20 fevereiro 2011

O conceito maçónico de "Grande Arquiteto Do Universo" - II



Todo-poderoso, Senhor, Altíssimo, Santo de Israel, Criador, Eterno; Deus sempre foi referido por muitos nomes, não só nas tradição judaico-cristã como noutras. "Grande Arquiteto do Universo" é só mais um nome, para além dos muitos que já existiam, dirigido à mesma Entidade. A designação escolhida liga o Divino ao simbolismo adotado pela Maçonaria, tornando-O mais próximo ao atribuir-lhe um nome partilhado por poucos - assim como aqueles nomes por que somos conhecidos apenas no mais restrito círculo familiar, mas não mais além.

Não creio - mas é questão de mera convicção pessoal, que vale o que vale e só até que encontre verdade mais sustentada - que estivesse na génese da criação desta expressão a preocupação em encontrar-se uma designação que fosse neutra de modo que nenhuma religião ou fé pudesse reclamá-la para si, e que igualmente nenhuma pudesse ver como absolutamente estranha. Todavia, à medida que a Maçonaria foi abarcando no seu seio mais do que apenas cristãos - como sucedia de início - e alargou o seu âmbito às outras religiões "do Livro", e depois a muitas outras, a neutralidade dessa designação acabou por revelar essa enorme utilidade.

No entanto, só depois de ser iniciado e de assistir a várias sessões é que me apercebi do quanto ainda existe na maçonaria que trai as suas origens judaico-cristãs: a expressão "Deus" ainda é referida, bem como algumas passagens da Bíblia / Torah. Nada surge que seja inequivocamente do acervo de outras religiões. No entanto, a designação "Grande Arquiteto Do Universo" é recorrente, especialmente numa circunstância: na expressão "À Glória Do Grande Arquiteto Do Universo". Esta expressão, no meu entender, é que é a chave para a exigência da fé no "Grande Arquiteto do Universo".

De facto, o facto de a Maçonaria Regular trabalhar "À Glória Do Grande Arquiteto Do Universo" constitui uma afirmação mais estrita do que a mera manifestação de fé no "Grande Arquiteto Do Universo". Não basta então crer em Deus; é preciso estar disposto a trabalhar à Sua glória, e isso limita, de imediato, as diversas conceções possíveis de Divindade. Uma divindade apenas criadora - qual pai ausente tendo abandonado o lar, apenas gerador mas não educador - não cairá, possivelmente, dentro deste conceito. Uma difusa "força impulsionadora para o bem", como é entendida por alguns budistas, não o será também.

A crença em que dos nossos bons atos decorre a Glória daquele a quem chamamos "Grande Arquiteto Do Universo" constitui um poderoso elemento de coesão e de identificação - e, na perspetiva oposta, pode constituir forte fator de desconforto e alienação para quem não partilhe dessa convicção. E a exigência desta crença serve, precisamente, para manter os maçons regulares coesos pela partilha dessa identidade.

Por esta razão, e no meu entender, a pergunta feita a um neófito não deveria ser apenas "Acredita no Grande Arquiteto do Universo?", mas mais na linha de "Identifica-se com a ideia de que o Homem deve trabalhar À Glória do Grande Arquiteto do Universo?"  Mais do que estéreis (porque inconclusivas) discussões filosóficas entre teísmos e deísmos, parece-me ser esta convicção de que não só há um Deus, mas de que Ele é glorificado pelos que fazemos de bom, o que estabelece a resposta a que crenças cabem - ou não cabem - no seio da Maçonaria Regular tal como esta é entendida nos dias de hoje.

Paulo M.

16 fevereiro 2011

Origem e primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceite - 1804


Em outubro de 1804, foi criado o Segundo Supremo Conselho do Rito Escocês Antigo e Aceite no Mundo. Foi em Paris e destinava-se a difundir o Rito na Europa.

Recorde-se que fora na Europa que fora concebido o rito de Altos Graus em 25 graus denominado Rito de Perfeição. Exportado para a América, nos Estados Unidos veio a evoluir para um rito de 33 graus, incluindo os três graus simbólicos de Aprendiz, Companheiro e Mestre com a denominação de Rito Escocês Antigo e Aceite.

No entanto, na Europa o que existia era, por um lado, a Maçonaria que hoje denominamos de Simbólica, dos três graus de Aprendiz, Companheiro e Mestre, praticada no rito exportado pelos Modernos da Premier Grande Lodge de Londres e, por outro, a profusão de chamados Altos Graus, algo desorganizada.

Ainda em outubro de 1804, uma Assembleia Geral do nóvel Supremo Conselho de França deliberou fundar, também em Paris, uma Grande Loja Geral Escocesa, para organizar o ritual das Lojas Azuis do Rito Escocês Antigo e Aceite. Emulava-se assim a regra da Maçonaria inglesa de colocar sobre a jurisdição de uma grande Loja os três primeiros graus e estabelecia-se concorrência com o rito inglês nas Lojas Azuis. O ritual estabelecido teve como base o Rito Antigo e Aceite praticado pela Grande Loja dos Antigos em Inglaterra.

Cabe aqui chamar a atenção que, na época, estava pujante a rivalidade entre Modernos e Antigos. Só em 1815 a reunificação maçónica ocorreria em Inglaterra, com a fusão das duas Grandes Lojas rivais na Grande Loja Unida de Inglaterra. Tendo isto em perspetiva, impõe-se a consideração de que a implantação em França dos três primeiros graus do Rito Escocês Antigo e Aceite foi feita em claro contraponto aos Modernos e apoio às posições dos Antigos, daí resultando a reivindicação do rito da sua antiga linhagem de direto herdeiro da verdadeira maçonaria, preservada pelos Escoceses (os adeptos dos Stuarts e não os nacionais da Escócia, note-se) e pelos Antigos.

O Grande Oriente de França tinha como rito oficial o chamado Rito Escocês dos Modernos, também chamado Rito Francês ou Moderno, semelhante ao praticado pelas Lojas inglesas dos Modernos, que passou assim a sofrer a concorrência do Rito Escocês Antigo e Aceite, nos três primeiros graus.

Inteligentemente, e a fim de evitar que viesse a crescer e a fazer efetiva concorrência ao Grande Oriente de França a Grande Loja Geral Escocesa, braço do Supremo Conselho de França para os três graus das Lojas Azuis, o Grande Oriente de França logrou celebrar, ainda em 1804, um acordo com o Supremo Conselho através do qual o Rito Escocês Antigo e Aceite nos três primeiros graus seria também praticado dentro do Grande Oriente de França. Foi um acordo inteligente, porque com ele ambas as partes asseguraram os seus principais objetivos: o Grande Oriente absorvia à nascença a possibilidade de concorrência institucional quanto aos três graus das Lojas Azuis; o Supremo Conselho obtinha a caução institucional para o desenvolvimento do Rito Escocês Antigo e Aceite em França e, podia, a partir daí, difundi-lo pela Europa.

Tudo parecia justo e perfeito. O Rito Escocês Antigo e Aceite chegava (regressava, enquanto sucessor do Rito de Perfeição) à Europa e, em menos de um trimestre, obtinha caução institucional, estabelecia-se nos três primeiros graus e tinha abertas as portas da grande Obediência continental europeia, o Grande Oriente de França. Porém costuma dizer-se que, na cultura cigana, não se gosta de ver bons começos aos filhos, porque serão ilusórios e seguidos de dificuldades sem que estes se tenham preparado para elas. No caso da implantação do Rito Escocês Antigo e Aceite assim veio a suceder: o inteligente acordo durou pouco, muito pouco, torpedeado por querelas de poder e o bom princípio viria a ser apenas um breve introito para um período de turbulência. Veremos isso no próximo texto.

Fonte:

http://www.oficina-reaa.org.br/v1/index.php?option=com_content&view=article&id=53:detalhes-dos-rituais-azuis-do-reaa&catid=38:trabalhos0&Itemid=2

Rui Bandeira

14 fevereiro 2011

O conceito maçónico de "Grande Arquiteto Do Universo" - I



Fui desafiado a escrever sobre a minha metamorfose - o que mudou em mim desde que fui iniciado até agora. Mais do que escrever um texto sobre isso, decidi escrever vários, cada um sobre uma faceta distinta. Tenho relido textos antigos do blogue, emails antigos trocados antes da minha entrada para a Maçonaria, e é curioso constatar que já sei responder a algumas das questões que colocava na altura. Uma delas prende-se com o conceito de "Grande Arquiteto do Universo", que deu direito um texto do José Ruah, seguido de outro texto do Rui Bandeira.

O José Ruah respondeu pela via semântica do conceito: GADU é o nome que a Maçonaria dá ao que normalmente se chama "Deus". Por cada religião, crença ou fé ter, em muitos casos, nomenclaturas diferentes para o mesmo conceito ou para conceitos semelhantes, e pretendendo a Maçonaria ser equidistante de todas as crenças, opta por um termo que não seja próprio de nenhuma religião ou fé, mas que não choque, em princípio, nenhuma delas, podendo ser usado no lugar do nome da Divindade de cada uma.

Já o Rui Bandeira procurou uma resposta focada no significado estrito da expressão: por ser o GADU o Criador do Universo, este mesmo Universo seria a chave do conhecimento do seu Criador. Assim, através da contemplação das estrelas numa noite límpida poder-se-ia ter um vislumbre do Divino, e que era esse mesmo conceito - o de Criador - que a Maçonaria designava por "Grande Arquiteto Do Universo".

