22 agosto 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XVII

Nenhum Grão-Mestre, Vice-Grão-Mestre, Grandes Vigilantes. Tesoureiro, Secretário, ou quem os represente, ou em seu lugar estiverem pro tempore, pode ser ao mesmo tempo Mestre ou Vigilante de uma Loja; mas tão logo seja honradamente dispensado de seu cargo, retorna ao seu posto ou posição na sua Loja, da qual foi chamado para a função referida.


Esta regra postula a incompatibilidade entre o exercício dos principais ofícios em Grande Loja e os principais ofícios em Loja. Recorde-se que, em 1723, Mestre era a designação para o ofício que hoje é designado de Venerável Mestre; na ocasião, as Lojas maçónicas ainda tinham apenas dois graus, Companheiros (os correspondentes aos atuais Mestres) e Aprendizes.

Não deixa de ser curioso que uma preocupação que é hoje comum na coisa pública dos países democráticos, a determinação de incompatibilidades entre funções, já tivesse sido prevista e regulada, no início do século XVIII, pelos maçons.

Afigura-se evidente que o propósito da fixação desta incompatibilidade era assegurar a mútua independência das Lojas e da Grande Loja, não permitindo confusão de interesses, por duplicação de funções, legitimidades e representações: o Venerável Mestre e os Vigilantes das Lojas respondem perante elas; os Grandes Oficiais respondem perante o Grão-Mestre e, quando reunida, a Assembleia de Grande Loja.

Não obstante, e sem pretender conhecer a orgânica de todas as Obediências maçónicas ao redor do globo, intuo que, presentemente, esta regra não é seguida, já não é aplicada, não consta, senão de todos, da grande maioria dos regulamentos das Obediências. O crescimento das Obediências, algumas hoje com centenas ou milhares de Lojas, diluiu a necessidade de preservar conflitos por incompatibilidade. Também a curta duração dos mandatos, particularmente nas Lojas (em regra, um ano) impede que haja problemas, ao menos duradouros, com a eventual acumulação de ofícios.

Porém, em minha pessoal opinião, mesmo sem regras formais instituídas, o princípio da não acumulação de ofícios nas Lojas e na Grande Loja (ao menos os ofícios principais) é um princípio saudável, não tanto pela necessidade de prevenir favorecimentos, mas por uma questão de evolução do maçom em si. 

Um maçom efetua um percurso, no qual é suposto procurar obter o seu aperfeiçoamento. Também na sua evolução maçónica isso se deve refletir.

O Aprendiz aprende. O Companheiro aprende e prepara-se. O Mestre começa por executar ocasionalmente ofícios em Loja, depois é designado formalmente para um ofício, depois outro e seguidamente outro, de crescente complexidade e responsabilidade, até exercer o ofício de Vigilante e, depois, de Venerável Mestre. Depois, deve cumprir o seu dever de auxiliar o seu sucessor, no importante ofício de Ex-Venerável Mestre, primeiro conselheiro do líder em exercício. Depois, deve simbolicamente trilhar o seu caminho de regresso à base, à normalidade, ao grupo, à indiferenciação, exercendo o ofício tido como menos exigente, o de Guarda Interno. Finalmente, deve ter presente que o exercício de ofícios, de funções, de "poderes" é sempre transitório e remeter-se discretamente para o seu lugar nas Colunas da Loja, deixando a administração desta para aqueles cujo tempo de a administrar veio depois do seu, mantendo-se à disposição do Venerável Mestre e da Loja para o que preciso for, porventura ocasionalmente exercendo em substituição algum ofício ou auxiliando um Oficial em exercício..

Só depois de efetuado este percurso, de preparação, de exercício de funções, desde a mais humilde à mais importante, depois de "descer de novo a colina" e de resistir à tentação de continuar a decidir, a pôr e dispor, aprendendo que os tempos se sucedem e há tempo para aprender, tempo para mandar, tempo para aconselhar e tempo para se fundir de novo no grupo e estar disponível, sem se intrometer no trabalho dos que ficaram posteriormente com a tarefa de administrar a Loja, o maçom está então - na minha opinião - preparado paraassumir responsabilidades ao nível da Grande Loja.

Assim fiz eu - ficam assim a saber os meus Irmãos mais próximos porque resisti dezoito anos até finalmente me considerar apto a aceitar ter a responsabilidade de um Ofício na Grande Loja... - e não me dei mal com o sistema...

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 140.

