16 março 2011

Lição de um Mestre ao seu Aprendiz - IV


Meu Irmão:

Antes de tudo e acima de tudo, quero expressar-te, em nome de toda a Loja o júbilo que aquece nossos corações. Enfim, estás entre nós! Mas, meu Irmão, o júbilo não brota diretamente do facto de estares entre nós. Resulta principalmente de estar entre nós alguém que foi por nós reconhecido como um homem bom. Mas, meu Irmão, nota que esse júbilo não resulta apenas de estar entre nós um homem bom. Nasce principalmente de esse homem bom poder tornar-se e ter a vontade de se tornar um homem melhor. E decorre ainda de termos a esperança de que te podemos auxiliar nessa demanda!

O caminho que hoje encetas é um caminho novo e diferente de tudo o que fizeste na vida até agora. Tens à tua disposição um método – o método maçónico de aperfeiçoamento através do estudo dos símbolos e aplicação dos conhecimentos com esse estudo obtido. Não terás, porém, aulas. Terás uma panóplia de símbolos perante ti, para que os descubras e trabalhes por ti, terás um guia para começares a fazê-lo, terás à disposição das tuas perguntas, disponíveis para ajudar à remoção das tuas dúvidas, dezenas de Irmãos, que fizeram e continuam a fazer o trabalho que ora vais encetar.

A Maçonaria é uma instituição que estimula e favorece o mais belo dos egoísmos: o egoísmo de querer ser melhor. Melhor homem, melhor crente, melhor familiar, melhor profissional. A Maçonaria incessantemente te incita à busca da excelência, em todos os campos da tua vida. É esse o grande múnus da Maçonaria. O caminho da excelência é talvez o mais solitário dos caminhos. A Maçonaria consegue realizar o aparente paradoxo de proporcionar que esse solitário percurso seja efetuado com a companhia de teus Irmãos. Todos o fazem em conjunto – mas cada um o fará afinal só por si!

Esta noite de emoções foi-te propositadamente proporcionada. Não te terás ainda dado conta, mas hoje muitas lições recebeste. E recebeste-as da mais eficaz forma possível: não apenas ouvindo passivamente, mas vivendo o momento, sentindo, estando inserido na ação. A seu tempo apreenderás que não é só a tua inteligência intelectual que te permite aprender. Também a tua inteligência emocional to possibilita e quiçá de uma forma bem mais profunda e eficaz. Ao seres hoje o centro, o destinatário, o ator principal e o principal espetador da tua Iniciação, foi-te estimulada a Inteligência Emocional que o homem moderno desaprendeu de cuidar – mas que é a chave para a descoberta individual da resposta à grande questão que a todos, mais cedo ou mais tarde, assalta: qual o sentido da Vida, qual o significado da minha existência? Essa resposta não ta daremos nós. A essa resposta chegarás tu quando estiveres preparado para a ela chegares. Através da tua inteligência intelectual, mas também e indispensavelmente através da tua inteligência emocional.

Nos tempos mais próximos – que durarão algum tempo, que o Tempo também é construtor! – observa, lê, raciocina, impregna-te de ambientes e estados de espírito. Interroga-te e interroga. Responde, emenda as tuas respostas, recomeça e chega a nova conclusão, que descobrirás ser afinal uma nova pergunta. Mas sobretudo pensa, reflete, medita. Arranja maneira de reservar alguns minutos de cada um dos teus dias para o fazeres. Será através desse momentos de pensamento, de reflexão, de meditação, que descobrirás as perguntas que verdadeiramente te interessam e as respostas que é possível dar-lhes. Todos os demais o mesmo fazem. Este é o espaço da partilha do resultado desse trabalho. E descobrirás que, ao assim fazeres, cada vez mais te é agradável fazê-lo, que cada vez maior proveito tirarás. Até que um dia assim farás sem esforço e naturalmente. Nesse dia, serás verdadeiramente Mestre. Mestre daquilo que importa: Mestre de ti próprio!

