07 janeiro 2009

Porque se guarda o segredo maçónico

A classificação do segredo maçónico em exotérico e esotérico é minha. Quero com estes adjetivos significar duas diferentes realidades. No meu entendimento, o segredo maçónico exotérico é aquele que é constituído por matéria ou conhecimento que é suscetível de fácil apropriação por qualquer pessoa, que sem dificuldade de maior pode ser transmitido por quem o sabe a quem não o sabia. Inversamente, o segredo maçónico esotérico não comunga dessa facilidade de apreensão e de transmissão. O segredo maçónico exotérico só existe enquanto e na medida em que for preservado por todos aqueles que o detêm, os maçons, nos seus respetivos graus e qualidades. O segredo maçónico esotérico existe independentemente de qualquer esforço de preservação, porque o seu teor não é suscetível de ser adequada e completamente transmitido por quem atinge o seu conhecimento (apenas alguns, maçons ou não). Tem de ser descoberto, num esforço individual, mediante um percurso de autopreparação para o atingir e reconhecer, em que cada patamar atingido é condição necessária para poder conseguir-se chegar ao seguinte. Este segredo existe independentemente de qualquer propósito de preservação por quem o detém. Direi mesmo que existe apesar dos esforços e das tentativas de partilha por quem o descortinou.

Dito de outro modo: o segredo maçónico é composto por uma parte que não é sequer particularmente importante (o segredo exotérico) e subsiste graças e na medida dos cuidados dos maçons na sua subsistência; e existe também uma outra componente (o segredo esotérico) que existe independentemente da vontade e dos esforços e das tentativas dos seus detentores, por impossibilidade de sua adequada e completa transmissão, seja por via oral, seja por escrito. O acesso a este implica vivência, experiência, vontade, esforço. Não basta ouvir ou ler. Portanto, o segredo que se guarda não é especialmente importante e o que importa não se consegue transmitir...

O segredo maçónico exotérico é constituído por quatro aspetos:

1) Reserva da identidade dos maçons que não se hajam assumido publicamente como tal;

2) Reserva de divulgação das formas de reconhecimento entre os maçons;

3) Reserva de divulgação de rituais e de cerimónias;

4) Reserva de divulgação do teor concreto e específico dos trabalhos de qualquer reunião de Loja ritualmente realizada.

Talvez com exceção da última faceta, o segredo maçónico exotérico é um verdadeiro segredo de Polichinelo: só não o conhece quem não quiser. Basta um pouco de esforço e trabalho para apurar o seu conteúdo. Então com as possibilidades atualmente disponíveis com as Novas Tecnologias de Informação e os potentes motores de busca universalmente disponíveis, aceder a esse conhecimento é uma pura questão de perseverança, trabalho e alguma habilidade. Ao contrário do que vulgarmente se pensa, está tudo publicado. Só é preciso descobrir onde... E - esta será porventura a maior dificuldade - destrinçar entre o que verdadeiramente é e o que é falso ou imitado ou errada ou desajustada ou intempestivamente utilizado.

O objetivo primacial do segredo maçónico exotérico é permitir aos maçons saber, de uma forma exclusivamente a si acessível, quem é e quem não é maçon - e também que grau detém quem é maçon. Nos tempos de antanho, foi essencial. Hoje, nem por isso. Outras formas de saber, rápida e eficazmente, quem é e quem não é maçon existem. Hoje, a facilidade e rapidez das comunicações, particularmente das telecomunicações e da comunicação eletrónica, permite, em caso de necessidade, fácil e rapidamente verificar junto de uma Grande Loja ou de uma Loja se fulano é seu membro. Antigamente, era diferente. Daí que a importância do conhecimento da forma de obter essa informação, e a sua preservação, fosse nuclear. As realidades da vida, da evolução e do desenvolvimento em muito erodiram a necessidade e importância do segredo.

Sendo assim, porque continuam os maçons a preservar esse já não tão importante segredo? Por duas razões, uma acessória, outra essencial. A acessória é que, embora a necessidade de preservação das reservas de informação tenha diminuído, seja menos importante, não cessou completa e universalmente, não perdeu TODA a importância (ainda há locais onde é perigoso ser maçon). A essencial é que os maçons preservam o segredo maçónico PORQUE SE COMPROMETERAM, POR SUA HONRA, A FAZÊ-LO.

