Do UM
Há dias, numa troca de correspondência electrónica, o meu interlocutor interrogava-se e interrogava-me sobre os eventuais limites ou requisitos mínimos que a Maçonaria Regular colocasse na, para ela indispensável, crença num Ser Supremo. E, indo mais longe, interrogava-se e interrogava-me sobre diversas características ou concepções da Divindade que vira na Wikipédia e se seria admitida uma concepção fluida que considerasse o Universo, ou a Energia, como Deus. No fundo, fazia, de forma mais rebuscada a pergunta que toda a Humanidade faz ao longo dos tempos: Quem ou o que é Deus, qualquer que seja o nome que se lhe dá, Ser Supremo, Criador, Grande Arquitecto do Universo, etc.?
Enviei-lhe a minha resposta. Relendo-a, achei que valeria talvez a pena deixá-la também aqui.
Não há autoridade que fixe "requisitos mínimos" para o Ser Supremo, obviamente. Até porque, a haver, teria que ser mais "suprema" que o "Supremo"... As características do Criador são as que Ele tem e que nós não sabemos quais são. Esse é parte do Mistério da Vida e da Criação...
Todas as características que viu na Wikipédia são elocubrações humanas, cada uma tão válida ou tão errada quanto a anterior.
A concepção do Criador que cada um tem é tão válida como a do parceiro do lado.
Em termos de Maçonaria, no meu entender, o que divide a corrente Regular da Liberal é a aceitação desta de ateus.
E essa diferença torna-se crucial na medida em que dela depende a razão por que se trabalha e se busca o aperfeiçoamento.
Se se é crente, então procura-se seguir o Caminho Ético determinado ou que decorre do Plano e do Objectivo da Criação. Porventura como condição necessária para uma repurificação que permita a reunificação estrutural com o Princípio Criador - o que equivalerá à Vida Eterna, ao Paraíso, enfim, às várias formas de "recompensa" que as várias religiões apresentam.
O Maçon Regular procura aperfeiçoar-se para se transcender, para se aproximar do nível superiormente ético da Divindade. Busca a superação do humano na direcção do divino. E "assim se vai da lei da morte libertando", assim não teme a Morte, etapa da Vida como o Nascimento, o Crescimento, a Maturidade. Assim crê que a Morte não é o Fim e que depois algo há. Porventura não sabe o quê, mas sente, intui, acredita que quanto mais eticamente se tiver purificado e aperfeiçoado, mais bem preparado estará, chegada a altura, para cumprir mais essa outra etapa do Ciclo da Vida e da Criação.
O ateu, porque não crê na Divindade, acredita que a Morte é o Fim e que a Vida não tem outro sentido do que passar por aqui enquanto aqui se está. Então o seu sentido ético só existe na medida em que tem utilidade ao passar e estar por aqui. É um sentido ético utilitário.
Daí o eu entender que a Maçonaria Regular e a Liberal seguem o mesmo Caminho, mas a Maçonaria Regular vai mais além do que a Liberal.
Agora, não tenho eu, nem nenhum maçon, o direito de "determinar" como é a Divindade, quais as suas características, etc. Pela simples razão de que não Sei, só Creio. E não há razão para a minha Crença ser melhor do que a de qualquer outro. Daí que o que importa é que haja Crença, que se acredite na Vida para além da Morte e que se busque o significado da Criação e da Vida, procurando transcendermo-nos das nossas humanas limitações. Um pouco que seja.
A Maçonaria Regular é um espaço aberto a todos os crentes, independentemente da sua crença. A Maçonaria Liberal é um espaço apenas ético. A Maçonaria Regular é isso e algo mais.
Se se acredita que o Universo é Deus, então, como fazemos parte do Universo, nós somos parte de Deus. Resta saber que parte... Trabalhemos então para não ser meros detritos orgânicos da Divindade, radicais livres a esmaecerem a Sua pele e procuremos antes ser moléculas úteis...
Rui Bandeira
17 comentários:
Caro Irmão,
Lemento dizê-lo mas o seu post revela falta de clareza e de conhecimentos relativamente à natureza do religioso, do divino e salvação.
Antes de mais pode-se bem ser religioso sem se acreditar num Deus, sem se ser teísta, portanto. É o caso, por exemplo, do Budismo, uma tradição bem anterior ao Cristianismo.
Para além disso, também se pode ser religioso sem se acreditar num princípio insubstancial, que persista num para além da morte, numa alma, por exemplo. Mais uma vez é o caso do Budismo.