Rui Bandeira

15 agosto 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XVI

Os Grandes Vigilantes, ou quaisquer outros, devem primeiro aconselhar-se com o Vice-Grão-Mestre a respeito dos assuntos da Loja ou dos Irmãos, e não devem dirigir-se ao Grão-Mestre sem o conhecimento do Vice-Grão-Mestre, a menos que este recuse pronunciar-se sobre qualquer questão; neste caso, ou em caso de litígio com o Vice-Grão-Mestre, os Grandes Vigilantes, ou outros Irmãos, ambas as partes deverão dirigir-se ao Grão-Mestre para conciliação, o qual poderá decidir sobre a questão harmonizando as diferenças, dada a sua autoridade. 
O Grão-Mestre não receberá qualquer comunicação sobre assuntos relativos à Maçonaria, a não ser através de seu Vice-Grão-Mestre, exceto nos casos que julgue convenientes; se isso acontecer, pode mandar que os Grandes Vigilantes, ou qualquer outro Irmão, se dirijam ao Vice-Grão-Mestre, o qual deverá preparar o assunto devidamente e levá-lo, devidamente organizado, para sua apreciação.

Esta regra estipula um grau de intermediação entre o Grão-Mestre e a restante fraternidade, através do Vice-Grão-Mestre, que é de todo inexistente na Maçonaria atual, à exceção, porventura, da UGLE, e que julgo mesmo nunca ter existido na Maçonaria continental europeia, nem na americana.

A meu ver, resultou da aplicação de uma opção que Anderson e os restantes fundadores da Maçonaria Especulativa tomaram: reservar o Grão_mestre para as funções de alta direção da Fraternidade, definição de programas e estratégia e representação, deixando a administração ordinária da Fraternidade ao Vice-Grão-Mestre. Se bem ajuízo, seria a replicação na Maçonaria da estrutura do poder monárquico inglês: ao rei ficam reservadas as funções de representação, interna e externa, do país e a intervenção em momentos de crise; a administração do país competia ao primeiro-ministro.

Esta estrutura dual do poder de administração parece ser uma fórmula arreigada na tradição do pensamento anglo-saxónico: lembremo-nos que as multinacionais anglo-saxónicas, por regra, efetuam uma semelhante divisão de tarefas, dotando-se de um COB (Chief of the Board, Presidente do Conselho de Administração), com funções de planeamento estratégico e representação, e de um CEO (Chief Executive Officer, Administrador Executivo, que assegura a direção da gestão diária da empresa).

Esta estrutura dual permanece viva na United Grand Lodge of England (Grande Loja Unida de Inglaterra) até aos dias de hoje, favorecendo algo que é muito próprio desta Obediência: a assunção do ofício máximo, o de Grão-Mestre, por um membro da família real ou da alta nobreza britânica. E favoreceu ainda outra caraterística, única no mundo maçónico: a frequente manutenção do mesmo Grão-Mestre por longos períodos de tempo, em contraste com os mandatos de curta duração que se praticam correntemente nas restantes Obediências maçónicas.

Atente-se na lista de Grão-Mestres desde a criação da UGLE, em 1813, em resultado da fusão entre as Grandes Lojas dos Antigos e dos Modernos:  

1813 a 1843 - Príncipe Augusto Frederico, Duque de Sussex, sexto filho do rei George III;
1844 a 1870 - Thomas Dundas, 2.º Conde de Zetland;
1870 a 1874 - George Robinson, 3.º Conde de Grey e 2.º Conde, depois 1.º Marquês, de Ripon;
1874 a 1901 - Alberto Eduardo, Príncipe de Gales, depois Rei Eduardo VII;
1901 a 1939 - Príncipe Artur, Duque de Connaught e Strathearn, sétimo filho (3.º varão) da Rainha Vitória;
1939 a 1942 - Príncipe George, Duque de Kent, quinto filho (4.º varão) de George V, irmão mais novo de Eduardo VII e Jorge VI;
1942 a 1947 - Henry Lascelles, 6.º Conde de Harewood;
1947 a 1950 - Edward Cavendish, 10.º Duque de Devonshire;
1951 a 1967- Laurence Lumley, 11.º Conde de Scarbrough;
Desde 1968 - Príncipe Edward, Duque de Kent, neto de Jorge V, primo direito de Isabel II.

Na Maçonaria continental europeia e americana, a tendência é para a fixação de mandatos relativamente curtos dos Grão-Mestres, com assunção da totalidade dos poderes executivos da Obediência e assessoria de um ou mais Vice-Grão-Mestres, exercendo poderes delegados pelo Grão-Mestre e de substituição deste nas suas ausências ou impedimentos. 

