26 janeiro 2009

Aikido e maçonaria

Uma das coisas que me agrada na criação e manutenção deste blogue é a sua virtualidade de propiciar diálogos que, não fora ele, não teria. Por vezes inesperados. Por vezes sobre assuntos de que nunca me lembraria. Exemplo disto é a mensagem que recebi de José Restolho e que, com autorização dele, aqui transcrevo.

Seria Morehei Ueshiba, fundador do Aikido, Maçon? Ou mesmo até mesmo alquimista?

Não sou maçon, sou apenas um profano curioso e aikidoca. Pode-se dizer que os meus conhecimentos sobre a maçonaria são muito superficiais. Sei apenas que se trata de uma sociedade secreta, fraternal e universal. Visa o aperfeiçoamento espiritual e pessoal. É repleta de ritos e símbolos. O Aikido é, antes de mais, uma arte marcial mas transcende muito esse conceito. Pode-se dizer que se trata de um modo de vida. Eu sei que dito assim parece muito abstracto. Eu pensava o mesmo sempre que lia sobre isso. Mas então o que é afinal isto do Aikido?

Aikido significa “via da harmonização da energia” e foi criado em plena Segunda Guerra Mundial (1940). O seu fundador, Morehei Ueshiba, vendo como o povo sofria com a guerra, decidiu criar uma arte de paz, algo que tornasse as pessoas melhores e, assim contribuísse para um mundo melhor. É curioso que quando iniciamos a prática do Aikido pensamos apenas em aprender uma arte de defesa, algo que sirva para nos defendermos. Durante a prática preocupamo-nos apenas em deitar o outro ao chão, sermos eficazes, etc. Mas então, à medida que o tempo passa, as coisas vão mudando radicalmente. Deixamos de centrar a nossa prática no “derrubar ou imobilizar o adversário”, centramo-la antes em nós, centramo-nos nos nossos defeitos técnicos e nas nossas limitações. Eis que começa a surgir o caminho que temos a percorrer. O caminho não tem fim, nem é tão pouco fácil. Buscamos a perfeição sabendo que nunca a teremos, mas ainda assim não cessamos de a buscar. Quanto mais praticamos mais o caminho se torna óbvio. O nosso objectivo passa a ser uma transmutação quase alquímica. Tomamos consciência que, quando iniciamos a caminhada somos uma espécie de bloco de chumbo: grosseiro, pesado, inflexível. Com o passar do tempo procuramos transmutarmo-nos não em ouro, pois não procuramos a riqueza material, mas em mercúrio (o único metal líquido à temperatura ambiente). O mercúrio é fluido, é capaz de se adaptar às situações. Mas o mais curioso são as implicações que esta busca tem no nosso quotidiano. Tornamo-nos pessoas mais calmas, mais compreensivas e tolerantes. Evitamos o confronto, não fugindo, mas adaptando-nos à situação. Dito desta forma parece que esta prática é algo solitária e até um pouco “egoísta”. Mas não é. Se houve algo que a vida me ensinou foi que “só, nada se consegue”. Em cima do tatami (colchões sobre os quais praticamos) não importa a cor da pele, o estatuto social, o credo ou a opinião política. No tatami somos todos iguais, todos entramos nele com o espírito aberto, prontos a ensinar e a aprender, conscientes que, independentemente da graduação, somos e seremos sempre aprendizes, não só no Aikido como na vida.

Morehei Ueshiba não era Maçon nem alquimista. Com este testemunho profano, pretendo apenas demonstrar a universalidade dos princípios que, a meu ver, a maçonaria defende, assim como mostrar como duas coisas aparentemente tão diferentes têm tanto de semelhantes.

Excelente contributo e interessante ponto de vista! Eu, que, embora seja adepto do preceito mens sana in corpore sano, com o passar dos anos e a preguiça do sedentarismo, me vou contentando com a mens sana em corpore mais ou menos em condições, muito dificilmente me lembraria de relacionar aikido e maçonaria! Mas este contributo foi pretexto para alguma reflexão, que espero traduzir em dois textos a publicar proximamente aqui no blogue.

Entretanto, caro José Restolho, muito obrigado pelo contributo e disponha sempre! Este blogue é de temática maçónica, mas é escrito a pensar, não só nos maçons, mas também nos profanos interessados no que aqui se trata. E fico muito satisfeito por ter estimulado esta sua reflexão.

Rui Bandeira

23 janeiro 2009

O descuido

Encerro a semana de trabalho com mais uma pequena história para base de reflexão. Foi-me enviada de além-Atlântico por J.L. (muito obrigado!) e, como habitualmente, desconheço a sua autoria e edito-a ao meu jeito, para publicação aqui.

Venha comigo a uma sala de aula do primeiro ano...

Há um menino de seis anos sentado à sua carteira e de repente há uma poça entre seus pés e a parte dianteira de suas calças está molhada.

Pensa que o seu coração vai parar. Não imagina como isso aconteceu. Nunca havia acontecido antes e sabe que, quando os outros meninos descobrirem, nunca mais o deixarão em paz. Quando as meninas descobrirem, nunca mais falarão com ele enquanto viver.

O menino acredita que o seu coração vai parar, abaixa a cabeça e pensa:

"Isto é uma emergência! Eu necessito de ajuda agora! Mais cinco minutos e serei um menino morto".

Levanta os olhos e vê a professora a aproximar-se, com um olhar que diz que foi descoberto.

Enquanto a professora está andando em direção a ele, uma colega chamada Susana está a transportar um aquário cheio de água. Susana tropeça na frente da professora e despeja inexplicavelmente a água no colo do menino. O menino finge estar irritado, mas ao mesmo tempo interiormente diz "Obrigado, Senhor! Obrigado, Senhor!"

De repente, em vez de ser objeto de ridículo, o menino é objeto de compaixão.

A professora desce apressadamente com ele e dá-lhe calções de ginástica para vestir enquanto as suas calças secam.

Todas as outras crianças estão sobre suas mãos e joelhos, limpando o chão junto à sua carteira.

A compaixão é maravilhosa. Mas como tudo na vida, o ridículo que deveria ter sido dele foi transferido para outra pessoa - Susana. Ela tenta ajudar, mas dizem-lhe para sair:

- Já fizeste disparate que chegue, sua desajeitada!

Finalmente, no fim do dia, enquanto estão à espera dos pais, o menino vai até junto de Susana e sussurra-lhe:

- Fizeste aquilo de propósito, não foi?

E Susana sussurra-lhe de volta:

- Eu também molhei as minhas cuecas uma vez.

Todos precisamos de ajuda, alguma vez na vida. Todos temos oportunidade de ajudar, várias vezes na vida. Ajudemos sempre que pudermos. Mereçamos sermos ajudados quando chegar a altura em que necessitarmos. E tenhamos sempre presente que - inevitavelmente1 - todos nós tivemos descuidos na nossa vida...

Rui Bandeira

22 janeiro 2009

Mitos

Se a lenda parte da realidade para a superar, o mito cria-se e perdura independentemente da realidade. A única ligação que existe entre a realidade e o mito é que aquela é o pretexto para o surgimento deste, muitas vezes como forma de explicação do que nela se não entende. Quando o homem não consegue explicar uma realidade, cria um mito que lhe dá a ilusão do conhecimento que lhe falta.

Muitos mitos originam religiões. A mitologia grega do Olimpo e dos seus deuses era a base da crença religiosa dos gregos da Antiguidade. Da mitologia grega deriva a mitologia romana e os seus deuses. Mito e lenda casaram-se e tiveram como fruto da sua união clássicos da Literatura, o maior exemplo dos quais é a Ilíada, o poema épico em que se narra a guerra e a queda de Tróia, quer no plano (lendário) das lutas entre os homens, Aquiles e Heitor acima de todos, quer no plano (mítico) da confrontação entre os deuses, uns defendendo Tróia, outros ao lado dos gregos.

O mito é produto da imaginação. É grandioso. Épico. Maravilhoso.

Mitifica-se o que se desconhece e nos parece importante.

Também na Maçonaria o plano mítico teve e tem o seu lugar. Desconhecendo-se a origem da Maçonaria, e não se dispondo dos meios científicos que a modernidade colocou ao alcance do historiador, também em relação a essa origem nasceram e subsistem mitos. De alguns sabemos hoje a origem. Como surgiram outros, só podemos tentar adivinhar - mas esse é terreno perigoso, não vá a adivinhação originar mito sobre a origem do mito...

Surgiram mitos de que a Maçonaria seria herdeira dos Mistérios de Elêusis, ou dos Mistérios Esotéricos Egípcios, ou do Culto Mitraico, ou ainda continuadora da Escola Filosófica Pitagórica. Sem esquecer várias vertentes da Tradição Oriental (afinal de contas, os maçons buscam a Luz no Oriente...). Enfim, à míngua de certezas, as mais variadas e mirabolantes hipóteses são afirmadas como se certezas fossem, esquecendo-se que a busca da Humanidade pela compreensão dos mistérios da Vida e da Criação vem dos primórdios da sua existência, de todas as civilizações, do norte, do sul, do oriente e do ocidente e que é inevitável que interrogações comuns originem tentativas de explicação essencialmente semelhantes, em várias épocas e lugares. Poder-se-á sempre descobrir pontos de contacto entre a Maçonaria e as mais diversas Tradições. Isto não implica que a Maçonaria descenda ou suceda a esta, àquela ou aqueloutra Tradição. Prova apenas que a Interrogação Fundamental é a mesma, em todos os tempos e todos os lugares.

