10 abril 2011

Liberdade de expressão



Já na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, no seu art. 11º se reconhece que "A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem;  todo o cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei". Mesmo os direitos fundamentais nem são absolutos nem são ilimitados.

Já o mesmo não se pode dizer do princípio da dignidade da pessoa humana, que é prévio ao estabelecimento dos seus direitos fundamentais. A pessoa humana constitui o valor último, o valor supremo da democracia, na medida em que esta reflete o princípio da prevalência dos direitos do indivíduo sobre os direitos coletivos.

A liberdade de expressão não se sobrepõe à reserva da vida privada, ao bom nome e à reputação, por exemplo. Ninguém pode devassar a intimidade de um terceiro, insultá-lo ou difamá-lo a pretexto de que tem o direito de se manifestar. Pelo contrário, tais condutas são previstas e punidas por lei. Também a segurança nacional e o segredo de estado estabelecem limites à liberdade de expressão. Esta liberdade é, assim, frágil, subalterna e subsidiária de outras que sobre a mesma prevalecem.

É clara e evidente esta proteção do indivíduo face ao abuso da liberdade de expressão de terceiros. Contudo, esta é mais difusa quando o insulto, a calúnia ou o ódio verbal se dirijam não a um indivíduo concreto mas a um grupo ou categoria de pessoas cujo fator unificador seja de caráter religioso, ideológico, rácico, étnico, cultural ou outro, uma vez que esses grupos são, frequentemente, desprovidos de personalidade jurídica.

É inegável que um insulto dirigido ao grupo como um todo acabará por ser sentido por cada um dos seus membros como, pelo menos em certa medida, sendo-lhe pessoalmente dirigido, acabando por o afetar de forma muito individualizada. A identidade da pessoa humana passa também por aqueles com quem se identifica, e qualquer ataque que vise os referenciais culturais, étnicos, religiosos ou outros de cada ser humano irá inevitavelmente repercutir-se sobre este.

Os discursos de incitamento ao ódio visam descriminar, minimizar e estigmatizar cada um dos indivíduos que integram o grupo ou categoria a quem esse ódio se dirige, pretendendo negar a esses indivíduos o estatuto de igualdade com aqueles que os atacam - o que põe em causa a dignidade da pessoa humana no que a estes diz respeito. Como tal, estão proibidos à luz do nosso ordenamento jurídico.

Contudo, quando o discurso não tenha o propósito único de ofender e incitar ao ódio contra certo grupo de pessoas, mas tão somente manifestar uma opinião, debater, informar, discutir ou criticar não deve ser este sujeito a restrições - mesmo quando manifeste posição contrária aos princípios democráticos, ocidentais e humanistas que regem a nossa sociedade - uma vez que a sua proibição nessas condições conformaria "delito de opinião", o que é vedado pela nossa Constituição.

Abre-se aqui uma exceção à exceção: quando o discurso de ódio seja passível de causar tumultos, desacatos ou perturbação da ordem pública, por se antever que do mesmo decorram situações em que se passe das palavras aos atos, ou quando do mesmo decorram irremediáveis prejuízos para a dignidade da pessoa humana, então deve o mesmo ser proibido e punido.

A liberdade de expressão deve servir de vetor de transformação pacífica da sociedade - por alternativa às revoluções - bem como servir, em certa medida, de válvula de escape como alternativa ao confronto físico. A este respeito recordemos Voltaire: "Não concordo com o que dizes, mas defenderei até à morte o teu direito de o dizeres".

Paulo M.

06 abril 2011

Pedra de Buril


Pedra de Buril é um blogue de temática maçónica mantido por Nuno Raimundo e iniciado em janeiro do corrente ano. Nuno Raimundo assume-se como obreiro da Loja Mestre Affonso Domingues.

Perguntar-se-á - aliás, já lhe foi perguntado, numa "cinzelada" (comentário) do blogue - por que razão optou Nuno Raimundo por iniciar e manter um blogue maçónico, em vez de juntar os seus escritos aos que se publicam no A Partir Pedra. Nuno Raimundo esclarece que encara o seu blogue como um projeto mais pessoal, mais íntimo, portanto diferente, do que o A Partir Pedra. Tem toda a razão e - como ele o assinala, aliás, o tempo mostrará que as caraterísticas de ambos os blogues são diferentes e que, mais do que concorrentes, são complementares.