Em todas as Obediências, quer no mundo anglo-saxónico, quer no latino e latino-americano, tem-se notado a crescente importância do Grande Secretário, oficial que assegura a tramitação administrativa e burocrática e coordena os colaboradores profissionais contratados pela Obediência.

 Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 140.


Rui Bandeira

08 agosto 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XV

Na Grande Loja ninguém pode actuar como Vigilante senão os Grandes-Vigilantes, se presentes; se ausentes, o Grão-Mestre, ou quem presidir em seu lugar, poderá nomear Vigilantes "ad-hoc" para exercerem o cargo de Grandes Vigilantes pro tempore, devendo ser Companheiros da mesma Loja chamados para o efeito, ou enviados pelo Mestre; em caso de omissão, então deverão ser chamados pelo Grão-Mestre, para que a Loja sempre esteja completa.


Esta Regra, que eu saiba, não tem correspondência na regulamentação ou na prática atual. Era uma Regra, porventura herdada da Maçonaria Operativa, claramente com interesse para uma organização com um reduzido número de Lojas e em que os ofícios em Grande Loja não eram apenas exercidos a nível individual, mas também em representação da Loja onde se se inseria o obreiro que exercia o ofício.

Daí o cuidado em que o Vigilante que não estivesse presente fosse substituído por um obreiro da sua Loja e que, não estando nenhum presente, fosse chamado a comparecer alguém dessa Loja, "para que a (Grande) Loja sempre esteja completa". 

A Grande Loja só estava, pois, completa, com a presença de representantes de todas as Lojas! E o Vigilante exercia o ofício também em representação da sua Loja, tanto assim que, na sua ausência, não era substituído por outro Mestre presente, antes por um Companheiro da sua Loja.

A propósito desta - hoje peculiar - referência ao Companheiro da Loja a exercer ofício de Grande Oficial, é necessário relembrar que, em 1723, ainda a Maçonaria não utilizava o sistema de três graus (Aprendiz, Companheiro e Mestre). Então, só havia dois graus, Aprendiz e Companheiro. Mestre não era grau, era ofício: denominava-se Mestre o Companheiro que dirigia a Loja. Só em 1738 foi oficialmente introduzido o 3.º grau. Até então, cada Loja era dirigida por um Mestre, dispunha de vários Companheiros (que estavam aptos a exercer e exerciam os vários ofícios da Loja) e de Aprendizes. Com a introdução do 3.º grau, o grau de Companheiro passou a ser mais um grau de formação, o maçom na plenitude das suas funções passou a ser o Mestre , havendo vários Mestres em cada Loja. Aquele que dirigia a Loja, anteriormente designado por Mestre, passou a ser designado por Venerável Mestre.

Portanto, a referência feita na regra a "Companheiros", atualizada para a estrutura de hoje, que vigora desde 1738, deve entender-se feita a Mestre Maçom; e a referência a "Mestre" corresponde hoje a Venerável Mestre.

Atualmente, o Grão-Mestre, na designação do Quadro de Oficiais da Grande Loja tem, por norma, o cuidado de nomear, além dos Grandes Vigilantes, dois Vices, um para cada, cuja função é a de assegurar a substituição do titular do ofício, na sua falta ou impedimento. Nas raras,mas sempre possíveis, ocasiões em qie quer o Grande Vigilante titular, quer o seu Vice estejam ausentes, então o Grão-Mestre, ou o Vice-Grão-Mestre que dirigirá a sessão designa um Mestre  para exercer ad hoc o ofício, como refere a Regra de 1723.


Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 140.

Rui Bandeira

02 agosto 2012

Alexis Botkine - O Maçom que veio de longe


Escrever um In Memoriam pela passagem ao Oriente Eterno do Alexis não é fácil. Alexis era o mais velho, o mais antigo, o mais conhecedor de todos nós, e era talvez o mais otimista e alegre de todos

Começou a sua vida maçónica já tarde na idade, mas ainda a tempo de ser maçon há mais de 40 anos! Foi por 1970  que na sua Suíça natal, mas ainda assim terra de acolhimento, porque Alexis era russo e descendente da família do médico do ultimo Tzar, foi iniciado.

O seu labor maçónico de grande importância e relevância para a regularidade portuguesa fica melhor contado, embora em francês, porque na primeira pessoa - aqui. Alexis foi um marco incontornável na obtenção da regularidade maçónica para Portugal.