Ambos insistiam, porém, que nada disto era importante, pois a única pergunta que a Maçonaria fazia a tal respeito a quem a ela pretendia aderir era simples: "Acredita no Grande Arquiteto do Universo?" e a resposta era igualmente simples: sim, ou não. Mas custava-me entender a utilidade de se aceitar como resposta a confirmação da crença num conceito que não se explicava nem se explicitava.

Durante bastante tempo - e já depois de ter dito "que sim, que acreditava", e de ter sido iniciado - debati-me com esta académica questão: afinal, porque é que a Maçonaria exige que se acredite numa coisa cuja natureza não especifica? E, de tanto pensar, um dia fez-se luz - e os dois Marretas tinham razão, a questão colocada era a chave de tudo. O problema era que eu me tinha debruçado sobre o lado errado da equação.

"Acredita no Grande Arquiteto do Universo?"

E logo fui eu, cientificamente, tentar dissecar, escrutinar, meter sob o microscópio, o tal "GADU". Quando o importante não era o GADU ou a sua natureza. A esse respeito - e quanto ao entendimento que cada um tem de GADU - a Maçonaria Regular não só não exige saber, como quase que exige não saber. O que a Maçonaria Regular quer saber é outra coisa muito mais simples:

"Acredita?"

Pois é; afinal era mesmo simples. "Acredita?", ou seja: "Tem fé?" O acreditar-se é que é o importante, e não aquilo em que se acredita. Mas porquê? Ah, isso fica para o próximo texto...

Paulo M.

09 fevereiro 2011

Origem e primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceite - Do Caos a Ordem

O Rito de Perfeição, com vinte e cinco graus, o mais alto dos quais o de Sublime Príncipe do Real Segredo, foi organizado a partir de 1758, por decisão de um conjunto de maçons em Paris, autodenominado de Conselho de Imperadores de Leste e Oeste. De entre a profusão de graus criada na sequência do Discurso de Ramsay, foi este Rito que permaneceu e se veio a desenvolver no Rito Escocês Antigo e Aceite. Em 1759, já existia um Conselho de Príncipes do Real Segredo em Bordéus. O Rito espalhou-se velozmente por França e pela Europa Continental. Em 1761, já existia um considerável número de Lojas, Capítulos, Conselhos e Consistórios.

Em agosto desse ano, o Grande Consistório dos Príncipes do Real Segredo emitiu uma carta-patente, pela qual nomeava Stephen Morin Inspetor-Geral do Rito para o Novo Mundo. Ainda nesse ano, Morin chegou a Santo Domingo (República Dominicana) e a partir daí começou a disseminação do Rito e designou diversos Inspetores para as Índias Ocidentais e para o Continente Americano. Um dos nomeados foi Moses Michael Hays, um abastado comerciante judeu, de origem holandesa, de Boston, grande defensor da liberdade religiosa e dos direitos civis, que veio a ser, em 1792, Grão-Mestre da Massachussets Lodge of Masons.

Hays introduziu o Rito na Costa Leste americana e nomeou vários Inspetores-Adjuntos para diversas zonas do que viriam a ser os Estados Unidos da América: Isaac da Costa e, depois da morte deste, Joseph Myers para a Carolina do Sul, Solomon Bush para a Pensilvânia, Barend M. Spitzer para a Geórgia.

Em 1767, é aberta uma Grande Loja de Perfeição em Albany, Estado de New York. Em 1783 cria-se uma Sublime Grande Loja de Perfeição em Charleston, Carolina do Sul. Nesta mesma cidade, cria-se, em 1788, um Grande Conselho dos Príncipes de Jerusalém. Em 1797, um Capítulo de Cavaleiros Rosa-Cruz, Cavaleiros da Águia e do Pelicano estabelece-se na cidade de New York. E é neste mesmo ano que a Loja de Perfeição Rei Salomão, de Martha's Vineyard, Massachusetts, abdica da sua jurisdição sobre os três primeiros graus a favor da Grande Loja de Massachusetts, estabelecendo o precedente para o que é atualmente regra em todo o Mundo: os três primeiros Graus (Aprendiz. Companheiro e Mestre) são da jurisdição exclusiva das Grandes Lojas / Grandes Orientes, ficando os organismos de Altos Graus apenas com jurisdição sobre estes.

Tudo isto se passa ainda no âmbito de um Rito de Perfeição com 25 graus. Entretanto, em 1786, foram aprovadas em Berlim, por Frederico da Prússia, as Constituições dos Supremos Conselhos dos Soberanos Inspetores Gerais do 33.º e Último Grau. É a primeira referência a um Rito com 33 graus. Não há notícia de anterior existência de qualquer Supremo Conselho antes desta data. O Rito (ainda de Perfeição) era dirigido por Inspetores-Gerais, cada um com competência para determinada zona geográfica. Segundo as novas Constituições, o poder soberano do Rito alargado a 33 graus e redenominado de Rito Escocês Antigo e Aceite passaria a ser detido, em cada nação, por um Conselho de 9 elementos. Única exceção: os Estados Unidos da América, que seriam dotados de dois Conselhos: o da Jurisdição Norte e o da Jurisdição Sul (sistema que ainda hoje vigora).

O primeiro Supremo Conselho estabelecido segundo as Constituições de 1786 ficou sediado em Charleston (Carolina do Sul), inicialmente com jurisdição em todo o território dos Estados Unidos e, após a constituição do Supremo Conselho da Jurisdição Norte, com a sua autoridade reduzida à Jurisdição Sul. Este primeiro Supremo Conselho em todo o mundo foi criado em 1801, por iniciativa dos Soberanos Inspetores Gerais John Mitchell e Frederick Dalcho.

A transformação do Rito de Perfeição de 25 graus no Rito Escocês Antigo e Aceite de 33 graus consumou-se assim nos Estados Unidos no início do século XIX. A sua evolução futura vai depender seguidamente de acontecimentos no Velho Continente. Veremos isso no próximo texto.

Fontes:

http://www.phoenixmasonry.org/AASR_1884_/history.htm

http://www.uniaoesegredo.com.br/reaa.htm

Rui Bandeira

02 fevereiro 2011

Origem e primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceite - o Discurso do Chevalier Ramsay


Chevalier Ramsay

Andrew Michael Ramsay (1686-1743), também conhecido por Chevalier Ramsay, foi um teólogo e escritor escocês que viveu a maior parte da sua vida adulta em França, como jacobita exilado. Estudou teologia nas Universidades de Glasgow e Edimburgo, tendo-se graduado em 1707. Em 1708, foi viver para Londres, tendo-se relacionado com Isaac Newton, Jean (ou John) Desaguliers e David Hume.

Em 1710, estudou sob a orientação do filósofo místico François Fénelon, tendo-se, por influência deste, convertido ao catolicismo. Após a morte de Fénelon, em 1715, foi viver para Paris, onde se tornou amigo do Príncipe Regente de França, Philippe d'Orléans, que o fez, em 1723, Cavaleiro da Ordem de S.Lázaro de Jerusalém - o que motivou a sua futura designação por Chevalier Ramsay.

Defensor das pretensões jacobitas (de James Stuart) aos tronos de Inglaterra e Escócia, chegou a desempenhar, embora por breve espaço de tempo, as funções de tutor dos filhos de James Stuart, Charles Edward e Henry. Entre 1725 e 1728, viveu como hóspede convidado no Hotel de Sully, sob o patrocínio do Duque de Sully, e frequentou o clube literário parisiense Club de l'Entresol, onde se relacionou, entre outros, com Montesquieu.

Em 1727, publicou as Viagens de Ciro, que foi um grande êxito (um verdadeiro best-seller na época) e o tornou célebre na sociedade (o que, na época, equivalia a dizer: entre a nobreza) francesa.

Desde a introdução em França (através dos exilados jacobitas) da maçonaria que Ramsay nela se integrou.

Em 1737, sendo então Grande Orador em França, escreveu e proferiu, perante uma assembleia de nobres, o seu célebre Discurso pronunciado na receção de Maçons por Monsieur de Ramsay, Grand Orador da Ordem.

Neste discurso, Ramsay efetua uma ligação da Maçonaria às cruzadas. Veio a ser um dos discursos maçónicos mais divulgados e discutidos da História da Maçonaria. Nenhum outro recebeu alguma vez mais atenção. Nenhum outro teve, até agora, maior efeito no desenvolvimento dos eventos relativos à Maçonaria.

No entanto - e tal é hoje pacífico entre os historiadores da maçonaria - o que ele relatou não corresponde à realidade histórica. A Maçonaria não deriva dos Templários nem das Cruzadas e Ramsay sabia-o bem. Na ocasião, o seu propósito foi dar aos recém-iniciados uma razão para terem orgulho na Ordem. A sua Oração, por consequência, não foi um resumo histórico factual, antes uma narrativa alegórica sobre as suas origens. Foi essencialmente o discurso do idealista que ele era.

Assim, ele falou de uma ligação entre os Cruzados e os Maçons, afirmando que, depois das Cruzadas, o Príncipe Eduardo, filho de Henrique III de Inglaterra, tinha trazido de volta àquele país as suas tropas, que tomaram o nome de... Maçons. Acrescentou que, das Ilhas Britânicas, a Arte Real estava então a passar para França, que iria passar a ser a sede da Ordem (!) e continuou dizendo:

" As obrigações que vos foram impostas pela Ordem são as de proteger os vossos irmãos pela vossa autoridade, de os iluminar pelo vosso conhecimento, de os edificar pelas vossas virtudes, de lhes acudir nas suas necessidades, de renunciar a todo o ressentimento pessoal e de favorecer tudo o que possa contribuir para a paz e a unidade da sociedade."