Mas talvez o mais famoso e persistente mito sobre a origem da Maçonaria seja aquele que a declara herdeira dos Templários, através dos sobreviventes do massacre de Filipe, o Belo, que lograram fugir para a Escócia e aí reconverter a sua Ordem de cavalaria na Ordem Maçónica. Este mito é ainda hoje muito disseminado, havendo maçons que piamente creem nas raízes templárias da Maçonaria. Também o mundo profano á sensível a este mito, como abundantemente foi demonstrado com as sequelas da obra de ficção O Código da Vinci, do autor americano Dan Brown e das variantes associadas à Rosslyn Chapel. Porém, este é um mito cuja origem é perfeitamente conhecida. Mais, sabe-se inclusivamente quem o criou e lançou e os motivos por que o fez.

O mito da origem templária da Maçonaria deve-se a Andrew Michael Ramsay, também conhecido por Chevalier Ramsay, um intelectual da pequena nobreza escocesa do século XVIII, que viveu grande parte da sua vida adulta em França. Ramsay foi maçon - é sabido. Menos conhecido é o facto de que foi também consagrado Cavaleiro da Ordem de S. Lázaro de Jerusalém, originalmente uma Ordem Militar das Cruzadas, criada para proteger os peregrinos cristãos a Jerusalém.

Em Inglaterra, a Maçonaria, originariamente oriunda de uma classe profissional, com a sua evolução para a moderna Maçonaria Especulativa, rapidamente ganhara o apreço da classe nobre. Se o primeiro Grão-Mestre da Premier Grand Lodge foi um desconhecido e vulgar Anthony Sayer, de quem muito pouco se sabe e, entre isso, que, após o seu mandato de Grão-Mestre, por duas vezes recebeu ajuda financeira, o que revela que não dispunha de meios de fortuna e passou, mesmo, por dificuldades, logo em 1721 assumiu o ofício de Grão-Mestre Lord Montagu, o primeiro de uma longa linhagem de nobres ingleses (e, a partir de certas altura, nobres da Casa Real) que, até aos dias de hoje, detêm o mais alto ofício da hoje Grande Loja Unida de Inglaterra.

A Maçonaria foi introduzida em França em 1725-1726. A sua expansão neste país dependia de uma similar adesão da classe nobre. Porém, os nobres franceses dificilmente se deixariam seduzir por uma organização resultante da associação de operários construtores... Um dos grandes divulgadores da Maçonaria em França, nesta época inicial foi precisamente Ramsay. Em 1737, Ramsay escreveu um discurso, destinado a ser proferido perante uma assistência de nobres, que veio a ficar célebre, no qual associava a Maçonaria às Cruzadas e proclamava residir a origem da Maçonaria nas Ordens de Cavalaria criadas para conquistar e defender a Terra Santa, designadamente os Templários. Estava criado o mito... e garantida a adesão da nobreza francesa a uma organização com tão ilustre pedigree...

Rui Bandeira

21 janeiro 2009

Lenda

Lenda é uma história romanceada. Normalmente partindo de um facto historicamente ocorrido ou referindo-se a um personagem que efetivamente existiu, constroi-se uma história mais rica, mais pormenorizada, mais interessante, que embeleza e enriquece o facto em que se baseia ou que engrandece ou particularmente qualifica o personagem que refere.

Na lenda parte-se da realidade e vai-se para além desta. Parte-se do que foi e chega-se ao que se gostaria que tivesse sido. Vai-se do real para o surreal (mais do que o real; para além do real). A lenda é sempre mais interessante, mais bela, mais apelativa à nossa imaginação e à nossa afetividade do que a realidade. A lenda é melhor do que a realidade. Só assim se justifica. Só assim existe. Só assim persiste.

A lenda é a melhor homenagem que a mente humana pode prestar à realidade. Um personagem valoroso, fora do comum, que se destaca, pode tornar-se um personagem lendário. Um acontecimento, porventura banal, quiçá trivial, mas que impressiona o intelecto, emociona a mente, desperta a imaginação, pode, com o passar do tempo, assumir uma dimensão lendária.

Porque a lenda vai para além da realidade, e portanto é melhor do que a realidade, mais bela, mais apelativa, mais memorável, facilmente a lenda perdura mais do que o real. E representa melhor os mais nobres ideais do homem. Todas as organizações humanas da maior relevância, mais tarde ou mais cedo assumem uma dimensão lendária, umas vezes coexistindo com a realidade, outras vezes apropriando-se desta e substituindo-a. Também a Maçonaria tem a sua dimensão lendária, com especial relevância e particular importância no seu ideário.

A moderna Maçonaria Especulativa baseia o seu simbolismo fundamental na Lenda de Hiram. Não vou aqui revelá-la, embora ela esteja profusamente publicada. A Lenda de Hiram tem a sua origem no episódio da construção do Templo de Salomão, relatado na Bíblia, no Livro dos Reis e também referenciado nas Crónicas. Conforme se pode ler num interessante trabalho de Ethiel Omar Cartes González, maçon da Loja Guatimozín 66, da Grande Loja Maçônica do Estado de São Paulo (Brasil), publicado na reconhecida Pietre-Stones, Revue of Freemasonry, na Bíblia é mencionado Hiram como Hirão de Tiro, (Reis 7, 13) ou Hurão Abiú sendo Hurão, meu pai, (Crônicas 2,13) filho de uma mulher viúva, filha de Dã e que, junto com ser um homem sábio de grande entendimento, sabia lavrar todos os materiais. Mas a Bíblia não credita a Hiram Abif o cargo de diretor dos trabalhos de construção do Templo e sim como um artífice encarregado de criar as obras de arte que iriam a causar admiração aos visitantes. (De passagem: é esta referência bíblica a origem da expressão filhos da viúva, com que os maçons se autodenominam.)

A Lenda de Hiram, trave-mestra dos ensinamentos transmitidos num dos graus da Maçonaria Azul e pretexto de desenvolvimentos em vários dos Altos Graus, sejam do Rito de York, sejam do Rito Escocês Antigo e Aceite, é indubitavelmente uma peça central do ideário maçónico. Apesar de todos lhe reconhecerem a natureza de lenda, a mesma é pretexto e instrumento e ferramenta para extrair e trabalhar muitos símbolos fundamentais da maçonaria, muitos ensinamentos a obter e desenvolver. Um maçon, após lhe ser transmitida a Lenda de Hiram, pode - e deve! - levar muitos anos a estudá-la, a analisá-la, a compreender os significados dos símbolos por ela mostrados ou sugeridos, e disso tirar grande proveito pessoal, moral e espiritual. A Maçonaria não é só - longe disso! - a Lenda de Hiram. Mas a Lenda de Hiram, e os ensinamentos que possibilita e proporciona, é muito, muitíssimo, na Maçonaria.

A propósito de lenda: também a Loja Mestre Affonso Domingues tem como trave-mestra da sua existência uma lenda: a lenda da Abóbada, incluída pelo grande Alexandre Herculano nas suas Lendas e Narrativas, na qual o escritor nos apresenta o personagem de Mestre Affonso Domingues (que historicamente é certo que foi um dos arquitetos do Mosteiro da Batalha), elevando-o à imortalidade lendária, com o episódio do fecho da abóbada da Batalha e a subsequente morte do velho Mestre, após três dias de isolamento sob esta, como prova de confiança de que a mesma não derrocaria e a emblemática tirada de que a abóbada não caiu; a abóbada não cairá. Também nós, esforçados maçons da Loja Mestre Affonso Domingues nos honramos muito do nosso patrono e da sua dimensão lendária e, confiantemente, declaramos que, em relação à nossa querida Loja, nem a abóbada cairá, nem as suas colunas abaterão, enquanto existirem, pelo menos, sete membros da Loja à face da Terra.

Rui Bandeira

20 janeiro 2009

História

A Maçonaria dá uma crescente atenção à sua História. Pela mesma razão que cada sociedade o deve fazer: os sucessos passados são a base da situação presente e as lições para as atuações futuras. Conhecer a sua História é beneficiar de uma aprendizagem duramente feita, ao longo de séculos. E uma parte dessa aprendizagem foi a conveniência de distinguir entre o que é História da Maçonaria e o que são histórias à roda ou inspiradas na Maçonaria. Esta aprendizagem fez-se na Maçonaria como se fez na sociedade. Ainda no século XIX, a História (com H maiúsculo), em resultado da cultura baseada no Romantismo da época, pouco mais era do que a narração de episódios épicos envoltos em véus tecidos pela imaginação, que realçavam as qualidades dos que na época eram incensados. A evolução da Ciência Histórica gradualmente habituou-nos à necessidade de fixação de factos e ações em função das provas documentais ou de outra natureza existentes. Por vezes caindo-se porventura no extremo oposto da recusa de dar por assente determinado facto ou ação, porque se não encontrava prova considerada bastante para o ter como verificado, em exagero que dá um novo e particular e enviesado significado à expressão Tribunal da História...

Da época em que a pesquisa histórica se enleava com a imaginação romântica, sobram-nos alguns mitos, que, à falta de comprovação, pelo menos nos estimulam os egos e a imaginação. O rigor histórico dos dias de hoje permite estabelecer, com algum pormenor e o devido rigor, o crescimento e a evolução da Maçonaria, desde a fundação da Premier Grand Lodge de Londres, em 1717, até à contemporaneidade. Neste período, já significativo, a tarefa do investigador histórico está facilitada pelo profuso acervo documental que os maçons se habituaram a deixar para a posteridade. Só o facto de ser rotineira, desde há séculos, a elaboração e guarda de atas registando os sucessos ocorridos nas reuniões das Lojas facilita enormemente o trabalho do investigador. Em muitos casos, poder-se-á até dizer que o problema porventura será já o oposto: o excesso de documentação, que dificulta, quiçá torna impraticável, normalmente, a análise de toda a documentação e a extração das pérolas de interesse histórico do meio da imensidão de registos de reuniões banais de gente vulgar tomando decisões corriqueiras.

