Tempo
O que há de mais democrático no Mundo não é o voto. Nem as eleições. Muito menos a separação de poderes. Nem sequer a limitação de mandatos. O que há de mais democrático no Mundo é o Tempo. O dia tem vinte e quatro horas, a hora tem sessenta minutos, o minuto tem sessenta segundos, quer para o multimilionário mais rico do planeta, quer para o mais miserável pária sem abrigo do mais pobre recanto deste Mundo. O rico, por mais que o deseje, não consegue que o seu dia tenha trinta horas, nem a sua hora oitenta minutos, nem o seu minuto cem segundos. O pária miserável pode não ter nada de nada, mas tem exactamente as mesmas horas no seu dia que o multimilionário, os mesmos minutos na sua hora, os mesmos segundos no seu minuto.
O que há de mais implacável no Mundo não é o Mal. Muito menos o Déspota. Nem sequer o Terrorista. O que há de mais implacável no Mundo é o Tempo. Chega, passa e vai, insensivelmente, sempre ao mesmo exacto ritmo.
O que muda é a nossa percepção do Tempo. Se estivermos confortavelmente sentados vendo um belo pôr-do-sol, ouvindo uma música do nosso agrado, bebendo uma bebida da nossa preferência, sendo acariciados pela mulher que amamos, enquanto cheiramos o seu agradável perfume, esse Tempo, por muito longo que seja, parecer-nos-á sempre breve, seguramente muito mais breve do que nos pareceria a exacta mesma quantidade de tempo em que estivéssemos a ser agredidos por um energúmeno feio e malcheiroso, que nos berrava impropérios, sentindo na boca o sabor de alguma porcaria que ele ali nos enfiara...
Cada um dispõe em cada dia do mesmo tempo que todos os demais, exactamente 86.400 segundos em cada dia, nem mais um, nem menos um. Cada um tem a responsabilidade de usar esse Tempo da melhor forma possível, distribuindo-o profícua e harmonicamente entre o cumprimento dos seus deveres, o convívio com aqueles de quem gosta, o descanso, o lazer, o alimento do seu corpo e a nutrição do seu espírito, a busca e o encontro, a reflexão e a acção. Todos temos exactamente a mesma riqueza para gastar em cada dia. Se a aproveitamos ou desperdiçamos, é connosco e seremos nós que sentiremos as consequências, boas ou más, do nosso aproveitamento ou do nosso desperdício. O que não gastarmos, o que não usarmos, não podemos guardar. Está perdido e nunca mais será recuperado...
O Tempo é uma dimensão diferente das outras. O comprimento, a largura, a altura são dimensões em relação às quais nos sentimos exteriores. E medimos o comprimento da mesa, a largura do quadro, a altura do armário. Somos exteriores a essa medida. Mesmo em relação às nossas medidas... Mas a dimensão do Tempo é diferente. Nós todos estamos DENTRO do Tempo. Por isso o não vemos. Por isso o Tempo Presente é tão fugaz que, mal o apercebemos, já é Tempo Passado. Comprimento, largura e altura são dimensões terrenas. O Tempo é dimensão divina. Por isso podemos mudar o comprimento, alterar a largura, modificar a altura do que quisermos, mas não podemos mudar, nem num centésimo de segundo, o Tempo que é. Podemos aproveitá-lo melhor, fazendo mais em menos Tempo. Não podemos mudá-lo. Podemos apenas usar em cada dia a exacta quantidade de Tempo que o Criador determinou que todos e cada um de nós dispuséssemos em cada dia.
O Tempo não pode ser comprado, nem vendido (pode-se comprar ou vender uma ocupação do tempo, o que é diferente), mas pode ser usado, aproveitado, individualmente ou em conjunto. O mesmo Tempo, aproveitado ou usado em conjunto por vários ou por muitos, multiplica-se automaticamente, potenciando a capacidade do grupo que o aproveita em conjunto. No entanto, sendo globalmente mais rentável o Tempo aproveitado em conjunto, o Tempo individual de cada um continua a ser pessoal, só seu, com um significado preciso e definido para esse preciso indivíduo. O Tempo que um músico despende a dar um concerto numa sala de espectáculos é rentabilizado pelas centenas ou milhares de pessoas que desfrutam desse espectáculo. O Tempo de um multiplica-se por muitos. Mas um concerto para mil equivale a mil concertos individuais. O músico é o mesmo. A música é individualmente, quiçá diferentemente, apreendida por cada um dos mil ouvintes. O Tempo de cada um continua a ser pessoal e único. E o mesmo se passa se, em vez de ser um a criar e mil a beneficiar, forem mil e um a criarem para esses mil e um e incontáveis milhares ou milhões mais beneficiarem.
Quando os maçons se reúnem, e repetem o ritual, tratam dos assuntos da ordem do dia, estudam, ensinam ou aprendem símbolos e seus significados, moralidades e seus motivos, condutas e suas consequências, aproveitam em conjunto o Tempo, potenciando o seu valor, cada um beneficiando individualmente, ao seu modo, do uso desse Tempo.
Os maçons aprenderam uma coisa singela: que o Tempo de cada um é potenciado pelo seu uso em conjunto, afectando e aproveitando a cada um da forma que convém a cada qual. Tempo de Estudo, Tempo de Paz, Tempo de Debate, Tempo de Repouso, sobretudo Tempo de Confiança nos seus Irmãos e Tempo de Harmonia com eles. Todos estes Tempos, e mais, valem infinitamente mais em conjunto, revertendo esse valor para cada um dos indivíduos. Por isso os maçons reservam uma parte do seu Tempo para o aproveitar em conjunto com seus Irmãos.
Assim aprendem e praticam entre si e podem e devem praticar no exterior, na sua vida de todos os dias, perante os seus parceiros de vida, de negócios, de viagem, de tudo, que a Cooperação é mais eficaz que a Competição, que a Harmonia é mais gratificante que a Cizânia, que a melhoria de Um ajuda Todos a melhorar e que a melhoria de Todos se reflecte na melhoria de cada Um. E podem e devem viver e aproveitar o seu Tempo na sua vida de todos os dias, perante todos aqueles que os rodeiam, pela mesma forma que vivem e aproveitam o seu Tempo entre seus Irmãos. E o seu exemplo frutificará onde houver condições para que frutifique, em quem estiver apto para tal. E assim o Mundo melhorará mais um pouco. E de pouco em pouco se fará muito. Em pouco Tempo, em muito Tempo, no Tempo que for...
Rui Bandeira