Sendo assim, porque se continua a exigir aos maçons esses compromisso de honra? Não já pela necessidade de antanho. Ou não já essencialmente. Nem também por um cego tributo à Tradição, o continuar a fazer agora assim porque dantes assim se fazia. Antes como um exercício permanente do que é na essência inerente à condição de maçon. Um maçon é um homem livre, apenas escravo da sua palavra; sério, sempre preservando a sua honra; cumpridor dos seus compromissos, apenas porque ele se obrigou a eles. A palavra de um maçon vale tanto ou mais do que um contrato escrito, é mais duradoura do que se tivesse sido gravada em pedra. Independentemente da importância do assunto. Um homem só é honrado e de confiança se o for nas pequenas como nas grandes coisas. A verdadeira palavra sagrada de um maçon é a sua palavra de honra.

É portanto em execução desse princípio inderrogável de que o maçon cumpre sempre a sua palavra, seja-lhe ou não conveniente, seja o assunto importante ou sem destaque particular, que este preserva o segredo maçónico. Porque se comprometeu a fazê-lo. Independentemente de ser ou não ser já importante fazê-lo. Mesmo que, por esse mundo fora, esse segredo, total ou parcialmente, tenha sido centenas ou milhares de vezes exposto. Se o não fizesse, sabia-se merecedor do opróbio e desprezo unânimes dos maçons. E um maçon só o é na medida em que seja reconhecido como tal pelos seus pares...

O maçon preserva o segredo maçónico porque se comprometeu a fazê-lo e esse compromisso continua a ser exigido aos maçons como forma de exercício diário, constante, permanente, dos deveres inerentes a um homem honrado, livre e de bons costumes. Outros existem que, diz-se para aí, pontuam a sua pertença à organização em que buscam a excelência através do cilício, da mortificação do corpo. Os maçons buscam a excelência do caráter, do espírito, e portanto exercitam continuamente o caráter e o espírito. Uma das formas de o fazerem é honrando escrupulosamente os seus compromissos. Independentemente de serem importantes. Sem questionar a eficácia ou o interesse desse cumprimento. Sendo-lhes indiferente que outros, mais fracos ou imerecedores, porventura tenham falhado esse cumprimento.

Rui Bandeira

06 janeiro 2009

A propósito do segredo maçónico


Em comentário ao texto Os meus Irmãos reconhecem-me como tal, alguém se insurgiu contra o mesmo, entendendo que nele era revelada matéria integrando o que se convencionou chamar de segredo maçónico e que eu, como todos os maçons, jurei não revelar a profanos. Em resposta a esse comentário, o Ruah já esclareceu que nada do que nos comprometemos a não revelar foi exposto no dito texto. Assim é: que os modos de reconhecimento dos maçons são sinais, palavras e toques é, de há muito, do domínio público e é, até, intuitivo. Para alguém reconhecer outrem como integrando determinado grupo ou qualidade, terá de se aperceber através do que vê (sinais), do que ouve (palavras) ou do que sente (toques). Referi-lo, pois, não atenta contra o chamado segredo maçónico. Atentatório, sim, contra ele e contra os compromissos por todos os maçons assumidos, seria revelar que sinais são esses, que palavras estão em causa, que toques relevam.

O chamado segredo maçónico é um dos pontos que mais suscita a curiosidade de quem não é maçon. Mas, relativamente a ele, não posso e não devo satisfazer a curiosidade profana: se o fizesse, o segredo deixaria de existir e o motivo para a curiosidade também... O chamado segredo maçónico é também um dos pontos utilizados por aqueles que são hostis à Maçonaria e aos maçons para procurar atacar e vilipendiar uma e outros, ao abrigo do genérico pretexto de que se não tivessem um propósito criticável, não precisavam de segredo para nada. Como se não fosse intuitivo que todas as pessoas têm e guardam segredos, uns só para si, outros apenas acessíveis aos que lhe são mais chegados - chama-se a isso reserva da vida privada e tem dignidade de direito fundamental, constitucionalmente protegido em todas as sociedades civilizadas... Como se todas as sociedades e associações não tivessem matérias e planos e decisões e estratégias cujo conhecimento reservam apenas para os seus membros... Como se os empresários, os membros da alta finança e os políticos não proclamassem todos, com alegre satisfação, que o segredo é a alma do negócio... A todos é naturalmente reconhecido o direito ao segredo, à reserva do que não se destina a ser do conhecimento público. Só os maçons são verberados por respeitarem o seu compromisso de guardar o segredo maçónico!

