12 março 2008

Enrique Fugasot, masón caballero


Enrique Mario Fugasot Corbi. Uruguaio. Diplomata. Esteve dois anos e tal servindo o seu País na sua Embaixada em Lisboa. Maçon de muitos anos. Um senhor!

O Enrique juntou-se à Loja Mestre Affonso Domingues na infância desta, na primeira metade da década de noventa do século passado. Todos éramos então muito inexperientes, quase todos maçons de safras recentes, tacteando o caminho, aprendendo a aprender. O Enrique tinha já muitos anos de Maçonaria. E tinha a experiência da vida e o treino de diplomata. Obviamente que se apercebeu da inexperiência de quase todos. Certamente que viu serem cometidos erros que já não cometia há dezenas de anos. Evidentemente que reconheceu as dúvidas e as dificuldades de quem começa e ainda não está seguro do que faz e do que deve fazer.

O Enrique, porém, nunca deixou escapar um qualquer assomo de superioridade, um sinal de enfado, um resquício de impaciência. Integrou-se no grupo e deu-lhe a sua experiência de Irmão mais velho, sem nunca se impor. Quando se cometia um erro, brandamente, na primeira oportunidade, conduzia a conversa de modo a vir a dizer que, lá no Uruguai, se fazia assim e não como aqui fora feito. E, obtida a atenção de todos, explicava, sempre com um sorriso, o porquê de qualquer coisa se fazer assim e não assado e motivava o grupo para fazer bem, sem nunca o ter criticado por ter feito mal. Quando o grupo hesitava sobre o caminho a seguir, o rumo a tomar, a decisão mais adequada, calmamente recordava uma qualquer situação similar que se lhe deparara anos atrás e aconselhava, sem nunca procurar impor, o que lhe parecia o melhor a fazer. Se o sangue fervente da juventude parecia impelir para algum conflito ou desacordo mais áspero, pacientemente recordava a ética que imperava entre nós e que sempre deveria ser respeitada, por muito quente que estivesse a cabeça - e instantaneamente arrefecia todas as cabeças quentes, mostrava o valor da concórdia, a riqueza das diversidades de opiniões, a mais-valia do encontro dos planos de entendimento e das soluções de compromisso.

O Enrique foi um maçon antigo e experiente que, na hora certa, esteve junto de nós para nos transmitir a sua sabedoria, a sua experiência, os seus conhecimentos rituais e filosóficos e os seus estritos princípios éticos. Foi o Enrique que ensinou à Loja o que era e como se exercia o ofício de Orador. Em que consistia ritualmente, mas também substancialmente. Hoje, a Loja tem vários elementos capazes de bem exercerem este ofício. Todos, directa ou indirectamente, aprenderam com o Enrique ou com quem com ele aprendeu. Ainda hoje - e temos presentemente um excepcional Orador! -, se me pedissem para definir o arquétipo de Orador de Loja, seria o Enrique Fugasot que surgiria no meu espírito! Sei do que falo! Fui Orador da Loja Mestre Affonso Domingues. Foi dos ofícios que mais gosto me deu assegurar. Em relação a este ofício, quase tudo aprendi com o Enrique!

Ser maçon é dar e receber do grupo, da Loja. O Enrique deu à Loja Mestre Affonso Domingues a sua grande experiência, a sua confortante simpatia, o seu inexcedível saber fazer. Da Loja Mestre Affonso Domingues recebeu o que necessitava: o apoio de um grupo de amigos, que o acompanhou a si e à sua família enquanto estiveram em Portugal, o calor humano que ajuda a superar a ausência do país natal, o auxílio nas pequenas coisas em que nós portugueses, somos às vezes tão denodadamente complicados e complicativos e que tanto desesperam os estrangeiros, até que se acostumem com essas nossas recorrentes manias da complicação e aprendam a desfrutar o muito de bom que, apesar disso, sabemos apreciar da vida...

