Li com atenção o texto de JPSerúbal a propósito do documentário "Dentro da Maçonaria" que o canal National Geographic transmitiu no passado Domingo e retransmitiu na madrugada de segunda-feira. Li também interessadamente os comentários que tal texto suscitou, genericamente concordando com a postura de crítica e de lamento de que tal documentário não tenha sido mais esclarecedor e, sobretudo, menos sensacionalista.
Manifesto-me contra a corrente, pois a minha opinião diverge das que foram expostas. E, como é apanágio dos maçons, exprimo serenamente a minha opinião divergente, sem prejuízo do integral respeito pelas que já foram apresentadas.
Penso que as críticas expostas por JPSetúbal e que mereceram a concordância de
o marreta,
escriba e
o profano (a
patbr não viu ainda o documentário) sofrem de um duplo erro de perspectiva: resultam da análise de (1) quem é maçon ou, não o sendo, se interessa pela Maçonaria e dela conhece os elementos essenciais) e (2) de quem viu o documentário na perspectiva europeia.
Se procurarmos - tanto quanto tal seja possível - despirmo-nos destas perspectivas e, pelo contrário, atendermos a que o documentário foi produzido por quem está de fora da Maçonaria, destinado a ser visto essencialmente por quem está de fora dela (daí, aliás, o título "Dentro da Maçonaria", que só é apelativo para quem está "de fora" e tem curiosidade em saber como é "cá dentro"), foi pensado e realizado por quem vive , é oriundo e tem a cultura da América do Norte (e aqui incluo os Estados Unidos e o Canadá - o México é de outra galáxia...) e destinado a ser visto por quem vive e tem os traços culturais americanos e canadianos, facilmente concluiremos que, dentro da perspectiva de quem o fez e para quem foi feito, o documentário procura e consegue desmistificar algumas das teorias da conspiração envolvendo a Maçonaria e procura e consegue repôr alguma verdade sobre o que é e quais são os objectivos desta.
Atentemos no seguinte: o americano médio, de uma pequena povoação do Ohio ou do Wisconsin, ou o canadiano isolado nos confins do Yukon, qualquer deles bombardeado desde há dezenas de anos por uma imprensa que faz os tablóides britânicos parecerem meninos de coro e por dezenas de canais televisivos que fazem da TVI e da TV Record expoentes máximos da suma qualidade televisiva, provavelmente as únicas coisas que ouviram falar da Maçonaria é que é um grupo esquisito de gente que faz coisas secretas, de forma secreta, em locais secretos - e se tudo isto é secreto é porque não deve ser boa coisa, porque se fosse faziam-no às claras... - e que só se ouve falar dela em ligação a escândalos ou crimes: a morte esquisita do Papa dos católicos, a morte de um tipo rico pendurado, com tijolos nos bolsos, a morte de um desgraçado a tiro durante um ritual maçónico. Enfim, tudo coisas tenebrosas, que bem fazem emparceirar estes maçons com a Máfia, os adoradores do Diabo e os conspiradores do assassínio de Kennedy (e, vai-se a ver, se calhar, eles também estão metidos nisso...).
Se tivermos esta noção, percebemos então que um documentário que se limitasse a revelar um pouco dos nossos princípios, das nossas práticas, dos nossos propósitos teria como resultado que, logo no primeiro intervalo (e, na televisão americana, os intervalos são de dez em dez minutos - isso é, aliás, claramente visível na estrutura do documentário, organizado em blocos de dez minutos), o povão, farto dessas intelectualices bacocas e sem interesse nenhum, rapava do telecomando e mudava para o reality show mais próximo...
Para ser visto (e, para não ser visto, só filma o Manoel de Oliveira...), o documentário tinha de ter algum sensacionalismo. Procurou, assim, prender o público com a análise das teses que implicavam a Maçonaria nas mortes de João Paulo I, do banqueiro do Banco Ambrosiano e do candidato morto em cerimínia maçónica. É sensacionalismo? É! Seria possível ser feito de outra maneira e ser visto pelo público a que se dirigia? Não! (Agora, pareço o Ricardo Araújo Pereira a imitar o Prof. Marcelo...)
Mas, se repararmos bem, resultou dessa análise a inequívoca conclusão de que a morte de João Paulo I se deveu a causas naturais e que, se conspiração tivesse havido, o lógico é que ocorresse no interior dos altos interesses da Igreja Católica, não da Maçonaria. Resulta dessa análise evidente a conclusão de que o banqueiro pendurado em Londres foi assassinado pela Máfia, prejudicada pelas malfeitorias financeiras feitas pelo Banco Ambrosiano, que os tijolos nos bolsos mais não foram do que uma canhestra tentativa de desviar a atenção para a Maçonaria (e canhetra, porque, ao menos, o inculto do mafioso podia ter posto pedras, brutas ou cúbicas, tanto fazia, e não tijolos...) e que a P2 de maçonaria tinha o aspecto, mas nada mais era do que um antro de conjurados de extrema-direita sedentos de Poder (e nós recordamo-nos, mesmo na Europa, as confusões que houve com aquela P2 e a Maçonaria...). E resulta claro que a morte a tiro na cerimónia maçónica (os americanos gostam muito de brincar com armas de fogo...) foi acidental e que, mesmo assim, o causador do acidente, porque condenado por homicídio por negligência, foi expulso da Maçonaria.
Tudo isto foi dito e esclarecido no documentário. Só não vê quem não quiser ver - e não duvido também que os nossos "inimigos de estimação" não viram ou duvidaram de tudo o que excluia a Maçonaria desses episódios...
E, de caminho, ainda conseguiu o documentário, divulgar algo de rituais (rituais americanos, claro...), algo do nosso ideário, algo das nossas posições.
É claro que não é ópera, mas não foi um espectáculo indecente. É claro que não são pérolas, mas será que os destinatários as apreciariam?
Em resumo: se analisarmos a questão deste ponto de vista, o documentário até foi sério e bem feito, atento o público a que se destinava.
Para a patbr e mais quem não viu o documentário: o National Geographic vai retransmiti-lo domingo, 25, às 14 horas.
Rui Bandeira