Bem-vindo, meu Irmão. O teu trabalho inicia-se a partir de agora. O limite está para além do horizonte. Descobre-o!

Rui Bandeira

14 março 2011

A recomendação


Quem de nós nunca ficou subitamente sem empregada doméstica e precisou de encontrar outra com rapidez? Nestas circunstâncias o mais comum é pegar-se no telefone e telefonar a amigos e conhecidos, a ver se alguém conhece alguém de confiança que esteja disponível... Só esgotados os contactos pessoais - e os amigos dos amigos - é que se recorre, a contragosto, a anúncios, centros de emprego ou se contrata uma empresa que trate do recrutamento.

O que fazemos na nossa casa faz-se, do mesmo modo, nas empresas. Quando alguém, numa empresa, precisa de reforçar uma equipa ou de recrutar um profissional, é comum perguntar entre os seus conhecidos: "Olha, conheces alguém com este perfil assim-assim, e que me recomendes?" Aqueles a quem se recorre são, sempre, pessoas em cujos critérios se deposita confiança. Assim, ter bons contactos, conhecer pessoas capazes e competentes e saber fazer confluir as necessidades complementares de uns e outros é algo que a todos beneficia.

Começa, por isso, a ser frequente as empresas retribuírem - até pecuniariamente - aos seus funcionários que indiquem pessoas que venham a revelar-se bons quadros. Afinal, se contratassem para o efeito uma empresa de recrutamento, teriam sempre que lhe pagar... Beneficiam os que procuram quem saiba cumprir certa função - pois obterão com maior probabilidade a indicação de um profissional à altura - e estes últimos, evidentemente, pois terão mais facilidade em se moverem de uma posição para outra na sua carreira.

A expetativa de quem contrata é a de que, por reconhecer o mérito e o bom juízo da pessoa que recomenda, haja maior probabilidade de se estar a contratar uma pessoa mais próxima do perfil ideal pretendido, quer porque quem indica este conheça a realidade interna da empresa, quer porque tenha um conhecimento privilegiado da pessoa recomendada que nunca um recrutador profissional conseguiria obter no curto tempo de que dispõe.

Mas há mais formas de recomendação para além da pessoal. Os membros de uma associação profissional, por exemplo, podem ter um placard de anúncios onde refiram a sua disponibilidade - ou onde publicitem o facto de procurarem quem saiba desempenhar certa função. Quem dia uma associação profissional diz uma igreja, uma coletividade, ou qualquer outro conjunto de pessoas cuja opinião, critério e juízo se tenha em melhor conta do que a do cidadão médio anónimo.

Por esta razão é, para voltar às empregadas domésticas, frequente serem estas indicadas por alguém da igreja a que pertençam, um outro pai da escola onde tenham os filhos, ou por outra pessoa do Atelier de Ponto de Cruz que frequentem. Mas alguém acha credível que uma pessoa contrate outra apenas porque faz ponto de cruz com ela?! Claro que não. Será, certamente, porque durante essa atividade se apercebeu das suas qualidades e da sua habilidade.

Claro que há casos de favorecimento abusivo. Quem não ouviu já falar de pessoas que chegam a certas posições por causa da sua cor política, laços de amizade ou parentesco, ou... "afinidade" com o patrão, que gosta especialmente de ruivas? Esses casos são falados por uma razão simples: as pessoas em causa nunca ocupariam esses lugares se não fosse o tal "laço".

Mas não é desses casos que falo. Falo de recomendações como as que se fazem quando se indica uma oficina de confiança a um amigo, um advogado a um colega, ou um fornecedor a um parceiro de negócios - em que se veicula informação sobre o mérito objetivo de certa pessoa ou empresa.

De facto, se um amigo me disser: "Olha, sei que precisas de um contabilista; conheço um fantástico", e depois eu vir os honorários dele e os considerar exagerados, não me sinto na obrigação de o contratar - o que não impedirá que, em igualdade de circunstâncias, se tiver que escolher entre dois e um vier recomendado por um conhecido, eu não hesite. Não é o que fazemos todos?! E ninguém o estranha, nem condena, nem vem nos jornais.