Alexis tinha muitas facetas, era Engenheiro, Matemático e Músico. Foi Maestro compositor, e era intérprete de violino e balalaika. Teve o seu Grupo de Folclore Russo e poderão ser ouvidas algumas das suas interpretações aqui 

Alexis era membro da RL Mestre Affonso Domingues, n.º 5, desde 1991, e se nos primeiros anos apenas vinha esporadicamente porque ainda vivia na Suíça, mal se radicou em Lisboa passou a ser dos mais assíduos, assumindo durante tantos anos quantos na verdade quis e pôde o cargo de Mestre da Coluna da Harmonia. E durante esses anos todos, sempre com escolhas de qualidade e apropriadas, lançou os fundamentos daquilo que é hoje o modelo usado para musicar toda e qualquer sessão da Loja.

Há uns anos Alexis recebeu públicas homenagens, quer prestadas pelo Grão-Mestre da altura, ao conferir-lhe em plena sessão de Grande Loja e no dia do seu 83º aniversário, um diploma de mérito maçónico e de Persona Grata à GLLP/GLRP, quer na Loja, ao ser instalado Past Master Honorário, sendo o primeiro (e único até à data) a receber esta honra.

Nos últimos dois anos, incapacitado de conduzir, apareceu um pouco menos, mas nunca esteve ausente. No início de julho chega-nos informação que se encontra muito doente.

O Grande Arquiteto chamou-o no ultimo dia de julho. Alexis, Maçom diligente, ciente que o seu trabalho por aqui estava terminado, foi.

Aqui entre nós fica a saudade, do nosso Irmão Alexis que sempre nos falou em Francês, porque lhe era mais fácil a ele, que veio de longe, para nos ensinar o muito que nos ensinou. E por isso mesmo esta pequena homenagem não ficaria completa se não ficasse dela memória em francês.


Écrire un In Memoriam du au passage à L’Orient Eternel de Alexis n’est pas simple. Alexis était le plus vieux, le plus ancien, le plus savant de nous tous, et peut-être le plus optimiste et joyeux de tous

Sa vie maçonnique commence tard, mais suffisamment tôt pour qu’il puisse être Franc Maçon depuis plus de 40 ans ! Il a été initié en 1970, en Suisse pays de naissance, mais toutefois terre de d’accueil, car Alexis était russe et descendant du médecin du dernier Tzar.

Sa labeur maçonnique a eu grande importance pour la régularité maçonnique portugaise et on pourra mieux la comprendre ici .

Alexis était  Ingénieur, Mathématicien et Musicien. Chef d’orchestre, compositeur, il jouait le violon et la balalaika. Il dirigea un groupe de folklore russe et une partie de ses interprétations musicales peuvent être écoutées ici

Alexis est devenu membre en 1991  de la RL Mestre Affonso Domingues, n.º 5. Les premières années il venait rarement, car il habitait encore en Suisse, mais aussitôt qu’il vint habiter à Lisbonne il reprit les tenues avec assiduité. Il assuma la Colonne D’Harmonie pour autant d’années quil l’a voulu et put. Toutes ces années´, avec des choix de grande qualité et très adéquat, il lança les fondements du modèle actuellement utilisé pour la musique de Loge.

Il y a quelques années Alexis a reçu des hommages publics. En tenue de Grande Loge et le jour de son 83ème anniversaire, le Grand Maitre lui remet un diplôme de Mérite Maçonnique et de Persona Grata à la Grande Loge Legal du Portugal / GLRP.
En Loge il fut installé Passé Vénérable d’Honneur, étant le premier ( et le seul jusqu´`a ce jour) a recevoir la distinction.

Les derniers deux ans, incapable de conduire il apparait un peu moins en Loge, mais il n’est pas absent. Début juillet l’information qu’il est très malade nous arrive.

Le Grand Architecte l’appela le dernier jour de juillet. Alexis, Franc Maçon diligent, sachant que son travail ici était terminé, est parti.

Pour nous la “ saudade” de notre frère Alexis qui nous a toujours parlé en français car c’était plus facile pour lui, qui vint de loin, nous apprendre tout ce qu’il nous a enseigné.

José Ruah

01 agosto 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XIV

Em qualquer Grande Loja, ordinária ou extraordinária, Trimestral ou Anual, se o Grão-Mestre e seu Vice-Grão-Mestre estiverem, ambos, ausentes, então o mais antigo Mestre de uma Loja presente, deverá ocupar a cadeira, e presidir como Grão-Mestre pro tempore, para o que deverá ser, no momento, investido de todo poder e honra; exceto se estiver presente um Irmão que tenha sido anteriormente Grão-Mestre, ou Vice-Grão-Mestre, caso em que o último Grão-Mestre presente, ou o último Vice-Grão-Mestre presente, deverá sempre tomar o lugar na ausência do actual Grão-Mestre e seu Vice-Grão-Mestre.