Ramsay ligou a Maçonaria aos Cruzados, designadamente ingleses. Mas, ao contrário do que é correntemente afirmado, não é exato que tenha feito qualquer referência aos Templários. Este mito sobre um mito nasceu de um erro de Mackey, que tal afirmou na entrada dedicada à "Origem Templária da Maçonaria" na sua Enciclopédia da Maçonaria. Os grandes também se enganam, Mas os erros dos grandes acabam por ser divulgados como verdades...

Em nenhuma passagem do Discurso Ramsay sugeriu a criação de um novo rito, mas dele foi isso que veio a resultar. A Maçonaria tinha sido introduzida em França poucos anos antes, mas a nobreza francesa (o Povo, esse, simplesmente sobrevivia e só com a sua sobrevivência se preocupava), embora de algum forma fascinada, não acreditava que fosse possível que o ideário maçónico fosse originário de trabalhadores comuns, de mãos calejadas pelo trabalho de construção. Ramsay proporcionou-lhe uma resposta a essa desconfiança e um pretexto para que vissem a Maçonaria como digna de si: providenciou-lhe, à Maçonaria, nobres ancestrais!

Quase que de um dia para o outro, a nobreza e a intelectualidade francesa dedicaram-se a esta novidade, reformulando-a a seu gosto: em pouco tempo, mais de 1.100 graus foram inventados, agrupados em mais de cem ritos. A maior parte deles teve uma existência efémera, mas, entre os que sobreviveram, contavam-se os 25 graus do Rito de Perfeição, antecessor direto do Rito Escocês Antigo e Aceite.

O maçom Andrew Michael Ramsay, com o seu famoso Discurso, inadvertidamente mudou o curso da História da Maçonaria, ao inspirar a criação dos Altos Graus, daí vindo a ocorrer uma evolução que veio a culminar no Rito Escocês Antigo e Aceite.

Fontes:

http://www.chevalierramsay.be/chevalier-andrew-ramsay/
http://en.wikipedia.org/wiki/Andrew_Michael_Ramsay

Rui Bandeira

30 janeiro 2011

A maçonaria vista de fora - vista de dentro



Hoje comecei por pensar escrever simplesmente sobre "A maçonaria vista de fora", mas nesse caso versaria sobre o que quem está de fora vê da Maçonaria. Vi então que não era o que pretendia. Pretendo antes mostrar um pouco do que, quem está dentro, vê quem, de fora, tenta espreitar para dentro.

Há muita coisa disponível na Internet, em Livrarias, alfarrabistas, bibliotecas, enfim... um pouco por todo o lado. Quando me comecei a interessar pela maçonaria não me coibi de perguntar a quem tinha paciência para me responder. Ao mesmo tempo, comecei a comprar livros, a procurar filmes e videos, e a ler outros sites. Muito do que sobre Maçonaria se lê na Internet é de duvidosa qualidade, mas eu lá ia - ou assim acreditava - conseguindo separar o trigo do joio. A certa altura, quando contei, muito orgulhoso - creio que ao José Ruah - que estava a ler "The Meaning of Masonry", de Walter Leslie Wilmshurst, ele respondeu-me com certa secura algo como "Eu não perderia tempo a ler coisas que não entendesse, ou que eventualmente só estaria capacitado a compreender depois de ter uma década ou mais de maçonaria - mas força, mal não há-de fazer. Mas é um bocado árido.".

Na altura achei que ele era parvo, e que a leitura me abriria os horizontes, já que tudo pareciam apostado em "fazer caixinha". De facto, li muita coisa, mas aquela miscelânea de referências esotéricas trocava-me as voltas como naqueles livros que, de tantas personagens terem, nos obrigam a escrever uma lista de "Quem-é-quem", para não nos perdermos na história... Ia lendo coisas, ia memorizando significados e, por vezes, ia tendo aqui e ali alguns vislumbres das razões por detrás de tudo aquilo...

Foi um bom entretém, mas pouco mais que isso. Afinal, tive que esperar largos meses até que "se dignassem" iniciar-me... Curiosamente, depois de ser iniciado, os livros começaram a ganhar pó, os que se encontravam a meio foram fechados e arrumados, para só, muito esporadicamente, os vir a abrir com fins precisos, para logo os fechar de novo. Idem para os videos, filmes, blogues e afins - com exceção do "A-Partir-Pedra", que continuei a frequentar, mais discretamente, mas sem nunca deixar de ser leitor assíduo.

Agora, já de dentro, vejo o quanto é curiosa a vista de dentro de quem quer ver para dentro, o esforço que faz quem quer perceber o que lá se passa, e usa livros e videos como forma de iluminação. Em primeiro lugar, são poucos os que ultrapassam a análise dos símbolos, ou do fito pela benemerência. Para não falar nos paparazzi - em português: cuscovilheiros - que apenas querem saber quem está, de que modo nos ocultam coisas, e que maquinações engendram.

Acabei por dar alguma razão ao Zé Ruah: o que eu estava a fazer era algo como estudar muito bem as regras do futebol, as várias táticas, toda a teoria sobre o Desporto-Rei, no sentido de me tornar um novo Cristiano Ronaldo - mas sem nunca tocar uma bola, quanto mais treinar em equipa. Por isso, quando vejo alguém assim, entusiasmado com a Maçonaria, a ler muito, a pesquisar mais, não posso deixar de pensar que é tempo, em certa medida, perdido. Que se queira, depois de se ser aceite numa equipa, e de se aprender as passagens de bola básicas, e de fazer exercícios que até nem tenham - aparentemente - nada que ver com futebol, e de se apurar a técnica até onde esta pode ser apurada só com o instinto - então aí sim, pegar nuns livros e ler umas coisas pode fazer a diferença. Agora começar por aí...

Mas para quem o fez, deixo algumas palavras de encorajamento de Henry David Thoreau: "If you have built castles in the air ...that is where they should be. now put the foundations under them." (Se construiste castelos no ar... estão onde devem estar. Agora põe as fundações sob eles.)

Paulo M.

26 janeiro 2011

Origem e primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceite - hipótese sobre o nome


O exílio dos Stuart em França originou que grande parte da nobreza católica, particularmente escocesa, mas também católicos ingleses, se refugiasse também em França.

Muitos desses nobres eram já maçons Aceites. Foram-se constituindo e reunindo em França as primeiras Lojas maçónicas, Lojas maçónicas dos "Escoceses", que reproduziam os rituais que tinham aprendido na Escócia, muito similares - por menos ou nada expostos às alterações a partir de 1717 introduzidas pelos "Modernos" da Premier Grande Loja de Londres - aos rituais recebidos da Maçonaria operativa e aos que viriam, poucos anos mais tarde, a ser defendidos e praticados pela Grande Loja dos Antigos.

Esta, na minha opinião - que friso dever ser tida como hipótese, até agora não infirmada, mas carecendo de confirmação cabal -, a origem remota do nome que, umas décadas mais tarde, veio a ser conferido ao rito que acabou por se estabelecer: Rito Escocês Antigo e Aceite.

Escocês, porque derivando dos "Escoceses", os exilados apoiantes dos católicos Stuart; Antigo, porque derivando ou sendo desenvolvido a partir do ritual dos Antigos (em contraposição aos Modernos) e Aceite, porque prosseguindo a linha dos maçons aceites pelas Lojas operativas.

Esta denominação resulta, a meu ver, de um propósito de estabelecer a "linhagem" do Rito, em contraposição à "linhagem" dos Ritos de Emulação, desenvolvido no seio da Grande Loja dos Modernos (a Premier Grand Lodge), e de York, evolução ulterior decorrente quer do acordo posterior entre Antigos e Modernos, já no século XIX, que origina a atual Grande Loja Unida de Inglaterra, quer das alterações introduzidas posteriormente pela codificação de Preston e Webb, utilizada na Maçonaria Americana. Estes Ritos são desenvolvidos pelos Altos Graus do Rito de York, constituindo o segundo dos Sistemas de Altos Graus mais praticados atualmente no Mundo.

Enquanto que os Ritos de Emulação e de York, e respetivos Altos Graus, se fundam na prática da Premier Grand Lodge e na organização, inclusive ritual, fixada por James Anderson e Jean Théophile (ou John Teophilus) Desaguliers e, no que toca ao Rito de York, revista mais tarde por William Preston e Thomas Smith Webb, o que veio a ser mais tarde o Rito Escocês Antigo e Aceite busca as suas raízes diretamente na Maçonaria Operativa já com os maçons Aceites, tal como praticada na Escócia, e segundo princípios rituais defendidos pelos Antigos.

Esta dicotomia, perpetuando, a meu ver, o primeiro grande cisma da Maçonaria Moderna, entre Modernos e Antigos (lógica e cronologicamente anterior ao mais visível cisma nos dias de hoje, entre Regulares e Irregulares), permite atrair a nossa atenção para algo que muitas vezes não resulta claro: as duas diferentes vias de expansão em França (e por via dela, no Continente Europeu) do inicialmente localizado e tipicamente britânico fenómeno da Maçonaria: por uma via, temos uma introdução através dos exilados da Guerra Civil, católicos jacobitas, algo desorganizada e que, não deixando de vir a exercer uma influência futura, acabará por não lograr uma organização estável e coerente; por outro lado, existirá uma exportação institucional via Grande Loja inglesa do modelo, que paulatinamente, e a exemplo do que veio a suceder em todo o Império Britânico, vingará, em termos organizativos.