Por que será, então, que se estranha quando vem a lume que entre os maçons suceda precisamente o mesmo?! Mas é claro que, se preciso de um serviço, poderei perguntar aos meus Irmãos se conhecem alguém que o preste com qualidade - pois confio na sua integridade e na qualidade do seu conselho. E se um Irmão está disponível para prestar um trabalho de que eu preciso, e sei que ele é consciencioso, bom profissional e o preço do seu trabalho é justo, é natural que o contrate.

Será isso assim tão estranho?!

Paulo M.

09 março 2011

Lição de um Mestre ao seu Aprendiz - III


(Nota: as lições anteriormente publicadas neste blogue foram escritas por Jean-Pierre Grassi e estão aqui e aqui)

Meu Irmão:

A melhor forma de manifestar os calorosos sentimentos fraternos de toda esta Respeitável Loja para contigo é sublinhar que não foste simplesmente aceite aqui, não foste simplesmente admitido à Iniciação, foste verdadeiramente cooptado para este grupo, para esta Loja.

Cada vez que alguém entra ou sai da Loja, esta modifica-se, pois a Loja é o conjunto de todos os seus obreiros, a soma de todas as suas capacidades, a multiplicação de todas as suas potencialidades, a divisão por todos dos pesares de cada um, enfim, a Loja é um conjunto vivo cujas células são os seus obreiros. E se, quando um obreiro parte, a Loja pouco perde, perde apenas as suas potencialidades futuras, conservando tudo o que esse obreiro, enquanto entre nós esteve aqui deixou, aqui ensinou, connosco partilhou, a cada um de nós influenciou, sempre que um novo elemento é cooptado pelos que já a integram para também nela ingressar, muito ela ganha, muito ela se transfigura, porque os novos, aprendendo, integrando-se, partilhando, novas capacidades, outros ensinamentos, trazem e juntam.

Meu Irmão: a melhor forma de demonstrar os calorosos sentimentos fraternos de toda esta Respeitável Loja para contigo é deixar claro que a Loja em ti, na tua entrada, na tua junção a nós, deposita o que de mais precioso tem, a sua própria identidade, confiante e certa que não só não a irás degradar, como serás fator do seu aprimoramento.

Bem-vindo, pois, meu Irmão. Estamos certos que honrarás a confiança que em ti depositámos. Procuraremos corresponder à esperança que em nós tens.

Quanto à sucinta explicação do sentido e finalidade da Arte Real, uma frase chega: é um meio, um método, um caminho, um ambiente, para o teu aperfeiçoamento pessoal, moral, cívico e espiritual. Os primeiros tempos são de silêncio e de observação. Olha, vê, ouve, sobretudo medita, relaciona, interpreta. Através de símbolos, de parábolas, de linguagem figurada, nada te será ensinado, mas muito aprenderás, pela melhor forma de aprender que existe: por ti mesmo, em função da tua própria experiência. Este trabalho só termina à meia-noite. Fá-lo bem, para que, chegada essa hora, estejas satisfeito contigo próprio.

Começa por olhar em volta e atentar nos pormenores. Todos têm significado. Procura entendê-los. Não tenhas receio de perguntar e, sobretudo, não te esqueças nunca que as melhores respostas que irás receber serão aquelas que te não satisfizerem e te levarão a procurar mais longe ou diferentemente.

Lê muito atentamente o ritual e catecismo que hoje recebeste. Fá-lo sem pressas, mas frequente e persistentemente. Cada frase, bem meditada, é fonte de preciosos ensinamentos. Sei-o bem: há mais de vinte anos que faço o mesmo e o que aprendi é uma ínfima parte do que ali ainda tenho para aprender.

