11 janeiro 2012

A Constituição de Anderson de 1723


A Constituição de Anderson de 1723 é, provavelmente, o documento que mais bem espelha os princípios da Maçonaria. Foi elaborada na transição entre a Maçonaria Operativa e a Especulativa, quando a organização outrora agrupando artesãos construtores se transformava na sua forma atual de organização fraternal indutora de aperfeiçoamento pessoal, moral e espiritual dos seus membros, segundo um método próprio, fundado em princípios herdados de tempos imemoriais, transmitidos e preservados de geração em geração.

Muito - quase tudo - daquilo que os maçons referem como proveniente de "antigas tradições" está inscrito nesta Constituição, autêntico documento basilar da Maçonaria.

Foi publicada em 1723 no Grão-Mestrado de Philip Wharton, 1.º Duque de Wharton, o sexto Grão-Mestre da Premier Grand Lodge de Inglaterra, na realidade o quinto maçom a exercer tais funções, já que George Payne repetira o exercício do ofício, que assegurou em 1718 e de novo em 1720, e o segundo nobre a assumir a condução dos destinos da maçonaria inglesa. O primeiro fora John Montagu, 2.º Duque de Montagu, Grão-Mestre entre 1721 e 1723, que foi quem, em 1721, encarregou James Anderson de "examinar, corrigir e organizar, segundo um melhor método, a História, Obrigações e Regras da Antiga Fraternidade".

James Anderson (1679 ou 1680 - 1739), pastor da Igreja da Escócia, era ministro da Igreja presbiteriana de Swallow Street, em Londres, desde 1710 e Venerável Mestre da Loja com o n.º 17 aquando da publicação da Constituição, conforme se pode ler no apêndice final desta (aliás o local onde consta a única referência à sua autoria do texto).

O post-scriptum final foi assinado pelo Grão-Mestre Philip, Duque de Wharton, o Vice-Grão-Mestre John Teophilus Desaguliers (que exercera já o ofício de Grão-Mestre em 1719), pelos Grandes Vigilantes Joshua Timson (ferreiro de profissão) e William Hawkins (maçom operativo, ou seja, artesão construtor) e pelos Veneráveis Mestres e Vigilantes das então existentes 2o Lojas (incluindo o primeiro Grão-Mestre, em 1717, Anthony Sayer, em 1723 Vigilante da Loja com o n.º 3, e George Payne, que foi Grão-Mestre em 1718 e 1720 e em 1723 era o Venerável Mestre da Loja com o n.º 4) e nele pode ler-se que Anderson, para realizar a tarefa de que fora incumbido, "analisou várias cópias manuscritas de Itália, Escócia e outras partes de Inglaterra e daí (embora aqueles estivessem errados em muitas coisas) e de vários outros arquivos antigos dos maçons extraiu e elaborou a presente Constituição, Obrigações e Regras Gerais".

O volume começa por uma dedicatória ao Ex-Grão-Mestre, John, Duque de Montagu, elaborada pelo Vice-Grão-Mestre em exercício, John Teophilus Desaguliers, prossegue com um capítulo dedicado à História da Maçonaria, a que se seguem os capítulos dedicados às Obrigações dos Maçons e às Regras Gerais, um post-scriptum e a Aprovação, concluindo-se com letras e algumas pautas musicais de canções maçónicas (Canção do Mestre ou a História da Maçonaria, Canção dos Vigilantes ou Outra História da Maçonaria, ambas da autoria de Anderson, Canção dos Companheiros, da autoria de Charles Delafaye e Canção dos Aprendizes, da autoria de Matthew Birkhead).

A parte dedicada à história da Maçonaria é uma compilação efetuada, fixada e, não pouco significativamente, corrigida por Anderson das versões, há muito existentes em documentos da maçonaria operativa e de que neste blogue já dei conta e divulguei e comentei, da Lenda do Ofício (ver os textos agrupados no marcador Lenda do Ofício). A parte final, das canções, hoje pouco mais interesse tem do que o de curiosidade. A dedicatória, o post-scriptum e a Aprovação são textos quase que apenas protocolares.

