24 setembro 2011

O almoço



A pequenita - teria uns 7 ou 8 anos - comia com a família num restaurante de comida rápida. Compenetrada, ou talvez alheada, comia devagar o primeiro dos pedacinhos de frango que escolhera para refeição nesse dia - tão devagar, de facto, que ainda não tinha tocado nas batatas fritas.

Arrastando-se com dificuldade, tentando fazer-se invisível, mas discretamente atento ao que o rodeava, um velho sem-abrigo passa junto à mesa. Mede a miúda com os olhos, vê-a sem fome, e cobiça-lhe as batatas fritas - talvez antecipando-as já no contentor do lixo, frias e sem graça.

Na posição defensiva e encolhida de quem ouve, de manhã à noite, "não" sobre "não", aproxima-se um pouco da mesa, mantendo a distância a que está habituado a que o mantenham, e sugere à miúda, mais do que pede:
"- Se depois não quiser as batatas, não as deite fora..."

A miúda, subitamente despertada dos seus devaneios, não entende logo. Com um olhar inquisitório, pergunta à mãe:
"- O que é que aquele senhor queria?"
"- Tem fome, queria comer." - explica-lhe a mãe. "Pediu as tuas batatas fritas, se não as quisesses."

Num gesto, sem pensar, a miúda
"- Senhor!"
e ele, sem reconhecer a interpelação,
"-Senhor!" repete ela,
e ele, há muito desabituado de ser tratado assim, percebe, por fim, que é com ele, e volta-se, incrédulo perante a vista da caixa - o almoço da miúda - que ela lhe estende. Olha para a mãe da criança, que com os olhos lhe faz sinal que aceite, e ele, agradecido e balbuciante, toma a caixa e sai num repente.

A mãe, ainda não refeita da surpresa, mal contém o orgulho,
"- Fizeste bem," enquanto se levanta para ir comprar outra dose - sim, que a miúda tem que almoçar.

Essa, impávida e sem perceber o que a mãe vai fazer, ataca com a maior naturalidade as batatas - o que restou do seu almoço. Sem pedir mais nada.

Filha de maçons.

Paulo M.

10 comentários:

Candido disse...

A generosidade da juventude, vai-se perdendo com a ambição e o egoísmo. Pede-se o ângulo de visão; não se consegue olhar para o lado!
E são coisas destas que nos mantêm vigilantes.
Abraço e boa semana de boas práticas para todos!

JPA disse...

Olá;
O problema dos sem abrigo devia já ter sido visto por quem de direito.
É uma vergonha para a nossa sociedade deixar-mos que isto aconteça.
Não passa por generosidade mas por uma politica acertada, no entanto fico muito feliz que uma criança tenha demonstrado esta capacidade de partilha, assim fizesse-mos todos.

A3raço
JPA

Streetwarrior disse...

Tão linda a menina!
Engraçado como as histórias do mundo maravilhoso da filantropia e do bem querer, não passam disso mesmo...sonhos.
Pois aqueles que têm o Poder, normalmente tratam desde cedo de criar estereótipos para nos dividir para sobre nós reinar.

È...é assim que nascem os sem abrigos, os ciganos, os Árabes malvados...os leprosos, os pobres, o cantoneiro inferior ao Advogado..etc

O meu filho tem 5 anos...todos os anos, eu incentivo-o a revirar o lixo materialista de seu quarto e a dividir com os pequenos que vamos a procura na rua...no contacto físico, olho no olho...não na porta da Igreja ou numa Caritas onde os chulos no topo da sua pirâmide se fartam á vilanagem.

Enquanto escolhemos brinquedos...não penso nem lhe digo...filho de Agnóstico.
Coitadinhos dos maçons...tão bonzinhos que são.
Continuo é sem perceber como a maioria dos políticos são Maçons e ou de outras Ordens ditas "espirituais " e o mundo passa fome e miséria.




A Ultima frase era tão desnecessário mas eu compreendo...é a natural criação dos estereótipos para se poder dividir para reinar.

JPA disse...

Olá;
Somente para informar o "Guerreiro de Rua" que a ultima frase demonstra que alguém está em irregularidade.

Um abraço
JPA

Paulo M. disse...

@Streetwarrior: A criança em causa não é nem um sonho nem um estereótipo. É uma menina de carne e osso que conheço pessoalmente. Também os factos descritos são rigorosamente precisos.

A criança em causa não estava a cumprir nenhuma ordem ou indicação dos pais; teve um gesto espontâneo de solidariedade que surpreendeu mesmo estes, que ficaram, evidentemente, orgulhosos, e de certo modo aliviados: quantos pais não se perguntam se a educação que dão aos filhos é de facto conducente àquilo que deles esperam?

Esperar que a classe dirigente resolva os problemas do mundo sem o contributo de todos é uma posição bestialmente cómoda - e de facto oposta ao que se aprende em maçonaria, que valoriza o trabalho de cada um, e incentiva a que o mundo seja mudado pelo bocadinho com que cada um contribui.

@JPA: Um maçon regular ter uma filha de uma senhora que integre a maçonaria feminina torna-o a ele mesmo irregular? Ou dois maçons regulares que, porventura casados um com o outro (já se pode...) tivessem adotado uma filha, cairiam por isso na irregularidade? Num e noutro caso a menina seria, como referido, "filha de maçons"...