Mas, para além do Budismo, também pdoeriamos invocar o bramanismo, o confucionismo ou, mais perto de nós, o gnosticismo cristão primitivo, tudo formas de religião sem Deus ou com um deus não pessoal, i.e., incognoscível, que não se pode conhecer, o que faz, por exemplo, dos gnósticos, agnósticos.
Então, como responderia a Maçonaria Regular a um profano que dissesse que era religioso mas que não acreditava em Deus, como no caso do Budismo ou do Confucionismo, ou que era religioso mas que não acreditava que deus pudesse ser conhecido ou contactar com o homem?
Temos, ainda, que mesmo os ateus mais retintos podem bem ter experiências religiosas, no sentido em que têm experiências de plenitude.
Pelo constrário, a afirmação de uma fé monoteísta bem pode não passar de superstição, se não levar consigo uma experiência antenticamente religiosa.
Em suma, o critério da crença religiosa para ser maçon exclui da maçonaria uma parte importante da experiências religiosas do mundo, o que é absurdo e, para além do mais, revela ignorância.
@ josé:
Certamente por deficiência do meu texto (que, lembro, é parte de uma resposta em mensagem de correio electrónico numa conversa com um amigo, não propriamente uma dissertação sobre religião..., creio que não entendeu correctamente o preciso significado do que eu pretendia dizer e lobriga divergências onde eu detecto convergências.
Concordo absolutamente consigo quando afirma que se pode ser religioso sem ser teísta. Nem eu escrevi o contrário... Se reparar bem, recusei apontar ou subscrever qualquer noção de "Ser Supremo" (ou Princípio Criador, ou o que cada um se sentir confortável em utilizar) e expressamente apontei como digna de ser considerada, tal como as demais, a concepção do Universo ou da Energia como correspondente à Divindade noutras concepções.
Posso tranquilizá-lo: não me merece qualquer dúvida que um budista, um brâmane, um confucionista, um gnosticista (ou um wiccan), se for homem livre e de bons costumes é qualificado para ser maçon regular.
O que eu excluí da Maçonaria Regular foi apenas e tão só o ateu ("stupid atheist", escreveu Anderson nas suas Constituições...). Em todos os outros casos, designadamente os que apona no seu comentário, a maçonaria Regular responderia afirmativamente.
Discordamos, isso sim, na sua afirmação de que um ateu posa ter experiências religiosas. Se permanece ateu, as experiências não foram religiosas, foram de outra natureza, embora eventualmente parecida ou confundível com aquela.
A meu ver, ou o josé utiliza o conceito de "crença religiosa" num sentido bem mais restrito do que eu, ou efectivamente não me exprimi de forma suficientemente clara.
Não veja, pois, desacordo ou discordância onde eles não existem. O limite é claro: é o ateu que não é admitido na maçonaria Regular.
E, já agora, não quero deixar também de frisar que não faço qualquer juízo de valor negativo em relação à Maçonaria Liberal. Nasceu do mesmo tronco comum da maçonaria Regular, por razões históricas e de prática concreta evoluiu num sentido, nalguns aspectos diferentes. O facto de admitir ateus´confere-lhe uma dimensão outra, diferente da Maçonaria Regular. Foi isso, apenas isso, que eu endfatizei. Uma não é melhor nem pior do que a outra. Ambas são, em alguns pontos essenciais, diferentes. É só. Uma será mais adequada para uns. Outra preferida por outros. Mas - e repito o que já várias vezes escrevi - muito do caminho é comum. Naquela parte em que os caminhos são diferentes, cada uma percorre o caminho que escolheu, livremente e respeitando a opção da outra. Porque isso também é ser maçon...
Obrigado pelo seu comentário.
Caro Rui,
Ateu corresponde a uma negativa, a uma descrença, relativamente ao divino pessoal (a-theo). Nesse sentido, o budista e o confucinista é ateu. Não acreditam que exista, como uma entidade ontológica subsistente, um deus pessoal ou, sequer, não pessoal.
Mas isso não os impede de ter experiências religiosas. Não crêem em deus mas experimentam, têm a experiência (quando têm), dos limites de si e da trascendência, da sua finitude e da sua projecção, como dizia Agostinho da Silva, no "nada que é tudo". Mas aqui é clramente de ateus que estamos a falar.
A sua incapacidade em aceitar que um ateu possa ter experiências religiosas é incompreensível. Repito-o: os budistas são ateus. Não acreditam em Deus. No entanto, e obviamente, têm experiências religiosas.Mas o caso dos budistas não é, naturalmente, único.