Muita da curiosidade, muito do combustível para os ataques aos maçons resulta, afinal, de se mitificar a essência, a natureza e a amplitude do segredo maçónico. Mitificação para que a Maçonaria e os maçons contribuíram, reconheço... Mitificação que, sendo um exagero, é um distorcer da verdade. E do torcer da verdade não resulta, normalmente, nada de bom...

A Maçonaria é uma instituição ancestral e que preza a Tradição. Mas, como todas as instituições ancestrais bem sucedidas, sabe preservar a Tradição, adaptando os seus usos e costumes ao evoluir dos tempos e das sociedades. Só assim evita ser anacrónica e mantém interesse e importância e valor, ao longo da passagem dos anos, décadas e séculos.

O século XXI lançou-nos a todos na voragem da Sociedade da Informação. As chamadas Novas Tecnologias permitem aceder a mananciais de informação que, ainda há poucas décadas - há poucos anos... - eram impensáveis. A Maçonaria não pode, não deve, obviamente, ser indiferente às consequências desta evolução. Não que tenha deixado de fazer sentido a subsistência do segredo maçónico. Mas a mitificação do mesmo, essa sim, não me parece que seja vantajosa, nem para os maçons, nem para os profanos.

A Maçonaria prossegue objetivos honrosos e louváveis. É frequentemente denegrida por quem, sendo-lhe hostil, a acusa de prosseguir propósitos menos recomendáveis e, sistematicamente, esgrime com o segredo maçónico como alegada prova dos tenebrosos propósitos da Maçonaria. Em época de acelerada circulação da informação, não basta à Maçonaria seguir o seu caminho, não ligando aos cães que ladram à passagem da caravana. Porque tanto ladrido de tanta canzoada acaba por impressionar quem o ouve. A Maçonaria deve continuar a prosseguir o seu caminho, apesar dos rafeiros e seus latidos. Mas, para bem de si própria e elucidação de todos, nestes tempos de abertura de informação, deve mostrar e informar para onde vai, porque vai e como vai. Assim todos verão qual o caminho e não se impressionarão com a barulheira dos canídeos, que todos poderão ver ser vã e sem motivo que a sustente.

O segredo maçónico é um dos objetos dos latidos. Pois bem, é tempo de mostrar, a quem estiver de boa fé, que esse vozear não tem razão de ser. Não - repito - abandonando o segredo maçónico ou traindo os compromissos assumidos. Mas explicando os limites, a natureza e as razões do dito segredo. Quem estiver de boa fé perceberá. Os outros... continuarão a ladrar, mas já impressionarão menos...

Nos próximos dias tenciono, pois, publicar alguns textos sobre o segredo maçónico, explicando o que abrange, porque existe, porque se justifica. Sem trair os meus juramentos.

Por hoje, e para terminar, deixo apenas este aperitivo: na minha opinião, não há um segredo maçónico. Há dois. Um exotérico e outro esotérico. Aquele é o que normalmente é referido. Mas, na minha opinião, é o que menos importa...

Rui Bandeira

05 janeiro 2009

União e Prosperidade


O blogue União e Prosperidade já há algum tempo que fazia parte do conjunto de blogues que era seguido por mim. Desde que, devidamente autorizado, começou a publicar textos originalmente publicados aqui no A Partir Pedra. Há muito que hesitava sobre se deveria fazer-lhe aqui uma referência. Este blogue é de grande qualidade. Mas o facto de publicar alguns dos textos aqui do A Partir Pedra inibia-me. Temia que fosse tomado como um auto-elogio. E elogio em boca própria é vitupério - lá diz o povo , e com toda a razão.

Um elemento novo surgiu, porém, muito recentemente. Recebi uma mensagem eletrónica do animador do União e Prosperidade, BAG. Através dela, confirmei algo que já me cruzara o espírito como hipótese, mas de que não tinha a certeza: BAG foi um elemento da Loja Mestre Affonso Domingues! Há muitos anos - desde que ele tinha emigrado para o estrangeiro - que nada sabia dele. Agora fiquei - com agrado! - a saber: BAG está no Brasil, mais precisamente em Florianópolis, Estado de Santa Catarina, onde leciona numa Universidade local. E integra ali uma loja maçónica - presumo que a Augusta e Respeitável Loja União e Prosperidade, que dará nome ao blogue. E assim o caso muda de figura! Já sabem como é: uma vez da Mestre Affonso Domingues, sempre da Mestre Affonso Domingues. O BAG é um dos nossos! E honra a sua Loja-mãe lá por terras de Vera Cruz, azimute de Santa Catarina, Oriente de Florianópolis! Agora fiquei a perceber o interesse que o União e Prosperidade tinha em publicar alguns dos textos do A Partir Pedra!