Já quando se busca conhecer as origens históricas da Maçonaria as dificuldades são maiores. Os documentos e registos não abundam e rareiam mais à medida que se recua no tempo. O manuscrito mais antigo relacionado com a Maçonaria que se conhece é o Poema Regius, de finais do século XIV, um poema sobre os deveres morais, divulgado nos tempos modernos por Halliwell-Phillips numa comunicação, intitulada Da Introdução da Maçonaria em Inglaterra, apresentada na sessão de 1838-1839 da Sociedade de Antiquários. O manuscrito do poema é, por esse facto, também por vezes referido como Manuscrito Halliwell (ver aqui alguns elementos sobre o poema Regius, incluindo a transcrição do seu teor, em inglês arcaico e a sua "tradução" para o inglês moderno).

Através deste documento, confirma-se que as Lojas das corporações de construtores em pedra, os maçons que hoje designamos por operativos, existiam organizadamente no século XIV e, mais importante, que já nessa época, não se preocupavam unicamente com a guarda, transmissão e aprendizagem das técnicas de construção (algumas avaramente guardadas, como, por exemplo, a forma prática de tirar ângulos retos, imprescindível para que os edifícios fossem construídos com os cantos efetivamente a 90 graus e não ficassem com as paredes tortas, em aplicação da chamada 47.º Proposição de Euclides, a formulação geométrica do - agora - bem conhecido Teorema de Pitágoras), mas evidenciavam também interesse pelas regras de comportamento moral. Ou seja, o mais antigo documento relacionado com a Maçonaria mostra-nos que os maçons operativos já começavam a ser também especulativos, muito antes da transformação das instituições da Maçonaria Operativa na moderna Maçonaria Especulativa.

Os documentos históricos disponíveis e analisados indicam que a moderna Maçonaria Especulativa tem o seu início nos séculos XVII-XVIII nas Ilhas Britânicas, mediante evolução das Lojas das corporações de construtores em pedra pré-existentes. Os construtores (que não tinham só preocupações profissionais, mostra-nos o Regius) foram paulatinamente aceitando entre si elementos não pertencentes à profissão (senhores que os protegiam e que lhes davam trabalho, depois intelectuais que consideravam e que, pelo seu prestígio local, valorizavam as suas Lojas), originando uma surpreendentemente rápida transição da Maçonaria Operativa para a moderna Maçonaria Especulativa. Simbolicamente, marca-se o início formal desta através da constituição da Premier Grand Lodge de Londres, em 1717. Mas, na época, e antes, havia outras Lojas, para além das quatro Lojas de Londres fundadoras dessa Grande Loja, designadamente, na Escócia, na Irlanda e na região de York. Da Maçonaria pré-estabelecida na região de York reclama-se herdeira - e mais antiga Grande Loja do Mundo - a relativamente pouco conhecida (e não reconhecida pela UGLE e pela Maçonaria Regular) The Grand Lodge of All England at York.

Desde a fundação da Premier Grand Lodge, a evolução histórica da Maçonaria até aos dias de hoje é bem conhecida.

Rui Bandeira

19 janeiro 2009

Maçonaria: história, lenda e mitos

Quer para os seus cultores, quer para os seus detratores, a Maçonaria significa mais do que o seu dia a dia apresenta aos que nela buscam ferramentas para o seu aperfeiçoamento pessoal. A Maçonaria, instituição com centenas de anos, influenciou tanta gente de valor, tanto progresso da humanidade, tanta evolução da sociedade, que progressivamente ganhou uma aura - de prestígio, de honra, de valor, para os seus cultores; de perigo, de conspiração, de influência malfazeja, para os seus detratores - que supera, creio, a realidade. E esta é já muito gratificante!

A Maçonaria ultrapassa hoje os maçons e o seu conjunto. Confere-se-lhe poder e influência superiores aos que realmente detém. O principal objetivo da Maçonaria - o aperfeiçoamento moral e espiritual dos seus membros - parece demasiado modesto, quer em relação aos feitos passados, quer à alegada capacidade presente, quer aos (ansiados ou temidos, consoante os casos) propósitos futuros. Não duvido que a Maçonaria, pela elevada craveira dos seus milhões de membros, possua potencialidades de influenciar grandes mudanças e progressos (ou, segundo os seus detratores, diabólicos planos e retrocessos...). Interrogo-me se deseja desenvolver e aplicar, enquanto organização, essa potencialidade (ao invés de, formados, melhorados, mudados os seus membros de bons para melhores, ser cada um destes a contribuir, por si, para o progresso e a melhoria, material e espiritual, da sociedade em que se insere). Duvido, muito fortemente, que, se o desejasse, fosse uma opção sensata.

Mas, para o bem e para o mal, bem vistas a realidade e as ilusões, a Maçonaria é vista, por cultores e detratores, com uma dimensão e influência superiores às que efetivamente detém. Resulta, a meu ver, esta situação, do facto de a Maçonaria, pelas circunstâncias em que cresceu e se desenvolveu, ter constituído e constituir um ponto de convergência de três planos distintos: o plano histórico, ou real, o plano lendário, ou surreal, e o plano mítico, ou imaginário.

Esta convergência destes três planos, que em princípio se teriam por contraditórios e inconciliáveis, é, por exemplo, claramente aparente, quando se busca informação sobre as origens da Maçonaria: no plano histórico, a Maçonaria tem as suas origens nas associações medievais e pós-medievais de construtores em pedra, em especial segundo a forma e prática que assumiram nas Ilhas Britânicas; no plano lendário, a origem da Maçonaria remonta à época da construção do Templo de Salomão; no plano mítico, surgem-nos as mais variadas e fantasiosas origens: desde os Templários, aos sacerdotes e mistérios egípcios, ao culto mitraico, encontramos origens míticas da Maçonaria, para todos os gostos e paladares.

Ao contrário do que possa parecer à primeira vista, esta mistura de planos inconciliáveis não constitui um mal, um defeito. Na minha opinião, é uma mais-valia. Porque permite que na Maçonaria confluam os planos da avaliação racional, do sonho e da imaginação. Tendemos a esquecer que a Razão, sendo obviamente importante, sendo essencial, não é tudo, que o Instinto, a Inteligência Emocional, a Imaginação, constituem também dimensões essenciais do todo que cada ser humano é e todos têm um papel na sua evolução, na sua melhoria, no seu aperfeiçoamento. Um ser exclusivamente racional tende a hipervalorizar a lógica e a ser frio, a esquecer o sentimento. A capacidade racional do homem deve ser complementada pelos outros planos e valências referidos, sob pena de a queda no hiperrealismo significar o enlear no imobilismo. Inerentes à evolução, ao progresso, pessoal e social, estão as capacidades de sonhar, de imaginar. Por cada mil sonhos loucos, um revelar-se-á, não só viável, como meritório; o produto da mais desbragada imaginação normalmente são castelos na areia, ou flutuando no ar, mas, de quando em vez, o jogo entre a mente humana e a sua imaginação faz com que surja uma situação em que o Mundo pula e avança, como bola colorida entre as mãos de uma criança...

Portanto, uma das riquezas da Maçonaria, a razão por que esta é tida com mais capacidade do que a que detém, é esta confluência em si dos três planos: histórico ou real, lendário ou surreal e mítico ou imaginário.

Nos próximos textos, procurarei referir-me a cada um destes três planos, em relação à Maçonaria.

Rui Bandeira

16 janeiro 2009

História banal

Mais uma história de sexta-feira. Como as anteriores, recebi-a por correio eletrónico, desconheço a sua autoria e editei-a para publicação aqui.

Uma sexta-feira, João, no caminho entre a escola e a sua casa, viu um outro garoto da sua turma, chamado Luís, também a caminho da casa dele, levando todos os seus livros. Estranhou, porque os alunos costumavam deixar os seus livros na escola. Devia tratar-se de um
marrão, um dos raros espécimes que estudava incessantemente e procurava ter sempre as melhores notas...

Conforme ia caminhando, João viu um grupo de rapazes correr em direção a Luís. Cercaram-no, empurraram-no, arrancaram todos os livros dos seus braços, atiraram-no ao chão. Os óculos de Luís voaram e caíram na relva a alguns metros de distância onde tudo se passava. Caído, Luís ergueu o rosto e João viu uma terrível tristeza nos seus olhos.

João correu até junto do colega, enquanto ele gatinhava, procurando os seus óculos. Pôde ver uma lágrima nos seus olhos. Enquanto lhe entregava os óculos, João disse-lhe:

- Aqueles tipos são uns idiotas! Deviam tratar da vida deles, em vez de se divertirem à custa dos outros.

Luís olhou João nos olhos e agradeceu-lhe - a ajuda e as palavras! Abriu-se um grande sorriso na sua face. Um daqueles sorrisos que realmente mostram gratidão.

João ajudou Luís a apanhar os seus livros e perguntou-lhe onde morava.

Por coincidência, moravam perto um do outro. Conversaram durante todo o caminho. João convidou Luís para ir jogar futebol com ele e os seus amigos nesse fim de semana. João aceitou e ambos passaram juntos boa parte do fim de semana, em renhidos jogos de futebol.

Chegou a segunda-feira e lá estava o Luís com aquela quantidade imensa de livros outra vez! João dirigiu-se a ele e disse-lhe:

- Caramba, rapaz, vais ficar realmente musculoso carregando essa pilha de livros assim todos os dias!

Luís simplesmente sorriu e entregou a João metade dos livros, para que este o ajudasse a transportá-los. Nos anos seguintes, João e Luís tornaram-se amigos muito unidos. Quando terminaram o secundário, sabiam que os seus caminhos se iam separar, mas esperavam manter a sua amizade. João ia tirar um curso de Desporto. Luís ia cursar Medicina. Luís era o orador que ia representar a turma na Cerimónia de Graduação dos Finalistas. João provocava-o constantemente, chamando-o de
marrão, o pensamento que lhe viera à cabeça a primeira vez que nele reparara.

