O texto sobre aikido e maçonaria que nos foi proporcionado por José Restolho suscita-me a reflexão de que é inerente à natureza humana a busca da sua própria superação individual. Será, talvez, conjuntamente com o polegar em oposição aos demais dedos e com o tamanho do cérebro, um dos fatores que contribuíram para que a espécie humana se tornasse a espécie dominante do planeta. Polegar em oposição, os restantes primatas também o têm. A capacidade cerebral é uma inegável vantagem, mas já é um produto da evolução. A vantagem competitiva da espécie humana acentua-se com a sua disposição, o seu anseio, pela busca do melhor possível. Sempre.
Esta busca da excelência, se bem repararmos, está presente em diversos setores da atividade humana. A divisa do olimpismo,
altius, citius, fortius (mais alto, mais rápido, mais forte) espelha este anseio no desporto. Na ciência, a constante e persistente busca de novos conhecimentos, de novas soluções, da resolução de cada vez mais complexos problemas propiciou e propicia indizíveis progressos. Dos quais o menor dos quais não será, por exemplo, o que possibilita que o leitor esteja neste momento a ler algo que não existe, que é apenas virtual, mas que corresponde efetivamente a um pedaço do meu pensamento. Esta hoje já banal tecnologia que permite guardar, transmitir, disponibilizar, aceder, consultar, todo um manancial de informação sem suporte físico, existente apenas em energia, é algo que, há meras duas centenas de anos, seria tido por impossível, inacreditável, utopia ou bruxaria... E, no entanto, aqui está...
Também no confronto do Homem consigo mesmo (coloco H maiúsculo para significar que o Homem que aqui refiro é o elemento da espécie humana, independentemente de género, portanto, incluindo homem e mulher) esta busca da perfeição, este anseio do contínuo progresso, este desejo de superação, de ir tão longe quanto possível e mais além, existe enquanto característica inerente à nossa espécie. E manifesta-se de diversas formas, algumas podendo aparecer inesperadas.
Já várias vezes aqui escrevi que a Maçonaria é apenas um dos caminhos, das vias, para a busca da Luz, do Conhecimento, da compreensão do significado da vida e da criação, da razão última da nossa existência e do caminho que prosseguimos, enfim da essência do que somos e seremos. Nesta demanda, a Maçonaria é um dos métodos, das veredas, possíveis. Os misticismos, cristãos ou não, a via meditativa, a comunhão natural, que sei eu!, são outras pistas possíveis e utilizadas.
O texto do José Restolho iluminou-me o espírito para a evidência de que também as Artes Marciais, enquanto filosofia de vida e de busca de perfeição, se podem enquadrar neste grupo de sendeiros. No fundo, é essencialmente uma questão de Culturas, de escolha de caminhos em função das raízes e tradições e civilizações e sociedades.
Há muito que tenho por adquirida a noção de que o impulso religioso é basicamente similar em toda a Humanidade. As várias e variegadas religiões derivam das interpretações e usos e práticas particulares sobrepostas a esse impulso básico, em função das diferentes condições ambientais, sociais, civilizacionais, etc.. Por isso, sou estrangeiro, em absoluto, ao conceito de guerra, ou controvérsia, ou discussão religiosa. Porque é lutar, arrazoar, discutir em seco, em vão, sobre nada. Todos - mas literalmente todos! - falam do mesmo, apenas de formas e sob roupagens diferentes. É, pois, uma guerra, uma controvérsia, uma discussão absolutamente sem objeto, apenas com aparência de objeto... Lá diz o Povo, com toda a sua ancestral sabedoria, que as aparências iludem. Mas é apanágio do Homem (outra vez com maiúscula...) sensato, sábio, ver para além das aparências e ultrapassar as ilusões que elas proporcionam.
O texto do José restolho alargou-me a perspetiva: não é apenas o impulso religioso que é basicamente comum a toda a Humanidade. É-o, é certo, mas estando inserido num outro impulso ainda mais básico e alargado: a busca da Perfeição, da melhoria contínua, de ir mais alto, mais depressa, com mais força - e mais longe - tanto quanto se puder. Incessantemente. Em busca do inantigível, mesmo sabendo que não o pode atingir.
A Perfeição é o arquétipo de Deus. A Humanidade busca atingir a Perfeição, a Deus. Busca aproximar-se da Perfeição, de Deus. Busca obter a Perfeição, atingir a Divinização. A Maçonaria, o misticismo, as Artes marciais, em suma, a Vida, são tudo caminhos, vias, meios, ferramentas, que o Homem prossegue e usa na sua eterna demanda deste Graal. Por isso, com propriedade José Restolho aponta universalidade dos princípios que a Maçonaria (mas não só) defende.
Eis como o contributo profano ajuda o maçon. O contributo do José Restolho levou-me a ampliar o conceito do impulso de busca da Perfeição. Ao fazê-lo, ao evadir-me dos limites estreitos das crenças religiosas, ao integrar a busca da Perfeição como inerente ao impulso básico da Humanidade, consegui dar um outro salto na análise: no fundo, a ambição humana de atingir, ou de se aproximar, tanto quanto possível, da Perfeição, mostra que o Homem, afinal, é, ou projeto de Deus, ou corruptela de Deus. Ou destinado a evoluir para chegar onde pode, ultrapassando e indo além dos estreitos limites da existência desta dimensão, ou buscando recuperar de involução que o fez perder a perfeição que busca reganhar. Em qualquer dos casos, a busca da perfeição é um indispensável meio para procurar atingir ansiada integração ou reintegração.
Mais uma pedra na parede do meu Templo Individual. A esta chamarei a Pedra Aikido. Obrigado, José Restolho!
Rui Bandeira