Mas uma outra razão há para que o Nuno Raimundo não escreva ainda no A Partir Pedra e tenha optado por comunicar a sua vivência e visão de maçom no Pedra de Buril. É que o A Partir Pedra, sendo um blogue escrito por maçons da Loja Mestre Affonso Domingues, é, por opção dos seus administradores, reservado, quanto à publicação de textos na sua área principal, a Mestres Maçons da Loja. Os Aprendizes e Companheiros - ainda sujeitos à regra do silêncio - apenas podem, se quiserem, intervir na caixa de comentários. Nuno Raimundo só daqui a algum tempo terá acesso, como autor, ao espaço principal.

Não se depreenda daqui qualquer desagrado ou discordância com a decisão do Nuno Raimundo em publicar o Pedra de Buril. O silêncio de Aprendizes e Companheiros é, como já neste espaço foi esclarecido, apenas limitado ao espaço e tempo da sessão ritual de Loja, sendo pleno - e encorajado - o seu direito de uso da palavra e da expressão do seu pensamento fora daquele estrito condicionalismo. Aliás, em bom rigor, o A Partir Pedra, não sendo um espaço de sessão ritual da Loja, não tem que necessariamente estar restrito, no seu espaço central, a Mestres da Loja. Esta opção é, por um lado, simbólica e, por outro, decorre de uma razão muito prática: a preservação do próprio obreiro, no período da sua adaptação à Loja. Optámos assim por aguardar que o obreiro esteja já plenamente integrado na Loja, no seu espírito, bem conhecedor dela e do que lá se faz, para lhe facultarmos este instrumento de comunicação para, se assim o quiser (como é evidente, pelo número de autores de textos no A Partir Pedra, muitos não querem...), expressar o seu pensamento. Mas esta opção em nada prejudica, ou inibe, ou impede, qualquer obreiro que ainda não pode aceder ao espaço central do A Partir Pedra de iniciar e manter o seu próprio blogue.

Nuno Raimundo é um ativo blogueiro. Contactei, pela primeira vez com o seu trabalho nesta área ainda ele era Profano. Continuei a seguir os seus textos no blogue coletivo 2711. Agora, já não mais profano, mas maçom, dá-nos a sua visão pessoal da Arte Real através do Pedra de Buril. É interessante verificar o seu percurso e evolução pessoais ao longo do tempo e em virtude da (grande) mudança que constitui a Iniciação! Tempo virá em que o Nuno Raimundo decidirá se privilegia o Pedra de Buril em relação ao A Partir Pedra, se troca aquele por este ou se se dedicará a ambos, selecionando o local de publicação dos seus textos conforme o seu respetivo cariz. Essa decisão será, oportunamente, sua e só sua.

Por agora, o Pedra de Buril é mais um interessante blogue, que recomendamos. O Nuno alia a sua experiência de blogueiro, o seu gosto pela escrita, um certo jeito intimista de transmissão, com o seu percurso e trabalho maçónicos e o resultado é, manifestamente, agradável. Revela, aqui e ali, para o observador mais experiente nestas coisas, um pouco de inexperiência, no que à Maçonaria diz respeito? Claro que sim (por isso mesmo está ainda em silêncio no A Partir Pedra...). É isso mau? Não me parece. Pelo contrário, quer para quem se interessa por Maçonaria, quer para quem gosta de ler o que o Nuno Raimundo escreve, é e será certamente muito interessante espreitar um pouco do produto do seu trabalho nestas lides e surpreender a sua evolução.

Aqui se dá, pois as boas-vindas ao Pedra de Buril e se deixa um conselho: coloquem este espaço na vossa lista de leitura de blogues. Aproveitem enquanto podem! Que - a "ameaça" fica feita! - tempo virá em que o A Partir Pedra recrutará o Nuno e depois... logo se verá!

Rui Bandeira

04 abril 2011

Sei Ruhig!