Mas, por agora, retenhamos que o Rito Escocês Antigo e Aceite tem as suas raízes nos vencidos da Guerra Civil Inglesa, na minoria católica inglesa e escocesa, na Tradição antiga e intocada por eles sustentada. As voltas que a História dá... Dos vencidos nascerá, após muitas vicissitudes, voltas e reviravoltas, o mais difundido Rito Maçónico da atualidade!

Um dos elos da cadeia de acasos que se foi sucedendo, e certamente não dos menos importantes, chama-se Andrew Michael Ramsay, também conhecido por Chevalier Ramsay. A ele e sua ação será dedicado o próximo texto desta série.

Rui Bandeira

23 janeiro 2011

Votar: direito e dever individual



Houve hoje, em Portugal, eleições para a Presidência da República. Acompanhei durante as últimas semanas - como, de resto, muitos outros portugueses - os factos e as histórias, as verdades e meias verdades, as cabriolas e acrobacias que cada uma das campanhas apresentava ao eleitorado - a cada um de nós, portanto. Todos assistimos às alianças feitas e desfeitas, aos jogos de conveniências, aos ataques, às defesas, às vítimas silenciosas, aos que gritavam ser vítimas, aos que se faziam de vítimas, às virgens ofendidas, às faces estoicamente  impassíveis, às caras desavergonhadamente impassíveis, às explicações impossíveis, à esperança na mudança, ao desespero pela mudança, à indiferença face à expetativa da mudança das moscas, ao frenesim das contagens, ao sentido do dever cumprido, ao cansaço ao fim de um dia comprido.

Em conversa com uma amiga minha - que priva com alguns políticos dos dois maiores partidos - comentou esta que, não obstante haver, como era sabido, candidatos apoiados por este e por aquele partido, havia muitos militantes insatisfeitos com os candidatos que os seus partidos apoiavam. E que não se podia impor disciplina partidária em eleições livres. Repetiu-me então um comentário que lhe fizeram e que fixei: "No silêncio da urna, só tu é que sabes em quem votas". Achei curioso ela falar no "silêncio" da urna. Pareceu-me uma coisa muito maçónica - e se calhar era-o. E logo recordei a velha diferença entre a Maçonaria Regular e a Maçonaria Liberal no que respeita a participação política, com a primeira a arredar-se desta e a segunda a abraçá-la.

Quando hoje - como milhões de outros portugueses, votei, estava frio. Tinha deixado o casaco em casa, anoitecia já, tinha pressa e outros deveres, mas lá fui. Demorei quê?... uns cinco minutos. Foi chegar, "botar a cruzinha", dobrar, meter e sair. Um gesto tão simples que não doeu nada. Foi assim, sorrindo para com os meus botões, que votei, enquanto pensava que não o fazia senão pela minha cabeça, fiel às minhas convicções, sem outra lealdade para além daquelas que tinha para comigo e para com o meu país. E só por isso,  hoje - independentemente dos resultados - dormiria um sono tranquilo.

Paulo M.

19 janeiro 2011

Origem e primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceite - Antecedentes em Inglaterra

William e Mary

Para se entender as circunstâncias do surgimento e estabelecimento do REAA, há que começar por relembrar alguns factos anteriores, quer especificamente relacionados com a Maçonaria, quer factos históricos em geral.

As Lojas operativas de construtores em pedra regulavam o ofício e transmitiam os ensinamentos a ele inerentes, conjuntamente com normas éticas e conhecimentos científicos vindos de tempos imemoriais, particularmente no domínio da Geometria. Foram essenciais na regulação do ofício da construção em pedra por toda a Idade Média. Porém, o Renascimento, a difusão, tímida mas paulatina, do Conhecimento, facilitada pela divulgação na Europa da impressão mecânica - e consequente embaratecimento e disponibilidade de livros -, a aquisição por operários exteriores às Lojas das técnicas de construção, foram insensível mas inevitavelmente desgastando a capacidade de influência e a relevância social das Lojas operativas. Cada vez mais sabiam construir sem terem aprendido a fazê-lo em Lojas operativas de construtores. Cada vez menos estas regulavam eficazmente o acesso ao ofício.

A lógica natural da evolução levaria à extinção das Lojas operativas - como sucedeu por essa Europa fora. Porém, na Escócia, na Irlanda, em Inglaterra, uma evolução ligeiramente diferente ocorreu. Os operários construtores reagiram à crise abrindo as suas Lojas a não construtores. Aos senhores que lhes encomendavam trabalhos, a membros da pequena nobreza rural, a pessoas interessadas no saber, que aos saberes simples herdados de muitas gerações atrás assim acediam. Naturalmente que, a pouco e pouco, esses maçons Aceites passavam a ter cada vez mais importância nas Lojas, estas deixavam de ser centros reguladores da Arte de Construir e passavam a centros de debate e difusão de conhecimentos. Evoluía-se assim da Maçonaria Operativa para uma nova realidade: a Maçonaria Especulativa.

Esta evolução processa-se ao longo de todo o século XVII e início do século XVIII e, naturalmente, ocorre em ritmos diferentes, sendo aceitável que tenha sido mais acelerada em centros urbanos que rurais, mais profunda e rápida em Londres do que na Escócia ou em York.

Assim se chega a 1717 e à criação por quatro Lojas londrinas da Premier Grand Lodge. Este momento marca o início dito oficial da moderna Maçonaria Especulativa, mas não só. Consumou-se também um corte decisivo com parte das tradições vindas da operatividade. Desde logo a independência total e absoluta de cada Loja. Mas também uma assumida intenção de rever e atualizar os rituais herdados dos tempos operativos e que já não correspondiam cabalmente às necessidades das Lojas Maçónicas especulativas. Os maçons da Premier Grand Lodge encetaram um movimento codificador mas também modernizador das Tradições recebidas da operatividade. Neste percurso não foram acompanhados, nem tiveram a concordância daqueles que prezavam as Tradições trabalhadas e que não viam com bons olhos as modificações que iam sendo introduzidas. Estavam criadas as condições para o que, não muito mais tarde - ainda na primeira metade do século XVIII -, veio a ocorrer na nóvel Maçonaria Especulativa britânica: a primeira grande separação, entre os Modernos (os renovadores da Premier Grand Lodge) e os que se agruparam na Grande Loja dos Antigos (que se declaravam os verdadeiros herdeiros da Tradição maçónica).

Paralelamente, a Grã-Bretanha viveu no século XVII a Guerra Civil, que opôs os partidários do rei Carlos I aos partidários do Parlamento, liderados por Oliver Cromwell. Carlos I acaba por ser preso, condenado á morte e executado, em 1649. Esta primeira guerra civil, essencialmente entre o monarca absoluto e o Parlamento, defensor de uma monarquia parlamentar, conteve os germes de uma outra confrontação: é que o Parlamento era essencialmente constituído por protestantes, que, além do mais, verberavam a Carlos I o seu casamento com uma católica e a sua participação nas guerras europeias da época, consideradas pelos parlamentares como cruzadas católicas. Nascia também uma dissensão religiosa, que veio a culminar em outra confrontação, entre o final do século XVII e meados do século XVIII: a chamada Revolução Gloriosa, que decorreu entre 1695 e 1740. No reinado de James II, da dinastia Stuart, católico, atingiram o rubro as contradições entre católicos e protestantes, entre os direitos seculares da coroa e os poderes do Parlamento. James II, deposto, exilou-se em França. O trono foi entregue a sua filha, protestante, Mary, e seu genro, William de Orange, também protestante, que foram coroados em conjunto como Mary II e William II, e iniciaram a dinastia de Orange. Durante décadas, a confrontação entre os católicos Stuart e os protestantes Orange dividiram as Ilhas Britânicas.

Chegamos assim à segunda década do século XVIII, em síntese, com esta situação:

a) Organizava-se a Maçonaria Especulativa em Inglaterra;

b) Parte da classe nobre inglesa - designadamente os católicos (ou jacobitas - não confundir com os jacobinos, fação extremista da Revolução Francesa) - estava exilada em França, integrando uma corte no exílio dos pretendentes Stuart à recuperação do trono britânico;

c) A nobreza inglesa já tinha, a partir de finais do século XVII, integrado as lojas maçónicas e participado na transição da maçonaria operativa para a especulativa;

d) Parte dessa nobreza acompanhou os Stuart no exílio em França.

e) Pesem embora as rivalidades e inimizades políticas, os maçons católicos e protestantes, apoiantes dos Stuart ou dos Orange, tinham-se já habituado a conviver fraternalmente nas Lojas maçónicas.

Os eventos seguintes que vieram a originar o aparecimento do REAA repartem-se, então, entre Inglaterra e França. Serão objeto do próximo texto.

Rui Bandeira

15 janeiro 2011

Os que ficam pelo caminho


"Nem todos os Aprendizes chegam a Companheiros. Nem todos os Companheiros ascendem a Mestres. E seguramente que nem todos os Mestres virão a exercer o ofício de Venerável Mestre. É assim a realidade!" Assim escreveu o Rui Bandeira num texto publicado em 2008, ainda não tinha eu recebido o meu avental branco. Na altura, quando o li, achei estranho o tom, a naturalidade, e o que tomei por critérios de seleção apertadíssimos. Recordo-me de ter pensado algo como "Estes tipos não brincam em serviço... Devem ser bestialmente exigentes, e só escolhem os melhores para progredir... Isto devem ser chumbos de três em pipa..."

