19 julho 2010

A liberdade absoluta



O Diogo, leitor assíduo deste blogue - a julgar pela profusão e extensão dos comentários que cá tem deixado - gosta de "cutucar a onça". Quanto a mim, confesso-me uma "onça altamente cutucável", e gosto de (pelo menos tentar) responder a quem me questiona com sinceridade. Pois seja assim. Irei tentar responder - uma ou duas de cada vez - às questões colocadas nos comentários do último texto.

Paulo - «A Maçonaria proíbe no seu seio toda a discussão ou controvérsia, política ou religiosa… É por isso que, em Maçonaria, se respeita em absoluto a liberdade de expressão de cada um.»
Diogo – Esta frase contém ideias incompatíveis. Não pode existir liberdade de expressão se todo o debate é proibido.

Um dos problemas das palavras é terem tantos significados - e tão diferentes. No site da Infopedia, por exemplo, podemos encontrar vários significados de "discussão", que vão de "análise e troca de ideias sobre um assunto entre duas ou mais pessoas com o objectivo de chegar a um consenso" a "troca de palavras ásperas e por vezes injuriosas, geralmente em voz alta e de modo agressivo; altercação; briga". Parece-me evidente - e de bom senso - que a proibição seja atinente ao segundo significado, e não ao primeiro. Vejamos agora "controvérsia": "discussão sobre um tema ou uma opinião, em que são debatidos argumentos opostos e geralmente acalorados; debate; polémica"; "contestação". Uma vez mais, a questão aqui é o "calor" e os seus efeitos, e não a natureza do que se diz.

É claro que nem todo o debate é proibido; desde que dentro das regras de urbanidade, com respeito pela posição do outro, e com toda a delicadeza, pode discutir-se quase tudo. A proibição - mais do que tricentenária - de debate de assuntos políticos e/ou religiosos decorre da experiência de onde tais debates costumam levar quando os envolvidos residam em campos antagónicos: a palavras acaloradas, menosprezo e desrespeito pela posição do outro (o que pode ser feito de forma muito fria e educada mas não menos ofensiva) e defesas e ataques de parte a parte. No final, o confronto de pontos de vista, longe de permitir o enriquecimento de cada um ou de possibilitar uma posição de consenso, apenas redunda em desconforto, mágoa ou - no pior cenário - mesmo de ideias ainda mais extremadas e repisadas pelo confronto.

Espero que esta rápida análise semântica tenha contribuído para esclarecer o que se pretende, de facto, evitar com esta proibição. Contudo, sei bem que o Diogo não se fica com uma resposta tão superficial. De facto, relegarmos a questão para um mero disagreement linguístico sería risível. O que está em causa é o meu emprego da palavra "absoluto". Poderia eu, para simplificar a coisa, limitar-me a escusar-me, e a retirá-la, dizendo então apenas que "em Maçonaria, se respeita a liberdade de expressão de cada um" em vez de se dizer que se respeita "em absoluto". Todavia, a questão - filosófica - é importante demais para ser deixada cair tão displicentemente - especialmente quando creio que, esta sim, traduz as ideias tão argutamente apontadas como incompatíveis .

A "liberdade absoluta" é um conceito curioso. Para ser absoluta tem que ser universal; não podemos defini-la de acordo com as nossas circunstâncias particulares, mas antes devemos considerá-la enquanto o que desejaríamos que outros (quaisquer outros) fizessem nas nossas circunstâncias. Por outro lado, as nossas decisões devem ser a síntese unificadora das diversas influências e constrangimentos; as nossas ações, se bem que livres, devem refletir os condicionamentos que decorrem da nossa vivência em comunidade. Deste modo, a ética da liberdade absoluta não é absolutamente livre. Para ser livres temos que assumir a responsabilidade de escolher no lugar de Todos, de trabalhar para a liberdade de Todos, e agir no contexto que temos com Todos os demais.

Ou seja: mesmo a liberdade absoluta tem muito pouco do "absoluto" que anteciparíamos. Mais do que um "absoluto", a vida é um permanente compromisso - e aí, na busca de posições relativamente concordantes mais do que absolutamente finais, a Maçonaria tem muito para ensinar.

Paulo M.

4 comentários:

Marcos Amaro disse...