Estive na Polónia no fim de semana passado, razão por que não escrevi o meu costumeiro artigo semanal. Foi uma visita-relâmpago, com visita a Auschwitz e uma voltinha por Cracóvia para desanuviar o espírito. A fotografia acima foi tirada nas melhores "casernas" onde dormiam os prisioneiros; sim, as melhores, que as piores eram todas de madeira, num local onde a temperatura desce frequentemente abaixo dos -20 ºC no Inverno.

Na parede que se vê, uma ordem - "SEI RUHIG!", ou "Estejam calados!" - chamou-me especialmente a atenção, pois logo me recordou o meu tempo de Aprendiz e Companheiro, em que também tinha que manter silêncio. Porém, logo, horrorizado, afastei a ideia de sequer comparar duas realidades tão díspares. Contudo, voltei à carga, pensando desta vez: "Porque é que me repugna tanto, afinal, comparar estes dois silêncios? É claro que são muito diferentes, mas o que é que os distingue tanto?"

Ali estava eu, embrenhado nestes meus pensamentos, quando ouço de uma das pessoas que me acompanhava uma observação nestas linhas: "O que me faz mais impressão é que eles não tinham para onde fugir, como mudar nada, eram só conduzidos, não tinham escolha nenhuma. Não tinham liberdade nenhuma, nem esperança de a vir a ter."

De facto, não tinham. O seu silêncio - como tudo o resto - era forçado e imposto para seu prejuízo. Já o meu, só era forçado e imposto enquanto eu quisesse ser maçon - coisa a que ninguém me obrigava - e, mesmo assim, tinha um horizonte temporal. Mas, mais do que isso, era-me imposto em meu proveito. Era, assim, uma liberdade condicionada, para a qual eu tinha uma válvula de escape: podia sempre pedir para sair, coisa que ninguém me impediria de fazer.

Eles... pois, também acabavam todos por sair...

Não tenho alento para escrever mais. Deixo-vos a recomendação de que, se nunca o fizeram, procurem na Wikipédia e no YouTube artigos sobre Auschwitz. Há muita controvérsia sobre o tema, mas a Luz surge do confronto dos opostos - e a liberdade só se pode exercer na escolha entre alternativas...


Paulo M.

30 março 2011

O Padrinho (II)


Para além da indispensável função de auxiliador da integração do novel elemento na Loja, o Padrinho deve assumir uma outra função em relação àquele que propôs para integrar a Loja, relacionada com a formação do Aprendiz.

A formação dos Aprendizes decorre sob a direção do 2.º Vigilante, seu responsável. O Padrinho não pode, nem deve, substituir-se-lhe. Mas pode, é é útil que o faça, exercer um precioso papel complementar. Não nos esqueçamos que o 2.º Vigilante tem de coordenar a formação de um conjunto de Aprendizes, com diferentes personalidades, variados percursos de vida, diversas preparações, separados interesses, para além do comum, relativamente à Arte Real, vários tempos de permanência no grau - e, portanto, dissemelhantes estádios de evolução no conhecimento e tratamento dos elementos simbólicos catalisadores da evolução de cada um. O 2.º Vigilante elabora um plano de formação que, necessariamente, é um máximo denominador comum em relação a todo este conjunto de variáveis - e, logo, um programa apenas básico, que carece de ser desenvolvido e completado por cada um dos próprios Aprendizes.

É no auxílio personalizado ao seu afilhado que o Padrinho tem, neste campo, um particularmente útil papel. O seu afilhado tem dificuldades em encontrar bibliografia para estudar qualquer tema? Deve recorrer ao Padrinho. Pelo contrário, o Aprendiz depara-se com uma extensa lista de elementos bibliográficos, com muito lixo e muita esotérico-birutice misturados com elementos relevantes? Cabe ao Padrinho guiar o seu afilhado, apontar-lhe o que é válido, adverti-lo em relação ao que não tem valor ou interesse. O Aprendiz está num estádio mais avançado que o plano de formação geral proporcionado? Incumbe ao Padrinho complementar essa formação genérica, apontando-lhe pistas de investigação ou meditação, exortando-o a ir mais além ou estudar com maior profundidade e a registar o resultado do seu labor, e seguidamente, criticando construtivamente esse resultado, iluminar insuficiências, expor contradições, indicar caminhos de exploração alternativos, enfim, corresponder ao interesse e capacidade do Aprendiz e ajudar a que seja frutífero um tempo que, sem essa ajuda, seria sentido como uma desilusão. Pelo contrário, o Aprendiz tem dificuldade em entender a simbologia, em tratar determinado tema, em assimilar certo ensinamento? O Padrinho deve ser o auxiliar que ajuda à ultrapassagem da situação.