Fichte, um dos mais notáveis maçons do século XVIII, diz que Deus não é uma substância, no que, aliás, é seguido por muitos cristãos, até bem contemporâneos, ainda que eu prefira invocar, por exemplo, Mestre Eckart.
No entanto, se deus não é uma substância isso implica, inevitavelmente, a sua negação ontológica, a sua negação como ser, que não a sua negação como experiência mística (quando é o caso), por exemplo do nada. Isto é ateísmo.
Claro que nem todos os ateus experimentarão este tipo de coisas. Mas tão pouco as experimentam os crentes teístas que, na sua substancialização de deus, não estão mais, afinal, ele mesmos, que a negar a deus, transformando-se eles mesmos em ateus.
A sua insistência em que um ateu não pode ter experiências religiosas denota uma incompreensível incultura e limitação da natureza do religioso.
Como referência, sempre lhe peço que leia "O Silêncio de Buda - uma introdução ao ateísmo religioso", de Raimon Panikkar, um teológo ... católico.
@ josé:
Creio poder identificar claramente o foco da nossa divergência: o meu conceito de ateu é mais restrito do que aquele que o josé utiliza e em cujo sentido baseia a sua posição.
Para mim, o conceito de crente abrange teístas, deístas e panteístas, incluindo claramente os budistas e os confucionistas.
Aliás, o Budismo, com o seu conhecido princípio do aperfeiçoamento, através das reincarnações que forem necessárias, até que o Nirvana seja atingido, não poderia nunca ser rejeitado por quem postula um método (o método maçónico) de aperfeiçoamento espiritual...
Qual o conceito de ateu mais "cientificamente" correcto é outra questão, que nem sequer julgo particularmente útil dilucidar a propósito da centralidade da tese que postulei.
Para os efeitos dessa tese, o conceito de ateu que utilizei, mais restrito do que aquele que apresentou, conduz precisamente aos mesmos resultados que o josé postula.
Estamos então de acordo, desde que identificado e afastado o mal entendido resultante de atribuirmos significados diferentes ao mesmo vocábulo.
Nem de propósito: ilustrámos, nesta troca de comentários, o problema para que alertei no meu texto de ontem (Discutir e conversar).
Só por isso, fico ainda mais satisfeito com a possibilidade que tivémos de ter esta troca de comentários.
E obrigado pela sinalização do livro "O silêncio de Buda". Vou procurar encontrá-lo e lê-lo. Será certamente interessante!
Um abraço e até sempre!
Caro Rui,
Os budistas e os confucionistas não são nem teístas, nem deistas nem panteístas. Os dois primeiros não são certamente crentes e é bem provável que o terceiro também não o seja.
Esta questão é essencial porque ela põe em causa a razoabilidade do critério da crença num deus para se pertencer à maçonaria regular.
Nos seus próprios termos (da maçonaria regular) aquele critério não faz qualquer sentido, já que os supracitados não são teístas seja de que modo for. Embora sejam religiosos.
Um ateu, como os acontece com os budistas, também pode ser religioso.
A questão está em saber se o que é relevante para a maçonaria regular é ser crente ou ser religioso, coisas bem distintas.
Os crentes, para simplificar, acreditam no que vem de fora; os religiosos têm experiências, por definição referem-se ao que vem de dentro.
Ora, a experiência religiosa não tem que incluir uma crença em deus, uma fé. Isso é o essencial e é reconhecido, e defendido, por um dos maiores teólogos cristãos do nosso tempo, Karl Barth. Karl Barth vai até mais longe e diz que a religião é o contrário da fé.
Bento XVI, por exemplo, não concordando embora que a religião é contrária à fé, acha que uma não se reduz à outra, que, portanto, pode ser-se religioso sem ter fé. No caso do Cristianismo teríamos religião e fé, mas não é necessário que as coisas sejam assim (veja o "Fé, Verdade e Tolerância", de Ratzinger, edição da UCP).
Veja lá, caro Rui: se até Bento XVI acha que a religião não se reduz à fé e se Karl Barth acha que são duas coisas essencialmente diferentes, que razões tem a maçonaria regular para impedir um religioso ateu (quando é o caso e é em muitos casos) de ser iniciado? Nehuma, a não ser que assimile ateu a religioso, o que já disse que não é o seu caso. Mas se o não é para budistas e confucinistas também não o pode ser para ateus ocidentais, sob perigo de incoerência.
O que eu lhe quero mostrar é que o critério de regularidade da maçonaria inglesa é absurdo do pont de vista cultural, tendo um carácter meramente político, já que não resiste a uma discusssão séria sobre o assunto.