O Enrique esteve connosco, fez parte do quadro de obreiros da Loja Mestre Affonso Domingues dois anos e tal, talvez um pouco mais. Depois, chegou a hora de ser recolocado - é a sina dos diplomatas, nunca podem fixar-se demasiado tempo num mesmo posto... - e foi para outro posto. Em 1998, era cônsul do Uruguai no Rio de Janeiro - a imagem que ilustra este texto é de uma carta que ele escreveu nessa qualidade em 16 de Novembro desse ano. Despedimo-nos dele e ele despediu-se de nós com o mútuo sentimento de um tempo bem passado, de uma amizade bem conseguida. Depois, como é comum nestas circunstâncias em que as distâncias e as vidas separam os amigos, primeiro houve contactos e notícias com alguma frequência, depois os contactos e as notícias foram rareando, ao fim de alguns anos, o Enrique era já apenas uma memória agradável para os mais antigos, um nome que os mais novos ouviam, de vez em quando, invocado por aqueles, enfim uma imagem que mansamente vai ganhando a cor sépia das fotografias antigas. Até que, há dois dias, o José Ruah - que está de pousio quanto à escrita aqui no blogue mas, como ele diz, não anda longe e anda sempre atento - me mandou uma mensagem de correio electrónico. Encontrara, nas suas navegações pela Internet, uma referência ao Enrique: a notícia da sua passagem ao Oriente Eterno, lá no seu Uruguai, em 22 de Setembro de 2005. A notícia que explica a ausência de notícias.

O Enrique Fugasot tinha já a sua idade. Nos tempos de hoje, em que a longevidade aumenta, não admiraria que nos acompanhasse mais alguns anos. Mas também não nos surpreende que a sua caminhada por aqui tenha chegado ao fim. É a lei da vida, a lei que a todos se impõe.

Tenho pena, claro, de não ter a possibilidade de voltar a encontrar-me com o Enrique, de conversarmos mansamente, de voltar a desfrutar da sua companhia. Mas sei que o Enrique teve uma vida cheia, produtiva e, sobretudo, vivida segundo os princípios éticos que sempre o nortearam e que a todos devem nortear. Foi uma vida que valeu a pena ser vivida. Foi um cavalheiro maçon que tive muita honra em conhecer, muito gosto em com ele privar e um enorme privilégio em com ele aprender. Foi mais um Irmão que deixou a sua marca na Loja Mestre Affonso Domingues, que contribuiu - e muito! - para ela ser o que hoje ela é. Foi um Mestre que a todos ensinou. Agora é uma recordação serena e agradável. Continuará a ser uma inspiração benfazeja!

ENRIQUE, MI HERMANO, HASTA SIEMPRE!

Rui Bandeira

11 março 2008

Serei crente?

aqui fiz referência ao excelente blogue Grémio Estrela d'Alva. É um blogue que continuo a visitar regularmente, sempre com com gosto e proveito. Deparei há dias com um notável texto intitulado Serei ateu?, que me inspira o texto de hoje. Não é uma resposta, nem uma manifestação de desacordo - pelo contrário! O meu propósito é tão somente complementar as ideias expressas naquele texto com o meu, de algum modo simétrico, entendimento. Daí, aliás, a escolha do titulo deste meu escrito...

Mas, para bem entender ao que aqui venho, faça o leitor, antes de mais, a fineza de aproveitar o atalho que acima coloquei e ler o dito texto Serei ateu?, da autoria de Carl Sagan. Vale a pena!

Já está? Prossigamos, então!

Ao ler o referenciado texto de Carl Sagan, a minha primeira reacção foi de admiração por ser possível uma tão grande comunhão de pensamento entre duas pessoas que, de alguma forma, estruturaram a sua forma de ver o mundo a partir de pressupostos opostos: noventa e muitos por cento daquilo que Carl Sagan naquele texto escreveu poderia ter sido escrito por mim - se, para tanto, tivesse tido engenho e arte... No entanto, enquanto Carl Sagan se define como ateu (embora colocando na devida perspectiva a sua posição), eu defino-me como crente. E, parafraseando o que Carl Sagan escreveu, também eu julgo adequado colocar um ponto de interrogação à frente da minha afirmação, porquanto também eu, na mesma linha, me considero crente até que alguém me prove racional e definitivamente que não existe um Criador.