Luís teve de preparar um discurso de formatura e João estava muito aliviado por não ser ele quem devia subir ao palco e discursar. No dia da Formatura, Luís estava ótimo, muito bem-disposto, embora fosse visível algum nervosismo, por causa do discurso.

Quando ele subiu ao palco, limpou a garganta e começou o discurso:

- A Formatura é uma época para agradecermos àqueles que nos ajudaram durante estes anos duros. Pais, professores, irmãos, talvez até um treinador, mas principalmente aos amigos. Eu estou aqui para lhes dizer que ser um amigo para alguém é o melhor presente que se lhe pode dar. Vou contar-lhes uma história...

João olhava para o seu amigo, sem conseguir acreditar, enquanto ele contava a história sobre o primeiro dia em que se tinham conhecido. Ele tinha decidido matar-se naquele fim de semana! Contou a todos como havia esvaziado o seu armário na escola, para que a sua mãe não tivesse que fazer isso depois de ele morrer e estava a levar todas as suas coisas para casa.

Neste ponto do discurso, Luís olhou João diretamente nos olhos e fez um pequeno sorriso, enquanto concluía:

- Felizmente, o meu amigo salvou-me de fazer algo irremediável!


Até àquele momento, João nunca se tinha dado conta da profundidade do sorriso que Luís lhe dera naquele dia. Olhou para os pais do Luís e viu-os também olhando para ele, também
sorrindo com a mesma gratidão.

A lição desta historieta é fácil: nunca subestime o poder das suas ações. Com um pequeno gesto, pode mudar a vida de uma pessoa. Para melhor ou para pior.

Rui Bandeira

15 janeiro 2009

O segredo maçónico esotérico

Nos textos anteriores, procurei dar uma noção sistematizada das várias vertentes do que se convencionou chamar de segredo maçónico e que eu designo por segredo maçónico exotérico, já que tudo aquilo a que respeita pode facilmente ser transmitido e apreendido. Procurei também indicar as razões da preservação de segredo sobre essas matérias. Mas, na minha opinião, o verdadeiro segredo maçónico vai muito além da discrição sobre identidades, modos de reconhecimento, rituais, cerimónias e trabalhos efetuados. Na minha opinião, o verdadeiro segredo maçónico, o que importa, o que releva, existe, não porque os maçons o queiram preservar, mas porque não o conseguem revelar. Porque é insuscetível de plena transmissão. Chamo-lhe segredo maçónico esotérico. Também há quem o refira como a Palavra Perdida. Em bom rigor, nem sequer é exclusivo dos maçons. A Maçonaria ensina e pratica apenas um dos métodos para a ele se poder aceder. Outros porventura haverá, desde a vertente mística à que privilegia a meditação ou a busca do equilíbrio perfeito.

Talvez, como muitas vezes sucede, quem melhor conseguiu mostrar o que é o verdadeiro segredo maçónico, tenha sido um Poeta, no caso, o grande Fernando Pessoa, neste fantástico poema.

É realmente incomunicável. E obviamente não tenho a prosápia de desmentir o Poeta. Mas posso tentar apontar a sua natureza, indicar a direção em que cada um deve olhar, sugerir o rumo da busca.

O verdadeiro segredo maçónico, aquilo a que muitos chamam de Palavra Sagrada ou, muito simplesmente, de Luz, é aquilo que o maçon aprende através do contacto com seus Irmãos, do convívio e busca de entendimento dos elementos simbólicos que a maçonaria profusamente coloca à disposição dos seus elementos, do método de análise, de trabalho, de esforço, de meditação, de extenuada conquista, passo a passo, degrau a degrau, patamar a patamar, sobre si próprio, a pulso desbastando suas imperfeições, despojando-se do interesse sobre toda a ganga material que obnubila os nossos espíritos, indo-se cada vez mais longe em épica viagem, com começo e fim no fundo de si mesmo e aí descobrindo a resposta que procura.

Esta busca, esta viagem, esta procura, tem um começo e um fim, mas nem um nem outro serão porventura os esperados. O começo será sempre depois do meio dia, a hora a que os maçons iniciam os seus trabalhos, quando cada um está efetivamente apto a começar a trilhar o caminho sem marcos, bordas ou fronteiras, que conduzirá não sabe onde. O fim, esse, tem hora marcada, aquela a que os maçons pousam as suas ferramentas, a meia noite. Como em muito do que tem valor, tão importante é o resultado como o trabalho para o obter, tão atraente é o destino, como o caminho que a ele conduz. E muito raramente o caminho mais curto entre o ponto de partida e o de chegada será uma reta...

Em bom rigor, duvido mesmo que haja apenas um verdadeiro segredo maçónico, um único segredo esotérico. Nesta altura do meu entendimento, propendo a considerar que cada maçon atinge a sua própria Luz - a deste com mais brilho, a daquele mais baça, a daqueloutro, qual bruxuleante chama de longínqua vela, mal se vendo -, cada maçon encontra e resgata a sua própria e individual Palavra Perdida - a de um bela e cristalina, a de outro sonora e estentória, a de um terceiro suave e quase inaudível murmúrio.

Cada um encontra o que procura e o que trabalha e se esforça por encontrar. Cada um encontra Segredos, Luzes, Palavras diferentes ao longo da sua busca. Porque esta nunca termina. Cada resposta encontrada dá origem a novas perguntas, nascidas de mais lúcida compreensão, em perpétua evolução e aprofundamento de compreensão. É por isso que tenho para mim que eu não posso, não consigo, não sei, partilhar a minha Palavra, com mais ninguém, nem sequer com o meu mais chegado Irmão. Não só porque não consigo descrevê-la em toda a sua extensão e complexidade, como porque o mero enunciar do ponto do caminho em que me encontro me abre novos horizontes de busca, para lá dos quais nem sequer sei se não terei de pôr em causa e de reformular tudo ou parte do que me levou a percorrer esse preciso caminho, quer ainda porque cada viagem, mesmo a do meu mais mais chegado Irmão, seguiu rumos diversos dos meus, levando a linguagens distintas, a conceitos diferentes, a complexas variantes.

Cada um, penso-o agora - no preciso instante em que isto escrevo -, em cada momento encontra diferente Palavra, vê diversa Luz, preserva variado Segredo, porque cada um viaja para destinos diferentes: cada um viaja até ao fundo de si mesmo e cada um é todo um Universo diferente do parceiro do lado.

Nessa viagem, nesse trabalho, nessa busca, cada um procura coisa diversa. Eu só posso definir o que neste momento busco. Já me reconciliei - há muito! - com a finitude da vida neste plano de existência, já abandonei, por estulta e estéril, a busca do imenso porquê, a mim nunca me interessou particularmente interrogar-me sobre o cósmico como. Por agora, desde há muito e não sei até quando, concentro-me na busca do sentido da Vida e da Criação. Tenho uma ideia rude e imprecisa desse sentido. Busco o melhor ângulo para obter mais Luz. Espero que consiga obter o Brilho suficiente para, através do sentido da Criação, entrever o Criador... E tudo isto eu - neste momento - busco, em fantástica viagem, sem outro veículo que não eu próprio, não consumindo outro combustível senão tudo aquilo de que me interiormente despojo, sem outro destino e caminho senão o fundo de mim mesmo. Porque é o conhecimento de mim mesmo, em todas as complexas vertentes que condicionam o meu Eu que me habilitará a conhecer o Outro, o Mundo e quem o criou e porquê e para quê e como. Eu sou a pergunta, a pergunta sem resposta, a pergunta buscando a resposta e, simultaneamente, a resposta contida na própria pergunta, que me levará a nova pergunta, que gerará nova resposta, em contínuo alargar de horizontes, que espero me permita entrever o que está para além do horizonte e contém todos os horizontes...

Algo já encontrei, algo já me ilumina, algo já consigo balbuciar. Mas não tenho ilusões: ainda não sei ler nem escrever, sei apenas soletrar...

Confuso, não é? Pois é! Eu bem avisei que o segredo maçónico esotérico é aquele que existe porque não se consegue transmitir... O Poeta bem o soube...

Rui Bandeira

14 janeiro 2009

Reserva sobre trabalhos de Loja

Os maçons comprometem-se também a não divulgar o teor concreto dos trabalhos de uma reunião, ritualmente realizada, de Loja. À primeira vista, parece excessivo. Sobretudo, tendo-se em conta que, de cada reunião, é elaborada uma ata que, depois de aprovada, é conservada na documentação e no arquivo da Loja. Por essa ata se alcança que assuntos foram tratados na reunião, que deliberações foram tomadas. E uma ata existe para ser consultada - senão, para quê fazê-la? Independentemente da delicadeza dos assuntos tratados, a ata é elaborada e preservada. Ainda há pouco tempo foi publicada neste blogue uma ata que registou os trabalhos da sessão de 18 de setembro de 1835 da Loja brasileira Philantropia e Liberdade. E essa ata registou, nada mais, nada menos, do que a preparação e planificação de um movimento revolucionário, a Revolução Farroupilha!

Porquê então guardar sigilo sobre os sucessos de uma reunião, ao mesmo tempo que se regista, e se guarda escrupulosamente esse registo, o que se passou, elaborando-se uma ata formal? Se é certo que o acervo documental constituído pelas atas das reuniões das Lojas maçónicas pode constituir e constitui precioso material de investigação histórica, nem sequer é esse o principal objetivo do registo em ata. Como acima escrevi, uma ata serve para ser consultada. Cem anos depois ou dois dias depois...

Esta aparente incongruência esclarece-se se tivermos a noção de que uma Loja maçónica é uma organização - que deve registar os seus eventos e deliberações mediante atas, até em obediência às leis civis e em cumprimento dos bons costumes sociais -, mas uma organização com uma característica bem distintiva: é uma fraternidade. Enquanto fraternidade, cultiva e desenvolve especialmente as relações de confiança mútua entre os seus elementos, em estrito espírito de igualdade, sem prejuízo dos graus e qualidades de cada um e dos particulares deveres e meios que cada grau ou qualidade confira a quem os detém.