Esperando não o ter maçado,
Taf (irregular),
José Alves
@ josé:
Caro José Alves,
a partir do momento em que eu declaro que o conceito de crente que utilizo para definir o que cabe na Maçonaria Regular abrange budistas e confucionistas, é chover no molhado manter a sua crítica defendendo que estes são ateus e procurar daí conclusões quanto à bondade do entendimento da maçonaria Regular. Persistir nesse caminho é pretender manter um diálogo de surdos legendado por cegos, com as legendas lidas por analfabetos. Pura e simplesmente estamos a utilizar conceitos diferentes e não é possível criticar o "meu" conceito à luz do "seu". Nem faz sentido pretender que um dos conceitos é melhor do que o outro.
Eu digo: a Maçonaria Regular não aceita ateus, entendendo por ateu o não crente. Este conceito não abrange budistas nem confucionistas, para efeitos da afirmação anterior.
Não vale a pena pretender que afinal eu devia considerar ateus os budistas e, por isso, uma vez que admito os budistas, devia admitir os ateus "stricto sensu". A linha traçada é esta. Uns estão dentro; outros estão fora. Ponto final.
Nem vale a pena procurar confundir "Crente" com "religioso" e jogar com esses conceitos. Nesse sentido, pouco ou nada interessa a posição de Bento XVI quanto à relação entre religião e fé.
A linha estabelecida é a que é. Goste-se ou não.
Aliás, tive o cuidado de deixar sempre bem claro que, na minha opinião, Maçonaria Regular e Maçonaria Liberal (já reparou, certamente, que não gosto do termo "irregular", pela conotação pejorativa que lhe podia ser atribuída) são formas diferentes da Maçonaria, mas ambas respeitaveis. Uma adequada para uns; a outra, para outros. Não critico que a Maçonaria Liberal seja aberta a ateus. Óptimo, certamente será a mais adequada para muitos, ateus e crentes, que se sentem confortáveis com isso. Só desejo que pratiquem os princípios essenciais que nos unem com o mesmo esforço e busca de resultados que eu pratico. Eu faço-o dentro de uma lógica, o maçon liberal dentro de outra. Ambos somos respeitáveis e, sobretudo, cada um de nós deve respeitar o outro e a opção do outro. Divergir, entender diferentemente, não é nenhuma tragédia, se se consegue não perder de vista o muito em que se converge.
E repare que, ao discutir a divergência, estou a dar de barato que, aquando da separação entre a UGLE e o GOF, a Maçonaria era claramente eurocêntrica e de matriz cristã, pelo que o conceito de ateu então utilizado POR AMBOS OS LADOS correspondia essencialmente a não cristão. O crescimento e propagação da maçonaria por todo o mundo obrigou a Maçonaria Regular a confrontar-se com os seguidores de religiões não ocidentais e a decidir se cabem no seu seio ou não. A resposta tem sido afirmativa. Mas, no fundo, continua a haver uma diferença entre ter uma crença religiosa, por mais difusa ou diferente dos termos ocidentais que seja e não ter nenhuma ou recusar em absoluto um Princípio Criador, remetendo-nos à mera condição de animais (que também somos), produto de acasos cósmicos, vivendo num pequeníssimo pedaço do Universo que se não sabe como surgiu (a teoria do Big Bang continua a, no fundo, não explicar a origem do Universo - qual a origem da Força que gerou o Big Bang?), sem rumo nem projecto, protozoários à escala Universal. Essa concepção que, no entender da maçonaria Regular, minimiza o Homem e retira qualquer real significado aos princípios nobres por que nos regemos, nós, Maçonaria Regular, não a aceitamos. Quem a aceita e, apesar de tudo, se reúne em organização para praticar os mesmos princípios, não sendo como nós, só pode merecer de nós respeito e consideração.
Não me verá nunca desmerecer da maçonaria Liberal. Ver-me-á apenas indicar a sua diferença em relação à Maçonaria Regular.
Respeito os que não crêem em Deus (qualquer que seja o Seu nome ou qualidade ou entendimento) e respeito-os também quando se procuram aperfeiçoar sem terem a referência do Divino. Será até porventura mais meritório...
Só exijo que me respeitem a minha Crença e o meu Caminho. E, já agora, o meu direito de o percorrer com quem eu quiser...
Um abraço.
@ Rui e José:
Muito agradeço a ambos esta frutuosíssima troca de ideias que me permitiu aprender mais um pouco.