Em matéria de formação do Aprendiz, o Padrinho deve ser um verdadeiro tutor, no sentido (em inglês) do termo que lhe é dado pelas Universidades anglossaxónicas: um guia, um auxiliar, um apontador de caminhos, um crítico, um gestor e disciplinador do processo de aquisição de conhecimentos.

Mas - atenção! - nunca um substituto do responsável da formação e nunca um substituto do próprio Aprendiz. O trabalho que o Aprendiz deve fazer deve ser feito por ele - não pelo Padrinho. "Fazer a papinha toda" ao Aprendiz é o mesmo que não o formar, método quase assegurado de falhar a sua formação. O tutor (em português) da árvore auxilia-a, enquanto pequena e frágil, a manter-se direita e a resistir ao vento, proporcionando-lhe tempo e condições para que cresça, robusteça, se fortaleça - não é seu objetivo que cresça em vez dela...

Este papel do Padrinho na formação do seu afilhado termina ou, pelo menos, atenua-se muito sensivelmente, quando ele finda o seu período de aprendizagem e é passado a Companheiro. Aí o tempo é já outro, a independência do obreiro cresce, em conjunção com a sua aumentada capacidade, o seu desejo de começar a trilhar por si os seus próprios caminhos emerge. Cabe ao Padrinho então afastar-se e observar à distância, só intervindo em duas situações: ou perante pedido expresso do afilhado ou se verificar evidente e grave desvio de percurso, que levará o obreiro a falhar a sua caminhada, em intervenção de urgência para tentar voltar a pôr nos carris o que porventura tenha descarrilado. Mas, na maior parte das situações, quando o seu afilhado passa a Companheiro, o Padrinho passa a ser apenas um atento e disponível observador do seu afilhado, na caminhada que o levará, no passo seguinte, à plena igualdade de ambos.

Rui Bandeira

23 março 2011

O Padrinho


Em Maçonaria, designa-se por Padrinho o primeiro proponente da candidatura de um profano à iniciação.

Com esse ato, o primeiro signatário dessa candidatura afiança perante a Loja a boa fé do candidato, o seu reto propósito, a posse das características e da maturidade indispensáveis ao profícuo trabalho de desenvolvimento e aperfeiçoamento pessoal que é o objetivo primeiro de cada maçom regular e a capacidade de harmoniosa integração no grupo, na Loja, do candidato proposto.

Com efeito, não deve ser admitido às provas da Iniciação quem não detenha a necessária maturidade para efetuar o trabalho de um maçom, quem não possua características compatíveis com o trabalho maçónico, quem, por índole ou feitio, não seja capaz de harmoniosamente se integrar num grupo de desconhecidos que pré-existe em relação à sua entrada, existirá com a sua presença e permanecerá após a sua partida. E é claro que a boa fé de quem se apresenta é absolutamente essencial...

Só pode ser padrinho de um candidato um Mestre Maçom, pois é indispensável a realização do percurso de aprendizagem, a interiorização do que é e como trabalha a Maçonaria, de como é a Loja, das virtudes, defeitos e insuficiências do grupo, enfim, o conhecimento do que é a Maçonaria e a Loja, para, com o mínimo de erro, poder aferir da compatibilidade entre o candidato e a Instituição, a Loja e os seus obreiros.

À Maçonaria não interesa iniciar por iniciar. Não se trabalha para números, para "crescimento". À Maçonaria interessa acolher homens bons que querem e podem ser homens melhores. Só isto - e muito é! À Maçonaria não interessa perder tempo, trabalho e energias com quem não quer, ou não pode, efetuar o persistente e solitário e apenas interiormente gratificante trabalho do aperfeiçoamento pessoal, moral e espiritual. Nem a Maçonaria tem qualquer gosto em que alguém perca seus tempo, trabalho e energias entrando para uma Instituição que verdadeiramente não lhe interessa.

