a capacidade de sorrir, o espírito de humor - descobri mais tarde que uma saudável ironia era frequente expressão dele -, a afabilidade que normalmente encontramos naqueles que estão de bem consigo próprios.

Se a primeira tarefa de um Aprendiz é a da sua integração no grupo, o Jorge efetuou-a com facilidade e distinção. Um par de sessões, um par de convívios, chegou e sobejou para que o Jorge fosse mais um dos nossos. Não havia dúvidas de que era um bom homem, com bom caráter, interessado e de fácil trato. Rapidamente entrou no ritmo: atento nas reuniões, nelas fazia o que se espera que um Aprendiz faça - ouvir, observar, aprender; fora delas, era também o que de melhor havia a esperar - afável, descontraído, participativo, perguntava quando devia perguntar, comentava a propósito, confraternizava com facilidade. Com muita facilidade e rapidez começaram a tecer-se laços de amizade, em especial - e como seria de esperar - com alguns dos Aprendizes com quem partilhava trabalhos, expetativas, esforços.

Na hora de trabalhar, disse-me o Segundo Vigilante, era sério e esforçado e evoluía com rapidez e segurança. Rapidamente atingiu o patamar em que se lhe começava a perguntar se já escolhera o tema da sua prancha de Aprendiz e se incentivava a que a elaborasse e apresentasse. Não haveria qualquer surpresa na sua Passagem a Companheiro, que certamente ocorreria neste ano maçónico de 2012/2013. Como se antevia que, também sem sobressaltos de maior, evoluiria até à sua Elevação a Mestre e se perspetivava que viria a ser um bom Mestre, que bem faria o seu papel na Loja.

Quis o Grande Arquiteto  que assim não viesse a acontecer. Já em setembro, mas ainda antes da primeira sessão do ano, surpreendeu-nos a todos a notícia da sua passagem para o Oriente Eterno. O Jorge já uns dias antes confidenciara a um de nós que algo não ia bem, que uma dor no peito intermitente, mas fugazmente, o incomodava. Infelizmente,o Jorge não deu a atenção que devia ao assunto, não tratou de pôr o seu médico a par da situação com a presteza que era aconselhável e não reconheceu a natureza do sinal que o seu corpo dava. E assim a sua hora de conhecer o Grande Mistério chegou. 

Foi, em menos de um ano, o terceiro obreiro que a Mestre Affonso Domingues viu partir! E, se todos cremos que essa partida é também a entrada numa nova etapa do caminho, isso não torna menos dolorosa a separação: todos os que acenaram a um familiar ou amigo da borda de um cais ou no átrio de um aeroporto o sabem. 

Tivemos a dita de poder conviver com o Jorge durante alguns meses. Ficámos com pena de só termos convivido com o Jorge durante alguns meses. O tempo em que o Jorge integrou a Loja Mestre Affonso Domingues foi breve, mas foi intenso e proveitoso e gratificante.  

O Jorge Silveira foi um maçom breve. Mas - que ninguém o duvide - quando partiu, partiu um dos nossos. 

Rui Bandeira 

 

14 setembro 2012

A estória de muitas histórias.


Eu, que sou um novo maçom, ainda em início de percurso, habituei-me desde o primeiro dia, a escutar, atentamente, as estórias da história da  RL Mestre Affonso Domingues .


A nossa história está publicada em livro e aqui no A Partir Pedra, qualquer pessoa, iniciado ou profano a pode conhecer, basta querer e saber encontrá-la! 

No entanto, o que me ressalta neste momento o espirito é o ver, com “olhos de ver”, como se diz na gíria comum, que o que aconteceu é verdade.

A (re)união de dezembro passado permitiu isso.

É o constatar da verdade, da prática, do viver a maçonaria.

Numa Loja, como é a  RL Mestre Affonso Domingues , é normal e prática recorrente, voltar ao passado, não para o recordar, é passado, passou, mas recorremo-nos dele muitas vezes, porque com ele aprendemos, soubemos interpretá-lo e acima de tudo não temos vergonha alguma de o termos vivido. O saudosismo não nos alimenta o futuro, traz-nos apenas a certeza do que gostaríamos de repetir e o que não iremos repetir, no futuro, com toda a certeza.