Esta Regra respeita à substituição do Grão-Mestre e seu Vice-Grão-Mestre, na eventualidade da ausência de ambos de uma Assembleia de Grande Loja.

É obviamente uma situação extremamente rara nos dias de hoje. As Assembleias de Grande Loja são marcada com antecedência - e, aliás, tem-se, com pouca margem de erro, a noção de quando elas se realizarão. Por exemplo, na GLLP/GLRP têm lugar sempre no fim de semana mais próximo do equinócio ou solstício, em regra ao sábado. O que varia, com frequência, é a localidade da sua realização, pois procura-se, sempre que possível e aconselhável, que se organizem Assembleias de Grande Loja nas várias regiões do país. Mesmo Assembleias extraordinárias são marcadas com antecedência mais do que suficiente para que todos os que nelas devam comparecer reservem nas suas agendas a altura da sua realização, para nelas poderem comparecer. Portanto, nos tempos presentes, praticamente só em caso de cataclismo ou grande perturbação interna propiciará uma situação de realização de uma assembleia de Grande Loja, sem a presença do Grão-Mestre e dos seus Vice-Grão-Mestres (na GLLP/GLRP, presentemente, estão dois Vice-Grão-Mestres em funções).

No século XVIII, com a Fraternidade menos desenvolvida e com evidentes maiores dificuldades nas comunicações e viagens, era mais possível - embora sempre na escala da raridade -  a ocorrência de uma eventualidade dessas.

Seja como seja, o interessante desta Regra é que institui um princípio que, quer ao nível da Grande Loja, quer ao nível das Lojas, ainda hoje é tendencialmente o princípio utilizado, sempre que ocorra sessão em que o Grão-Mestre ou o Venerável Mestre não possam comparecer. Ao nível da Grande Loja, precisamente como se enuncia. Ao nível das Lojas, na impossibilidade do Venerável Mestre, a sessão de Loja é convocada pelo 1.º Vigilante e, na impossibilidade deste, pelo 2.º Vigilante; na ausência do Venerável Mestre, a sessão é dirigida por um Antigo venerável Mestre, o mais recente dos presentes (em primeiro lugar, o Ex-Venerável Mestre, em segundo lugar o Venerável Mestre de há dois anos, e assim sucessivamente).

Na Loja Mestre Affonso Domingues, nas raras vezes em que o Venerável Mestre em funções não pôde dirigir a sessão, nos últimos tempos e consensualmente tem-se optado por outra solução, que tem sido sempre bastante satisfatória: na ausência do Venerável Mestre e do ex-Venerável Mestre, dirige a sessão o José Ruah! Funciona bem e não há hesitações nem incómodos, para quê mudar? É claro que a Mestre Affonso Domingues tem uma cultura muito própria de aplicação de soluções consensuais e eficazes, em resultado de uma já longa aprendizagem da forma de funcionar sem conflitos, em tolerância e deixando de lado o acessório em prol do essencial...

 Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 140.