Claro que combinarmos uma troca de atalhos entre os dois blogues foi coisa mais ou menos de trinta segundos, entre duas mensagens eletrónicas, à distância de dois continentes! E executar o acordo foi coisa para aí de dois minutos. O atalho para o União e Prosperidade aí está na barra do lado direito do A Partir Pedra, na secção respetiva. E idem aspas quanto ao atalho para o A Partir Pedra no União e Prosperidade!

Assim sendo, já não tenho quaisquer pruridos em satisfazer a minha vontade de dedicar aqui um texto - merecido! - ao União e Prosperidade. Tenho todo o orgulho em proclamar que é um blogue de alta qualidade, da responsabilidade de um maçon que viu a luz na Loja Mestre Affonso Domingues.

É um blogue com uma frequência de publicação invejável: em 2008 publicou 250 textos (menos 22 do que o A Partir Pedra) e em 2007 publicou 430 textos (mais 115 do que o A Partir Pedra e uma média superior a um por dia! Isto de ser professor universitário deixa tempo livre...).

Para além de textos de elementos da Loja e da Grande Loja e de textos recolhidos em várias proveniências, BAG publica vários textos próprios, de assinalável interesse.

É um blogue, seguramente, de grande valia, que emula aqui o A Partir Pedra e nos obriga a manter uma especial atenção à qualidade, para que os nossos leitores não nos troquem por ele! Lê-se com gosto e proveito. Recomendo vivamente!

Afinal, é animado por um dos nossos!

Rui Bandeira

01 janeiro 2009

A felicidade exige valentia

(Fotografia de um quadro de Hernani Oliveira)

"Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes mas, não esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo, e posso evitar que ela vá à falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise. Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma. É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um "não". É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.
Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo..."
Fernando Pessoa
Acompanho o Zé Ruah em tudo o que escreveu na sua (nossa...) Mensagem de Ano Novo.
Para todos, TODOS, os leitores deste espaço desejo o melhor em 2009, mesmo sabendo que "2009" não é mais do que uma convenção, tanto menos importante quanto estamos em espaço maçónico, no qual o tempo é todo o que há, desde sempre e até...
Este dia é de descanso (supostamente de descanso !) e poderá bem ser, também, de reflexão.
Cá por mim deixo o encargo a Fernando Pessoa que sabe da matéria muito mais do que eu.
Bom ano para todos.
JPSetúbal

31 dezembro 2008

Mensagem de Ano Novo

Pode parecer pretencioso o titulo. Normalmente usado para o Presidente da Republica ou para altos dignatarios de confissões Religiosas.

Mas na verdade não faria sentido que este Blog não assinalasse o fim do Ano Civil de 2008 comemorando o Inicio de um novo Ano.

Em Maçonaria não há um inicio, há multiplos inicios e em cada um deles o Maçon revê o que fez e abarca novas responsabilidades.

Assim também é o ciclo do tempo. Em cada fim de ciclo deparamos-nos com um novo ciclo prestes a começar.

Os votos são de S+F+B que é como quem diz:

Saude Felicidade e Bonança

ou

Sucesso, Fraternidade e Benemerencia

ou mesmo

Sabedoria, Força e Beleza


A cada um de vós os desejos que em 2009 as vossas aspiraçoes se cumpram.


Feliz ano de 2009

José Ruah

30 dezembro 2008

Republicação: A areia e a pedra

Circula por aí na Rede. Na sua simplicidade, não deixa de constituir um bom e sensato conselho quanto à forma de encararmos o que nos vai acontecendo ao longo da nossa vida. Vale a pena deixar aqui registado, para ser lido e meditado.

Conta uma história que dois amigos iam pelo deserto. Em determinada altura da viagem, começaram a discutir e um deles deu uma bofetada ao outro. Este, ferido na sua dignidade, mas sem nada dizer, escreveu na areia:

O MEU MELHOR AMIGO DEU-ME HOJE UMA BOFETADA.

Continuaram a caminhada até que encontraram um oásis, onde decidiram tomar banho.

Aquele que tinha sido esbofeteado começou a afogar-se, mas o seu amigo salvou-o. Depois de se ter recuperado, o esbofeteado e resgatado escreveu numa pedra:

O MEU MELHOR AMIGO SALVOU-ME HOJE A VIDA.