Estava tão enganado!

Com o tempo vim a perceber que dificilmente a Loja "chumbava" fosse quem fosse, a não ser nas circunstâncias mais excecionais, mas que, não obstante, o Rui tinha razão: havia muitos que ficavam pelo caminho. Mas se a Loja não chumbava ou impedia a progressão, quem o fazia então? Ora... o próprio, quem mais?! Comecei a perceber que por detrás de cada nome que era chamado no início da sessão pelo Secretário e a que se seguia um silêncio em vez de ser anunciada a presença se encontrava um Irmão que não viera. E que os nomes que eu ouvia repetidamente e a que não associava uma cara eram de Irmãos que, de todo, não apareciam.

Uns - já Mestres - haviam-se desencantado, suponho, com a rotina da vida da Loja, e tinham agora outros entreténs - razão por que não punham os pés numa Sessão fazia tempo. Outros tinham, simplesmente, prioridades - frequentemente profissionais ou familiares - que se impunham sobre a presença em Loja, ou não tinham de todo disponibilidade para integrar a Linha de Sucessão assumindo um Ofício. Uns e outros lá iam aparecendo, uns mais e outros menos frequentemente, mas alguns desapareciam completamente de circulação.

A outros - ainda Companheiros - sucedia perderem o estímulo, ou não aguentarem tanto tempo sem poder falar e sem ser exaltados a Mestre. Ao fim de um tempo, também alguns destes começavam a faltar, a envolver-se pouco, e a certa altura eram, também eles, um desses nomes que se ouve e se associa a uma cara, mas que se tem uma certa nostalgia de não ver há meses...

Por fim, alguns Aprendizes eram iniciados, achavam graça à coisa, mas não tinham vida nem disponibilidade para pertencer a uma Loja que se reúne duas vezes por mês em dias e horas certos. Outros, quiçá mal conduzidos ou defeituosamente escrutinados, acabavam por se aperceber que a Maçonaria não lhes fazia vibrar corda nenhuma, e desapareciam.

Alguns interiorizavam que não queriam mais pertencer à Maçonaria, e pediam para sair. Outros, divididos entre o querer e o não poder, não assumiam a impossibilidade de permanecer, e iam ficando sem ficar. A certa altura, já nem as quotas pagavam, nem asseguravam os "mínimos olímpicos" da assiduidade - nós nem somos esquisitos: uma presença por ano basta-nos - e tinha que se lhes chamar a atenção para que cumprissem com os seus deveres.

E de facto confirmei ser precisamente assim, como o Rui tinha dito: há os que ficam pelo caminho, e os que vão progredindo de degrau em degrau, uns mais depressa e outros mais lentamente. Por vezes, alguns metem-se por becos sem saída e, ou adormecem, ou corrigem o percurso. Mas se é sempre triste vermos um irmão sentar-se na beira do caminho, descalçar as botas e adormecer encostado a uma árvore - pois sabemos que a maioria ficará ali para sempre - já nos enche de orgulho ver um irmão subir mais um degrau, assumir mais uma responsabilidade, receber mais um reconhecimento.

Os caminhos são muitos, e o destino é cada um que o escolhe. Não é, portanto, a Loja que é exigente e o "chumba" - pois para isso teria que ser a Loja a determinar os objetivos, e estes pertencem a cada um. É antes o Maçon que é muito ocupado, desiludido, ou simplesmente complacente, e se retira pelo seu pé. E assim deve ser. É que a Maçonaria não é para todos: é só para aqueles que de facto queiram - e façam por isso.

Paulo M.

12 janeiro 2011

Origem e primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceite - Introdução

O Rito Escocês Antigo e Aceite é hoje um dos mais praticados ritos maçónicos no Mundo. Milhares e milhares de maçons o executam. Os seus ensinamentos são objeto de reflexão. As suas cerimónias tocaram e tocam o coração dos que neste rito trabalham. Embora com as normais variantes locais, é hoje um rito estabilizado, em que cada um, independentemente da sua língua ou da especificidade nacional, em qualquer parte do mundo o reconhece e facilmente se integra na sua execução. No entanto, poucos conhecem a sua origem e as vicissitudes dos seus primórdios - no fundo, aquilo que fez deste rito o que ele é hoje.

Nos Estados Unidos - apenas com a residual exceção de meia dúzia de "lojas vermelhas" na Louisiana - o Rito Escocês Antigo e Aceite não é praticado nos três graus simbólicos (Aprendiz, Companheiro e Mestre), existindo apenas como Sistema de Altos Graus, os chamados graus filosóficos. Na Europa, na América Latina e um pouco por todo o resto do Mundo, porém, o Rito Escocês Antigo e Aceite é trabalhado nos três primeiros graus (graus simbólicos) em Lojas agrupadas em Grandes Lojas ou Grandes Orientes, dedicados apenas ao trabalho nos "graus da Ordem" (Cratf degrees), os ditos três primeiros graus, ou graus simbólicos, de Aprendiz, Companheiro e Mestre, e nos restantes graus em Lojas, Capítulos ou Conselhos de Altos Graus ou graus filosóficos, normalmente sob a égide de Supremos Conselhos do Rito.

Que originou esta diferença?

E porque é que o Rito é Escocês? Terá sido por ter sido criado na Escócia? Terá - como algumas lendárias teses ciclicamente ressurgidas defendem - alguma coisa a ver com a mítica e escocesa Rosslyn Chapel e os não menos míticos Cavaleiros Templários alegadamente fugidos para aquele País, na sequência da destruição da Ordem do Templo pelas atuações conjugadas de Filipe IV, dito o Belo, mas certamente não de caráter, e do Papa Clemente V, que de clemente bem pouco teve?

E porque é que é Antigo? Porque existe desde tempos imemoriais, evoluindo em linha direta desde os tempos dos Mistérios egípcios, passando pelos geómetras gregos, pelos Cruzados e desembocando nos humildes canteiros europeus, pelo ramo popular, e nos orgulhosos Cavaleiros, pela via nobiliárquica? Ou simplesmente será Antigo por oposição a algo que era considerado Moderno?

E porquê Aceite? Em contraposição a algo que o não era? Ou tem esta designação algo a ver com os cavalheiros que, não sendo trabalhadores do ofício da construção em pedra foram aceites nas Lojas reguladoras do dito ofício?

E é tal Rito uma criação de alguém determinado, designadamente o também mítico Cavaleiro Andrew Michael Ramsay, ou simplesmente Chevalier Ramsay, ou resulta de contribuições dispersas?

Foi propositadamente estruturado e organizado? Ou é o resultado, o que sobreviveu, de uma confusa proliferação de ritos e graus?

Cada cabeça, sua sentença! Muitas lendas, bastantes interpretações ad hoc e considerações que na realidade no sei veras, embora nos atraiam por serem bene trovatas por aí pululam relativamente ao REAA.

Não sou historiador. Não estou por isso capacitado para dar uma versão cientificamente fundada dos factos que deram origem ao rito. Mas, sendo um leitor compulsivo e voraz e tendo-me habituado a pensar pela minha cabeça, penso poder dar uma opinião não demasiadamente infundamentada de como realmente apareceu e se estruturou o rito, procurando destrinçar factos de lendas, sucessos de especulações, acontecimentos de ficções.

E, por falar em factos, estabeleça-se já o primeiro: o Rito Escocês Antigo e Aceite estruturou-se ao longo do século XVIII e fixou-se na sua forma muito semelhante à atual no início do século XIX.

Como e em que circunstâncias, é o que começarei a tentar explicar a partir do próximo texto.

Rui Bandeira

10 janeiro 2011

Porquê "meu irmão", e não "meu amigo"?


Os maçons tratam-se, entre si, por "irmão", tratamento que é explicitamente indicado a cada novo maçon após a sua iniciação. Imediatamente após terminada a sessão de Iniciação é normal que todos os presentes cumprimentem o novo Aprendiz com efusivos abraços, rasgados sorrisos e, entre repetidos "meu irmão", "meu querido irmão" e "bem vindo, meu irmão", recebe-se, frequentemente, mais afeto do que aquele que se recebeu na semana anterior.

O que seria um primeiro momento de descontração torna-se, frequentemente, num verdadeiro "tratamento de choque", num momento de alguma estranheza e, quiçá, algum desconforto para o novo Aprendiz. Afinal, não é comum receber-se uns calorosos e sinceros abraços de uns quantos desconhecidos, para mais quando estes nos tratam - e esperam que os tratemos - por irmão... e por tu! Sim, que outro tratamento não há entre maçons, pelo menos em privado - que as conveniências sociais podem ditar, em público, distinto tratamento.

O primeiro momento de estranheza depressa se esvai - e os encontros seguintes encarregam-se de tornar naturalíssimo tal tratamento, a ponto de se estranhar qualquer "escorregadela" que possa suceder, como tratar-se um Irmão na terceira pessoa... Aí, logo o Aprendiz é pronta e fraternalmente corrigido, e logo passa a achar naturalíssimo tratar por tu um médico octogenário, um político no ativo, ou um professor universitário. E de facto assim é: entre irmãos não há distinção de trato.