A maçonaria regular e a maçonaria liberal (prefiro chamar-lhe assim) são duas formas diferentes de estar que não têm que se degladiar uma contra a outra. Não percebi o que pretendeu dizer com o seu comentário.

Abraço,
Paulo M.

Streetwarrior disse...

Primeiramente quero pedir desculpa a todos os que leram e não compreenderam, não me consegui explicar então.
Eu considero a acção da criança e pais de louvar, não era isso que pretendia apontar.
O unico promenor que achei desnecessário foi a menção no fim, " filha de maçons "
E considero desnecessário porquê?
Porque a accão em si, deve ser de louvar, independente de ser filha de um maçon, cristão ou qualquer ideologia ou profissão.
É a partir desse aspecto que destaco a desnecessária criação de estereótipos.
Não existirá por acaso, acções contrárias a todo esse principio louvavél, cometidas também por maçons?
Teria lógica ou sentido caso esse fosse o caso, mencionar "Filha de maçons"?
Escreveria? teria esse desassombro? Não teria pois não?
Não teria lógica e seria isso também a criação de um estereótipo desnecessário.
É apenas isso.

Em relação á classe dirigente resolver os problemas do mundo, tenho uma ideia muito própria...de certa forma, até negativa.
A experiencia e a leitura que faço da maioria da " Classe dirigente ou governante" com respeito a certos problemas que afectam o mundo é que nunca serão resolvidos, pois é exactamente na manutenção de " certos " problemas que nos afectam a razão e a garantia que dá á "classe governante" esse mesmo poder.
O de governar sob a desculpa de acabar com a miséria.
È uma hipocrisia dantesca o mundo onde vivemos.
Haverá razão em pleno Séc 21 que haja fome no mundo com tanto comer e capacidade para o produzir?
A criação em laboratório de virus abomináveis altamente perigosos usados como leque de armas em caso de guerra?
Uranio empobrecido em cima de cidade para libertar suas populações de ditadores, lenado liberdade e democracia.
Quem cria esses problemas, os Pobres? os Ciganos?...será esse o contributo de alguma da " classe governante " tem bestialmente para oferecer ao mundo?
Conhece a história do médico e da carraça...onde num vilarejo, o médico da vila se reforma e seu filho toma seu lugar.
Ao consultar um velhota que se queixava de febres á anos, o filho, agora o médico da vila subestituindo seu pai, nota que por trás de uma Orelha, estaria uma carraça e tira-a.
Resultado, a velhota curou-se e deixou de aparecer semanalmente como o fazia com seu pai.
Ao fim de algum tempo, a carteira de clientes diminuiu e abordou seu pai,questionando-o do porquê isso acontecer.
Ao qual seu pai o relembrou.
recordas-te de uma velhinha que estava sempre com febre?
Sim, era uma carraça que tinha numa das orelhas, porquê?
E o que lhe fizeste?
Retirei-a.
Pois então, agora comes da carraça.

Os esterótipos funcionam a partir do topo da hierarquia social com grande culpa dos média.
O que pretendem os Feiticeiros de OZ em Hoolywood quando década após década, caractrizam e rotulam a titulo de exemplo, os Arabes no cinema como os Vilões, os terroristas levando a que depois as maiores atrocidades contra estes sejam observadas sem o minimo de compaixão e empatia?
Pudera...somos desumanizados diariamente a rotular os outros da forma mais inocente como aponta este texto... eu sei que não o fez por mal.
Não me leve a mal a minha opinião, nada me move contra ninguém em particular.

Quantas vezes noticia a caixinha mágica que os sem Abrigo ajudam de várias formas a comunidade, vizinhos onde pernoitam, vigiando seus carros e suas casas?
Não, não o fazem, no entanto, assim que roubam uma maçã no supermercado mais próximo, é noticia.
O que dizer por exemplo dos ciganos, vitimas de anos e anos de rotulos, caractrizações e xenofobias, inlusive da doutrinação que o cigano vai-te comer.
Quantas vezes sobem noticias de algo bom que um Cigano faz mesmo ao nivel de sua comunidade?
È nesse sentido que aponto aquilo que a mim, me parece a falha no texto que sem ela, é o exemplo mais puro daquilo que devemos ensinar a todas as crianças.

Um bem haja a todos os que nos lêem.
Nuno

JPA disse...

Caro Paulo M.

O que pretendi foi pôr um pouco mais de confusão na cabeça do "Guerreiro". Fica a saber que gosto muito que a menina seja filha de "Maçons", e que a irregularidade é somente uma questão burocrática. Essa situação acontece com frequência no seio da Maçonaria.

A3raços aos progenitores
JPA

Streetwarrior disse...

JPA
isso não se faz. eh eh
Confusão a mais é o que já vai na minha cabeça, confrontado com tantas bifurcações na estrada da vida e de seus mistérios.

Nuno

Paulo M. disse...

@Streetwarrior: "assim que roubam uma maçã no supermercado mais próximo, é noticia."

Não são só os ciganos que são atacados pela comunicação social. O preconceito contra os maçons e a maçonaria ainda existe no nosso país, e em muitos outros.

Não me choca, por isso, que se relate que até os maçons - esses "papões controladores e conspiradores" - são capazes de educar os seus filhos para a solidariedade...

Abraço,
Paulo M.

Yowowawiwa disse...
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