Concordo plenamente com o entendimento de Carl Sagan sobre a racionalidade, o método científico, o cepticismo, a invenção de seres sobrenaturais pelo Homem, a inocuidade moral do ateísmo, as religiões, os fundamentalismos e os princípios que nos unem na Augusta Ordem Maçónica, independentemente das suas variantes!

No entanto, com essa tão grande, tão extensa, concordância, definimo-nos simetricamente: ele ateu, eu crente; ambos cum granum salis, o que vale por dizer, salvo melhor opinião e com reserva de mudança de opinião, se sobrevierem elementos que levem ao convencimento da necessidade dessa mudança.

Como é isso possível? Como é possível que tão similar forma de pensar conduza a conclusões diversas e, não diria opostas, mas simétricas? Será que a um se sobrepõe a Fé à Razão, ao contrário do outro? A tentação primária é afirmá-lo. Mas creio que seguir tal tentação seria um erro!

Pelo contrário, julgo ser asado concluir que ambos baseamos a nossa postura não só em postulados racionais, como até no mesmo postulado essencial: pese embora todo o Conhecimento Científico, toda a Especulação Racional, todos os Postulados de todas as Crenças, há duas afirmações opostas que, até agora, são racional e cientificamente indemonstráveis e racional e cientificamente irrefutáveis em absoluto: Deus existe; Deus não existe!

Para cada argumento que se possa aduzir em abono de que Deus existe, existe um argumento com igual força que o refuta; para cada argumento que se apresente demonstrando que Deus não existe, existe um outro, de igual fortaleza que defende essa existência.

Para não alongar muito este texto, apresento uma sumaríssima demonstração desta realidade, a um nível propositadamente primário: à pergunta quem criou o Mundo?, respondem os crentes que foi Deus; mas de imediato surge então a irrespondível pergunta de quem criou Deus?; similarmente, a tese da Ciência contemporânea de que o Universo teve origem num Big Bang é reduzida à sua dimensão de nada realmente explicar se se pergunta o que (ou quem...) criou, originou esse Big Bang, como e de onde surgiu essa tão fenomenal e extraordinária Força que do Nada fez surgir o Tudo. E, sendo postulado da Ciência que tudo o que existe pode ser reproduzido (e nisso se baseia a Ciência Experimental), como se explica que, desde há biliões e biliões de anos, só haja conhecimento de UM Big Bang, quando seria de esperar uma repetição do fenómeno?

E por aí fora se poderia, horas e dias e meses e anos, argumentar, especular, refutar, insistir. Bem o pontua Carl Sagan: não é possível, à luz dos nossos conhecimentos e da nossa razão, nem provar, nem refutar a existência de Deus.

Carl Sagan, legitimamente, acolhe-se ao seu cepticismo científico para concluir (se bem ajuízo): porque não está provado que exista Deus, não creio que exista e portanto classifico-me como ateu; não posso, no entanto, excluir que se possa vir a provar que existe e, se assim vier a suceder, mudarei de posição.

Com igual legitimidade, a minha posição é a de que se não pode provar e se não provou que Deus não exista e a única explicação que encontro para o Universo e para o sentido da Vida é essa existência e portanto classifico-me como crente; não posso, no entanto, excluir que outras prova e explicação possam vir a surgir e, logo, mantenho a minha mente aberta e atenta...

Quando olho, numa noite sem nuvens, o Firmamento e vejo milhares e milhares de pontos de luz, maravilho-me com a grandeza, o rigor, a precisão, do Universo e concluo que só uma Vontade Superior e uma Capacidade inentendível ao nível humano pode ter criado toda aquela incomensurável maravilha e mais a Vida que alberga e mais o Homem e a sua capacidade de abstracção, de ética, de razão... Penso que, se tudo isto fosse tentado explicar como um mero fenómeno natural, então ficava por explicar como e porque foi único, e assim, e de onde veio a força, e a matéria, e...