Não se pense, todavia, que todos se relacionam do mesmo modo. Afinal, não somos abelhas obreiras, e mesmo entre essas há as que alimentam a rainha ou as larvas, as que limpam a colmeia, e as que recolhem o néctar. Do mesmo modo, todos os maçons são diferentes, têm distintos interesses, e não há dois que vivam a maçonaria de forma igual. É natural que um se aproxime mais de outro, mas tenha com um terceiro um relacionamento menos intenso. Não é senão normal que, para determinados assuntos, recorra mais a um irmão, e para outros a outro - e podemos estar a falar de algo tão simples quanto pedir um esclarecimento sobre um ponto mais obscuro da simbologia, ou querer companhia ao almoço num dia em que se precise, apenas, de quem se sente ali à nossa frente, sem que se fale sequer da dor que nos moi a alma.

Mas não serão isto "amigos"? Porquê "irmãos"? Durante bastante tempo essa questão colocou-se-me sem que a soubesse responder. Sim, havia as razões históricas, das irmandades do passado, mas mesmo nessas teria que haver uma razão para tal tratamento. O que leva um punhado de homens a tratarem-se por "irmão" em vez de se assumirem como amigos? Como em tanta outra coisa, só o tempo me permitiu encontrar uma resposta que me satisfizesse. Não é, certamente, a única possível - mas é a que consegui encontrar. 

Quando nascemos, fazêmo-lo no seio de uma família que não temos a prerrogativa de escolher. Ninguém escolhe os seus pais ou irmãos de sangue; ficamos com aqueles que nos calham. O mais natural é que, em cada núcleo familiar, haja regras conducentes à sua própria preservação e à de todos os seus elementos, regras que passam, forçosamente, pela cooperação entre estes. É, igualmente, natural que esse fim utilitário, de pura sobrevivência, seja reforçado por laços afetivos que o suplantam a ponto de que o propósito inicial seja relegado para um plano inferior. É, assim, frequente que, especialmente depois de atingida a idade adulta, criemos laços de verdadeira e genuína amizade com os nossos irmãos de sangue, que complementa e de certo modo ultrapassa, em certa medida, os meros laços de parentesco.

Do mesmo modo, quando se é iniciado numa Loja - e a Iniciação é um "renascimento" simbólico - ganha-se de imediato uma série de Irmãos, como se se tivesse nascido numa família numerosa. Neste registo, os maçons têm, uns para com os outros, deveres de respeito, solidariedade e lealdade, que podem ser equiparados aos deveres que unem os membros de uma célula famíliar. Porém, do mesmo modo que nem todos os irmãos de sangue são os melhores amigos, também na Maçonaria o mesmo sucede. Não é nenhum drama; o contrário é que seria de estranhar. Diria, mesmo, que é desejável e sadio que assim suceda, pois a amizade quer-se espontânea, livre e recíproca. E, tal como sucede entre alguns irmãos de sangue, respeitam-se e cumprem com os deveres que decorrem dos laços que os unem, mas não estabelecem outros laços para além destes. Pode acontecer - e acontece. Mas a verdade é que o mais frequente é que, especialmente dentro de cada Loja, cada maçon encontre, de entre os seus irmãos, grandes amigos - e como são sólidos os laços de amizade que se estabelecem entre irmãos maçons!

Paulo M.

05 janeiro 2011

A burocracia e a Loja


Uma Loja maçónica não se dedica apenas ao estudo do simbolismo, ao compartilhamento de saberes, experiências, opiniões, reflexões, nem à execução e aperfeiçoamento rituais, nem ainda às cerimónias próprias da Arte Real. Uma Loja maçónica tem também que assegurar a parte burocrática do seu funcionamento.

Muitas Lojas têm, por natureza, esse fardo aligeirado, porquanto constituíram associações de direito civil que lhes conferem personalidade jurídica e é no âmbito dessas associações e dos seus Corpos Gerentes que as tarefas burocráticas inerentes às obrigações do coletivo perante o Estado são realizadas. Mas, ainda assim, muitas tarefas de cariz burocrático respeitam apenas à Loja e são responsabilidade dela própria.

A forma de lidar com estes assuntos são diversificadas. Temos desde a forma de funcionamento de muitas (talvez a maior parte) das Lojas americanas, que dedicam grande e enfadonha parte de muitas das suas reuniões a aprovar, uma por uma, as despesas da Loja e do Templo, por mais corriqueiras (eletricidade, água) que sejam - porque só se paga o que for autorizado em Loja que seja pago - às Lojas que delegam numa Comissão de Oficiais o tratamento dessas questões, limitando-se a, em regra anualmente, tomar conhecimento dos relatórios das atuações tidas e a preconizar as diretrizes a serem seguidas no ano subsequente.

A Loja Mestre Affonso Domingues está entre estes dois extremos. Muitas matérias são decididas pelo Venerável Mestre ou pelas Luzes (o Venerável Mestre e os dois Vigilantes), ou por uma das Comissões de Oficiais (Administrativa, de Beneficência, de Justiça). Mas um número não negligenciável de assuntos são, quer por razões e prática rituais, quer por tradição, quer pela prática da Loja, decididos em sessão de Loja: assuntos disciplinares (felizmente, poucos e raros), de fixação de quotas ou comparticipações para despesas, admissão de novos elementos, alterações regulamentares, opções de gestão ou de organização, etc..

Consoante as solicitações do género, o Venerável Mestre pode optar por diluir o tratamento das questões burocráticas no trabalho geral, reservando um espaço de tempo, geralmente curto, para resolver uma ou duas questões dessa natureza por sessão, ou, se o volume ou complexidade das matérias que há que tratar é grande, dedicar uma ou duas sessões (de preferência sem serem seguidas) para arrumar os assuntos burocráticos todos de uma vez e por um tempo razoável.

As questões administrativas são cansativas e nada apelativas – todos o sabemos. Mas é indispensável delas tratar. Uma orquestra executa música e é isso que os músicos gostam de fazer. Mas uma orquestra não conseguirá produzir música de qualidade se os músicos não se dedicarem às menos interessantes tarefas de cuidar dos seus instrumentos, de bem os guardar, de organizar a sua colocação na sala de concertos, de preparar as pautas, enfim, todas as “questões administrativas” menores mas indispensáveis para que a orquestra execute música.

Também uma Loja maçónica não pode abstrair das questões de organização e de gestão administrativa. Consideramo-las menores e aborrecidas. Mas são essenciais para nos podermos dedicar ao que gostamos de fazer, ao que queremos fazer, ao que necessitamos de fazer: aprender em conjunto a ser cada um de nós um pouco melhor a cada momento.

Gostamos de aparelhar, polir e pousar nossas pedras no Templo que ensaiamos de construir. Mas só o podemos fazer devidamente se mantivermos as nossas ferramentas em ordem, o nosso local de trabalho ordenado e agradável, os nossos materiais preparados e ordenados.

Costuma-se dizer que tão necessários são os solistas como os carregadores de piano. Nós, maçons, procuramos levar mais longe essa ideia: carregamos o piano e os outros instrumentos, ensaiamos e tocamos em conjunto e, quando podemos, ainda nos atrevemos, aqui e acolá, a uns solos...

Numa Loja, como em quase tudo na vida, todos gostamos de brilhar. Mas, para o conseguir, também é preciso puxar do pano e da solarina...

Rui Bandeira

31 dezembro 2010

A (im)perfeição e as Old Charges (III)



Para além da questão da deficiência física coloca-se a da deficiência mental. Poderá um deficiente mental ser iniciado maçon? Neste caso, a porta já não se abre tanto quanto face à deficiência física, mas também não se fecha de todo. É tudo uma questão da natureza e das consequências da deficiência. Um profano, para ser iniciado maçon, tem que ser "livre e de bons costumes". A pedra de toque da questão da deficiência mental coloca-se, precisamente, na liberdade. Há três vertentes em que se exige que uma pessoa seja livre se quer ser admitido:

- Liberdade da luta pela auto-suficiência. Para ser admitida na maçonaria, uma pessoa tem que dispor dos meios económicos para se bastar a si mesma de modo que o sustento diário não seja uma preocupação tal que se sobreponha a todo o resto. Não está em causa a quantidade dos rendimentos, mas que este sejam suficientes e adequados ao garante do sustento do próprio e daqueles que tenha a cargo - descendentes ou ascendentes. Deve, ainda, permitir que os custos decorrentes da pertença à maçonaria (quotas, material, etc.) não causem transtorno. Uma pessoa que viva constantemente assoberbada com o que vai amanhã colocar na mesa para os filhos, ou falte mesmo aos seus deveres familiares, não tem disponibilidade mental para ser maçon - decorra essa carência económica ou não de deficiência mental.

- Liberdade de pensamento. Uma pessoa que não seja livre de poder, voluntariamente, alterar a sua forma de pensar não tem lugar na maçonaria, pois a maçonaria tem como objetivo o aperfeiçoamento do Homem, e aperfeiçoar-se é, forçosamente, mudar. Ora, procurar aperfeiçoar-se é sinal de que se admitiu já a própria imperfeição, e isto só pode ter decorrido de uma auto-análise - que, por sua vez, só pode ter tido lugar numa mente suficientemente ordenada para a ter efetuado. Por esta razão, quem não tenha a capacidade de ver e aceitar como válido um ponto de vista distinto do seu - o que sucede, por exemplo, com alguns fundamentalistas, cujas crenças podem ser rígidas a ponto de que o impeçam de pensar por si mesmo - também não está apto, independentemente da sua sanidade mental, a ser iniciado.