Particular interesse revestem os capítulos dedicados às Obrigações dos Maçons e às Regras Gerais. Lendo-os e analisando-os, neles detetamos a origem de variadas compilações e versões de chamados Landmarks (princípios fundamentais da Maçonaria) e de regras ainda hoje usadas e praticadas em Maçonaria, muitas delas não constando de qualquer regulamento e invocadas como derivando de "Antigas Tradições". Pois bem, a fonte ou, pelo menos, a compilação dessas Antigas Tradições está na Constituição de Anderson de 1723!

Se nada surgir em contrário, vou dedicar quase todos os meus textos deste ano de 2012 à divulgação, análise e comentário crítico dos textos das Obrigações dos Maçons e das Regras Gerais da Constituição de Anderson de 1723. Serão muitos textos (as Obrigações são seis, a última das quais dividida em seis partes, o que, em princípio, justificará onze textos; as Regras Gerais são 39, o que justificará outros tantos textos). Resumindo: um programa para 50 textos, que ocupará todo este ano de 2012 e poderá ainda sobrar para 2013, dependendo da altura em que eu decidir publicar dois textos dedicados à memória da Loja, relativos ao período do veneralato do vigésimo primeiro Venerável Mestre da Loja e da eventualidade de, a qualquer tempo, poder interromper o que será esta longa série para escrever sobre qualquer assunto que julgue oportuno.

O tema desta série merece esta alongada atenção. Afinal, a Constituição de Anderson de 1723 é um documento essencial para se compreender o que é a Maçonaria. Essencial para quem é maçom, se quer mesmo saber porque faz algo do que faz; essencial para quem não é maçom, se não se quiser limitar a umas "ideias gerais", geralmente pouco acertadas, sobre a instituição da Maçonaria de que tantos falam e tão poucos acertam.

Nesta série de textos, utilizarei como fonte permanente a excelente versão portuguesa da Constituição de Anderson de 1723, publicada em 2011 pelas Edições Cosmos, com introdução, comentário e notas de Cipriano de Oliveira (não concordo com todas as posições expressas por Cipriano de Oliveira - e ele sem dúvida que sabe onde discordamos... -, o que não invalida que seja um notável trabalho o que ele realizou e muito útil a edição resultante da sua pesquisa e do seu labor).

Fontes:

http://en.wikipedia.org/wiki/Premier_Grand_Lodge_of_England http://en.wikipedia.org/wiki/James_Anderson_%28Freemason%29 http://books.google.pt/books?id=LkICAAAAQAAJ&printsec=frontcover&dq=anderson%27s+constitutions+1723&hl=pt-PT&sa=X&ei=JOkCT9z8GYij8gOmtPjRAQ&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false Cadernos Humanitas - Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011

Rui Bandeira

8 comentários:

Nuno Raimundo disse...

Boas...

Um livro que muita falta faz a muitos maçons lerem.
Ficariam por certo melhor elucidados com as suas "origens"...

TAF

Bibliotecário disse...

Mestre Rui,

Desgosta-me ver sua pena brilhante e seu estilo elegantíssimo a repetir, sem aparente análise crítica os mitos repetidos de origem da Ordem.

Permita-me, humildemente, chamar vossa atenção para este post http://bibliot3ca.wordpress.com/a-maconaria-enquanto-controle-social/ publicado em uma coletânea que mantenho na Web.

Agradava-me se tivesse sua opinião

TAF

Rui Bandeira disse...

@ ZÉ ANTÓNIO:

Com respeito pela sua opinião,parece-me que a tese exposta no texto que fez a fineza de me indicar sofre de um pouco de "teoria da conspiração". Pode parecer e ser aliciante - mas faltam provas históricas que a confirmem.

Influências de estruturas pré-existentes terão certamente havido, de variadas origens.

Agora reduzis a criação da Maçonaria Especulativa moderna a uma criação de dois "spin doctors" dos séculos XVII - XVIII, parece-me demasiado forçado. A tese exposta daria um engraçado guião para um filme - mas penso que dificilmente a hipótese apelativa obterá confirmação factual ou documental, historicamente válida.