Não fui eu que o vivi, foram os Mestres de outros tempos, Mestres esses, que também eles, ainda hoje, tomam lugar nas colunas em sessões de Loja, são os Mestres que ensinam, mestres como eu, quem foi e quem é, realmente a  RL Mestre Affonso Domingues . Que me ensinam a mim e a outros, novos como eu, o que é realmente a Maçonaria.

A estória das histórias da  RL Mestre Affonso Domingues , estamos a vivê-la no presente, estamos a assistir de sessão em sessão, a momentos muito significativos em Maçonaria, a momentos históricos, a sessões históricas, carregadas de simbolismo emocional. Sabia, meu caro leitor que, os homens também choram? Claro que sabia, mas sou “obrigado” a fazer esta referência.

A (re)união permitiu-nos esta etapa da nossa vivência maçónica, o restabelecer, da Maçonaria Regular em Portugal, trouxe-nos esta felicidade que é, como obreiros da  RL Mestre Affonso Domingues , viver o passado no presente e poder compreender um pouco melhor o que realmente aconteceu em determinados momentos da história da Maçonaria Regular em Portugal nos últimos 25 anos.

Em sessão, através das palavras proferidas e sobretudo escutadas, somos automaticamente transportados para o passado, como se estivéssemos todos a vivê-lo, passando um rápido olhar pelos obreiros presentes nas colunas e atribuir a determinados nomes, ouvidos desde sempre, um rosto, é e só pode ser a prática maçónica em toda a sua essência.

Há mais I:. (ainda) por regressar a uma casa que é e será sempre a sua…e em breve, muito em breve, tudo estará, justo e perfeito!

E ainda melhor, são aqueles que um dia partiram e que hoje voltaram, olharem para um novo rosto, como o meu, dizerem:

- Olá Meu Irmão, estás bom?

Daniel Martins 

12 setembro 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XX

O Grão-Mestre, com seu Vice-Grão-Mestre e Vigilantes, deve (pelo menos uma vez) visitar todas as Lojas da cidade durante a sua gestão.

Esta norma ainda hoje é seguida, embora, obviamente, devidamente adaptada ao grande crescimento da Fraternidade.

A regra de 1723 vigorava para uma Grande Loja cujo âmbito territorial abrangia a cidade de Londres e  Westminster e que agregava, então, vinte Lojas. A exigência de que o Grão-Mestre, acompanhado de uma comitiva que incluísse, pelo menos, o Vice-Grão-Mestre e os Grandes Vigilantes, visitasse todas as Lojas no decorrer do seu mandato era perfeitamente razoável e compreensível.

Hoje, as Grandes Lojas têm um âmbito estadual e dezenas, centenas e, nalguns casos (UGLE, designadamente), milhares de Lojas. É obviamente impossível cumprir-se esta determinação nos seus precisos termos.

No entanto, o cumprimento do espírito da mesma permanece, com as adaptações quea realidade impôs: em vez de uma obrigatória comitiva de Grandes Oficiais, distribui-se  o esforço entre vários Grandes Oficiais, designadamente o Grão-Mestre. o Vice ou os Vice-Grão-Mestres e os Grandes Inspetores dos Ritos. No decurso de cada mandato do Grão-Mestre, cada Loja deve receber, pelo menos, uma visita de um destes Grandes Oficiais. Em algumas Obediências introduziu-se ainda outra variante: criaram-se Grandes Lojas Provinciais, com Grão-Mestres Provinciais e Grandes Oficiais Provinciais, cada uma abrangendo uma parcela do território e uma parte das Lojas da estrutura principal e essa obrigação é assegurada pelos Grandes Oficiais Provinciais, cabendo ao Grão-Mestre estadual visitar, pelo menos uma vez no decorrer do seu mandato, todas as Grandes Lojas Provinciais.