Certo dia um homem vai falar com o seu médico de família e aquando sentado à sua frente diz para o médico:

Sr. Dr. tenho um grave problema, a minha mulher está cada vez mais surda e não só não escuta o que eu lhe digo como nunca responde aquilo que eu quero que ela me responda!

Caro amigo – responde o médico – façamos um teste!

O meu amigo vai chegar a casa e a cerca de 3 metros de distância vai perguntar à sua esposa o que é o almoço e ou o jantar, depende da hora a que chegar a casa, se ela não lhe responder aproxima-se até 2 metros e repete a mesma pergunta, se mais uma vez ela não lhe responder aproxima-se mais um metro e volta a colocar-lhe a mesma questão, se mesmo assim ela não lhe responder chega-se junto do ouvido dela e volta mais uma vez a colocar-lhe a pergunta “Querida o que é o almoço e ou o jantar, dependendo da hora a que chegar a casa”.

Entendeu de como deve fazer as coisas?

Claro que sim Doutor – respondeu o homem – eu entendi perfeitamente, a minha mulher é que não entende o que eu lhe digo!

Assim foi o bom homem chegou a casa e a cerca de 3 metros da sua amada esposa perguntou:

- Querida o que é o almoço?

A sua esposa nada lhe respondeu.

A 2 metros voltou a perguntar, agora já um pouco com mais entoação:

- Querida o que é o almoço?

E esta nada lhe voltou a responder.

A um metro de distância perguntou-lhe:

- QUERIDA O QUE É O ALMOÇO? – Usando já um tom de voz mais elevado.

No entanto esta voltou a não lhe responder.

Então já desesperado chegou perto dela e junto ao seu ouvido disse-lhe:

_ QUERIDA O QUE É O ALMOÇO?

Ao que esta lhe respondeu:

- COZIDO HOMEM, COZIDO, já te disse mais de 3 vezes que é cozido, foste tu ao médico e afinal continuas surdo que nem uma porta!

Esta pequena história, na forma de anedota, creio que demonstra bem aquilo que às vezes muitos de nós fazemos, quando não ouvimos e ou não queremos ouvir as respostas, que tantas vezes, nos são dadas, mas sobre as quais teimamos continuar a dizer que não nos respondem e ou não são claras essas mesmas respostas.

Difícil ver o que está à nossa frente, não é para quem não vê!
- Pois aquele que não vê, apenas o pode sentir e ou pressentir, nunca o ver devido à sua deficiência.

Difícil de ver o que está à nossa frente, é realmente para quem não quer ver e ou não aceita aquilo que está bem visível aos seus olhos, mas que por convicção, distorção e ou imposição, não quer mesmo ver.

De alguém que não direcciona este texto para ninguém em especial mas para todos aqueles que não querem ver aquilo que é claro e bem visível.

M.A.

Anónimo disse...

Boas!
Ando por "aqui" há muito pouco tempo, mas já estou a adorar as "questões" e "esclarecimentos" dos, respectivamente, Diogo e Paulo. Creio mesmo que ficarei fã quando chegarem às 2questões"/"esclarecimentos" sobre o "calar" maçónico.É mesmo Calar e saber Calar... ou mais Ocultar, tipo cumplicidade?

cps,

Diogo disse...

Compreendo o desejo de evitar discórdias dentro da loja. Mas na minha tertúlia de muitos anos, tudo discutíamos e continuamos, após tantos anos, todos amigos. Ter opiniões diferentes não é razão para ressentimentos.

É por isso que me faz confusão a frase do post anterior: «Pode, nesta perspectiva, dizer-se que o segredo, o silêncio e o "saber calar "são manifestação de três virtudes que a Maçonaria muito preza».

Abraço

Paulo M. disse...

@M.A.: Obrigado pela sua história. Já a conhecia enquanto anedota, mas o seu comentário conferiu-lhe outra interpretação - e outra profundidade.

@insano: Seja bem vindo. Comente, pergunte, que não nos acanharemos em responder - ao ritmo possível...

@Diogo: Há razões históricas para que as coisas assim sejam, e que reportam a um contexto social substancialmente distinto do atual - em que globalização e a exposição a realidades diferentes da nossa nos "insensibilizou" até certo ponto perante a diferença. O texto de sexta-feira deverá elucidá-lo a esse respeito.