É exactamente pelo mesmo uso da Razão que sou crente. É por ter o mesmo cepticismo que Carl Sagan que, como ele, acrescento um ponto de interrogação ao meu postulado.

Temos a mesma ética, os mesmos princípios. Olhamos ambos para a mesma cerca - só que cada um do seu lado. O que não é nenhuma tragédia... O que nos diferencia não é a Razão, que ambos partilhamos, nem a Fé, que, penso, ambos admitimos apenas como possível consequência, nunca fundamento. O que nos diferencia, creio, é algo intermédio: a Convicção. A Convicção que se funda na Razão e que, quando a Razão não sabe, não pode, dar resposta, parte dela para ir além dela. A Convicção que parte da Razão para, de braço dado com a Intuição, procurar descortinar para além do ponto de partida e do horizonte que nele é visível.

É por isso que dois homens habituados a ser racionais e cépticos podem, sem desdouro nem problema, ter diferentes convicções. Até ao horizonte, vêem o mesmo e de igual forma; para além do horizonte, cada um interpreta os elementos que tem e intui o que pensa que para lá estará.

Um triplo e fraterno abraço ao Carl Sagan, deste seu leitor que muito admira o que escreve,

Rui Bandeira

10 março 2008

Vamos dar sangue e homenagear Aristides de Sousa Mendes

Após um intervalo invulgarmente grande regressaremos no próximo dia 12 de Abril, um Sábado, à nossa actividade costumeira de moer o juízo ao pessoal para ir dar sangue.


Certamente estaremos de acordo quanto à oportunidade e necessidade desta acção.

Desta vez por maioria de razão, já que aproveitaremos para nos associarmos à Fundação Aristides Sousa Mendes numa homenagem, singela mas tão sentida quanto merecida, à memória desse diplomata de caracter extraordinário que foi Aristides de Sousa Mendes e Sua mulher Angelina.

Herois da Nação, Personalidades do Mundo, têm merecido o reconhecimento internacional.

Têm conhecido o esquecimento nacional.

A verdade e o valor destas vidas só agora começa a ser referido internamente, mas no mundo já há muito que Aristides e Angelina são considerados herois da história universal.


A dádiva de sangue do próximo dia 12 de Abril será em recordação das Suas memórias, e também como de costume contaremos com a valiosíssima e desinteressadíssima colaboração do grupo dos "Escoteiros da Pontinha ".

Também como já aconteceu antes, o centro das operações será nas instalações da Escola Melo Falcão, EB1-ciclo Nº2 da Pontinha (linha azul do Metro).

A todos os que habitualmente colaboram nestes eventos sugerimos que marquem na agenda o dia 12 de Abril, e a todos os outros sugerimos que marquem nas agendas o dia 12/Abril.

Marquem e apareçam. Este anúncio é suficientemente antecipado para permitir a reserva atempada da manhã (30 minutos para o acto em si são suficientes) e para que os "cagarolas" que nunca fizeram esta dádiva se mentalizem que há tanta necessidade como facilidade em doar sangue.


Não dói, não deixa marca, não incomoda, não ocupa muito tempo, não custa dinheiro...


É útil, é saudável, liberta-nos das taxas moderadoras do SNS, deixa-nos a consciência do cumprimento de um dever importante.


Aristides Sousa Mendes salvou mais de 30 mil vidas e não teve qualquer retorno pela sua heroicidade.

Quer mais ?

J.P.Setúbal

07 março 2008

Grão-Mestre da Gran Logia de la Republica de Venezuela assassinado

Dá-se conhecimento a todas as Lojas sob a jurisdição da Gran Logia de la Republica de Venezuela que passou ao Oriente Eterno o Muito Respeitável Grão-Mestre, Querido Irmão FRANCISCO PEREIRO LIZ, da Muito Respeitável Gran Logia de la Republica de Venezuela, que será velado sexta-feira 7 de Março no Grande Salão da funerária ABADIA IMPERIAL, Avenida Bolívar Norte, frente à Reitoria da Universidade de Carabobo. Honras fúnebres no sábado, 8 de Março, às 9 horas.