Por isso procura minimizar os (inevitáveis) erros mediante um exigente, ponderado (e demorado...) processo de admissão, que nunca se inicia sem a indispensável caução de um Mestre proponente, acompanhada de idêntica ação de um outro Mestre.

O Padrinho deve, assim, inevitavelmente, conhecer pessoalmente o candidato, com a profundidade necessária para poder fazer o juízo de prognose favorável à sua integração que o habilita a caucionar o pedido de adesão.

Caucionada que esteja a candidatura, o Padrinho retira-se de cena durante o decurso do processo de análise da mesma. Não tem nada mais que dizer. Cabe à Loja assegurar-se de que o seu juízo está correto, que não foi perturbado por amizade, parentesco, consideração ou dependência que o tenham induzido em erro.

Mas, uma vez decidida a admissão do candidato, então o Padrinho começa verdadeiramente a exercer a sua função. O seu papel não se esgotou na caução dada. Só após esta decisão verdadeiramente começa! O Padrinho é o elo de ligação entre a Loja e aquele que um dia, estando de fora (Profano), nela quis entrar (Candidato) e nela foi admitido (Maçom Iniciado; Aprendiz). Como tal, é o primeiro responsável por tudo o que respeita à integração deste novo elemento no grupo. Desde logo por algo tão básico como caber-lhe a ele informar o Candidato das obrigações financeiras que a sua Iniciação implica, providenciar para que, no dia da sua Iniciação o Candidato saiba onde, quando e como se deve apresentar e conduzi-lo ao local físico onde a Cerimónia terá lugar. Mas também, consumada a Iniciação, pelo longo e complexo processo de integração do novo elemento no grupo.

Muitas vezes, o Padrinho é a única cara na Loja que o novo Aprendiz reconhece, o único que não lhe é completamente estranho. Quando assim é, é o padrinho o único ponto de apoio de que o novo elemento dispõe, até que, a pouco e pouco, às vezes mais lentamente, outras com maior facilidade, consoante a personalidade de cada um, as relações pessoais se vão estabelecendo com os demais elementos do grupo e daí evoluindo até onde as compatibilidades e empatias estabelecidas com cada um permitam evoluir.

Este processo de integração pode, por vezes, ser mais difícil ou demorado do que o antecipado e, até que esteja ultimado, o seu sucesso em muito depende do Padrinho. Este tem que elucidar o novo Aprendiz das regras (muitas não escritas e algumas não facilmente apreensíveis) de funcionamento, de cooperação, de relacionamento, existentes no grupo (e cada Loja é um grupo diferente, com uma história, um passado, uma evolução, diferentes, com dinâmicas de grupo próprias), para que as conheça e nelas se integre harmoniosamente.

Mas também deve intermediar, prevenir e colmatar possíveis incompreensões ou desagrados do grupo ou de algum elemento do grupo perante atitudes ou características do novo Aprendiz. A Maçonaria não é um grupo de amorfos, privilegia gente assertiva, livre pensadora, que busca o seu lugar e define e trabalha e atinge objetivos. É natural que um novo elemento queira mostrar a sua valia ao grupo, encontrar nele o seu lugar. Muitas vezes, no seu afã de tal, esquece que há regras e modos e meios que ainda não aprendeu e comete erros, às vezes excessos, outras vezes omissões, que podem a um ou outro desagradar. Há que compatibilizar, esclarecer, moderar, ajudar a que o espaço a que o novo elemento tem direito seja encontrado, de forma a que todos beneficiem.

Esta tarefa - quase que diplomática - de garante da boa integração do novo elemento no grupo e do bom acolhimento do grupo ao novo elemento incumbe, em primeira linha, ao Padrinho.

É dever do Padrinho assegurá-la, sob pena de a integração falhar, de um bom elemento se perder, de o grupo e o indivíduo gastarem tempo e energias em vão.