Enquanto organização, uma Loja maçónica cumpre as regras civis e, portanto regista quem esteve em cada reunião, o que se tratou nela, o que ficou decidido. E guarda e preserva esse registo, que, a qualquer momento, pode ser necessário nos mesmos termos em que qualquer ata de qualquer reunião de qualquer associação ou sociedade pode ser necessária.

Enquanto grupo fraternal, procura-se que cada elemento se sinta, no interior do grupo, completa e absolutamente livre de expressar as suas ideias, opiniões, projetos, preocupações, sem constrangimentos de qualquer espécie. O espaço de uma Loja em reunião ritual é um espaço em que todos e cada um podem baixar completamente as suas defesas e guardas, em que não necessitam de manter a sua "máscara social", em que todos e cada um podem ser e comportar-se e aparecer como realmente todos e cada um são, com suas forças e fraquezas, virtudes e defeitos. Porque, naquele espaço, todos e cada um sabem que devem aos demais a mesma tolerância que dos demais recebem. Porque todos e cada um sabem que todas as opiniões, ideias, contribuições, são analisadas e consideradas pelo seu valor intrínseco, sem argumentos ad hominem, sem acrescentar ou retirar valia à opinião expressa em função de quem a expressa.

Enquanto grupo fraternal, cultiva-se a absoluta confiança mútua, a cooperação, o auxílio a todos na medida das possibilidades de cada um. Procura criar-se um laço forte e duradouro entre todos. Que por isso se consideram Irmãos. Ao criar-se um laço desta natureza, está-se a criar um espaço onde a crítica é aceite, porque a aceitação existe ainda que haja lugar a crítica. Preserva-se um espaço de cumplicidade imensa, em que cada um está à vontade junto dos demais, porque confia nos demais como nele mesmo.

Num espaço assim, de Fraternidade, pode desabrochar sem peias a Liberdade. A Liberdade de opinar, de arriscar testar uma ideia, sem medo de que ela seja apoucada por disparatada. Se o for, assim será considerada. Mas isso não diminui quem a teve. Porque se sabe que ela só foi expressa porque se estava à vontade e porque é em espaços assim que livremente se pode testar a real valia de ideias, opiniões, propósitos. E aperfeiçoar. E limar arestas. E - quantas vezes! - transformar uma balbuciante e hesitante ideia num projeto sólido e com mérito, através do contributo de todos. Um espaço assim é potencialmente um espaço de criatividade e cooperação sem paralelo - porque ninguém teme o juízo, ou a troça ou o apoucamento dos demais. Porque todos sabem que ninguém tem só excelentes ideias, que só expondo todas - as péssimas, as sofríveis, as regulares, as boazinhas, enfim, todas - é possível peneirar delas as que têm efetiva valia. Porque todos sabem que um bom projeto só raramente é produto do valor de apenas um qualquer iluminado, antes resulta da concatenação de ideias, que se acumulam e organizam e dão forma, muitas vezes diferente no final do que fora o lampejo inicial.

Num espaço assim não se tem medo de ser ridicularizado, apoucado, magoado. Mesmo que se use o direito ao disparate. Num espaço assim, sabe-se que o juízo sobre o valor de cada um não depende de uma excelente ou uma péssima ideia, antes resulta do Todo que cada um é e que os demais vão conhecendo, cuja evolução vão constatando.

Um espaço assim é um espaço de intimidade intelectual sem paralelo. E só subsiste porque blindado numa confiança mútua absoluta. O que se diz ali, fica ali. Seja a ideia do século, seja o mais profundo disparate. Quer uma, quer outro, são ali vistos na correta perspetiva, de procura de contribuição para a melhor decisão do grupo, de experimentação, de sugestão, sem reservas, sem cuidados, sem temores de ridículo ou de crítica.

Um espaço assim propicia a mais livre da Livre Expressão do Pensamento. Porque livre da necessidade da pior das censuras, a autocensura. Um espaço assim, baseado na confiança, na Fraternidade, só pode subsistir se todos e cada um souberem que o à vontade em que se expressam não é traído por juízos exteriores feitos por quem, descontextualizando o paradigma em que as ideias são expostas, possa vir a apoucar a ideia, o pensamento, a opinião.

É para preservar esse espaço intimista de Liberdade que se preserva o que de concreto se passa numa reunião maçónica. Porque cá fora julga-se segundo os critérios cá de fora, não se atendendo às condições que se criam para que todas as contribuições sejam bem-vindas. É preciso garantir que todos e cada um possam, no decorrer de uma reunião ritual de Loja, expressar sem quaisquer constrangimentos, de qualquer natureza, as suas ideias e convicções e opiniões. Para que essa Liberdade absoluta exista, mister é que todos e cada um saibam que o que se passa em Loja fica em Loja. E portanto, cada um guarda cuidadosamente para si o que em Loja se passou. Quem quiser saber e tenha o direito a saber... consulte a ata!

Rui Bandeira

13 janeiro 2009

Reserva sobre rituais e cerimónias

Os maçons estruturam o seu trabalho em Loja mediante rituais. A abertura e o encerramento dos trabalhos são sempre executados da mesma forma, a maneira como, durante os trabalhos, cada um fala ou se movimenta em Loja está tipificada, etc.. Os maçons assinalam também diversas situações, individuais ou coletivas, consideradas significativas com Cerimónias meticulosa e ritualmente executadas. Assim sucede com a Iniciação, a Passagem, a Elevação, a Instalação, a Consagração de Loja, etc..

A preservação do segredo sobre os rituais e cerimónias é uma das obrigações dos maçons. Quanto aos rituais, porque são parte integrante da identidade da instituição, que só fazem sentido no âmbito da mesma. A pior coisa que se pode fazer a um conceito, uma informação, uma declaração, é descontextualizá-la. A descontextualização atraiçoa o espírito, o propósito, o aspeto do conceito, da informação, da declaração. Torna-o, ou pode torná-lo, inentendível. Desvaloriza-o. Quiçá, submete-o a ridículo. No entanto, no seu devido contexto, os rituais maçónicos, não só são entendíveis, como são fonte de estudo e iluminação. Não só têm valor, como são fonte de união. Não só são seriamente tomados e executados, como são fonte de fortalecimento do espírito de grupo e da fraternidade entre os maçons.

Os rituais só fazem plenamente sentido se e quando executados no local e pela forma próprios, por e perante quem está apto a compreendê-los. Expô-los aos olhares profanos seria permitir que juízos turvados pela ignorância, obnubilados pelo preconceito, prejudicados pela distância, extraíssem conclusões erradas, perfunctórias, vãs.

Quanto às cerimónias, acresce ainda um outro motivo para o seu teor e o seu desenrolar ser reservado não apenas aos maçons, mas aos maçons do grau em que são executadas, ou superior. É que é importante preservar o fator surpresa, em relação àquele ou àqueles em benefício de quem cada cerimónia é executada. A Maçonaria destina-se a propiciar um terreno apto para o aperfeiçoamento moral e espiritual dos seus membros. Coloca ensinamentos, princípios, máximas, à disposição destes. Faseadamente. Um pouco de cada vez, para que os ensinamentos, os princípios possam ser detetados, descobertos e interiorizados pelos interessados. A Maçonaria nada ensina. Apenas possibilita que se aprenda. Mas essa aprendizagem não é efetuada apenas com o recurso à memória e ao elemento racional. Essa aprendizagem, essa melhoria, esse avanço, resulta também da marca deixada em cada um, através da respetiva inteligência emocional e seu desenvolvimento. Daí que as noções obtidas não sejam apenas adquiridas, mas realmente entranhadas. Daí que se dê valor ao tempo, ferramenta indispensável à construção da melhoria de cada um. Todo este processo se desencadeia através da disponibilidade de apreensão de algo que se desconhece. Daí a importância do fator surpresa. Muitas vezes o que se transmite não é novo. Já foi centenas de vezes lido, milhares de vezes visto. Mas nunca foi visto ASSIM, nunca foi contextualizado DESTA forma, nunca tinha sido introduzido COMO tal.

O maçon a quem uma cerimónia é dedicada é sempre o centro da mesma. Para que a viva e não apenas a ela assista. O objetivo é VIVER a cerimónia. Não revivê-la. Por isso a deve desconhecer antes de dela beneficiar. Por isso devem as cerimónias maçónicas permanecer secretas, de conhecimento reservado a quem o deve ter - e só a esses.

Mas há dezenas de versões de rituais publicados. através dos quais se pode ler o texto de diversas cerimónias. Qual então o interesse de continuar a preservar o sigilo sobre rituais e cerimónias? Duas razões avanço: em primeiro lugar, muito do que está publicado não é já atual. Pode ter semelhanças com o que atualmente se pratica, mas também tem diferenças, algumas significativas. Em segundo lugar, um ritual, uma cerimónia, não é - longe disso! - apenas um texto que se lê ou recita. É muito mais que isso. É movimento, é entoação, é gesto, é interpretação. Muito do que ritualmente é executado não está escrito. É aprendido pela observação, aperfeiçoado com o auxílio dos que antes aprenderam a executar. Por isso é importante o trabalho de aperfeiçoamento ritual de uma Loja. Como um meio. Nunca um fim em si mesmo.

Preservar o segredo quanto a rituais e cerimónias é preservar a essencialidade da cultura maçónica, da sua diferença em relação ao mundo profano. É preservar o método de transmissão e apreensão de conhecimentos. É, enfim, proteger o cerne da Maçonaria.