Este singelo texto, logo abaixo da imagem que também encima este artigo, é a sóbria referência que podemos ler no sítio da Gran Logia de la Republica de Venezuela ao falecimento do seu Grão-Mestre.

Chris Hodapp, no seu blogue Freemasons for Dummies, louvando-se em informações obtidas através do blogue Francmasoneria Universal e de informação à imprensa da Grande Loja de Washington DC, dá mais informações: o Muito Respeitável Irmão Francisco Pereiro Liz foi assassinado no decurso de um assalto e de uma tentativa de rapto. O Muito Respeitável Grão-Mestre da Gran Logia de la Republica de Venezuela era proprietário de uma plantação de café e o homicídio ocorreu na sua propriedade, perto de Barqisimeto.

Uma morte violenta é sempre de deplorar. Curvamo-nos perante a dor dos familiares do Muito Respeitável Irmão Francisco Pereiro Liz. Manifestamos a nossa solidariedade com os Irmãos da Gran Logia de la Republica de Venezuela. Para o nosso Irmão, a meia-noite chegou inesperadamente. Seus artefactos de construtor foram precipitadamente pousados. Mas os planos que traçou na sua prancha ajudarão a guiar os trabalhos de seus Irmãos. Quando o seu nome for chamado, entre nós haverá sempre uma resposta de "Presente!". A Cadeia de União violentamente quebrada será imediatamente reconstituída, com o firme propósito de levar à prática os princípios por que se guiou. E esta é a melhor homenagem que se lhe pode prestar!

Rui Bandeira

06 março 2008

Caldeirada (poluição)

Há tempos escrevi uma série de artigos sobre Maçonaria e Ambiente. Dois conceitos que aparentemente nada têm a ver um com o outro. Procurei mostrara alguns pontos de contacto possíveis. Hoje, numa escala bem mais ligeira, proponho-me demonstrar uma ligação ainda mais difícil de conceber: FADO E MEIO AMBIENTE!

A Antena 1 apresenta, um pouco antes das 13 horas, de segunda a sexta-feira, uma rubrica que genericamente se intitula Alma lusa. Nela, é transmitido, após um breve comentário do autor da rubrica, um fado - o género musical que o autor da rubrica entende (e eu concordo!) mais bem retratar a alma da lusa gente. Há dias, foi transmitido um fado, cantado pela grande Amália Rodrigues, que foi editado originalmente em 1977 e se encontra integrado em algumas colectâneas de fados por ela cantados.

Ora vejam lá como a preocupação pela conservação do Meio Ambiente e pela acção depredatória do mesmo pelo Homem também pode ser objecto de um Fado. Da autoria de Alberto Janes (autor também do muito mais conhecido fado "Foi Deus"), apreciem então a letra deste

CALDEIRADA (POLUIÇÃO)

Em vésperas de caldeirada, o outro dia,
Já que o peixe estava todo reunido,
Teve o guraz a ideia de falar à assembleia,
No que foi muito aplaudido

Camaradas: principia a ordem do dia!
É tudo aquilo que for poluição,
Porque o homem, que é um tipo cabeçudo,
Resolveu destruir tudo, pois então!

E com tal habilidade e intensidade
Nas fulguranças do génio,
Que transforma a água pura numa espécie de mistura,
Que nem tem oxigénio

E diz ele que é o rei da criação!
As coisas que a gente lhe ouve e tem que ser!
Mas a minha opinião, diz o pargo capatão,
Gostava de lha dizer!

Pois se a gente até se afoga!
Grita a moga, por o homem ter estragado o ambiente!
Dar cabo da criação, esse pimpão,
Isso não é decente!

