Um dia fui Veneravel Mestre da Mestre Affonso Domingues - 3
Convoquei de imediato uma sessão ritual da Loja, para uma sala do Hotel Penta (era assim o nome na altura), informei a grande Secretaria desse facto e solicitei a presença de um Grande Oficial para que logo após a votação fosse imediatamente instalado o candidato eleito.
Não dei qualquer hipótese ao J.P.G. , que era o 1º Vigilante na altura. Ele tentou demover-me, dizendo que faltavam uns meses para acabar o ano, que estávamos em Março e em Julho haveria eleições, etc. etc.
Não podia ser. Além da palavra e compromisso assumidos e ainda sou dos que foi educado dando valor à palavra de honra, havia um outro factor fundamental.
Eu tinha sido um “Comandante de Guerra” e a Loja precisava de um “Comandante de Paz”. Eu, não por vontade própria, mas por força das circunstâncias tinha ficado ligado à separação, ao infortúnio, à tristeza.
A Loja não podia a ficar a viver no meu Mundo, precisava de avançar firme e sólidamente, e o J.PG. , que como disse no inicio havia sido convidado porque o 2º Vigilante no mandato anterior me solicitou o favor de ficar mais um ano enquanto tal, era essa pessoa.
A Sessão decorreu sem grandes sobressaltos, a Loja estava farta de sobressaltos. A ordem de trabalhos foi a normal, foram então lidos todos os decretos emanados pelo Grão Mestre, toda a correspondência existente.
Apresentei então uma prancha – chamemos-lhe assim – na qual expliquei tudo o que se havia passado e lembro-me de terminar dizendo que a História me julgaria pelo que havia decidido e pelas acções que tomei.
Posto isto foi feita a votação da única candidatura existente que foi votada unanimemente, pelo que passei o malhete ao Grande Oficial presente, um amigo R. Cruz na altura Vice Grão Mestre, para que procedesse à Instalação do Novo Venerável Mestre.
A Sessão terminou, tendo-se seguido um jantar no próprio hotel com a presença das nossas mulheres.
No fim do jantar informei o J.P.G que me iria ausentar dos trabalhos de Loja durante um período cuja duração desconhecia. Continuaria a pagar as quotas, não deixando de ser membro da Loja, mas apenas não apareceria nas sessões.
Ter sido “Comandante de Guerra” e não querer ser “ Eminência Parda” conjuntamente com o facto de provocar a Instalação de um novo Venerável ser a única maneira de poder garantir que o poder passava de mão para mão sem que com isso eu ficasse impedido de prosseguir no caminho da Regularidade foram as razões da minha decisão de afastamento. A razão de não poder ser só Venerável de uma parte foi a que achei que seria melhor percebida e a que daria menos discussão.
Baseada nas razões anteriores esta ausência tinha um duplo objectivo.
Permitir-me-ia afastar de todos os problemas da Loja, mas sobretudo permitiria ao novo Venerável e à Loja poderem reiniciar o caminho sem a minha presença e logo com mais liberdade de acção.
Voltei passados 9 meses, tendo combinado com o J.P.G que chegaria atrasado e que entraria de forma ritual, com resposta ao inquérito usual nessas circunstâncias.
Foi-me indicado um lugar nas colunas e não no Oriente como era de direito, mas era assim que tinha que ser.
Só na sessão seguinte é que ocupei o meu lugar de Ex-Veneravel, na cadeira à esquerda da do Venerável.
Epilogo
A Fraternidade e o Espírito Maçónico que a Loja passou aos seus Membros verificou-se.
Aqueles que não seguiram o caminho da Loja cumpriram escrupulosamente a palavra dada e mesmo intimados a por a funcionar a Loja Mestre Affonso Domingues, à semelhança do que acontecia com outras Lojas, recusaram fundamentando com a palavra dada.
Alguns voltaram à Loja, mas ficaram apenas um ou dois anos. Outros abandonaram a vida Maçónica activa, mas continuam a ser Maçons no seu espírito, e no nosso.
Alguns comparecem à refeição (almoço ou jantar) que a Loja organiza pelo Solstício de Inverno.
Todos, estou seguro, guardam a medalha da Loja em local de destaque, nem que seja só nos seus corações.