Os rituais e cerimónias maçónicos, sendo reservados aos maçons, não têm nada de especial, a não ser o cuidado em que sejam um meio eficaz de transmissão de noções, mais uma ferramenta do método maçónico de aperfeiçoamento. Nada têm de censurável ou perigoso. Em nada contendem com as normas do Estado ou com os princípios da Sociedade. Por isso, os maçons também preveem e organizam, de quando em vez, cerimónias a que chamam de brancas, ou seja, abertas a profanos, também executadas ritualmente, através das quais os profanos - e, em primeiro lugar, as profanas com quem partilhamos as nossas vidas... - podem aperceber-se de como decorre uma reunião maçónica. O princípio é sempre o mesmo: os maçons reservam para si o que só para si deve ser guardado, mas não têm qualquer problema em mostrar aos demais o que extravasa do núcleo estrito de reserva, nem em demonstrar como fazem.

Afinal de contas, num mundo ideal, todos seríamos maçons...

Rui Bandeira

12 janeiro 2009

Reserva sobre as formas de reconhecimento

Antigamente era, em muitos locais, perigoso ser maçon. Ainda hoje o é, em várias partes do globo. Os maçons tinham necessidade de se conseguirem reconhecer uns aos outros, sem necessidade de perguntar. Com efeito, se um maçon perguntasse a outrem se também era maçon e esse outrem não só não fosse maçon como denunciasse quem o inquirira, estava o caldo entornado... Havia, pois, que arranjar maneira de um maçon se poder assegurar que outro homem também tinha essa qualidade, de forma que, se assim fosse, o interrogado soubesse que tal interrogação lhe estava a ser feita e soubesse responder da mesma forma, mas que, se o interrogado não fosse maçon, não se apercebesse sequer da interrogação. Havia que criar uma forma de um maçon se dar a conhecer como tal, de maneira que só os maçons se apercebessem disso e só eles reconhecessem essa forma. Havia que poder testar se alguém que se arrogava de ser maçon efetivamente o era. E, sobretudo, havia que tudo isto fazer de forma discreta, apenas percetível por quem devesse perceber. E havia, obviamente que guardar segredo dessas formas de reconhecimento.

Antigamente,não havia as facilidades e rapidez de comunicações e de deslocação que há hoje. Os agregados populacionais eram fechados, muito mais isolados do que agora e, sobretudo, mais distantes, em termos de tempos de viagem. Ir de Lisboa a Londres demorava semanas. Ir de Lisboa ao Porto demorava dias. Ir da Europa à Ásia, a África ou à América demorava meses. Um viajante que chegava a um qualquer local era um desconhecido e desconhecia quase todas ou todas as pessoas desse local. Se se arrogava qualquer título ou condição, não havia meios de comunicação rápidos que permitissem verificar, em terras distantes, se o afirmado era verdade.

Viajar era demorado e perigoso. Os maçons em viagem podiam beneficiar do auxílio de seus Irmãos. Muitas vezes sendo - viajante e residente - desconhecidos um dos outro. Não bastava ao viajante dizer que era maçon. Tinha de comprovar essa qualidade.

Antigamente era, pois. essencial que existissem formas de reconhecimento discretas, eficazes e de conhecimento restrito aos maçons. Que deviam ser e eram avaramente guardadas em segredo.

Essas formas de reconhecimento eram e são constituídas por determinados sinais, por certas palavras, por específicos toques. Os sinais permitiam que os maçons se reconhecessem como tal no meio de uma multidão, se preciso fosse, sem que mais ninguém se apercebesse. As palavras permitiam confirmar esse reconhecimento, constituindo uma segunda forma de verificação, que confirmaria a identificação ou permitiria desmascarar impostor que, por conhecimento ou sorte, tivesse efetuado corretamente um sinal de identificação. Os toques, discretos, permitiam, além de uma fácil identificação mútua absolutamente discreta e insuscetível de ser detetada por estranhos, também desmascarar impostores, pois não bastava, nem basta, usar um certo toque: é preciso saber quando o usar, para quê e que deve suceder em seguida...

Sempre os sinais de reconhecimento foram objeto de curiosidade profana. Por quem perseguia a Maçonaria e os maçons, por razões evidentes. Por quem, não sendo maçon, gostaria de se infiltrar entre os maçons ou, viajando, beneficiar da ajuda que os maçons residentes davam aos maçons viajantes. Ou, simplesmente, por quem era curioso...

Milhares e milhares de maçons conhecem os sinais de reconhecimento. Ao longo do tempo, milhões de maçons acederam a esse conhecimento, nas quatro partidas do Mundo. Houve zangas. Houve dissensões. Houve abandonos. Houve traições. Houve inconfidências. Um segredo só é verdadeiramente secreto se for conhecido apenas por um - e, mesmo assim, se este não falar a dormir... Era inevitável que as formas de reconhecimento dos maçons fossem expostas. Existem livros. Existem filmes. Existem vídeos. Existem panfletos. Existem, hoje em dia, inúmeros suportes em que estão expostas aos profanos as formas de reconhecimento dos maçons. Mas também existem publicados nos mesmos suportes formas de reconhecimento falsas ou inventadas ou simplesmente ultrapassadas... Quem está de fora tem o magno problema de descobrir o que é verdadeiro e o que é falso, de distinguir o certo do inventado, de descortinar o que se mantém vigente e o que foi ultrapassado...

Por isso, ainda hoje, as formas de reconhecimento vigentes, apesar de conhecidas por milhões, apesar de repetidamente expostas, continuam a ser úteis e eficazes.

Mas, mesmo que algum profano consiga conhecer os sinais, palavras e toques certos e consiga descobrir quando os utilizar e como o fazer corretamente, ainda assim só logrará, quando muito, enganar alguns maçons durante algum tempo e acabará - porventura mais cedo do que mais tarde - por ser desmascarado como impostor. Porque não basta executar o sinal certo na hora precisa, pela forma correta, nem dizer a palavra adequada, pela forma prescrita, a quem deve ouvi-la, nem dar o toque acertado, no momento asado e sabendo o que se deve passar a seguir. Tudo isso já é suficientemente complicado - mas não basta. Tudo isso, ainda que porventura executado de forma atinada, constitui ainda uma determinada informação: que quem o fez tem um determinado nível de conhecimentos, uma certa postura e compostura, um exigível comportamento, um específico nível de desenvolvimento pessoal, social e espiritual. Ser maçon e ser reconhecido como maçon não é só conhecer e saber executar sinais, palavras e toques. Isso é o que menos importa. É, sobretudo, saber fazer um percurso, utilizar um método, avançar num caminho.

As formas de reconhecimento são apenas sinais exteriores básicos e nem sequer particularmente importantes. Isso também, mas sobretudo muito mais, é que faz com que um maçon seja reconhecido como tal pelos seus Irmãos.

Reservo o segredo dos sinais, palavras e toques que constituem as formas de reconhecimento dos maçons, porque a isso me comprometi. Mas digo e afirmo: podíamos divulgar, publicar, mostrar, explicar, exemplificar, ensinar, filmar e exibir o filme, executar todos os sinais, palavras e toques de reconhecimento; podíamos ensinar a toda a gente como e quando e por que forma utilizar cada um deles. Ainda assim, pouco tempo e apenas um razoável cuidado bastariam para reconhecer quem efetivamente é maçon e quem, ainda que perfeitamente executasse todos os sinais, palavras e toques, não o é!

Porque ser maçon é muito mais do que saber sinais, palavras e toques. Ser reconhecido como tal implica muito mais do que essas minudências, pois não basta saber sinais, palavras e toques para ser reconhecido maçon. É preciso efetivamente sê-lo e vivê-lo e praticá-lo.

Que nunca ninguém se esqueça disto. Seja profano ou tenha sido iniciado. Especialmente estes!

Rui Bandeira

09 janeiro 2009

Si non è vero... è bene trovato!

Alexander Fleming

A história de hoje, como habitualmente de autor que desconheço, que me chegou por correio eletrónico e que eu edito para publicação aqui no blogue, afirma-se como sendo uma história real. Não penso que o seja. A ter sucedido, certamente teria sido referenciada nas biografias dos dois famosos intervenientes, coisa que não sucede. Aliás, pelo contrário, uma biografia de Fleming refere factos manifestamente incompatíveis com esta historieta:

O médico e bacteriologista inglês Alexander Fleming nasceu nas terras altas do Ayrshire, no sudeste da Escócia, a 06 de Agosto de 1881. O pai faleceu quando Fleming tinha ainda sete anos; a partir desta data a mãe e o irmão Hugh passaram a dirigir a família e a cuidar da exploração de gado, e o seu irmão Tom partiu para Glasgow para estudar medicina.

Fleming passava os dias, nesta época, com o irmão John, dois anos mais velho, e com Robert, dois anos mais novo: exploravam a propriedade, seguiam os ribeiros e pescavam nas águas do rio. Desde cedo ficou fascinado pela natureza, desenvolvendo um sentido excepcional de observação do que o rodeava.

No verão de 1895, Tom propôs-lhe que fosse estudar para Londres, onde este tinha um consultório que se dedicava a doenças oculares. Juntaram-se, assim, os três irmãos em Londres: Fleming, John e Robert. John aprendeu a arte de fazer lentes (o diretor da empresa onde ele trabalhava era Harry Lambert, o famoso paciente de Alexander Fleming) e Robert o acompanhou na Escola Politécnica. Aos 16 anos, tinha realizado todos os exames, mas não tinha ainda certeza sobre qual o futuro a seguir. Assim, empregou-se numa agência de navegação da American Line.

Em 1901, os irmãos Fleming receberam uma herança de um tio recentemente falecido. Tom utilizou-a para abrir um novo consultório e assim, aumentar o número de clientes. Robert e John estabeleceram-se por conta própria como fabricantes de lentes, onde obtiveram um enorme sucesso. E Fleming utilizou a sua parte da herança para tirar o curso de medicina, ingressando em Outubro de 1901 na Escola Médica do Hospital de St. Mary.