Diz do seu lugar: tá mal!, o carapau,
Porque, por estes caminhos,
Certo vamos mais ou menos ficando todos pequenos,
Assim como “jaquinzinhos”

Diz então o camarão, a certa altura:
Mas o que é que nós ganhamos por falar?
Ó seu grande camarão, pergunta então o cação,
Você nem quer refilar?

Se quer morrer, diz a lula toda fula,
Com a mania da cerveja e dos cafézes,
Morra lá à sua vontade, que assim seja!,
Para agradar aos fregueses!

Diz nessa altura a sardinha prá taínha:
Sabe a última do dia? A pescadinha, já louca,
Meteu o rabo na boca,
O que é uma porcaria!

Peço a palavra! gritou o caranguejo,
Eu, que tenho por mania observar,
Tenho estudado a questão e vejo a poluição
Dia e noite a aumentar

Cai do céu a água pura
E a criatura pensa que aquilo que é dele é monopólio.
Vai a gente beber dela e a goela
Fica cheia de petróleo!

A terra e o mar são para o cidadão
Assim como o seu palácio.
Se um dia lhe deito o dente
Pago tudo de repente ou eu não seja crustáceo!

É um tipo irresponsável, grita o sável,
O homem que tal aquele!
Vai a proposta prá mesa: ou respeita a natureza,
Ou vamos todos a ele!

A preocupação com a conservação do meio ambiente não é de hoje. Há trinta anos já havia - imagine-se! - um fado que chamava a atenção para o tema. Quem disse que a alma lusa só acorda para os problemas tarde e a más horas?

Rui Bandeira

05 março 2008

Reintegração do Companheiro (III)


O novo Companheiro não necessita de se integrar no grupo. Essa tarefa já deverá estar assegurada e concluída. Mas deve reintegrar-se nele, à luz do seu novo estatuto, do grau a que ascendeu. Três atitudes deve ter como prioritárias: diligência, disponibilidade e independência.

Diligência para efectuar os novos trabalhos que lhe são pedidos, sem deixar de efectuar os trabalhos que aprendeu necessários enquanto Aprendiz. Diligência para conjugar o estudo do que está em cima com o do que está em baixo. Diligência para progressivamente se libertar da orientação que lhe é proporcionada e começar caminhando por seus próprios passos, seguindo seu próprio rumo, perscrutando seu próprio horizonte. Afinal de contas, um Companheiro vem de Aprendiz... e vai para Mestre!

Disponibilidade para efectuar tarefas em Loja e fora de Loja, quer rituais, quer na organização e execução de tarefas integradas nos objectivos e eventos a que o grupo se dedica. Na Loja Mestre Affonso Domingues, é comum aproveitar as oportunidades que surgem para atribuir a um ou dois Companheiros, funções rituais de menor exigência, em sessões mais calmas. Pode designar-se um Companheiro para assegurar o ofício de Guarda Interno numa sessão, ou atribuir-lhe o exercício da função de Experto em sessão em que não ocorra nenhuma Iniciação, ou ainda confiar-se-lhe um dia a tarefa de fazer circular o Saco das Propostas e o Tronco da Viúva. Tudo tarefas que os Mestres sabem serem de fácil execução... depois de se terem executado. O Companheiro de agora vai ser Mestre daqui a uns tempos. Como Mestre, vai ser designado para exercer ofícios. Deve, portanto, ser-lhe dada a possibilidade de sentir o peso dos objectos cujo uso faz parte das funções de Guarda Interno ou de Experto, de executar movimentação em Loja, de assumir, ainda que por breves momentos, responsabilidades em Loja. Não é nada do outro mundo, mas serve para desinibir, para treinar, também para incentivar. Também fora de sessão o Companheiro pode e deve mostrar a sua disponibilidade perante o grupo, colaborando nas organizações da Loja. Na Loja mestre Affonso Domingues, por rotina, quando se designa um grupo de Irmãos para organizar um qualquer evento, assegurar uma qualquer tarefa, inclui-se sempre nesse grupo, pelo menos, um Companheiro. Finalmente, disponibilidade para partilhar o que sabe e o que aprende com seus Irmãos Aprendizes, com os demais Companheiros e com os Mestres que, sendo-o, não são - nem por sombras... - omniscientes. O Companheiro trabalha no concreto, nas artes, nas ciências, em tudo o que respeita ao Homem. Muitas vezes, é um profundo conhecedor da sua área de actividade ou de estudo. O Companheiro já não é só Aprendiz, nem é ainda Mestre. Mas, estando a meio caminho, deve ter a noção de que já não se dedica apenas a receber e a estudar; também, naquilo que sabe, pode já transmitir, ajudar, dar. Enquanto Aprendiz, recebe do grupo; sendo Companheiro, continua a receber, mas também já algo pode dar.