- Liberdade de agir em consciência. Uma pessoa incapaz de pôr em prática os seus próprios desígnios e de agir de acordo com os ditames da sua consciência dificilmente poderia tirar algum proveito da maçonaria. Se a maçonaria não tiver repercussões na forma de agir do maçon, então estamos perante um caso de insucesso. É essencial que o maçon não só tenha uma consciência bem formada - uma boa noção do bem e do mal - como paute o seu modo de agir por esses mesmos princípios. Uma pessoa que, em virtude de uma dependência (do jogo, de uma droga...) que condicione a sua vontade, não possa agir em consciência - não porque esta não exista, mas porque a sua concretização esteja fortemente condicionada - não deverá ser iniciada.

Não esqueçamos, por fim, que o conceito de normalidade é puramente arbitrário e estritamente decorrente das características da população em que o indivíduo se insira: um indivíduo "normal" numa população pode ser "anormal" se inserido noutra. A fronteira tem que ser traçada algures, mas isso quer dizer o quê? Que, se a pessoa estiver num dia bom, pode ser iniciada, e depois, num dia mau, é excluída? Mas não temos todos momentos melhores e piores, de maior ou menor lucidez, uns mais felizes do que outros?

Uma pessoa dependente do álcool a ponto de que isso perturbe a sua vida quotidiana está tão privada de liberdade de ação como uma pessoa que tenha o espírito igualmente embotado mas sem que tal decorra da bebida. Ou um fanático religioso pode ser tão inabalável e impermeável à mudança quanto um obsessivo-compulsivo. Não é a deficiência mental, em si mesma, o obstáculo, mas as limitações - que podem ter variadas origens para além da deficiência mental - a que a liberdade do indivíduo esteja sujeita.

Pretender que apenas seres perfeitos e perfeitamente livres se tornem maçons seria um contrassenso. Por não existirem homens perfeitos, seria esta uma excelente receita para se acabar com a maçonaria. Mas, acima de tudo, a maçonaria é um método de aperfeiçoamento - e só se aperfeiçoa quem não é perfeito. Pedras polidas não precisam de desbaste - e liberdade absoluta não existe. Como em tantas outras coisas, aqui só podemos socorrer-nos das linhas gerais e, para cada caso particular, aplicar uma das mais importantes regras: a do bom senso.

Paulo M.

P.S.: Este é o meu último texto deste ano. Para todos, um feliz ano novo de 2011!

29 dezembro 2010

Paulo Guilherme D'Eça Leal, maçom irreverente


Passou ao Oriente Eterno em 9 de outubro deste ano, após uma profícua e criativa vida de setenta e oito anos. A notícia da sua saída deste mundo físico foi publicada em vários órgãos de comunicação social, seguida do habitual rol de realizações, breve historial de vida em meia dúzia de linhas. Sim, foi ilustrador - prolífico e genial. Sim, foi decorador de edifícios emblemáticos (a sede do Banco Pinto e Sotto Mayor, no Porto, por encomenda de António Champalimaud, o Aeroporto de Lisboa, o Museu do Centro Cultural de Macau em Lisboa). Sim, foi pintor e escultor de qualidade que permanecerá reconhecida. Sim, foi escritor, contista, investigador do esotérico. Sim, foi autor de diversos selos, moedas e medalhas. Sim, foi cenógrafo. Sim, foi, em resumo, um artista multifacetado, que espalhou a sua criatividade, qualidade e originalidade.

Mas, para mim, para nós, os mais antigos da Loja Mestre Affonso Domingues, foi simplesmente o Paulo Guilherme, um dos nossos, um pouco, um tudo nada, excêntrico, um espírito vivo e irreverente. E uma língua afiada também...

O Paulo Guilherme fez parte da Loja Mestre Affonso Domingues nos anos noventa. A sua permanência entre nós foi mais breve do que ele e nós gostaríamos. Nunca chegou a ser exaltado Mestre maçom. Foi iniciado Aprendiz e passado a Companheiro maçom.

Depois, a doença que, anos mais tarde, veio a vitimar o seu invólucro físico revelou-se. Fumador inveterado, o cancro da laringe apareceu. E foi o calvário dos tratamentos, a operação, a perda das cordas vocais, a incapacidade de falar, a aprendizagem da fala pelo esófago, com o auxílio do amplificador que gera aquela estranha voz metálica. Outras prioridades assolaram o Paulo Guilherme. A doença forçou-o a ficar mais caseiro. O trabalho em Loja não mais foi uma prioridade séria. E o Paulo Guilherme fez aquilo que um maçom que se preza deve fazer, quando as circunstâncias e a vontade própria a isso obrigam: pediu o seu quite e adormeceu.

Mas sempre permaneceu interessado na busca esotérica a que dedicou a parte final da sua vida. O seu estudo e tese sobre a Pirâmide de Quéops aí estão para o demonstrar.

À distância, foi mantendo contacto com alguns de nós. Em particular, com o Luís R. D., com quem, de longa data, manteve laços de amizade. Na parte final da sua vida, alguns contactos manteve comigo, também.

A idade, a doença e a debilidade foram-no tornando um pouco mais rezingão do que o habitual. Mas o génio, o vivo espírito crítico, a autoconfiança, esses, permaneceram sempre. O Paulo Guilherme foi, de facto, um artista com um génio admirável. A sua ironia enfeitiçava-me. A sua cultura maravilhava qualquer um.

Tenho pena que a doença e as circunstâncias tenham impedido que o Paulo Guilherme tivesse continuado mais tempo o seu percurso junto dos demais na Loja. Estou certo que, tivesse isso sido possível, ele deixaria uma intensa marca na Loja, quiçá inolvidável. Não posso deixar de tentar imaginar como seria se as coisas tivesse sido diferentes e o Paulo Guilherme tivesse permanecido até culminar o seu percurso com a sua Exaltação como Mestre Maçom, como seria se tivesse feito o normal percurso que todos na Loja fazemos até à Cadeira de Salomão, que surpreendente e inolvidável seria o seu tempo de Venerável Mestre da Loja. Não me atrevo a perspetivar se seria bom ou mau - sei, sem sombra de dúvida, que seria intensamente diferente!

Com o Paulo Guilherme, a Loja aprendeu a conviver com o génio algo excêntrico. Se ele a tivesse dirigido, teria sido, não duvido, algo de épico e inolvidável. Não sei se a Loja seria hoje melhor ou pior do que é. Mas de certeza, certezinha, que seria diferente!

A irreverência do Paulo Guilherme só não deixou marcas mais profundas na Loja porque a sua doença e as circunstâncias não deram tempo a que as sementes dela germinassem. Mas nós, os mais antigos, testemunhámos um pouco dessa irreverência. E eu tenho para mim que - é inevitável... - algum dia um outro artista de génio, também irreverente, deixará a sua marca na Loja. E então teremos um pouco da noção do que teria sido a marca do Paulo Guilherme na Mestre Affonso Domingues.

Paulo Guilherme, o artista nunca passa despercebido. E tu não o passaste na Mestre Affonso Domingues. Até um dia, em outra dimensão, que a todos nós espera! Suspeito que a esta hora, a marca da tua irreverência já se faz sentir e que, parafraseando o Poeta, o assento etéreo onde subiste já está, no mínimo, muito mais bem decorado! Olha, se puderes, faz um favor a este teu admirador: usa as tuas capacidades e faz lá uma ilustração de como agora o puseste. Sei que só em sonho a poderei ver - mas estou certo que vou gostar!

Rui Bandeira


25 dezembro 2010

A (im)perfeição e as Old Charges (II)


Em pleno século XIX houve diversas tentativas de se tornar menos estrita a regra que impedia a admissão de deficientes físicos na Maçonaria, alegando-se ser esta um legado dos tempos da maçonaria operativa. Algumas Grandes Lojas deixaram, mesmo, cair este requisito, exigindo apenas que o candidato tivesse a capacidade física estritamente necessária a que pudesse ser iniciado e receber os ensinamentos da Ordem. Mas logo vozes se elevaram, recordando que o que estava em causa era um dos landmarks da Maçonaria, que são por definição imutáveis, e por isso a questão não careceria sequer de mais discussão. Independentemente da origem do preceito residir na maçonaria operativa e ter, entretanto, deixado de fazer sentido, este deveria ser cumprido, sob pena da retirada do reconhecimento às Obediências que não o cumprissem e fizessem cumprir. Mas não se pense que, sem mais debate, a questão se ficava por aqui, ou que os argumentos alegados eram desprovidos de substância; pelo contrário.

Alegava-se, por exemplo, que a Bíblia descreve, repetidamente, como só um animal perfeito e sem mancha podia ser oferecido em sacrifício. Se o bicho tivesse a mínima imperfeição deixava de ser passível de ser oferecido em holocausto: ao Divino não se oferecia senão o que se tinha de melhor. Ainda nesta perspetiva, uma vez que, em Maçonaria Regular, se trabalha "À Glória do Grande Arquiteto do Universo" - donde decorre que o trabalho que se faz é feito em Sua intenção, sendo cada maçon a sua própria oferenda - a aplicar-se à letra o antigo princípio da perfeição da vítima sacrificial, poder-se-ia discorrer que um deficiente físico não seria "suficientemente bom" para ser oferecido ao Grande Arquiteto do Universo.