Acresce que Winston Churchill nasceu em 1874, sendo sete anos mais velho que Fleming.

Mas, como refiro no título do texto de hoje, si non e vero... e bene trovato!

Havia um homem que se chamava Fleming e era um pobre lavrador escocês. Um dia, enquanto trabalhava para ganhar o pão para a sua família, ouviu um pedido de socorro proveniente de um pântano que havia nas redondezas. Fleming largou tudo o que estava a fazer e correu para o pântano. Lá, deparou-se com um rapazinho enterrado até à cintura, gritando por socorro e tentando desesperadamente, e em vão, libertar-se do lamaçal onde caíra. O Sr. Fleming retirou o rapazinho do pântano, salvando-o assim da morte.

No dia seguinte, chegou uma elegante carruagem à sua humilde casa, donde saiu um nobre elegantemente vestido, que se lhe dirigiu apresentando-se como o pai do rapazinho que salvara da morte certa.

- Quero recompensá-lo. - disse o nobre. - O senhor salvou a vida do meu filho.

- Não, não posso aceitar dinheiro pelo que fiz. - respondeu o lavrador escocês.

Nesse momento, o filho do lavrador assomou à porta da casa.

- É seu filho? - perguntou o nobre.

- Sim. - respondeu orgulhosamente o humilde lavrador.

- Então, proponho-lhe o seguinte: deixe-me proporcionar ao seu filho o mesmo nível de instrução que proporcionarei ao meu. Se o seu rapaz sair a si, não tenho dúvida alguma que se converterá num homem de que ambos nos orgulharemos."

Fleming aceitou. O filho do humilde lavrador frequentou as melhores escolas e licenciou-se em Medicina na famosa Escola Médica do St. Mary's Hospital de Londres. Tornou-se um médico brilhante e ficou mundialmente conhecido como o Dr. Alexander Fleming, o descobridor da penicilina.

Anos depois, o “rapazinho”que havia sido salvo do pantano adoeceu com uma pneumonia. E desta vez, quem salvou a sua vida?

A PENICILINA!

Quem era o nobre, que investiu na formação do Dr. Alexander Fleming?

Sir Randolph Churchill.

E o filho do nobre, que foi duas vezes salvo pela família Fleming?

Sir Winston Churchill.

Que lição tirar desta historieta, que sabemos não ter realmente sucedido? Provavelmente apenas que devemos estar sempre atentos aos nossos atos, porque nunca sabemos as repercussões, positivas ou negativas, que os mesmos podem ter. Só esta perspetiva deve bastar para nos determinarmos a agir sempre da melhor forma possível. A ajudar, na medida das nossas possibilidades. Sem preconceitos. Também sem vãs esperanças. Poderá suceder que uma pequena ajuda nossa possibilite que, no futuro, alguém descubra algo de alto valor para a Humanidade. Ou poderá suceder que a nossa ajuda apenas auxilie uma pessoa comum, que nada de especial fará. Mas que nunca a nossa omissão inviabilize um avanço!

Talvez afinal a lição seja a de que não basta não realizar o Mal. Há que promover o Bem

Rui Bandeira

08 janeiro 2009

Reserva de identidade

Em Inglaterra considera-se uma honra ser admitido maçon. Nos Estados Unidos, ser maçon é uma natural forma de integração na sociedade local e, para muitos, uma preservação da tradição familiar. No Brasil, apesar de subsistirem, aqui e ali, algumas desconfianças, a assunção pública da condição de maçon é natural. Nestas paragens e noutras em que a realidade seja similar, parecerá talvez bizarro, excêntrico, que um dos deveres essenciais dos maçons seja a reserva de identidade dos seus Irmãos que não se tenham publicamente assumido como maçons. No entanto, este princípio continua - infelizmente - a ter justificação.

Séculos atrás, quando as guerras religiosas estavam no auge e quando parecia que todos os contendores seguiam a máxima quem não é por mim, é contra mim, ser maçon, pregar e praticar a tolerância para com quem tinha ideias diferentes ou professava diversa fé, era perigoso. A ideia de haver estruturas e locais em que homens que se deveriam situar em campos opostos confraternizavam e trocavam ideias de forma livre e aberta era, para muitos, insuportável e assumindo a natureza de traição. Nos países católicos, a dita Santa Inquisição perseguia e torturava maçons, com o mesmo zelo e fervor com que perseguia e torturava judeus, bruxas e correlativos.

Nessa época, não divulgar a identidade de seus Irmãos maçons era uma regra absoluta e essencial para a segurança de todos. Mas era sobretudo, um elemento essencial do laço de fraternidade que une os maçons. Aquele podia pensar de modo diferente deste, ou professar uma religião diferente ou até pertencer ao exército inimigo daquele em que este se alistara. No campo de batalha, podiam ter o dever de lutar um contra o outro. Mas - ainda que porventura inimigos - ambos eram essencialmente e sobretudo Irmãos. Ambos podiam compartilhar o mesmo espaço e debater as suas ideias, quiçá descobrindo que, afinal, não eram tão diferentes quanto julgavam. Ambos podiam confraternizar pacificamente, armas pousadas, guardas baixadas e descobrir como isso melhorava cada um deles. Ambos sabiam que, se um deles denunciasse o outro, o denunciado sofreria grave perda, seguramente da liberdade, inevitavelmente da sua segurança, quase certamente da sua integridade física, porventura da própria vida. Em resumo, ambos sabiam que cada um deles se colocava inteiramente nas mãos do outro. E ambos protegiam o outro. Isso era e é Fraternidade!

Nos dias de hoje, ainda há locais onde é perigoso ser maçon. E a mesma regra de reserva da identidade do Irmão maçon tem de ser escrupulosamente seguida. Outros locais há em que ser maçon não será propriamente perigoso, mas poderá ser incómodo, trazer prejuízos. Onde o preconceito contra a Maçonaria e os maçons ainda dura e ser maçon e ser conhecido como tal ainda pode causar danos profissionais ou sociais. Também nestes locais se justifica, e facilmente se percebe que justifica, a reserva de identidade do maçon, a não divulgação dessa condição.

Mesmo nas sociedades mais abertas e com maior inserção social da Maçonaria, mesmo no Brasil, nos Estados Unidos ou em Inglaterra, existem preconceituosos contra a Maçonaria que, se tiverem o poder e a posição para tal, podem subrepticiamente prejudicar um maçon apenas por o ser - embora porventura ocultando o seu preconceito e usando uma qualquer outra desculpa ou justificação... Também nas sociedades mais abertas e com maior inserção social da Maçonaria se continua a justificar uma atitude prudente em relação aos preconceituosos e, portanto, o cumprimento do princípio de não revelar que alguém, que não tenha assumido publicamente essa condição, é maçon.

Uma outra razão justifica ainda o cumprimento deste princípio. A Fraternidade implica o reconhecimento da dignidade do outro em todas as circunstâncias. Implica o respeito pelo outro, pela sua inteligência, pelas suas escolhas. Se um maçon divulgasse que outrem tem essa qualidade, sem que o visado tivesse previamente assumido a mesma publicamente, estaria, sobretudo a desrespeitá-lo, a desrespeitar essa sua escolha. Se o visado não se tinha assumido publicamente como maçon, isso resultava de uma análise do mesmo, de uma escolha sua. Análise e escolha que era seu direito fazer e que só a ele competia fazer. Divulgar que esse que se não assumiu como maçon é maçon corresponde a substituir, a desvalorizar, a desconsiderar, o juízo por ele feito, em favor do juízo (ou da falta de juízo...) do próprio.

A decisão de cada um se assumir publicamente como maçon a cada um pertence. Não pode, não deve, ser apropriada por nenhum outro maçon. E não o é. Em nome do respeito pelo outro, pela sua inteligência, pela sua capacidade de análise, pelas suas escolhas, que é inerente ao elo que une todos os maçons: o elo da Fraternidade. Trair esse elo, mais do que trair o outro seria traição ao próprio e a todos.

Rui Bandeira

07 janeiro 2009

Porque se guarda o segredo maçónico

A classificação do segredo maçónico em exotérico e esotérico é minha. Quero com estes adjetivos significar duas diferentes realidades. No meu entendimento, o segredo maçónico exotérico é aquele que é constituído por matéria ou conhecimento que é suscetível de fácil apropriação por qualquer pessoa, que sem dificuldade de maior pode ser transmitido por quem o sabe a quem não o sabia. Inversamente, o segredo maçónico esotérico não comunga dessa facilidade de apreensão e de transmissão. O segredo maçónico exotérico só existe enquanto e na medida em que for preservado por todos aqueles que o detêm, os maçons, nos seus respetivos graus e qualidades. O segredo maçónico esotérico existe independentemente de qualquer esforço de preservação, porque o seu teor não é suscetível de ser adequada e completamente transmitido por quem atinge o seu conhecimento (apenas alguns, maçons ou não). Tem de ser descoberto, num esforço individual, mediante um percurso de autopreparação para o atingir e reconhecer, em que cada patamar atingido é condição necessária para poder conseguir-se chegar ao seguinte. Este segredo existe independentemente de qualquer propósito de preservação por quem o detém. Direi mesmo que existe apesar dos esforços e das tentativas de partilha por quem o descortinou.

Dito de outro modo: o segredo maçónico é composto por uma parte que não é sequer particularmente importante (o segredo exotérico) e subsiste graças e na medida dos cuidados dos maçons na sua subsistência; e existe também uma outra componente (o segredo esotérico) que existe independentemente da vontade e dos esforços e das tentativas dos seus detentores, por impossibilidade de sua adequada e completa transmissão, seja por via oral, seja por escrito. O acesso a este implica vivência, experiência, vontade, esforço. Não basta ouvir ou ler. Portanto, o segredo que se guarda não é especialmente importante e o que importa não se consegue transmitir...