A minha muitíssimo humilde opinião é a de que textos históricos devem ser interpretados no seu contexto histórico e, sendo este muito diferente do actual, deverá tentar-se procurar as razões que terão levado à sua elaboração, mais do que ler a forma como foram fraseados.
Entendo, contudo, que a aplicação deste princípio às Constituições de Anderson possa, se efectuada de forma descoordenada por diversas Grandes Lojas, abrir uma "caixa de pandora" causadora de cisões dentro da Maçonaria Regular.
O diálogo é sempre frutuoso desde que participado, como aconteceu, por pessoas de bem; com o tempo, pode ser que se vão formando novas interpretações eventualmente mais concordantes com as realidades dos tempos modernos - ou não, pois, como disse, e bem, o Rui, nem sempre a concordância é possível, e nesse caso a Tolerância tem que passar à linha da frente...
Um abraço,
Simple Aureole
Caro Rui,
Claro que a Maçonaria regular pode ter a posição estatutária que entender. Mas isso não resolve o problema ... tão pouco assertivos pontos finais o resolvem. O problema contínua aí, com ou sem pontos finais, e as pessoas esclarecidas poderão aferir da razoabilidade das diferentes argumentações.
O problema cuja solução nos divide é o seguinte: qual a justificação e razoabilidade dessa decisão da maçonaria regular de não ceitar ateus religiosos (note os religiosos)? O assunto em debate é este. Ora, este assunto (a sua justificação e a sua razoabilidade), e por mais que lhe desagrade, não fica resolvido com os seus argumentos, que, nos seus próprios termos, se tornam contaditórios.
A questão a saber é a das razões que justificam que um ateu budista e confucionista possam ser aceites pela maçonaria regular e um ateu religioso, ocidental, não possa. Ora, não me deu nenhum argumento para esta recusa.
Lamento, por fim, que pense que eu tento "confundir 'Crente' com 'religioso' e jogar com esses conceitos". Primeiro, não tento confundir ninguém. Segundo, não sou só eu que faz essa distinção, mas também alguns dos mais importantes estudiosos, a nível mundial, do fenómeno religioso, já citados. Esta distinção é, aliás, assente em termos académicos, sem nenhuma acrimónia. Só não entendo porque é que ela lhe causa estranheza e confusão!
Claro que pode, simplesmente, não ligar à investigação e aos argumentos e mandar o conhecimento acumulado às urtigas. Mas esse seria um comportamento muito estranho.
O que eu acho é que a decisão da maçonaria regular de recusar a inicição a ateus religiosos não tem fundamento filosófico, maçónico ou iniciático, mas antes um fundamente político, que fica, aliás, muito claro na sua argumentação, quando classifica a
"outra" maçonaria como "liberal", uma classificação "política" e, portanto, nada maçónica.
Ficava bem assumir, de uma vez por
todas, esta decisão.
Por último, envio-lhe três abraços e não um.
@ josé:
Meu caro,
confesso que o conceito de "ateu religioso" me parece (e creio que parecerá ao comum dos mortais) uma contradição nos seus temos.
Diz-me o josé que é um conceito que é assente em termos académicos e eu não tenho conhecimentos para rebater essa sua afirmação, nem razões para duvidar dela.
Mas que - repito, o comum dos mortais não consegue sufragar esse conceito académico facilmente, ouso afirmar que não consegue. E a Maçonaria é feita por homens normais, não por e para académicos - embora também os tenha no seu seio, obviamente.
Qualifica o josé a posição da maçonaria regular de "política". E, se me permitir acrescentar mais uma palavra e ficar "política maçónica", não tenho qualquer rebuço em concordar consigo, pelo menos quanto à origem da separação, origem essa que marca os destinos dos dois ramos da maçonaria até aos dias de hoje. Mas, meu caro, aí lembro-lhe que a origem "política maçónica" da questão adém da responsabilidade dos dois lados, da Ugle e do GOF ( e arrasta quem se enquadra em cada um dos campos). Na discórdia que originou a separação, os diferentes entendimentos e os desentendimentos, que persistem até agora, a responsabilidade reparte-se pelos dois lados. Não há vilões de um lado e Puras Virgens do outro... Certamente concordará comigo também nisto, pois certamente é tão pouco ingénuo quanto eu...