Finalmente, pede-se ao Companheiro independência. Independência de pensamento, que deve ser crítico. Independência enquanto postura. Independência na execução das orientações recebidas. O Companheiro está numa fase de transição. Já não se limita a aprender a fazer. Já faz. Embora ainda deva executar os planos traçados pelos Mestres, a forma como procede a essa execução já deve ser dele, ao seu jeito, segundo as suas próprias capacidades e escolhas.

O grau de Companheiro é também um grau de transição. De assunção de novas responsabilidades, de utilização das capacidades adquiridas. Embora ainda sob a direcção dos Mestres, o Companheiro vai ganhando progressiva autonomia, vai alargando o seu olhar de si para o grupo e as suas necessidades e capacidades e potencialidades. E vai começando a analisar. O Companheiro está aprendendo a ser Mestre. De si próprio e em conjunção com os demais. Está em busca do objectivo de se poder legitimamente considerar um homem pleno, conhecendo todos os seus atributos e capacidades físicos, mentais, morais e espirituais.

Está, no fundo, a prosseguir normalmente o seu caminho. Aquele que todos os maçons percorrem, cada um chegando ao destino a que chegar.

Rui Bandeira

04 março 2008

Reintegração do Companheiro (II)


Por muito que se precise que o trabalho de um maçon é essencialmente individual, não podemos esquecer que o que diferencia o método maçónico das demais formas de aquisição de conhecimentos, progressão e aperfeiçoamento é que esse trabalho individual se processa integrado num grupo heterogéneo, interagindo reciprocamente cada um dos indivíduos com o grupo. A reorientação do trabalho do maçon que ascende ao grau de Companheiro deve, pois, ser auxiliada pelo grupo, pela Loja e, especificamente, pelos Mestres da Loja. Três aspectos essenciais devem ser tidos em conta.

Em primeiro lugar, importa ter presente que, para que o Companheiro possa harmoniosamente dedicar-se ao específico trabalho do seu grau há que lhe proporcionar condições para tal. Ou seja, há que prever, calendarizar e levar a cabo sessões rituais especificamente destinadas ao trabalho do segundo grau, há que propiciar o efectivo funcionamento da Oficina de Companheiros. Nessas sessões, para além da abertura e encerramento dos trabalhos da Oficina segundo o ritual de Companheiro, devem ser apresentadas e debatidas pranchas respeitantes aos temas do grau, isto é, respeitantes ao Homem, às Artes e Ciências. As possibilidades e a variedade são obviamente imensas. Permite-se e propicia-se, assim, que o trabalho e o estudo dos assuntos respeitantes ao grau sejam colectivamente assegurados e não apenas individual e solitariamente cometidos ao Companheiro.