Sê pois bem-vindo, meu Irmão, e hoje festeja. O teu trabalho podes começá-lo amanhã...

Rui Bandeira

06 março 2011

O conceito maçónico de "Grande Arquiteto Do Universo" - Epílogo


Depois de tudo o que foi dito, e de se entender como o conceito de Grande Arquiteto do Universo se foi progressivamente alargando, resta a questão final: porque é que a Maçonaria Regular insiste em exigir dos seus membros esta crença, quando não a define cabalmente? Porque é que não deixa, de uma vez por todas, de estabelecer essa restrição? Qual a razão, enfim, por detrás da obrigatoriedade da crença no Grande Arquiteto do Universo?

Revisitemos rapidamente a evolução do conceito: do Deus de várias denominações cristãs, passou a significar o Deus das religiões "do Livro" (cristianismo, islão e judaísmo); daí alargou-se a qualquer conceito equivalente, fosse de que religião fosse - ou mesmo de uma crença sem religião nenhuma. Continua, todavia, a insistir-se que o maçon tem que ter fé - seja lá no que for. Porquê?

Por mais diferentes que sejam as suas religiões, duas pessoas que creiam que a existência não é "só isto", só este deambular por um mundo condenado a esvair-se de novo no pó das estrelas, conseguirão encontrar pontos comuns que não terão nunca com um ateu. Sob formas distintas, partilharão do conceito de que a existência tem algum propósito, que não é indiferente a forma como levamos a nossa vida, e que o Bem é um valor e o Mal deve ser evitado.

Não é o ser ou não ateu que determina se uma pessoa é "boa" ou "má". Muitos ateus são excelentes pessoas, e muitos crentes são execráveis simulacros de ser humano. Contudo, há uma certa visão do mundo, a valorização - ou não - de certos pormenores, a prevalência ou prioridade que se dá a certos princípios sobre outros, que separa incomensuravelmente um crente de um ateu, de uma forma que não separa um judeu de um muçulmano, um evangélico de um animista, ou um budista de um sikh. De uma forma ou de outra, todos - com exceção do ateu - crêem na continuidade da vida depois da morte, e que o Bem que se faça será recompensado.

As prioridades são, por isso, forçosamente diferentes, bem como os princípios prevalecentes. Alguém que não acredite num futuro para além desta existência dificilmente se poderá conformar com a privação, o sofrimento ou o despojamento - mesmo que voluntários - em nome de que se estará a "fazer o Bem", e que este será, mais tarde, adequadamente recompensado. "E de que te serve isso?" - perguntarão. De facto, a partir de certo ponto, o fosso é inultrapassável - as diferenças são profundas demais. Ciente desse fosso, a Maçonaria Regular mantém como Landmark a crença no Grande Arquiteto de Universo, e fá-lo a meu ver por três razões distintas. 

Em primeiro lugar, por uma questão formal: os Landmarks são considerados algo de inamovível que ninguém tem a legitimidade de alterar. Alterar a interpretação de um Landmark - como foi feito ao alargar-se o conceito de Grande Arquiteto de Universo de modo a torná-lo mais inclusivo - é uma coisa; outra completamente distinta seria eliminar de todo o Landmark. Os Landmarks são, literalmente, o que marca as extremas dos terrenos; por analogia, são o que marca os limites da Maçonaria Regular. Fora destes, ou não é regular, ou não é, de todo, Maçonaria.

Em segundo lugar, porque não há necessidade: esse foi, precisamente, o caminho tomado pela Maçonaria Liberal. Esta constitui em si mesma um diferente entendimento do que é a Maçonaria - com claras diferenças face à Maçonaria Regular - como inevitável reflexo de princípios distintos, prioridades distintas e, como consequência, um ethos e uma praxis algo diferentes. A existência destas várias correntes na Maçonaria tem a virtude de permitir que uma maior diversidade de pessoas possa encontrar o seu lugar na Maçonaria se assim o desejar.