O segredo maçónico exotérico é constituído por quatro aspetos:

1) Reserva da identidade dos maçons que não se hajam assumido publicamente como tal;

2) Reserva de divulgação das formas de reconhecimento entre os maçons;

3) Reserva de divulgação de rituais e de cerimónias;

4) Reserva de divulgação do teor concreto e específico dos trabalhos de qualquer reunião de Loja ritualmente realizada.

Talvez com exceção da última faceta, o segredo maçónico exotérico é um verdadeiro segredo de Polichinelo: só não o conhece quem não quiser. Basta um pouco de esforço e trabalho para apurar o seu conteúdo. Então com as possibilidades atualmente disponíveis com as Novas Tecnologias de Informação e os potentes motores de busca universalmente disponíveis, aceder a esse conhecimento é uma pura questão de perseverança, trabalho e alguma habilidade. Ao contrário do que vulgarmente se pensa, está tudo publicado. Só é preciso descobrir onde... E - esta será porventura a maior dificuldade - destrinçar entre o que verdadeiramente é e o que é falso ou imitado ou errada ou desajustada ou intempestivamente utilizado.

O objetivo primacial do segredo maçónico exotérico é permitir aos maçons saber, de uma forma exclusivamente a si acessível, quem é e quem não é maçon - e também que grau detém quem é maçon. Nos tempos de antanho, foi essencial. Hoje, nem por isso. Outras formas de saber, rápida e eficazmente, quem é e quem não é maçon existem. Hoje, a facilidade e rapidez das comunicações, particularmente das telecomunicações e da comunicação eletrónica, permite, em caso de necessidade, fácil e rapidamente verificar junto de uma Grande Loja ou de uma Loja se fulano é seu membro. Antigamente, era diferente. Daí que a importância do conhecimento da forma de obter essa informação, e a sua preservação, fosse nuclear. As realidades da vida, da evolução e do desenvolvimento em muito erodiram a necessidade e importância do segredo.

Sendo assim, porque continuam os maçons a preservar esse já não tão importante segredo? Por duas razões, uma acessória, outra essencial. A acessória é que, embora a necessidade de preservação das reservas de informação tenha diminuído, seja menos importante, não cessou completa e universalmente, não perdeu TODA a importância (ainda há locais onde é perigoso ser maçon). A essencial é que os maçons preservam o segredo maçónico PORQUE SE COMPROMETERAM, POR SUA HONRA, A FAZÊ-LO.

Sendo assim, porque se continua a exigir aos maçons esses compromisso de honra? Não já pela necessidade de antanho. Ou não já essencialmente. Nem também por um cego tributo à Tradição, o continuar a fazer agora assim porque dantes assim se fazia. Antes como um exercício permanente do que é na essência inerente à condição de maçon. Um maçon é um homem livre, apenas escravo da sua palavra; sério, sempre preservando a sua honra; cumpridor dos seus compromissos, apenas porque ele se obrigou a eles. A palavra de um maçon vale tanto ou mais do que um contrato escrito, é mais duradoura do que se tivesse sido gravada em pedra. Independentemente da importância do assunto. Um homem só é honrado e de confiança se o for nas pequenas como nas grandes coisas. A verdadeira palavra sagrada de um maçon é a sua palavra de honra.

É portanto em execução desse princípio inderrogável de que o maçon cumpre sempre a sua palavra, seja-lhe ou não conveniente, seja o assunto importante ou sem destaque particular, que este preserva o segredo maçónico. Porque se comprometeu a fazê-lo. Independentemente de ser ou não ser já importante fazê-lo. Mesmo que, por esse mundo fora, esse segredo, total ou parcialmente, tenha sido centenas ou milhares de vezes exposto. Se o não fizesse, sabia-se merecedor do opróbio e desprezo unânimes dos maçons. E um maçon só o é na medida em que seja reconhecido como tal pelos seus pares...

O maçon preserva o segredo maçónico porque se comprometeu a fazê-lo e esse compromisso continua a ser exigido aos maçons como forma de exercício diário, constante, permanente, dos deveres inerentes a um homem honrado, livre e de bons costumes. Outros existem que, diz-se para aí, pontuam a sua pertença à organização em que buscam a excelência através do cilício, da mortificação do corpo. Os maçons buscam a excelência do caráter, do espírito, e portanto exercitam continuamente o caráter e o espírito. Uma das formas de o fazerem é honrando escrupulosamente os seus compromissos. Independentemente de serem importantes. Sem questionar a eficácia ou o interesse desse cumprimento. Sendo-lhes indiferente que outros, mais fracos ou imerecedores, porventura tenham falhado esse cumprimento.

Rui Bandeira

06 janeiro 2009

A propósito do segredo maçónico


Em comentário ao texto Os meus Irmãos reconhecem-me como tal, alguém se insurgiu contra o mesmo, entendendo que nele era revelada matéria integrando o que se convencionou chamar de segredo maçónico e que eu, como todos os maçons, jurei não revelar a profanos. Em resposta a esse comentário, o Ruah já esclareceu que nada do que nos comprometemos a não revelar foi exposto no dito texto. Assim é: que os modos de reconhecimento dos maçons são sinais, palavras e toques é, de há muito, do domínio público e é, até, intuitivo. Para alguém reconhecer outrem como integrando determinado grupo ou qualidade, terá de se aperceber através do que vê (sinais), do que ouve (palavras) ou do que sente (toques). Referi-lo, pois, não atenta contra o chamado segredo maçónico. Atentatório, sim, contra ele e contra os compromissos por todos os maçons assumidos, seria revelar que sinais são esses, que palavras estão em causa, que toques relevam.

O chamado segredo maçónico é um dos pontos que mais suscita a curiosidade de quem não é maçon. Mas, relativamente a ele, não posso e não devo satisfazer a curiosidade profana: se o fizesse, o segredo deixaria de existir e o motivo para a curiosidade também... O chamado segredo maçónico é também um dos pontos utilizados por aqueles que são hostis à Maçonaria e aos maçons para procurar atacar e vilipendiar uma e outros, ao abrigo do genérico pretexto de que se não tivessem um propósito criticável, não precisavam de segredo para nada. Como se não fosse intuitivo que todas as pessoas têm e guardam segredos, uns só para si, outros apenas acessíveis aos que lhe são mais chegados - chama-se a isso reserva da vida privada e tem dignidade de direito fundamental, constitucionalmente protegido em todas as sociedades civilizadas... Como se todas as sociedades e associações não tivessem matérias e planos e decisões e estratégias cujo conhecimento reservam apenas para os seus membros... Como se os empresários, os membros da alta finança e os políticos não proclamassem todos, com alegre satisfação, que o segredo é a alma do negócio... A todos é naturalmente reconhecido o direito ao segredo, à reserva do que não se destina a ser do conhecimento público. Só os maçons são verberados por respeitarem o seu compromisso de guardar o segredo maçónico!

Muita da curiosidade, muito do combustível para os ataques aos maçons resulta, afinal, de se mitificar a essência, a natureza e a amplitude do segredo maçónico. Mitificação para que a Maçonaria e os maçons contribuíram, reconheço... Mitificação que, sendo um exagero, é um distorcer da verdade. E do torcer da verdade não resulta, normalmente, nada de bom...

A Maçonaria é uma instituição ancestral e que preza a Tradição. Mas, como todas as instituições ancestrais bem sucedidas, sabe preservar a Tradição, adaptando os seus usos e costumes ao evoluir dos tempos e das sociedades. Só assim evita ser anacrónica e mantém interesse e importância e valor, ao longo da passagem dos anos, décadas e séculos.

O século XXI lançou-nos a todos na voragem da Sociedade da Informação. As chamadas Novas Tecnologias permitem aceder a mananciais de informação que, ainda há poucas décadas - há poucos anos... - eram impensáveis. A Maçonaria não pode, não deve, obviamente, ser indiferente às consequências desta evolução. Não que tenha deixado de fazer sentido a subsistência do segredo maçónico. Mas a mitificação do mesmo, essa sim, não me parece que seja vantajosa, nem para os maçons, nem para os profanos.

A Maçonaria prossegue objetivos honrosos e louváveis. É frequentemente denegrida por quem, sendo-lhe hostil, a acusa de prosseguir propósitos menos recomendáveis e, sistematicamente, esgrime com o segredo maçónico como alegada prova dos tenebrosos propósitos da Maçonaria. Em época de acelerada circulação da informação, não basta à Maçonaria seguir o seu caminho, não ligando aos cães que ladram à passagem da caravana. Porque tanto ladrido de tanta canzoada acaba por impressionar quem o ouve. A Maçonaria deve continuar a prosseguir o seu caminho, apesar dos rafeiros e seus latidos. Mas, para bem de si própria e elucidação de todos, nestes tempos de abertura de informação, deve mostrar e informar para onde vai, porque vai e como vai. Assim todos verão qual o caminho e não se impressionarão com a barulheira dos canídeos, que todos poderão ver ser vã e sem motivo que a sustente.

O segredo maçónico é um dos objetos dos latidos. Pois bem, é tempo de mostrar, a quem estiver de boa fé, que esse vozear não tem razão de ser. Não - repito - abandonando o segredo maçónico ou traindo os compromissos assumidos. Mas explicando os limites, a natureza e as razões do dito segredo. Quem estiver de boa fé perceberá. Os outros... continuarão a ladrar, mas já impressionarão menos...

Nos próximos dias tenciono, pois, publicar alguns textos sobre o segredo maçónico, explicando o que abrange, porque existe, porque se justifica. Sem trair os meus juramentos.

Por hoje, e para terminar, deixo apenas este aperitivo: na minha opinião, não há um segredo maçónico. Há dois. Um exotérico e outro esotérico. Aquele é o que normalmente é referido. Mas, na minha opinião, é o que menos importa...

Rui Bandeira