09 agosto 2010

A Maçonaria: tecnologia avançada (III)



Uma das ordens profissionais mais poderosas na Idade Média era a dos pedreiros. Os "mestres pedreiros" eram uma mistura dos atuais arquitetos e engenheiros civis, dominando as vertentes técnica e estética; por produzirem obras duradouras e imponentes, boa parte das quais de caráter religioso, eram socialmente reconhecidos como servidores de Deus.

A construção de grandes edifícios de pedra era multi-disciplinar, e implicava conhecimentos avançados de física, mecânica e matemática para a conceção da estrutura, para além do domínio da metalurgia, escultura, pintura e química para a ornamentação, que por sua vez tinham motivos baseados no conhecimento da história, da teologia e da mitologia. Congregava, por isso, as mentes mais brilhantes da época, e eram detentores de "segredos" como o teorema de Pitágoras, ou o desenho de certos ângulos e figuras geométricas a partir de instrumentos simples como um fio e dois ou três pedaços de madeira.

Por essa razão, a par dos estatutos - que eram públicos e regulavam a relação das corporações com a sociedade envolvente – havia regulamentos que visavam a defesa dos segredos do ofício e que, por não se pretenderem revelados, eram apenas oralmente transmitidos de mestre para aprendiz ou de mestre para companheiro. Porque a maioria da população dessa época era analfabeta, essas técnicas, ao ser transmitidas, eram "embelezadas" com histórias que constituíam mnemónicas que pretendiam ajudar a que não esquecessem os passos da sua execução. Por outro lado, estas "histórias" permitiam que as técnicas fossem referidas simbolicamente entre quem as conhecesse sem revelar o seu sentido oculto.

Não esqueçamos, ainda, o contexto físico em que tudo isto se dava. Aquando da construção de um grande edifício, a primeira edificação a efetuar-se era um barraco onde os pedreiros se abrigavam, comiam, dormiam, guardavam as ferramentas e passavam os tempos livres - as "lojas". Ainda hoje este termo é usado em algumas regiões do nosso país para designar o espaço térreo sob a zona habitacional, e onde se guardam os animais e as alfaias agrícolas. Grupos de homens passavam aí juntos meses a fio, e por vezes anos; por isso era importante minimizar-se os conflitos, estabelecer uma hierarquia clara, e fomentar o espírito de grupo. Ora, nada torna um grupo mais coeso do que o estabelecimento de regras, costumes e valores partilhados. Não é difícil imaginar a formação dos aprendizes orientada não só para o aspeto prático do desempenho das funções como para o estreitamento destes laços entre os que habitavam a mesma loja.

Por outro lado, numa época em que as comunicações entre povoações mais longínquas podiam demorar semanas ou meses, era comum o estabelecimento de meios de reconhecimento; assim, quem chegasse a uma terra estranha e se dirigisse a alguém dizendo-se enviado por fulano, podia simplesmente identificar-se revelando um segredo apenas conhecido deste e do seu interlocutor. Deste modo, fazia parte dos segredos de algumas associações de artesãos os meios pelos quais se poderiam fazer reconhecer noutra terra ou perante um estranho que aparecesse.

Havia, por fim, outra razão para que algumas das técnicas não fossem reveladas. Numa época de grande superstição e ignorância, a simples aplicação de uma técnica científica podia ser - e era-o frequentemente - interpretada como bruxaria ou invocação de demónios. Não será, de facto, muito mais cómodo atribuir o sucesso alheio à ação de forças sobrenaturais do que admitir o seu mérito e, eventualmente, a sua superioridade intelectual? Para evitar "contratempos" dessa natureza é que muito do conhecimento da época, especialmente o ligado à química e à matemática, era cuidadosamente ocultado, não fosse confundido com artes de bruxaria ou adivinhação... Manter e saber guardar um segredo era, assim, mais do que o mero cumprimento de um dever ou a defesa do ganha-pão: era uma verdadeira "técnica de sobrevivência".

Paulo M.

8 comentários:

Diogo disse...

Sobre o «segredo» continuo à espera da actualidade, já sem bruxos ou feitiçaria.

Abraço

Ribas disse...