Outro dos argumentos teria que ver com a capacidade de trabalhar. A Maçonaria - mesmo a Especulativa - socorre-se do trabalho como forma e método de aprendizagem, pelo que a incapacidade para desempenhar tarefas úteis poria em causa todo o método maçónico. Por outro lado, é essencial que um maçon se baste a si mesmo, pois de outro modo não teria a disponibilidade mental para se aperfeiçoar enquanto pessoa. É uma questão de prioridades: primeiro o sustento do corpo, depois o apuramento do espírito.

A própria simbologia maçónica era usada como argumento. Discutia-se, com a maior seriedade, se, uma vez que a maçonaria tinha por objetivo a "construção do Templo" a partir das pedras que cada um ia tratando de polir, não seria contrário à mesma maçonaria aceitar pedras "tortas"? Que Templo Perfeito poderia a Maçonaria almejar construir à Glória do Grande Arquiteto se as pedras não fossem todas perfeitas?

Espantosamente, este debate ainda persiste; ainda há Obediências - Grandes Lojas - cujos regulamentos proíbem a admissão de deficientes físicos. Contudo, mesmo a maioria dessas admite que, se um Irmão ficar limitado (amputado, paralisado...) após a sua admissão, terá todo o apoio da loja.

Na Grande Loja Legal de Portugal/GLRP a questão, tanto quanto sei, não se coloca. As condicionantes à admissão são, de acordo com a Constituição e Regulamento Geral da GLLP, apenas que os candidatos sejam "homens livres e de bons costumes que se comprometem a pôr em prática um ideal de paz" , que tenham "o respeito pelas opiniões e crenças de cada um", e sejam "homens de honra, maiores de idade, de boa reputação, leais e discretos, dignos de serem bons irmãos e aptos a reconhecer os limites do domínio do homem, e o infinito poder do Eterno".

Pode argumentar-se que um deficiente físico não é inteiramente livre. Fosse esse um requisito - ser inteiramente livre - e não haveria quem pudesse ser admitido na maçonaria. Todos nós só o somos até certo ponto. Quanto à iniciação, será que se perde alguma coisa se for feita de cadeira de rodas? Claro que sim. Mas não se perde mais numa iniciação do que num passeio na cidade; quem está limitado sabe que o está, e em que medida.

E um surdo? Ou um cego? Poderão ser iniciados maçons? Não vejo porque não. Desde que aptos a comunicar, estou certo de que se providenciaria o que fosse razoável para os acomodar. Um surdo pode, por exemplo, ler nos lábios; e poderia "falar" por escrito, à falta de melhor. Um cego pode ouvir e falar - apesar de poder ser curioso ouvir da sua boca algumas fórmulas rituais que se referem à Luz e às Trevas, por exemplo, mas basta que interiorizemos que a Luz e as Trevas, em Maçonaria, são simbólicas, não precisando nós dos olhos para as poder entender, para que logo as suas palavras deixassem de soar estranhas.

Pode um amputado praticar natação? Ou um paraplégico jogar basquete? Sabemos que podem. E podem competir de igual para igual com uma pessoa não deficiente? Tenho as minhas dúvidas. Mas poderá a prática desportiva tornar a sua vida mais completa, incrementar a sua saúde, torná-los pessoas mais felizes? Disso já tenho a certeza. Do mesmo modo, poderá um deficiente físico tirar partido da maçonaria tanto quanto alguém que o não seja? Bom... em muitos casos até pode, mas admitamos que não podia. Seria essa lacuna, esse inultrapassável obstáculo, razão para que fosse impedido de atingir todo o resto?

Paulo M.

24 dezembro 2010

A distância não se mede em segundos

Porque se se medisse em segundos eu estaria a anos luz do A-Partir-Pedra.

E por que, quer queiremos quer não, para nós esta época tem um tratamento diferente, trago ao blog a imagem e as palavras que me ocorrem neste momento.

A imagem foi apanhada por mim há uma semana, as palavras são do nosso saudoso José Carlos Ary dos Santos que soube, nos poucos anos que viveu, escrever sentimentos como muito poucos alguma vez o fizeram.

Para todos o desejo de uma época de Paz, gozando a Paz mas, principalmente, fazendo a Paz.

É ela a saúde da Humanidade.



És meu irmão amigo

Tu que dormes a noite na calçada de relento
Numa cama de chuva com lençois feitos de vento
Tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento
És meu irmão amigo
És meu irmão

E tu que dormes só no pesadelo do ciúme
Numa cama de raiva com lençois feitos de lume
E sofres o Natal da solidão sem um queixume
És meu irmão amigo
És meu irmão

Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da mulher
Tu que inventas ternura e brinquedos para dar
Tu que inventas bonecas e comboios de luar
E mentes ao teu filho por não os poderes comprar
És meu irmão amigo
És meu irmão

E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
Fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei
Pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei
És meu irmão amigo
És meu irmão

Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da mulher.
Ary dos Santos

JPSetúbal





23 dezembro 2010

Boas festas!


O "A-partir-pedra" deseja a todos Boas Festas,
e um ano de 2011 menos mau do que se antecipa!

Paulo M.

22 dezembro 2010

Elegia a um homem bom


Chegámos, a minha mulher e eu, ao hospital ao fim da tarde. Íamos visitar o pai de uma amiga que sabíamos estar gravemente doente. Encontrámo-lo rodeado pela família - a mulher e as duas filhas. Um olhar atento e alguns momentos chegaram-me para perceber que o seu estado não era apenas grave. A agonia começara. Não obstante, o homem doente estava lúcido. Fraco, muito fraco, mas lúcido. Não sei se consciente de que a travessia do umbral da eternidade estava próxima, mas lúcido.

Escondi o meu pensamento, proferi as palavras de conforto e encorajamento que devem ser levadas por quem visita quem está doente - esperando que às mesmas conseguisse conferir um pouco de credibilidade. Como é meu hábito (defesa?) nestas situações, procurei orientar a conversa para temas ligeiros e lançar um par de larachas que, por momentos embora, desanuviassem o ambiente. Senti-me grato por ter conseguido vislumbrar um par de sorrisos no homem doente. Pensei que, quando chegasse a altura de ser eu a fazer a mesma viagem que adivinhava que aquele homem não demoraria muito a fazer, também gostaria que alguém conseguisse fazer-me sorrir - a tal viagem é certa para todos nós, já que todos temos que a fazer, que se faça bem-disposto...

Da família que rodeava o homem, uma das filhas já se apercebera da iminência da partida. A outra guardava ainda uma réstia de esperança que a técnica médica ainda pudesse adiar o momento que a irmã já sentia chegando. A mãe de ambas, companheira de toda uma vida, incansavelmente acompanhava o seu marido, refugiando-se em pequenas coisas, não querendo pensar nem encarar o que temia sucedesse.

Uma hora depois, deixámos o homem doente. Outras solicitações de uma vida sempre atarefada nos aguardavam.

Na manhã seguinte, a notícia! O homem bom que tínhamos visitado, partira para o além desconhecido durante essa noite. A minha mulher soltou a sua emoção. Eu pensei - mas reservei para mim esse pensamento - que fora uma felicidade que a agonia tivesse sido breve. Vim a saber depois que a viagem fora feita durante o sono - e de novo dei graças por tal. A minha mulher, imersa na sua emoção, perguntava, insatisfeita, porque eram os bons que partiam quando tantos maus ficavam por aqui atormentando os seus semelhantes. Perguntei-lhe se sabia ela que se estava melhor aqui do que para onde se seguia...

Gostaríamos que os bons estivessem connosco sempre mais. Lamentamos a sua partida. Principalmente a família experimenta a orfandade da separação, o desgosto do desaparecimento. E tem de fazer o luto pela sua perda.

Quem não é crente, não tem, nestas ocasiões, arrimo para o sentimento de perda. Já quem crê em algo mais do que a materialidade que nos rodeia, sem deixar de sofrer o choque, tem a possibilidade de se consolar com a noção de que o fim deste caminho não é o fim do caminho, que, para além do que vemos e sentimos e sabemos, mais e diferente caminho existe para caminhar, não sabemos de que forma, como - mas existe.

O maçom confronta-se com a ideia do seu desaparecimento físico e aprende a não o temer, a entender que o momento inescapável é apenas uma passagem - um fim, mas também um novo princípio.

Um homem bom terminou a sua caminhada entre nós. Como todos os que gostam da companhia de quem é bom, lamento que essa companhia tenha cessado. Mas creio que a razão porque a sua presença física cessou foi apenas porque a sua missão aqui foi cumprida. Nova missão, novo desafio, nova jornada, encetou - como todos nós havemos de encetar. Foi cedo de mais? Poderia a Providência ter-lhe dado, a ele e aos seus e a todos nós um pouco mais de tempo para apreciarmos a nossa mútua companhia? É humano que o desejemos. Mas a hora foi esta porque a sua missão aqui fora ultimada, cumprida, realizada - e com êxito! Já o homem bom era, porventura, mais necessário onde seu espírito agora prossegue a sua caminhada.

Os bons vão primeiro? Pudera! É por serem bons que melhor e mais depressa cumprem a sua missão aqui!

O solstício de inverno - que hoje decorre - lembra-nos que a escuridão, o frio, a noite longa e o dia breve, o fim, afinal são um recomeço e, a partir do ponto de transição, a escuridão pouco a pouco de novo cede o lugar à luz, o frio desaparece, a noite se encurta e o dia se alonga, o fim é afinal um novo princípio.

É disto que nos devemos lembrar sempre que vemos partir um homem bom.

(Homenagem a um homem bom que partiu).

Rui Bandeira