Neste aspecto, muito há a fazer e a aperfeiçoar no funcionamento, pelo menos, da Loja em que me integro, a Loja Mestre Affonso Domingues - mas suspeito que também na generalidade das Lojas. Criou-se o hábito de trabalhar preferencialmente, quase exclusivamente, no primeiro grau, só se constituindo a Loja nos graus superiores quando imprescindível e na medida do indispensável. Acaba-se por se cair na tentação de só se trabalhar nos graus superiores para conferir graus, baseando-se o trabalho da Loja no primeiro grau, considerando-se que assim se não excluem obreiros (Aprendizes, quanto a sessões de segundo grau; Aprendizes e Companheiros, quanto aos trabalhos do 3.º grau) dos trabalhos e se reforçam os laços de solidariedade entre todos. Embora compreenda a pureza da intenção, penso que é nocivo que assim se proceda. O trabalho maçónico pressupõe evolução. Não é por acaso que se concebeu que os trabalhos maçónicos decorrem em três graus. Em cada um destes, há objectivos a atingir, conhecimentos específicos a obter, trabalho próprio a realizar. Privilegiar - ainda que com a melhor das intenções - um grau em detrimento dos restantes equivale a empobrecer desnecessariamente a riqueza do trabalho comum de uma Loja. Abrir a Loja no grau de Companheiro apenas para passar Aprendizes a Companheiros e para a apresentação da prancha que é exigida ao Companheiro para que possa ascender a Mestre - por vezes, uma prancha que, em bom rigor, não respeita ao objecto do que devem ser os estudos do Companheiro, mas afinal uma simples prancha bis de Aprendiz, apenas com a diferença de respeitar a um dos poucos símbolos privativos do grau de Companheiro - não é a melhor forma de trabalhar o grau de Companheiro.

Em segundo lugar, devem os Mestres dar o exemplo, elaborando e apresentando pranchas efectivamente do grau de Companheiro, sobre o Homem, as Artes ou as Ciências. Não quer isto dizer que o simbolismo não tenha também lugar no grau de Companheiro. Claro que tem. Mas não tem aqui a essencialidade que reveste no primeiro grau. Aprendida e apreendida a forma de trabalhar com os símbolos, o maçon deve voltar-se para o Mundo e estudar-se a si próprio e às suas realizações nos campos do Saber e da Beleza, à luz da sua própria evolução, não concentrar-se num qualquer simbólico-metafísico plano exterior à realidade. Tese-antítese-síntese, síntese como nova tese- nova antítese-nova síntese. Assim evolui em todos os campos o Homem. Se persiste e insiste apenas num único aspecto, numa única linha, num preciso ponto, por muito meritório que seja, não evolui, involui. Devem, pois, os Mestres dar o exemplo, mostrar, o tipo de trabalho que se deve fazer no grau. Para que os Companheiros melhor o compreendam e possam tentar e, muitas vezes, conseguir, fazer melhor...

Em terceiro lugar, deve a Loja ter sempre presente que cada homem é um homem, cada caso um caso, cada situação uma situação. Não há cartilhas, não há manuais. O que se coloca aos Companheiros são linhas orientadoras, mapas que são postos à sua disposição. A forma como cada Companheiro vai percorrer (ou evitar; ou saltar; ou transgredir; ou esticar; ou aperfeiçoar; ou...) essas linhas é com ele. A maneira como vai olhar e utilizar (ou ignorar; ou refazer; ou...) os mapas é também com ele. A viagem é dele. O grupo só lhe propicia os meios para que a faça. E não há viagens certas, nem destinos errados. O que vale também por dizer que, apesar de eu defender que um Companheiro deve estudar o Homem, as Artes e as Ciências, se ele preferir continuar a concentrar-se exclusivamente no simbolismo, estudando apenas e só os símbolos do grau... tenho de respeitar e aceitar isso e reconhecer o mérito dessa opção. Não será a minha, não será a que eu penso a melhor... mas não existe nenhum decreto do Grande Arquitecto que estipule que eu estou certo e o outro errado; como nada garante que o que é certo para mim não convenha ao outro e que o que a mim me parece inconveniente não seja o adequado para o meu Irmão... Em suma, indicar, não dirigir, orientar, não abafar, propiciar, não obrigar. Ou seja, executar o que é a Maçonaria: um grupo ao serviço do indivíduo e beneficiando do que este lhe traz; não o indivíduo ao serviço, subjugado e dependente do grupo. Porque, acima de tudo, um maçon é um homem livre - e de bons costumes...

Rui Bandeira