Em terceiro e último lugar, aprende-se na Maçonaria que a vida é um caminho solitário que se faz acompanhado. Solitário porque estabelecido por cada um no exercício da sua liberdade, e forçosamente diferente dos demais porque todos somos diferentes; mas acompanhado porque os Irmãos estão sempre a curta distância, disponíveis para dividir connosco as alegrias e as tristezas que o caminho nos traz, e para partilhar os ensinamentos advindos de tais situações. É, por isso, mais proveitoso, mais frutuoso, que cada um, ao aconselhar-se junto dos seus Irmãos, receba os seus conselhos na certeza de que os princípios que lhes estão subjacentes são tão próximos quanto possível daqueles que regem a sua própria existência.

Paulo M.

02 março 2011

Origem e primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceite - Conclusão


Dedicar sete textos (com este, oito) à origem e primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceite para quê?

Em primeiro lugar, para se saber. Conhecer o passado, visitar a História, habilita-nos a compreender o presente, a enquadrar o que vemos, o que vivemos, o que fazemos. Saber como base para refletir, para perceber, para analisar, para inferir. Não podemos planear o futuro, não conseguimos atuar eficazmente no presente, se o nosso planeamento, a nossa atuação forem deixadas ao mero acaso e sabor da inspiração, do desejo, da impressão. Conhecer o passado, saber a origem das coisas, é um lastro indispensável para nos equilibrar nas nossas ações e um auxiliar precioso para a nossa preparação do futuro. O passado é o chão onde nos equilibramos hoje e que nos proporciona a base para o impulso para o amanhã.

Em segundo lugar, para compreender. Compreender que o Rito Escocês Antigo e Aceite não resulta de nenhuma revelação divina, que foi criado, que, mais do que isso, foi fabricado, trabalhado, aperfeiçoado, fixado, por homens. Homens como nós, de carne e osso e sangue e pele e cérebro e emoções. Compreender que o Rito Escocês Antigo e Aceite, tal como hoje o conhecemos resulta de uma evolução. Compreender que essa evolução inclui uma mescla de acasos, momentos-chave, resultados inesperados, muito trabalho e idealismo, também algumas querelas. Compreender que resulta, afinal, daquilo que existe de mais precioso: a Vida! A Vida, com as suas voltas, reviravoltas, momentos fortuitos, trabalhos preparados, acertos e desacertos. Compreender que o Rito Escocês Antigo e Aceite que hoje praticamos, sendo uma obra humana e o resultado de uma longa e por vezes tumultuosa evolução, não é nada de sagrado nem de intocável, mas é algo cuja essência e forma e lição devemos respeitar. Que é o produto de muito trabalho, de muitos saberes, de muita motivação. Que, não sendo intocável nem imutável, não é para ser mudado de ânimo leve, ao sabor de uma qualquer inspiração (por muito brilhante que ela pareça), pelo acaso do acumular de más execuções, pela prosápia e negligência primas da ignorância e parentes do desleixo. Compreender que o rito que hoje e aqui praticamos é o resultado de intenso trabalho, de longa, lenta e sólida evolução, de subtil acomodação às idiossincracias de cada povo, de cada região. Compreender que há diferenças entre o que fazemos hoje e o que se fazia há cem anos, que há dissemelhanças entre o que se faz aqui e o que se pratica acolá, mas que essencialmente se faz hoje a mesma coisa que se fazia ontem e que se pratica nesta banda o mesmo que na banda de lá se faz. Compreender que as próprias pequenas diferenças fazem parte do todo. Compreender que o rito é um instrumento, uma das ferramentas que os maçons usam para o seu aperfeiçoamento e como tal deve ser entendido e usado e praticado e que as evoluções havidas, as diferenças geográficas notadas, derivam desse mesmo uso como ferramenta.