Tudo o que levei a cabo naquele ano de 1996 /1997 nao teria sido possível se aqueles que eu tinha escolhido para me acompanharem na gestão da Loja não tivessem confiado nas minhas decisões e não me tivessem apoiado.
Nos nossos rituais, iniciação no 1º grau, é mencionado um princípio muito importante:
“No entanto, reflicta que nem os adultos isolados e plenamente desenvolvidos podem efectuar sozinhos qualquer grande empreendimento. Pôde fazer sem dificuldade a
sua viagem com o passo firme de um homem maduro mas foi-lhe certamente bem útil a companhia de um homem experiente que se comportou como um Irmão. “
Isto aconteceu na altura e acontece hoje.
Cabe referenciar que aquele que foi o meu quadro de Oficiais na altura da convulsão, ficou praticamente todo com a Loja e se a memória não me atraiçoa, quase todos foram Veneráveis Mestre da Loja. Fica assim uma palavra para:
J.P.G. ; Luís D.P. ; Rui Bandeira ; António P. ; João D.P. ; que foram Veneráveis e para Acácio R. que teve papel fundamental como Grande Secretário da GLLP/ GLRP e Rui.D.R. que tem sido apenas obreiro.
Tenho que salientar que aquele que escolhi como Mestre Organista, A.B., continua hoje a ser o Mestre Organista da Loja e provavelmente continuará a sê-lo enquanto quiser.
A Loja Mestre Affonso Domingues continua. Tem vindo nestes 10 anos a fazer o seu trabalho de forma irrepreensível, sempre mantendo o espírito que a caracterizou desde o início.
Este ano como no ano anterior e espera-se à semelhança do que acontecerá para o ano que vem, na primeira sessão do mês de Julho a Loja elegeu mais um Venerável Mestre, o 18.º
A Loja tem neste momento no seu quadro mais de 40 Obreiros (numero mais ou menos constante nos últimos 5/6 anos), é uma das maiores da GLLP/ GLRP, tem uma frequência média às sessões de 20 Obreiros com a particularidade de uns só virem à sessão de sábado e outros só virem à sessão de quarta-feira (o que extrapolado se todos viessem sempre seriam frequências de 25 a 30 obreiros por sessão).
Nas ultimas eleições para Grão Mestre votaram 20 Mestres do quadro em 29 possíveis.
Estão nos passos perdidos 2 ou 3 candidatos para serem admitidos, e prevê-se que ingressem na Loja, vindos de outras Lojas mais 2 ou 3 membros.
A Loja continua com os projectos de Solidariedade que acarinhou desde sempre, ajuda a instituições carenciadas, grupo de dadores de sangue e outros. Não negligenciou nunca os planos de formação dos aprendizes e companheiros. Mantém um rigor ritual invejável.
Produz por ano uma dezena de pranchas como mínimo. Mantém uma actividade social com as famílias.
Discute todos os assuntos internamente, e apresenta-se sempre em Grande Loja com opinião formada sobre os assuntos em discussão, votando de acordo com o que foi determinado internamente e não para fazer jeitos a A ou B.
Dirimiu sempre os problemas surgidos internamente, nos graus apropriados e soube sempre encontrar uma solução.
Por tudo isto e por mais um sem numero de coisas posso, sem falsas modéstias nem vaidade, afirmar que a História já me julgou e que as minhas decisões foram as correctas.
Mas mesmo assim precisei de 10 anos para conseguir escrever estas memórias.
Foi de facto um Veneralato muito diferente. Muito diferente dos anteriores, felizmente muito diferente dos posteriores, mas sobretudo muito diferente do que eu tinha planeado e eu tinha pensado em fazer um Veneralato diferente!!!
Um dia fui Venerável da Melhor Loja Maçónica que conheço. Na verdade só dirigi 5 sessões em 22 possíveis, não fiz nada do que tinha planeado fazer e fiz tudo o que tive que fazer.
Ser Maçon é isso mesmo, fazer o que se tem que fazer.
Revelo aqui um segredo.
Um dia vou querer ser Venerável da Loja Mestre Affonso Domingues, mas esse dia ainda está muito, mas mesmo muito, distante.
José Ruah
Fica assim concluido este texto que reflecte as minhas memorias de um ano muito complicado para a Maçonaria Regular em Portugal. Quis o Grande Arquitecto que fosse eu o Veneravel Mestre da Mestre Affonso Domingues.