O segredo na actualidade é mantido apenas por quem o quiser manter. Mera opção pessoal. Apenas se tem de respeitar quem por opção pretende manter em segredo o anonimato da sua condição de maçom.
Esse é o único segredo que se impõe respeitar, estritamente por respeito a uma vontade individual.
Tudo o resto, vem nos livros e na net, o que não significa que seja apreensível por um profano. Eu posso ler o folheto de um medicamento, há coisas que me são acessíveis à compreensão (posologia, indicações, etc.) e outras não (nomes técnicos e composições químicas).
É como tudo na vida!

Nuno Raimundo disse...

Boas...
Esta série de postagens, para além de nos ensinar algo sobre as bases/ origens da Arte Real, são acima de tudo, boas lições de História.
E numa altura como a Idade Média, onde o "diferente" era conotado com feitiçaria, se não fosse através do "segredo", a grande maioria dos mestres maçons operativos, talvez tivesse encontrado o degredo ou inclusivé a morte por deter tais conhecimentos, que para a nossa época, apesar de importantes, se foram banalizando, e para a época eram quase "diabólicos" para alguns.
Se tais conhecimentos se tivessem tornado públicos, talvez hoje em dia não admirássemos a catedral de Chartres, a de Colónia... Só para citar algumas das mais bonitas que ainda nos dias de hoje se podem contemplar.

Por isso, uma "segredo" para deixar de ser segredo, tem de ser íntelegivel ao seu interlocutor.
Senão, causa estranheza ou indiferença a quem o obtém.

abr...prof...

Bird disse...

Na actualidade qualquer faculdade/empresa, transmite aos seus alunos/colaboradores o "tal" conhecimento técnico e secreto de que falam! Há os que aprendem, e outros nem por isso. O reconhecimento (científico...)é agora feito pelas respectivas Ordens, devidamente regulamentadas sem bruxedos e/ou feitiçarias. Os outros segredos se é que os há, dizem respeito apenas a cada indivíduo. Cada um tem os seus.
Abç.
Bird

manuel gouveia disse...

A obra que desafia os espaços só podia estar na continuidade da Sua criação.

candido disse...

Viva Paulo
O tema com Tecnologia Avançada despertou-me expectativa que ficou patente na mensagem que aqui deixei , tendo ficado “desiludido” com a conclusão. Não invalida, no entanto, a qualidade dos postes que publicou e quero felicita-lo por isso; pelo trabalho, qualidade e rigor histórico. Justificou historicamente o “silencio” que pessoalmente não penso que tenha de ser tão justificado assim. Não faltava mais nada que as Lojas ou Ordem ou Organizações de carácter rescrito tivessem que ser abertas! Nunca quis saber o que se passa na casa dos meus vizinhos, não é de bom carácter coscuvilhar. Participa quem pode e quem não pode…
Mas vamos aquilo que despertou a minha curiosidade com”tecnologia Avançada”. Esperava ver tratado o avanço do conhecimento e das tecnologias que têm permitido conhecer cada vez mais “ o desconhecido” e desmascarar e deixar cair os deuses que entretanto deixaram de o ser. O avanço do Conhecimento tem divido a Comunidade Cientifica ao ponto de para uns aumentar a “crença” em Deus e para outros verem na Natureza (nós próprios) o próprio Deus. Como não tenho o engenho e a arte do Paulo ou do Rui Bandeira ( que muito aprecio, também), penso que seria interessante tratar este tema. Desconheço se o não foi.
Abraço a todos e obrigado pelos vossos trabalhos.

Paulo M. disse...

@candido:
A série de artigos ainda não acabou... Vamos lá ver se consigo não o desiludir.

Um abraço,
Paulo M.

J.Paiva Setúbal disse...

Caro Cândido, sem prejuizo do que o Paulo ou o Rui não deixarão de escrever sobre a matéria sempre lhe deixo este próprio espaço como exemplo, mais do que evidente, do que a "tecnologia avançada" é capaz de fazer pela divulgação da Maçonaria e pela quebra de tabus injustificados, mantidos ao longo de anos e anos por alguns supostos iluminados, daqueles que sempre querem ser "mais papistas que o Papa".
Certamente o Paulo tratará este tema. Pelo menos já prometeu, e como não é aldrabão...
Abraço.