Costumam os maçons dizer que cada candidato iniciado é um Venerável Mestre (e um Grão-Mestre...) em potência. Para garantir que essa potencialidade possa, a seu tempo, evoluir para a possibilidade, depois a probabilidade, finalmente a realidade, é indispensável que o Padrinho exerça efetivamente a sua função e não se limite a rabiscar displicentemente a sua assinatura num formulário de candidatura.

Rui Bandeira

22 março 2011

A Maçonaria "restritiva e selectiva"



Li recentemente o seguinte comentário: «é por certo o grande mal da Maçonaria, ser tão restritiva e selectiva na escolha dos seus “Irmãos”». Este comentário traduz bem a ideia muito difundida de que a Maçonaria é só para alguns muito poucos, que está cheia de "personalidades" que não se misturam com o comum dos mortais, e que os critérios de admissão passam, essencialmente, pelo posicionamento económico, social ou político do candidato. Não é verdade; a Maçonaria não é isso.

Por outro lado, não poderia dizer que a Maçonaria não seleciona os candidatos, não exerce qualquer controlo sobre as admissões, nem coloca às mesmas qualquer obstáculo. Claro que exerce controlo, claro que seleciona, claro que coloca obstáculos. Os critérios de admissão, porém, são públicos e ao alcance de todos quantos pretendam, eventualmente, juntar-se à nossa Ordem.

O principal critério advém do cumprimento dos Landmarks da Maçonaria, que ditam muitas das restrições à admissão, como sendo a exclusividade de membros masculinos, a obrigatoriedade da crença no Grande Arquiteto Do Universo, ou a de dever ser o candidato uma pessoa honrada e de boa reputação. Os Landmarks são, como disse, públicos, apesar de não serem universais - há Obediências que aceitam uns e rejeitam outros.

Outros critérios de seleção advêm da própria natureza e propósito da Maçonaria, que se aprende na Instrução de Aprendiz:

- O que é um Maçon?
- É um homem nascido livre e de bons costumes, igualmente amigo do rico e do pobre, desde que sejam pessoas de bem.
- Que significa nascer livre?
- O homem que nasceu livre é aquele que, tendo morrido para os preconceitos comuns, renasceu para a nova vida que a iniciação confere.
- Quais são os deveres de um Maçon?
- Evitar o vício e praticar a virtude.
- Como deve um Maçon praticar a virtude?
- Colocando acima de tudo a justiça e a verdade.

Só alguém que se identifique com estes preceitos pode ser admitido na Maçonaria. Senão, não se iria sentir enquadrado - e não só perderia o seu tempo, como faria os demais perder o deles. Porque a adesão à Maçonaria implica um esforço e empenho não só pessoais como de toda a Loja que admite o neófito, esforço esse que se prolonga por vários anos, não é de ânimo leve que se aceita qualquer um. Os erros de casting saem caros a todos. Por isso, a imagem que se passa para fora deve ser essa mesma: a de que ser aceite maçon não é algo que possa ou deva ser feito com leviandade.

Não creio que seja bom, contudo, cair-se no extremo oposto, propalando-se uma imagem de tamanha exigência que leve a que praticamente ninguém sinta - pelo menos até que alguém lho pergunte - que poderá, querendo, pertencer a esta grande Fraternidade. Receio que seja este o maior obstáculo a que a Maçonaria seja e se torne mais numerosa.

Deveras, quantos não sentirão que não encontram quem partilhe dos princípios por que regem a sua vida - que, por acaso, até podem ser os princípios de tolerância, diversidade, paz e fraternidade que a Maçonaria defende e acarinha? Quantos não descobriram já, até, que se identificam com os ideais da Maçonaria, mas acreditam que a Maçonaria é só para "VIPs", e que nunca lhes abriria a porta?

A esses só posso dizer que ainda hoje se aplica um princípio simples e antigo: quem quer entrar tem que começar por bater à porta. Pode ser que tenha uma surpresa e - certamente ao fim de algum tempo - em vez de um polegar para baixo, receba um caloroso abraço de boas vindas...

Paulo M.

P.S.: Obrigado, M.A., por me dar tema para mais um texto; e sim, sei bem que o excerto que reproduzi acima não traduz a ideia do texto em que se insere...