Onde eu acho que interpreta muito mal é no significado e no motivo de eu chamar "Liberal" à corrente maçónica em que se inserem o GOF e o GOL. Não tem nada a ver com considerações políticas e creio ter já oportunidade de, na nossa troca de comentários, ter esclarecido o assunto - se quiser, a minha bizarria... Acho o termo "irregular" passível de ser pejorativamente conotado e por isso não gosto de o aplicar a quem se integra numa corrente que - já amplamente o afirmei! - considero tão respeitável como aquela em que me insiro. Por isso, uso outra designação, que procuro seja despida de potencialidade pejorativa. Não encontrei melhor que Liberal, termo aplicado no sentido histórico da autonomização da corrente. Até agora, com todos os membros desta corrente maçónica que me tenho cruzado, nunca verifiquei que a designação lhes seja desagradável, pelo contrário. Julgo mesmo tê-la já visto utilizada pelopróprio MR Grão-Mestre do GOL, António Reis.
Mas, se porventura se concluir que final esta designação por alguma razão desagrada aos próprios, não haja dúvidas, não exise problema em utilizar outra designação. Só espero que não me seja proposto CLIPSAS... Já viu: Maçonaria-CLIPSAS? pior a emenda que o soneto, não?
Brincadeiras à parte: o que interessa é que os tempos e os modos devem ser de respeito e consideração mútuos. E cá pelo nosso canto da Europa, felizmente penso que já vai sendo. E o futuro ao... Grande Arquitecto pertence...
Agradeço os três abraços e retribuo -os com gosto e com compensação dos atrasados. Receba três abraços e mais uma salva deles!
Até sempre!
@ José:
Não quer indicar-me mais alguma bibliografia onde eu possa aprender mais um pouco sobre o assunto - especialmente no que respeita a distinção entre "crente" e "religioso"?
Um abraço,
Simple Aureole
Caros Rui e Simple Aureole,
Bom, concordamos que as distinções em questão (regulares e irregulares) são sobretudo políticas e não maçonicas e isso é o essencial. Isso mesmo se percebe na adjectivação de "liberal" da maçonaria "irregular".
Não que ache isso mau ou bom, muito menos ofensivo. Acho, apenas, que essa qualificação não é maçónica, é política, e a maçonaria não é política (a não ser em casos limite). Assim sendo, e ainda que a designação possa ser simpática do ponto de vista profano (para quem, como eu, é, de facto, politicamente liberal no mundo profano), já do ponto de vista maçónico essa designação é irrelevante.
Percebo que ao Rui seja difícil compreender o conceito de "teu religioso". Isso deve-se a séculos de assimilação do religioso ao crente monoteísta. Mas hoje as coisas já não são pensadas assim. É uma questão de literatura (sem menosprezo e com consideração) mas também, e fundamentalmente, de experiência (e isso é que é, realmente, o mais importante).
O que eu recomendo, de modo rápido, para a compreensão da distinção entre "crença" e "religião", embora por via de um enfoque algo redutor e sectário, é o texto de Joseph Ratzinger, de 2006, "Fé, Verdade e Tolerância", Editado pela Universidade Católica Editora.
Embora o texto em causa tenha um título simpático, como verá, se o ler, é que Ratzinger tem uma noção exclusivista da fé cristã e algo diminuidora das fés não cristãs, mostrando muito pouca tolerância, em compensação da imensa fé e de uma perigosa ambição de verdade, perto dos mais terríveis dogmatismos.
No entanto, a grande referência para esta distinção é Karl Barth, teólogo protestante suíço que foi amplamente adoptado pelo catolicismo mais ortodoxo, no seu melhor e no seu pior.
Barth tem uma obra imensa, de que que destaco "Epistola aos romanos" (talvez a sua obra mais famosa), "O cristão na sociedade" e, entre muitas outras obras possíveis, "A palavra de Deus e a teologia". Algumas coisas estão traduzidas em português, pelo menos do Brasil.
Três abraços e ligações para novas conversas.
Caro José:
Obrigado pelas referências. Vou procurar. Parece que há agora uma livraria nova que se gaba de ter tudo...
Abraços a ambos,
Simple Aureole
Irmãos,
Tenho estado a ler as vossas mensagens. Hoje foi o primeiro dia da minha escrita com os vossos comentários.
Mas tiveram tanto trabalho para explicarem Deus.
Aconselho a não frequentarem a Maçonaria. Mas sim uma Igreja. Os padres fazem essas explicações.
Ou a Maçonaria que praticam é uma maçonaria religiosa?
Há dia no Brtasil entrei num Templo (dos que se diz regular) e encontrei crucifixos.
Podem ser úteis os vossos pensamentos. Mas quem conhece estes temas teológicos fica confuso. Como ficará a Igreja?
Abraços
@ PURPOSES:
Meu caro, ou leu mal ou quis ler mal.