Rui Bandeira

25 julho 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XIII

Na Reunião Trimestral todos os assuntos que dizem respeito à Fraternidade em geral, às Lojas em particular, ou a cada Irmão, serão serena, tranquila e maduramente discutidos e decididos. Só aqui os Aprendizes deverão ser elevados a Mestre e Companheiros, exceto se tal for dispensado. É aqui também, que todas as diferenças, que não possam ser conciliadas e resolvidas particularmente ou pela respetiva Loja, deverão ser consideradas e resolvidas; e se algum Irmão se sentir lesado pela decisão aqui tomada, pode apelar para a Reunião Anual seguinte da Grande Loja, fazendo o seu apelo por escrito, ao Grão Mestre, seu Vice-Grão-Mestre, ou Grandes-Vigilantes. 
Os Mestres ou Vigilantes de cada Loja deverão trazer ou organizar uma lista dos membros iniciados ou admitidos na mesma Loja desde a última Reunião da Grande Loja; deverá haver um livro, mantido pelo Grão Mestre, seu Vice-Grão-Mestre, ou por algum Irmão nomeado pela Grande Loja como Secretário, onde todas as Lojas deverão ser registadas, com as respetivas data e local onde foi criada, e os nomes de todos os membros de cada Lojas. Também aí serão anotadas todas as decisões da Grande Loja, suscetíveis de registo. 
Deve também decidir qual o mais prudente e melhor método de arrecadar e dispor do dinheiro recebido, ou depositado, destinado à caridade e auxílio para algum Irmão que tenha caído na pobreza ou penúria, e para ninguém mais. Cada Loja deve dispor dos seus fundos destinados a caridade, para auxílio a algum Irmão pobre, de acordo com o seu próprio regimento interno. Até que todas as Lojas estejam de acordo sobre um novo método (com uma nova regulamentação) de como fazer chegar esses fundos arrecadados pelas Lojas à Grande Loja, para que numa Reunião Trimestral ou Anual, se decida como criar um fundo comum para melhor auxílio dos Irmãos pobres. 
Deve também nomear um Tesoureiro, um Irmão de confiança, que deverá ser um membro da Grande Loja por inerência do cargo, e que deverá estar sempre presente, e que poderá levar para a Grande Loja o que entender, especialmente o relacionado com seu cargo. Deve ser-lhe entregue todo o dinheiro destinado a caridade, ou para qualquer outro uso da Grande Loja, e que ele deverá registar num livro mencionando os fins e usos a que cada montante se destina. Os quais entregará mediante uma ordem assinada, nos termos em que a Grande Loja acordar, estabelecendo uma nova Regra. 
O tesoureiro não pode votar para a escolha do Grão Mestre ou Vigilantes, embora o possa fazer em qualquer outro assunto. 
De igual modo o Secretário deverá ser um membro da Grande Loja por inerência do seu cargo, podendo votar em qualquer situação, exceto na escolha do Grão Mestre ou Vigilantes. 
O Tesoureiro e o Secretario terão cada, um assistente, que deverá ser um Irmão ou Companheiro, mas nunca um membro da Grande Loja, não podendo falar sem lhes ser permitido ou pedido. 
O Grão Mestre, ou o seu Vice-Grão-Mestre, supervisionam o Tesoureiro e o Secretário, com seus assistentes e livros, de maneira a controlar todos Secretário, com seus assistentes e livros, de maneira a controlar todos os assuntos, e decidir o que deverá ser feito em qualquer emergência. 
Outro Irmão, que deve ser um Companheiro, deverá ser nomeado guarda da entrada da Grande Loja, mas não deverá ser membro desta. 
Estas funções deverão ser mais tarde explicitadas através de uma nova Regra, quando a necessidade e a conveniência as tornarem mais prementes para a Fraternidade. 

Esta extensa Regra XIII regula as competências da Assembleia de Grande Loja. Denota um estado organizativo ainda incipiente, decalcado das práticas e formas organizativas herdadas da Maçonaria Operativa. 

De qualquer forma, embora a evolução do tempo e o crescimento da Fraternidade tenham imposto alterações significativas,, nesta Regra se encontram as sementes de muito do que existe e hoje se pratica.

Naquela época pioneira, com vinte Lojas agrupadas na Grande Loja de Londres e Westminter, concebia-se que nas Assembleias de Grande Loja se discutissem "todos os assuntos que dizem respeito à Fraternidade em geral, às Lojas em particular, ou a cada Irmão". Hoje, mesmo numa relativamente pequena Obediência, como a GLLP/GLRP, com perto de cem Lojas, seria manifestamente impossível discutir "serena, tranquila e maduramente" - e, sobretudo, eficientemente - todas os possíveis assuntos diários da Grande Loja, das Lojas e dos obreiros, abarcando do geral ao particular, passando pelo intermédio, toda uma vasta gama de possibilidades, interesses, propostas e situações, a menos que cada Assembleia fosse uma maratona de, pelo menos, uma semana de duração - sem intervalos! O que, convenhamos, impediria a análise serena, tranquila e madura de tudo o que ultrapassasse a normal duração de umas horas de uma assembleia... Imagine-se então como seria nas Grandes Lojas com centenas ou milhares de Lojas e dezenas ou centenas de milhar de obreiros...

Hoje, os assuntos individuais e de Loja resolvem-se em Loja. Quando surjam problemas que não possam ser resolvidos, atenuados ou tratados a esse nível, são transmitidos ao Grande Oficial competente para lidar com esse assunto em concreto. Os conflitos que surjam são regulados em Loja, com recurso para o Tribunal de Apelação. As Assembleias de Grande Loja são reservadas para o debate e deliberação das questões que transversalmente respeitem a toda a Obediência, incluindo, naturalmente, a eleição do Grão-Mestre, do Grande Tesoureiro e demais Grandes Oficiais que devam ser eleitos e a posse de todos os Grandes Oficiais.