O outro, que tinha esbofeteado e salvo o seu melhor amigo, perguntou-lhe:

QUANDO TE FERI A DIGNIDADE, ESCREVESTE-O NA AREIA E AGORA ESCREVESTE NA PEDRA. PORQUÊ?

O primeiro respondeu-lhe:

QUANDO ALGUÉM NOS MOLESTA, DEVEMOS ESCREVÊ-LO NA AREIA, PARA QUE OS VENTOS DO PERDÃO O POSSAM DISSIPAR.

MAS QUANDO ALGUÉM NOS FAZ ALGO DE BOM, DEVEMOS GRAVÁ-LO EM PEDRA, PARA QUE NENHUM VENTO O POSSA APAGAR.

Aprendamos a escrever as nossas feridas em areia e a gravar em pedra tudo o que nos aconteça de bom. Além do mais, isso contribui para que sejamos muito mais felizes!

Rui Bandeira

29 dezembro 2008

Republicação: O Homem e o seu Caminho

I

O Homem abeirou-se do Sábio e perguntou-lhe:

- Como encontrarei a Luz no Caminho da minha Vida?

O Sábio respondeu-lhe:

- No Caminho da tua Vida encontrarás três Portais. Lê as regras escritas em cada um deles e cumpre-as. E agora vai! Segue o teu Caminho!

- O Homem seguiu o seu Caminho. Em breve deparou com um Portal onde estava escrito:

MUDA O MUNDO

O Homem pensou que, na verdade, se havia algumas coisas no Mundo que lhe agradavam, havia muitas outras que eram objecto do seu desagrado. E começou a sua primeira luta: os seus ideais, o seu ardor e o seu poder levaram-no a confrontar-se com o Mundo, para corrigir, para conquistar, para mudar a realidade de acordo com os seus desejos. Nisso encontrou o prazer e a volúpia do conquistador, mas não trouxe Paz ao seu coração. Conseguiu mudar algumas coisas, mas muitas outras resistiram aos seus propósitos.

O Sábio perguntou-lhe então:

- Que aprendeste no teu Caminho?

O Homem respondeu:

- Aprendi a distinguir entre o que está ao meu alcance e o que se lhe escapa, o que depende e o que não depende de mim.

O Sábio retorquiu:

- Isso é bom. Usa as tuas capacidades para agires no que estiver ao teu alcance e esquece o que estiver para além delas

II

Pouco depois, o Homem encontrou o segundo Portal. Nele estava escrito:

MUDA OS OUTROS

O Homem pensou que, realmente, os outros tanto podiam ser fonte de alegria, de prazer ou de satisfação, como de dor, amargura ou frustração e rebelou-se contra tudo o que lhe pudesse desagradar nos outros. Tentou moldar as suas personalidades e corrigir os seus defeitos. Esta foi a sua segunda luta. Fê-lo com persistência, mas nunca conseguiu remover as suas dúvidas sobre a real eficácia dos seus esforços de mudar os outros.

O Sábio perguntou-lhe então:

Que aprendeste no teu Caminho?

O Homem respondeu:

- Aprendi que os outros não são a causa nem a fonte das minhas alegrias ou das minhas tristezas, da minha satisfação ou dos meus desaires. São apenas oportunidades para todos se me revelarem. É em mim que tudo tem raízes.

O Sábio retorquiu:

- Tens razão. Os outros revelam-se-te na medida do que acordam em ti. Agradece aos que fazem vibrar em ti as cordas da Alegria e da Satisfação. Mas não odeies os que te causam sofrimento ou frustração, porque, através deles, a Vida ensina-te o que te falta aprender e qual o Caminho que ainda te falta percorrer.

III

Então o Homem encontrou o terceiro Portal, onde se lia:

MUDA-TE A TI PRÓPRIO

O Homem pensou que, se na realidade era ele próprio a fonte dos seus problemas, então era em si próprio que teria de trabalhar. Começou então a sua terceira luta. Tentou moldar o seu carácter, lutar contra as suas imperfeições, acabar com os seus defeitos, mudar tudo o que lhe desagradava em si próprio, tudo o que não correspondia ao seu ideal. Teve algum sucesso, mas também alguns fracassos e duvidou das suas reais capacidades.

O Sábio perguntou-lhe então:

- Que aprendeste no teu Caminho?