Finalmente, apreciar. Apreciar como uma obra humana resultado de mil acasos pode ser tão eficazmente bela, tão diretamente impressiva. Apreciar como muitos ontem trabalharam para nos proporcionar hoje um conjunto de mensagens que apelam ao mais fundo do que de bom há em nós e ajudam a fortalecer o nosso lado positivo e a dominar o negativo. Apreciar a execução hoje essencialmente do mesmo que se executa há mais de duzentos anos, aqui e um pouco por todo o mundo, o mesmo apesar das pequenas diferenças, o mesmo porque existem pequenas diferenças.

O Rito Escocês Antigo e Aceite é apenas um dos ritos da Maçonaria. Como os outros, é, repito, essencialmente uma ferramenta que os maçons usam no seu aperfeiçoamento. Vale a pena, acho eu, saber, compreender e apreciar o processo como nasceu e se implantou e se desenvolveu até ao que encontramos aqui e agora.

Rui Bandeira

28 fevereiro 2011

O conceito maçónico de "Grande Arquiteto Do Universo" - III



São conhecidas as raízes cristãs da Maçonaria, e como a partir destas a Maçonaria foi, progressivamente, acomodando outras crenças, até se chegar à situação atual, em que a Maçonaria se manifesta e se vive, neste aspeto, de formas muito diversas. Podemos encontrar, assim, desde Obediências estritamente cristãs - como é o caso da Maçonaria Regular na Suécia - até Obediências que prescindem de todo do conceito de "Grande Arquiteto do Universo" - como acontece com a Maçonaria Liberal.

As linguagens da lógica e da matemática permitem-nos estabelecer conceitos inequívocos com fronteiras precisas, de que decorrem conclusões claras e incontroversas; contudo, o conceito de "Grande Arquiteto do Universo" não é um desses conceitos passíveis de ser espartilhado dessa forma. É, antes, com contínuo difuso e vápido como o nevoeiro, que de longe parece sólido e opaco mas se nos vai furtando por detrás de uma progressiva transparência e incorporeidade à medida que dele nos tentamos abeirar.

Não creio que possamos, por isso, dizer sem medo de errar que o conceito de GADU vá daqui até ali, e que esta interpretação do mesmo esteja "de dentro" e aquela "de fora". Onde houver a afirmação de que "sim, creio", mesmo quando se siga de um "mas", devemos admitir que o conceito se alargue um pouco, mesmo correndo-se o risco de que, qual diluição homeopática, pouco ou nada reste no fim daquilo que se pretendia garantir. Afinal, quem somos nós para dizer "a fronteira é aqui"?

E para terminar este tema, trago-vos as palavras de Christopher Haffner, no seu livro "Workman Unashamed: The Testimony of a Christian Freemason":

"Agora imagina-me em Loja com a minha cabeça curvada em oração entre o Irmão Mohammed Bokhary e o Irmão Arjun Melwani. Nenhum deles entende o Grande Arquiteto do Universo como sendo a Santíssima Trindade. Para o Irmão Bokhary Ele revelou-se como Allah; para o Irmão Melwani Ele é provavelmente entendido como Vishnu. Uma vez que eu creio que há apenas um Deus, vejo-me confrontado com três possibilidades:
- Eles estão a rezar ao demónio enquanto eu estou a rezar a Deus.
- Eles estão a rezar a nada, pois os seus deuses não existem.
- Eles estão a rezar ao mesmo Deus que eu; todavia, o seu entendimento da Sua natureza é parcialmente incompleto (como de resto é o meu: 1 Cor. 13:12)
É sem hesitação que aceito a terceira possibilidade."

Atrevo-me a ir mais longe: mesmo se, chegado o fim do caminho, nada haja afinal no alto da Montanha, não poderia ter feito melhor viagem do que a que tenho feito na companhia dos Meus Queridos Irmãos.

Paulo M.