E evidentemente que hoje já não se leva para a Assembleia de Grande Loja a lista dos obreiros que, desde a última Assembleia, foram iniciados, passados e elevados, por evidente inutilidade de tal. Estes dados são oportunamente comunicados pelo Secretário da Loja à Grande Secretaria (hoje funcionando com o auxílio de profissionais a tempo inteiro) e devidamente registados e atualizados os arquivos e listagens existentes.

Nesta Regra refere-se expressamente o ofício de Hospitaleiro (e de Grande Hospitaleiro), o oficial encarregado de coordenar a atividade beneficente da Loja e da Grande Loja. Mas note-se que os fundos para beneficência naquela época se destinavam exclusivamente a obreiros "que tenham caído na pobreza ou na penúria, e para ninguém mais". Os fundos não chegariam para mais, então... Progressivamente a atividade beneficente da Maçonaria alargou-se às viúvas e filhos de maçons e a obras sociais ou de assistência que os maçons considerem dever apoiar ou fomentar.

Naquela época, o Tesoureiro não era, como hoje na GLLP/GLRP, eleito, mas nomeado, embora pela Assembleia. Há uma diferença entre eleição, que pressupõe candidaturas e votação, e nomeação, que pressupõe proposta e aceitação, por deliberação, eventualmente com recurso a votação.

Assinale-se, por outro lado, que, na época, os Grande Vigilantes eram eleitos, eram representantes das Lojas, enquanto que hoje são nomeados pelo Grão-Mestre.

Não subsiste o impedimento de o Grande Tesoureiro e o Grande Secretário votarem para a eleição do Grão-Mestre, até porque hoje, designadamente na GLLP/GLRP, a eleição para Grão-Mestre é efetuada pelo universo de todos os Mestres em good standing, segundo o universal princípio democrático de"um homem, um voto".

Por outro lado, permanece - e bem - a regra de que todos os fundos, quer os administrativos, quer os destinados a beneficência, ficarem à guarda do Tesoureiro, embora, naturalmente, deva ser feita a destrinça entre uns e outros. Ao Hospitaleiro e ao Grande Hospitaleiro compete a aplicação prudente e criteriosa dos fundos disponíveis para beneficência, não a sua guarda.

Esta Regra institui ainda o conceito de Assistentes de Grandes Oficiais, na época em relação apenas ao Grande Secretário e ao Grande Tesoureiro, hoje aplicada em relação a todos os Grandes Oficiais cujas responsabilidades aconselham sejam auxiliados por um ou mais Assistentes.

O Guarda Externo - ofício existente nos ritos ingleses e deles derivados (e não existente, por exemplo, no Rito Escocês Antigo e Aceite, que dispõe de Guarda Interno, isto é, no interior da sala de reuniões e, assim, participando na integralidade de todas as reuniões) - era então efetuado por um Companheiro, isto é, o que hoje corresponde a um Mestre da Loja, mas não o seu  Venerável Mestre. Hoje, os ofícios de Guarda Externo e de Guarda Interno são normalmente assegurados por Mestres - e, em regra, no REAA, por Mestres experientes, já que, tradicionalmente, e sempre que possível, o Guarda Interno é o Past Venerável Mestre do ano anterior (portanto o Venerável Mestre de dois anos antes), em simbólica transição dos ofícios mais complexos para o ofício mais humilde e menos exigente, demonstrativa de que, para qualquer maçom, incluindo os que exerceram ofícios de maior responsabilidade, nenhum ofício, nenhuma tarefa, é considerada menor.

 Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, páginas 138- 139.


Rui Bandeira

18 julho 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XII

A Grande Loja consiste, e é formada, por Mestres e Vigilantes de todas as lojas registadas, com o Grão-Mestre presidindo, o seu Vice-Grão-Mestre à sua esquerda, e os Grandes Vigilantes nos seus respetivos lugares e deverá fazer uma Reunião Trimestral pela Festa de São Miguel, Natal e Dia de Nossa Senhora, em lugar escolhido pelo Grão-Mestre; onde nenhum Irmão, que não seja nesse momento membro dessa Loja, deverá estar presente, exceto se tiver autorização; e, neste caso, se estiver presente não lhe será permitido votar, nem emitir opinião, exceto se pedir permissão e esta lhe for concedida pela Grande Loja, ou que esta lhe seja pedida pela (Grande) Loja. Todas as decisões, da Grande Loja, deverão ser tomadas pela maioria dos votos, cada membro tendo um voto, e o Grão-Mestre dois votos. Exceto se a (Grande) Loja delegar no Grão-Mestre determinada matéria em particular, por uma questão de eficiência.