No texto, não se "explica" Deus - pelo contrário, expressamente se afirma ser posição do autor não haver lugar a tal.
No debate - um dos mais interessantes debates que a escrita deste blogue me proporcionou -, discutiu-se o conceito de ateu enquanto motivo de não aceitação na Maçonaria Regular, seu alcande, limites, razoabilidade, etc.
Foi um agradável debate de ideias entre um maçon regular e crente e eum maçon liberal - ou "irregular" - e não sei se ateu ou não, mas certamente interessado e conhecedor de filosofia da religião.
Trocar ideias, aprender com o outro é isto mesmo - Maçonaria é isto mesmo.
O seu comentário, lamento dizê-lo, não esteve, de modo algum, à altura do debate. Ou, pelo menos, revela não saber o que é efetivamente, Maçonaria, por onde quer que tenha andado - ou, se calhar, por causa disso mesmo...
Não me leve a mal a acidez do parágrafo anterior: só significa que respeito muito todas as ideias diferentes das minhas, quando expostas com espírito de debate, de confronto de ideias, de mútuo esclarecimento; mas reajo menos agradavelmente quando me parece que o objetivo é simplesmente apoucar. E entendi-o assim, porque a mera leitura do texto permite aferir que a Maçonaria Regular é uma Maçonaria de crentes num Criador - qualquer que seja a conceção que cada um Dele tenha - o que é bem diferente de uma religião ou Igreja, para qualquer pessoa minimamente informada. Como tenho o PURPOSES como pessoa informada, achei o comentário deslocado e, sobretudo, demasiado contrastante com a elevação do debate anteriormente havido. Se entendi mal, peço desulpa.
Os seus comentários, ainda que discordantes, principalmente quando discordantes, são e serão sempre bem-vindos, desde que sérios e buscando debate frutuoso. Por favor, não tente imitar o Diogo! Seria uma imitação muito pálida do original, por duas razões: porque o Diogo é realmente mestre no seu estilo; e porque o estilo assumidamente provocatório e, por vezes, mesmo escarninho, do Diogo tem por trás dele um genuíno interesse no debate, de quem tem uma sólida preparação - por isso ignoro a forma e, quando o entendo justificado, lhe respondo ao fundo.
No caso do seu comentário, infelizmente não há fundo a que responder...
THE CHURCH OF ROME AND FREEMASONRY *
by Bro. Will Read * Part of a paper pubblished by:
ARS QUATUOR CORONATORUM
TRANSACTIONS OF QUATUOR CORONATI LODGE N° 2076
Volume 104 for the Year 1991
The volume is available at:
The Secretery, Q.C.C.C. Ltd., 60 Great Queen Street, London WC2B 5BA UK Bearing in mind all the documents and statements to which one has referred, and more particularly the absence of mention of Freemasonry in the 1983 codification of canon law, it would appear that the present position regarding a Catholic and membership of the Craft can be set out thus:
1. The Catholic Church now recognizes that there are two distinct divisions within Freemasonry:
Regular - those jurisdictions which require from their members a belief in a Supreme Being and which are not inimical to the Church of Rome or to civil authority.
Irregular - those jurisdictions which require no profession of faith from their candidates, and which may also be anti-Christian or anti-civil authority, or both.
It also recognizes that Freemasonry under the Grand Lodges of England, Ireland and Scotland is in the regular category.
2. A Catholic may join regular Freemasonry but ought to consult his Bishop, through his parish priest, not for permission to join but to ascertain the nature of the jurisdiction concerned.
3. A Catholic hitherto has been, or now is, a member of a regular lodge, need no longer consider himself as excommunicate and therefore has no need of absolution.
4. A Catholic who has in the past abandoned his faith to become a regular freemason is urged to seek reconciliation with his Church.
5. Nowhere, seemingly, has it been stated that a Catholic who has been, is or may become a regular freemason is required to reveal in the confessional either his membership or what occurs in a freemasonic lodge ( on the grounds, presumably, that as a regular mason his membership is not sinful and therefore calls for neither confession nor absolution ).
6. Clerics, those bound by monastic vows and members of secular institutions are still precluded from entering Freemasonry.
Perante este texto o que disseram atrás que apenas é político acaba por cair por terra.
A GLLP/GLRP é deste forma uma maçonaria religiosa.
Em Portugal temos assim três tipos de Obediências.
Duas regulares.
GLLP-GLRP - Maçonaria Religiosa
GLNP - Maçonaria Espiritual
Maçonaria Liberal
GOL - Maçonaria Liberal
As outras Obediências portuguesas não as considerei por as suas raízes terem outras filosofias.
