Reintegração do Companheiro (II)
Em primeiro lugar, importa ter presente que, para que o Companheiro possa harmoniosamente dedicar-se ao específico trabalho do seu grau há que lhe proporcionar condições para tal. Ou seja, há que prever, calendarizar e levar a cabo sessões rituais especificamente destinadas ao trabalho do segundo grau, há que propiciar o efectivo funcionamento da Oficina de Companheiros. Nessas sessões, para além da abertura e encerramento dos trabalhos da Oficina segundo o ritual de Companheiro, devem ser apresentadas e debatidas pranchas respeitantes aos temas do grau, isto é, respeitantes ao Homem, às Artes e Ciências. As possibilidades e a variedade são obviamente imensas. Permite-se e propicia-se, assim, que o trabalho e o estudo dos assuntos respeitantes ao grau sejam colectivamente assegurados e não apenas individual e solitariamente cometidos ao Companheiro.
Neste aspecto, muito há a fazer e a aperfeiçoar no funcionamento, pelo menos, da Loja em que me integro, a Loja Mestre Affonso Domingues - mas suspeito que também na generalidade das Lojas. Criou-se o hábito de trabalhar preferencialmente, quase exclusivamente, no primeiro grau, só se constituindo a Loja nos graus superiores quando imprescindível e na medida do indispensável. Acaba-se por se cair na tentação de só se trabalhar nos graus superiores para conferir graus, baseando-se o trabalho da Loja no primeiro grau, considerando-se que assim se não excluem obreiros (Aprendizes, quanto a sessões de segundo grau; Aprendizes e Companheiros, quanto aos trabalhos do 3.º grau) dos trabalhos e se reforçam os laços de solidariedade entre todos. Embora compreenda a pureza da intenção, penso que é nocivo que assim se proceda. O trabalho maçónico pressupõe evolução. Não é por acaso que se concebeu que os trabalhos maçónicos decorrem em três graus. Em cada um destes, há objectivos a atingir, conhecimentos específicos a obter, trabalho próprio a realizar. Privilegiar - ainda que com a melhor das intenções - um grau em detrimento dos restantes equivale a empobrecer desnecessariamente a riqueza do trabalho comum de uma Loja. Abrir a Loja no grau de Companheiro apenas para passar Aprendizes a Companheiros e para a apresentação da prancha que é exigida ao Companheiro para que possa ascender a Mestre - por vezes, uma prancha que, em bom rigor, não respeita ao objecto do que devem ser os estudos do Companheiro, mas afinal uma simples prancha bis de Aprendiz, apenas com a diferença de respeitar a um dos poucos símbolos privativos do grau de Companheiro - não é a melhor forma de trabalhar o grau de Companheiro.
Em segundo lugar, devem os Mestres dar o exemplo, elaborando e apresentando pranchas efectivamente do grau de Companheiro, sobre o Homem, as Artes ou as Ciências. Não quer isto dizer que o simbolismo não tenha também lugar no grau de Companheiro. Claro que tem. Mas não tem aqui a essencialidade que reveste no primeiro grau. Aprendida e apreendida a forma de trabalhar com os símbolos, o maçon deve voltar-se para o Mundo e estudar-se a si próprio e às suas realizações nos campos do Saber e da Beleza, à luz da sua própria evolução, não concentrar-se num qualquer simbólico-metafísico plano exterior à realidade. Tese-antítese-síntese, síntese como nova tese- nova antítese-nova síntese. Assim evolui em todos os campos o Homem. Se persiste e insiste apenas num único aspecto, numa única linha, num preciso ponto, por muito meritório que seja, não evolui, involui. Devem, pois, os Mestres dar o exemplo, mostrar, o tipo de trabalho que se deve fazer no grau. Para que os Companheiros melhor o compreendam e possam tentar e, muitas vezes, conseguir, fazer melhor...
Em terceiro lugar, deve a Loja ter sempre presente que cada homem é um homem, cada caso um caso, cada situação uma situação. Não há cartilhas, não há manuais. O que se coloca aos Companheiros são linhas orientadoras, mapas que são postos à sua disposição. A forma como cada Companheiro vai percorrer (ou evitar; ou saltar; ou transgredir; ou esticar; ou aperfeiçoar; ou...) essas linhas é com ele. A maneira como vai olhar e utilizar (ou ignorar; ou refazer; ou...) os mapas é também com ele. A viagem é dele. O grupo só lhe propicia os meios para que a faça. E não há viagens certas, nem destinos errados. O que vale também por dizer que, apesar de eu defender que um Companheiro deve estudar o Homem, as Artes e as Ciências, se ele preferir continuar a concentrar-se exclusivamente no simbolismo, estudando apenas e só os símbolos do grau... tenho de respeitar e aceitar isso e reconhecer o mérito dessa opção. Não será a minha, não será a que eu penso a melhor... mas não existe nenhum decreto do Grande Arquitecto que estipule que eu estou certo e o outro errado; como nada garante que o que é certo para mim não convenha ao outro e que o que a mim me parece inconveniente não seja o adequado para o meu Irmão... Em suma, indicar, não dirigir, orientar, não abafar, propiciar, não obrigar. Ou seja, executar o que é a Maçonaria: um grupo ao serviço do indivíduo e beneficiando do que este lhe traz; não o indivíduo ao serviço, subjugado e dependente do grupo. Porque, acima de tudo, um maçon é um homem livre - e de bons costumes...
Rui Bandeira