Esta regra determina os requisitos e forma de organização das sessões de Grande Loja. Com evidentemente necessárias alterações (na época, a Grande Loja dos Modernos agrupava vinte Lojas; hoje, a GLLP/GLRP, uma pequena Obediência de um pequeno país agrupa mais de noventa e a Grande Loja Unida de Inglaterra conta nos seus registos com vários milhares de Lojas), estipula os princípios que ainda hoje são seguidos nas Grandes Lojas maçónicas de todo o Mundo, enquadrando as variantes que os costumes locais foram propiciando.

A Grande Loja é assim uma assembleia de representantes das Lojas, como que o Parlamento da Obediência, com o poder decisório, designadamente legislativo (regulamentar) e eletivo, soberano na respetiva organização maçónica. A forma e número de representantes das Lojas variam, hoje em dia, de Obediência para Obediência. No caso da GLLP/GLRP, as Lojas que tenham nos seus quadros até quinze Mestres efetivos em situação regular (as Lojas mais pequenas ou em fase de lançamento) têm direito a um representante na Assembleia de Grande Loja, em regra o seu Venerável Mestre; as Lojas com mais de quinze e até vinte e cinco Mestres em situação regular têm direito a dois representantes, habitualmente os seus Venerável Mestre e Primeiro Vigilante; as Lojas com mais de vinte e cinco Mestres em situação regular têm direito a três representantes, normalmente os seus Venerável Mestre e os dois Vigilantes.

Sempre que haja impedimento de um dos normais representantes da Loja, pode qualquer dos seus representantes normais ser substituído por qualquer dos Mestres da Loja em situação regular, mediante delegação do seu Venerável Mestre, ouvida a Loja, comunicada à Grande Secretaria por escrito com, pelo menos, vinte e quatro horas de antecedência, em relação ao início da Assembleia de Grande Loja.

As reuniões, ou sessões, da Assembleia de Grande Loja têm lugar trimestralmente, em março, junho, setembro e dezembro, normalmente no fim de semana mais próximo do equinócio ou solstício que ocorre em cada um desses meses. Na Regra original mencionam-se as três reuniões trimestrais, por volta da Festa de S. Miguel (equinócio de outono, no hemisfério norte), Natal (solstício de inverno no dito hemisfério) e, na Inglaterra da época, dia de Nossa Senhora (equinócio da primavera, na metade norte do globo terrestre). No trimestre restante, por volta do dia de S. João Batista (solstício de verão na parte norte do planeta), decorre a mais importante ou festiva Assembleia, originalmente a Assembleia Anual.

As assembleias de Grande Loja destinam-se aos representantes das Lojas e Grandes Oficiais com assento nelas. No rigor regulamentar, só excecionalmente podem assistir outros obreiros. Mas a exceção é, na prática, a regra: na GLLP/GLRP, todos os obreiros da Obediência (Mestres, Companheiros e Aprendizes) que queiram e possam podem tomar parte nos trabalhos e é fomentado que assim suceda. O cerimonial do Ritual de Grande Loja, a reunião e convivência de obreiros de todo o País são fatores de entrosamento dos mais novos e de agradável reencontro dos mais antigos, que amplamente compensam os custos adicionais de se ter de providenciar salas de reuniões aptas a acomodarem várias centenas de obreiros! Evidentemente que o direito de uso da palavra é restrito aos representantes das Lojas e Grandes Oficiais e o direito de voto exercido apenas pelos representantes das Lojas...

Naturalmente que as deliberações são formadas em função da maioria dos votos expressos em relação a cada assunto sujeito a deliberação - algo que hoje temos por natural, vulgar e intuitivo, mas que não era tanto assim no século XVIII...

A Assembleia de Grande Loja, para além de órgão decisor soberano de uma Obediência maçónica, é assim um periódico pretexto para o convívio dos maçons de todo o país da respetiva Obediência, fator de coesão importante entre os maçons. No rever periódico de Irmãos que muitas vezes só nessas ocasiões se encontram se forjam os laços de amizade e solidariedade que são caraterísticos dos maçons - e que os profanos tanto criticam, sem outra razão plausível que não a inveja pela sua incapacidade de lograrem tão amplamente a geração de tão fortes laços. Assim se consegue que um maçom nunca esteja só em qualquer parte do mundo onde haja outro maçom: sobrevindo necessidade ou simplesmente em honra da cortesia, hospitalidade ou simples convívio, onde quer que esteja tem o apoio, a palavra amiga, se necessário o auxílio, de outro Irmão - por vezes ambos não se conhecendo ou apenas se conhecendo de vista... de alguma Assembleia de Grande Loja!

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 138.


Rui Bandeira