16 março 2011

Lição de um Mestre ao seu Aprendiz - IV


Meu Irmão:

Antes de tudo e acima de tudo, quero expressar-te, em nome de toda a Loja o júbilo que aquece nossos corações. Enfim, estás entre nós! Mas, meu Irmão, o júbilo não brota diretamente do facto de estares entre nós. Resulta principalmente de estar entre nós alguém que foi por nós reconhecido como um homem bom. Mas, meu Irmão, nota que esse júbilo não resulta apenas de estar entre nós um homem bom. Nasce principalmente de esse homem bom poder tornar-se e ter a vontade de se tornar um homem melhor. E decorre ainda de termos a esperança de que te podemos auxiliar nessa demanda!

O caminho que hoje encetas é um caminho novo e diferente de tudo o que fizeste na vida até agora. Tens à tua disposição um método – o método maçónico de aperfeiçoamento através do estudo dos símbolos e aplicação dos conhecimentos com esse estudo obtido. Não terás, porém, aulas. Terás uma panóplia de símbolos perante ti, para que os descubras e trabalhes por ti, terás um guia para começares a fazê-lo, terás à disposição das tuas perguntas, disponíveis para ajudar à remoção das tuas dúvidas, dezenas de Irmãos, que fizeram e continuam a fazer o trabalho que ora vais encetar.

A Maçonaria é uma instituição que estimula e favorece o mais belo dos egoísmos: o egoísmo de querer ser melhor. Melhor homem, melhor crente, melhor familiar, melhor profissional. A Maçonaria incessantemente te incita à busca da excelência, em todos os campos da tua vida. É esse o grande múnus da Maçonaria. O caminho da excelência é talvez o mais solitário dos caminhos. A Maçonaria consegue realizar o aparente paradoxo de proporcionar que esse solitário percurso seja efetuado com a companhia de teus Irmãos. Todos o fazem em conjunto – mas cada um o fará afinal só por si!

Esta noite de emoções foi-te propositadamente proporcionada. Não te terás ainda dado conta, mas hoje muitas lições recebeste. E recebeste-as da mais eficaz forma possível: não apenas ouvindo passivamente, mas vivendo o momento, sentindo, estando inserido na ação. A seu tempo apreenderás que não é só a tua inteligência intelectual que te permite aprender. Também a tua inteligência emocional to possibilita e quiçá de uma forma bem mais profunda e eficaz. Ao seres hoje o centro, o destinatário, o ator principal e o principal espetador da tua Iniciação, foi-te estimulada a Inteligência Emocional que o homem moderno desaprendeu de cuidar – mas que é a chave para a descoberta individual da resposta à grande questão que a todos, mais cedo ou mais tarde, assalta: qual o sentido da Vida, qual o significado da minha existência? Essa resposta não ta daremos nós. A essa resposta chegarás tu quando estiveres preparado para a ela chegares. Através da tua inteligência intelectual, mas também e indispensavelmente através da tua inteligência emocional.

Nos tempos mais próximos – que durarão algum tempo, que o Tempo também é construtor! – observa, lê, raciocina, impregna-te de ambientes e estados de espírito. Interroga-te e interroga. Responde, emenda as tuas respostas, recomeça e chega a nova conclusão, que descobrirás ser afinal uma nova pergunta. Mas sobretudo pensa, reflete, medita. Arranja maneira de reservar alguns minutos de cada um dos teus dias para o fazeres. Será através desse momentos de pensamento, de reflexão, de meditação, que descobrirás as perguntas que verdadeiramente te interessam e as respostas que é possível dar-lhes. Todos os demais o mesmo fazem. Este é o espaço da partilha do resultado desse trabalho. E descobrirás que, ao assim fazeres, cada vez mais te é agradável fazê-lo, que cada vez maior proveito tirarás. Até que um dia assim farás sem esforço e naturalmente. Nesse dia, serás verdadeiramente Mestre. Mestre daquilo que importa: Mestre de ti próprio!

Bem-vindo, meu Irmão. O teu trabalho inicia-se a partir de agora. O limite está para além do horizonte. Descobre-o!

Rui Bandeira