___________________________
Apenas umas notas em português para quem não sabe inglês.
Um católico pode participar na maçonaria regular, mas deve consultar o seu Bispo, através do seu pároco, não é para pedir a permissão para aderir, mas para determinar a natureza da jurisdição em causa.
Esta é a posição da Grande Loja Unida de Inglaterra e que a GLLP/GLRR defende.
Segundo esta nota oficiosa está como maçon autorizado a falar com o seu Bispo para determinar com ele a natureza da sua jurisdição.
E esta, heim?!
Maçonaria? Não precisam! È mais fácil ir à Igreja. Para além dos valores da Igreja que são seculares a Maçonaria Religiosa é uma cópia desnecessária.
Meu Caro Rui,
Li os seus últimos comentários agora mesmo.
Leio nas entrelinhas, no modo como escreve e creio sentir o pulsar do seu coração.
Creio que tem um bom principio, um sentimento de humanismo e maçonismo. Se algo que aqui escrevo lhe parecer mais forte, mais directo, não se destina a si.
Mas compreenda que fazem afirmações muito fortes. Como se fossem verdades. Esquecendo-se que a Verdade na Maçonaria é uma busca incessante.
Fazem frequentemente ataques directos a outras organizações, nomeadamente ao GOL e à GLNP. E isso não é bom.
Todos ocupamos o nosso lugar. E se este vosso modo de estar se mantém, pois não temos alternativa. Os que acompanhamos à distância este vosso blog seremos forçados a iniciarmos um processo de reflexão que leva a afirmações que depois não vos agradam. Estimulando-se assim o confronto de ideias numa posição mais firme, que ninguém deseja. Mas não creio que de si venham as dificuldades. Mas podem vir dos "jovens" que giram à sua volta. Que conhecemos bem. Bons jovens mas pouco dados a perceberem que os outros, em organizações diferentes, é certo, também são maçons. E o que fazem? Renegam-nos. E se não fosse a história, até o GOL seria uma organização histórica.
Mas posso estar enganado e a leitura dos textos que escreveram induziu em erro. Desculpe! Desculpe!
Mas estamos todos atentos e apesar de os considerámos maçons, não se esqueça, nunca, que há grandes dúvidas na legitimidade maçónica. Eu já nem diria grandes dúvidas...mas certezas que não são nem regulares, nem irregulares. Mas uma organização simplesmente profana. Vê...
Mas uma vez mais devo ser eu que devo estar a ver certas posições de forma errada. Que assim seja!
Mas contra factos não há argumentos.
Um dia gostava de ver da sua parte elogios ao GOL, à GLNP e a outras. Mas isso é demais...o vosso ego não vos deixa fazer e, naturalmente, estes sentem-se.
Como dizia há dias a um amigo deste local, vá lá, guarde a regularidade e este deus e deixe em paz a maçonaria e o Deus da religião.
rsrsrsrsrs
Abraços e pelos vistos parabéns. Está a ficar "velho"...
@ PRUDANCE:
1) O que citou das Transactions da Ars quatuor Coronatorum (a propósito: eu sou o Secretário para Portugal do QCCC)é apenas um trecho de uma prancha apresentada por Will Read. A posição transmitida vincula-o pessoalmente a ele, não à UGLE e, definitivamente, à GLLO/GLRP.
Que se trata de um ponto de vista individual, que não vincula a instituição, é evidente do próprio texto citado.
Os comentários que fez com base nesse texto são, por conseguinte, impertinentes e - pior - utilizando á fé na argumentação.
2)Com uma única exceção, no início deste blogue, de um texto escrito em estado de indignação, nunca me viu dizer mal do GOL ou dos maçons do GOL. Viu-me, vê-me e ver-me-á a referir as diferenças entre ambas as orientações maçónicas, não deixando de realçar também as semelhanças. Respeito o GOL e os seus elementos, como maçons de uma orientação diferente da minha.
Quanto a dissidências, não me pronuncio, nem lhes dou qualquer relevo nem publicidade..
A minha posição é clara: há duas orientações na Maçonaria: Maçonaria Regular, representada em Portugal pela GLLP/GLRP, com reconhecimento como tal de cerca de 200 potências maçónicas de todo o mundo (Cfr. site da GLLP/GLRP, www.gllp.pt, Reconhecimento, Lista de Obediências que reconhecem e são reconhecidas pela GLLP/GLRP) e a Maçonaria Liberal ou Irregular ou CLIPSAS, cujo representante em Portugal é o GOL.
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