23 fevereiro 2011

Origem e primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceite - de 1805 em diante

Digo frequentemente que os maçons não são perfeitos e sabem-no: por isso buscam aperfeiçoar-se. A querela que levou à rutura do acordo entre o Supremo Conselho do Rito Escocês Antigo e Aceite e o Grande Oriente de França, referido no texto anterior, é mais uma ilustração deste meu entendimento. A rutura teve uma razão tão mal amanhada que, ou foi resultado de uma muito pouco inteligente falta de tolerância e de paciência, ou foi mero pretexto para encobrir as verdadeiras razões desta - talvez mesquinhas lutas de ilusório poder.

Recorde-se que, até à celebração do acordo com o Supremo Conselho do Rito Escocês Antigo e Aceite, o Grande Oriente de França apenas praticava o Rito Francês, semelhante ao rito praticado pela Grande Loja dos Modernos. Com o acordo, o GOF passava a praticar também o Rito Escocês Antigo e Aceite, inspirado no rito praticado pela Grande Loja dos Antigos.

Mas as instalações onde o GOF reunia estavam preparadas para o Rito Francês. Era normal. Seria também natural que demorasse algum tempo até estarem disponíveis templos especificamente preparados para o Rito Escocês Antigo e Aceite. E seria logicamente admissível que, até lá, o trabalho no REAA se fizesse nas instalações disponíveis. E era razoável que, assim sendo, houvesse as necessárias adaptações na prática do rito em função das instalações disponíveis.

Porém, logo em 1805 o Supremo Conselho declarou que o GOF tinha violado o acordado pela prática do REAA nessas circunstâncias e os seus membros retiraram-se do GOF, passaram a trabalhar o rito sozinhos e reativaram a Grande Loja Geral Escocesa, para trabalhar os três primeiros graus do rito. Depararam-se, porém, com um problema: a falta de quadros suficientes para manter o rito em funcionamento, atento o interesse que despertara. Tentaram, sem grande êxito, aliciar Oficiais do GOF para dirigirem os Altos Graus do rito.

Entretanto, o GOF reagiu lutando contra as tentativas de afirmação e implantação do REAA sob os auspícios do Supremo Conselho e da Grande Loja Geral Escocesa.

Em menos de um ano estragou-se tudo o que se conseguira em 1804. Em menos de dez anos, o REAA praticamente desapareceu de França, a Grande Loja Geral Escocesa desvaneceu-se na irrelevância e o Supremo Conselho Francês, continuando a dar mostras de pouca razoabilidade, não só não conseguia impedir o naufrágio como ainda se esgotava em querelas com o primeiro Supremo Conselho instituído, o americano. O resultado desse acumular de erros, más decisões, querelas, irrelevâncias, dificilmente poderia ser diferente do que foi: em 1814, por decisão unilateral, o Grande Oriente de França, invocando o acordo de 1804, assumia diretamente o controlo sobre o Rito Escocês Antigo e Aceite, em conjunto com o Rito Francês, nos três primeiros graus, e, em 1816, assumiu a jurisdição do rito até ao grau 18 (Cavaleiro Rosa-Cruz), criando Lojas Capitulares, presididas por Cavaleiros Rosa-Cruz, que trabalhavam os graus desde o 1.º ao 18.º. Do 19.º em diante, o rito continuava sob a alçada do Supremo Conselho.

No entanto, o Supremo Conselho americano permaneceu com a sua estrutura inicial: os três primeiros graus sob a alçada das grandes Lojas e os restantes sob administração do Supremo Conselho.

Com o decorrer do tempo, a fórmula original, americana, cresceu, implantou-se um pouco por todo o lado e veio a lograr retomar o controlo para o Supremo Conselho dos graus 4.º ao 18.º, também em França. Demorou anos e muitos esforços para reparar o erro de 1805! Uma vez atingida a unificação da prática do rito a nível global, este desenvolveu-se na sua forma atual, por todo o Mundo. Até hoje.

Fonte:
http://www.oficina-reaa.org.br/v1/index.php?option=com_content&view=article&id=53:detalhes-dos-rituais-azuis-do-reaa&catid=38:trabalhos0&Itemid=2

Rui Bandeira