Ainda se essa hipótese respeitasse a uma única Loja, poderia ser possível. Mas estendê-la a 4 Lojas fundadoras, diversas entre si (umas de gente mais "bem", outras de gente menos bem colocada socialmente) e manter-se sem que ninguém notasse que estava a ser manipulado, durante a rápida expansão de início do século XVIII, parece-me demasiado...

Acrsce que a História a desmente claramente: os jacobitas também integraram a maçonaria, tendo sido eles quem a introduziu em França (são os "escoceses" do Rito Escocês Antigo e Aceite) - confira, por favor, o meu conjunto de textos Origem e Primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceite.

Em suma, acho injusta a sua declaração de que repoito sem análise crítica o que considera mitos. Pelo contrário, esforço-me - e creio demonstrá-lo abundantemente nos textos que venho publicando neste blogue - por exercer o meu espírito crítico sobre todas as teses. O que se passa é que a minha opinião, após análise, é diferente da sua... Eu concordo com a linha expressa por dezenas de académicos que estudam as origens da Maçonaria (entre os quais os da Loja Quatuor Coronati, de cujo Círculo de Correspondentes fui, durante alguns anos, Secretário em Portugal) e não me encanto facilmente por uma tese imaginativa, por muito apelativa e "conspirativa" que seja, só porque é uma hipótese "bene trovata". Procuro primeiro factos e provas documentais que me permitam dizerr que é "vera".

Mas - repito, respeito a sua opinião. O tempo e os nossos estudos e evoluções porventura permitirão que, no futuro, tenhamos opiniões um pouco mais coincidentes sobre este tema.

Um abraço.

José Gonçalves Cravinho disse...

E eu pensava que a Maçonaria tinha nascido em França,por causa do nome maçon que é pedreiro.Afinal veio da Escócia para a França.Mas em todo o caso eu penso que foram os bretões que descobriram a Ilha grande a que puzeram o nome de Gran Bretanha e com êles levaram o idioma latino.Aliás,depois foram os romanos que até deram o nome de Hibérnia à Irlanda.Então penso que a civilização do continente europeu é que foi p'ràs Ilhas e não o contrário.Em todo o caso peço que me desculpem se estou errado,pois eu sou um simples operário emigrante na Holanda desde 1964 e já velhote (87anos).

Rui Bandeira disse...

@ José Gonçalves Cravinho:

Nada há a desculpar! O seu entendimento tem tanto interesse e tanta valia como o de qualquer outro. E nunca por aqui se desmerecerá de quem se declara "simples operário". Afinal de contas, a Maçonaria deriva... dos operários construtores em pedra na Idade Média...

Quanto à sua idade, meu caro José, acho que não é bem velhote. Será porventuar um pouco usado, mas, pela amostra, o seu entendimento, a sua lucidez, estão em muito bom estado - e isso é que interessa. Oxalá eu esteja em tão bom estado se e quando chegar à sua idade...

Um grande abraço e seja bem-vindo a este espaço. Os seus comentários são também sempre muito bem-vindos.

JPA disse...

Quero expressar a minha admiração pelo Sr.José Gonçalves Cravinho, que com os seus maravilhosos 87 anos, continua ávido de cultura e informação.
Isso Sr. José é cinzelar a pedra bruta. Os meus parabéns, continue.

Um abraço
JPA

Anónimo disse...

Parabéns estimado Irmão!

Estas publicações são de extrema importância, principalmente para muitos que como eu, são Neófitos na Arte Real!

Analina P. S.P.C. disse...

Bem, conforme descrito acho bastante interessante a forma descrita sobre os maçons estou vendo no canal national geographic sobre antigos manuscritos, da forma de expressar a constituiçao de ANDERSON de 1723 ,sou extremamente fascinada por este mundo diferente ,sou totalmente leiga sobre o assunto mas procuro aprender mais, e bastante gratificante a mim conhecer sobre estes assuntos.