O Homem respondeu:

- Aprendi que há em mim aspectos que consigo melhorar e outros que não consigo alterar.

O Sábio retorquiu:

- Isso é bom!

Mas o Homem prosseguiu:

- Sim. Mas começo a ficar cansado de lutar contra tudo, contra todos, contra mim próprio. Isto nunca terá fim? Nunca terei descanso? Quero poder parar de lutar, desistir, abandonar tudo...

O Sábio prosseguiu:

- Essa é a tua próxima lição. Mas antes de prosseguires, volta-te para trás e observa bem o Caminho que percorreste.

IV

Olhando para trás, o Homem viu à distância o terceiro Portal e reparou que, no lado de trás, estava escrito:

ACEITA-TE A TI PRÓPRIO

O Homem surpreendeu-se por não ter visto a inscrição quando passara o Portal no sentido contrário e pensou que, quando se luta, fica-se cego para tudo o que esteja para além da luta. Reparou então em tudo o que deixara cair, que deitara fora, enquanto lutara contra si próprio: os seus defeitos, as suas sombras, os seus medos, os seus limites, tudo antigas preocupações suas. Aprendeu então a reconhecê-los, a aceitá-los, a conviver com eles. Aprendeu a amar-se a si próprio sem voltar a comparar-se com os outros, sem se julgar, sem se repreender.

O Sábio perguntou-lhe então:

- Que aprendeste no teu Caminho?


O Homem respondeu:

- Aprendi que odiar ou repudiar uma parte de mim próprio é condenar-me a nunca estar de acordo comigo mesmo. Aprendi a aceitar-me a mim próprio, total e incondicionalmente.

O Sábio retorquiu:

-Isso é bom! Essa é a primeira regra da Sabedoria. Agora regressa ao segundo Portal.

V

Ao aproximar-se deste, o Homem leu, nas suas traseiras:

ACEITA OS OUTROS

Reparou então em todas as pessoas com quem tinha estado em toda a sua vida, quer nas que tinha amado ou com quem tinha tido amizade, quer nas que lhe tinham desagradado. Naqueles que tinha apoiado e naqueles contra quem tinha lutado. Mas a sua maior surpresa foi que se apercebeu que agora nem notava as suas imperfeições nem os seus defeitos, que antes tanto o incomodavam.

O Sábio perguntou-lhe então:

- Que aprendeste no teu Caminho?

O Homem respondeu:

- Aprendi que, estando em paz comigo mesmo, já nada me incomoda nos outros, nada neles temo. Aprendi a amar e a aceitar os outros, total e incondicionalmente.

O Sábio retorquiu:

- Isso é bom! Essa é a segunda regra da Sabedoria. Regressa agora ao primeiro Portal.

VI

Aproximando-se deste, o Homem leu a tardoz a inscrição:

ACEITA O MUNDO

O Homem pensou que também não vira estas palavras quando ali passara no sentido contrário. Olhou à sua volta e reconheceu o Mundo que tentara conquistar, transformar, mudar. Ficou estupefacto pelo Brilho e pela Beleza de tudo, pela sua Perfeição. No entanto, era o mesmo Mundo de antes. Que mudara? O Mundo ou a sua percepção dele?

O Sábio perguntou-lhe então:

- Que aprendeste no teu Caminho?


O Homem respondeu:

- Aprendi que o Mundo é o espelho da minha alma. Que a minha alma realmente não pode ver o Mundo, que se vê a si própria nele. Quando a minha alma está alegre, o Mundo parece-lhe alegre. Quando está triste, assim lhe parece o Mundo. O Mundo em si não é alegre nem triste: Está lá. Existe, é tudo. Não era o Mundo que me perturbava, mas a ideia que eu tinha dele. Aprendi a aceitar o Mundo sem o julgar, a aceitá-lo total e incondicionalmente.

O Sábio retorquiu:

- Essa é a terceira regra da Sabedoria! Estás agora em consonância contigo próprio, com os outros e com o Mundo.

Um profundo sentimento de Paz, de Serenidade, de Plenitude, encheu o Homem. Dentro dele, o Silêncio substituiu todo o fragor das lutas que travara.

E então o Sábio concluiu:

- Agora, estás pronto para, quando chegar o momento, passares em paz o último e desconhecido Portal, aquele que vai do Silêncio da Plenitude para a Plenitude do Silêncio.

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Adaptação de um texto de autor anónimo lido no blogue Southern Knight .

Rui Bandeira