Esta determinação visa dois objetivos essenciais. Por um lado, a manutenção de laços de proximidade e fraternidade entre a base e o topo, entre o maçom da Loja e os mais altos responsáveis da Fraternidade. Não se esqueça que a Fraternidade Maçónica é uma instituição que prega e vive e pratica o essencial conceito da Igualdade. O Grão-Mestre e o mais recente Aprendiz são eminentemenete iguais, simplesmente um tem obrigações amplas de gestão da instituição e o outro está na fase inicial da sua vivência maçónica. O convívio entre iguais, ainda que em estádios diferentes, é fomentado, é acarinhado, é praticado. Por outro, estas visitas permitem a avaliação da forma e qualidade de trabalho das Lojas, detetando eventuais variantes ou falhas ou "acrescentos" rituais que devem ser corrigidos, avaliando o estado de saúde da Loja, permitindo a tomada de medidas que fortaleçam uma Loja porventura em dificuldades, enfim ajudando a que seja corrigido o que deva ser corrigido, melhorado o que houver para melhorar, sincronizado o que houver a sincronizar.

O essencial é que tudo decorra num ambiente de sã fraternidade, de reconhecimento e respeito mútuo entre as várias posições, enfim, dentro dos valores maçónicos.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 141.

Rui Bandeira

05 setembro 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XIX

Se o Grão-Mestre abusar de seu poder e se mostrar indigno da obediência das Lojas, o caso deve ser tratado da maneira que vier a ser definida em nova regra; já que até ao momento esta antiga Fraternidade não teve necessidade de tal, já que os Grão-Mestres se têm comportado de acordo com esse honroso cargo.

Esta é uma regra deliciosa! Em bom rigor, é uma regra a dizer que não há regra e que, se for preciso, cria-se então a regra! Note-se bem: nunca um Grão-Mestre abusou do seu poder e se mostrou indigno da obediência das Lojas; por isso, não há regra para tratar dessa eventualidade; porém, se um dia algum Grão-Mestre abusar do seu poder e se mostrar indigno da Obediência das Lojas, então, nessa altura, decidir-se-á como tratar do assunto e criar-se-á a regra que se entender adequada.

Esta disposição soa estranha a quem está habituado a um sistema jurídico composto por leis, por normas, previamente fixadas, que abstratamente regulam as situações possíveis, resolvendo-se os casos concretos em função da previsão das normas existentes e aplicáveis - os países de tradição jurídica europeia continental e latino-americana.

Mas os ingleses criaram e habituaram-se a viver num sistema de regras, num sistema jurídico, conhecido como common law, em que é importante o sistema de precedente, isto é, cada problema concreto, na falta de uma regra que diretamente regule a situação, é resolvido em função de decisões concretas que anteriormente tenham sido tomadas para resolvercasos similares.

O sistema de common law tem muito menos leis e normas e regulamentos do que os sistemas jurícos do tipo continental. Em contrapartida, necessita de registar cuidadosamente todas as decisões regulatórias de conflitos que sejam tomadas, para possibilitar a busca de precedentes aplicáveis a um dado conflito específico, a uma qualquer situação concreta. É, se quisermos, um sistema que faz um grande apelo à faculdade do bom senso.

Tendo em atenção esta particular forma de regulação da vida em sociedade, já se nos afigura consideravelmente menos estranha, e, de alguma forma, até lógica, esta regra: se nunca aconteceu nesta antiga Fraternidade que um Grão-Mestre abusasse do seu poder, então nunca foi preciso decidir o que fazer nesse caso; por outro lado, não faz muito sentido estar a decidir agora o que fazer numa eventualidade que, pelo exemplo vindo de muito tempo atrás, possivelmente nunca acontecerá. Mas, se acontecer, então - e só então - decide-se o que fazer... Para quê, realmente, estar a antecipar dores futuras que até podem nunca vir a ser sofridas? Se e quando houver essa dor, então trata-se dela...

Esta é, realmente, uma regra deliciosa, não pela sua aparente falta de objeto, mas pela singular demonstração de puro e simples bom senso, que os maçons do século XVIII deixaram à disposição dos vindouros!

E efetivamente, em Inglaterra, quase trezentos anos decorridos sobre esta regra, nunca foi, afinal, preciso criar regra sobre o que fazer na eventualidade de o Grão-Mestre abusar dos seus poderes: tal como antes, continua a nunca ter sucedido essa eventualidade! Realmente eram dores que não valia a pena que fossem sofridas há trezentos anos...

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 141.

Rui Bandeira