Conforme anunciado, e no cumprimento do nosso propósito de estrito cumprimento da igualdade na divulgação das duas candidaturas, publicam-se hoje as respostas que o candidato José Manuel Pereira da Silva deu às dez questões colocadas pelos obreiros da Loja Mestre Affonso Domingues aos dois candidatos ao ofício de Grão-Mestre da GLLP/GLRP:
Qual o papel e significado da Maçonaria Regular no século XXI?
Sem querer parecer demasiado “rigorista”, defendo que a Maçonaria tem na, sua essência e génese, uma finalidade que não carece de atualização fundamental, embora se não deva furtar à sua adequação à especificidade de cada tempo. Somos uma sociedade que se define como iniciática, ponto. Isso significa que assumimos a adesão a uma via, que costumo caracterizar como de ascese civilista, que é, por sua natureza, transformante do indivíduo. Recordando que essa transformação se anuncia como a da permanente busca da perfeição centrada no alcance das virtudes simbolizadas pelas colunetas da sabedoria (sophia), da coragem (andreia), da temperança (sophrosyne) e da justiça (dikaiosyne – a coluna ausente já que Platão a considerava que esta virtude se concretizava pelo alcance das outras). Este programa iniciático que, pelo menos desde Platão, se definiu como o verdadeiro objetivo da iniciação filosófica constitui-se, em meu entender, como uma tradição contínua na história da civilização ocidental e da qual somos herdeiros. A Maçonaria tem, no horizonte dessa sua ação transformante, o Homem, na mais radical circunstância da sua própria humanidade, como objetivo e télos. Furtando-se à oferta duma perspetiva escatológica e duma redenção, limitando-se ao campo exclusivamente reflexivo e filosófico, permite que esse caminho do Bem e da Virtude que se ilumina a partir de Deus, possa ser trilhado pelo Homem comum em desígnio coletivo que se sela num compromisso jurado.
A Maçonaria moderna é, nesse sentido, uma das mais notáveis criações dos homens livres e de bons costumes e constitui uma singularidade aberta no campo da alta espiritualidade. Ver nela outras finalidades, por muito nobres que possam ser ou parecer, é empobrecer-lhe o sentido e o alcance e privar a humanidade de um instrumento que, em tempo de profunda erosão ética, nunca assumiu uma tão grande importância e urgência. Confundi-la como uma organização que se centra na intervenção social é um erro e uma tentação que não só nos afasta da essência duma via enunciada, ab initio, como iniciática, como nos priva dum instrumento e património espiritual único do ponto de vista civilizacional.
Recuso, por isso, todas as formas de aproximação, sejam teóricas ou práticas, contidas da consideração de que existem “várias maçonarias” que entre si até podem cooperar. Não negando o interesse que possam ter todo o tipo de organizações sociais que visem o bem comum, nem o direito a que possam escolher as designações com que se queiram afirmar, apenas reconheço como Maçonaria aquela que se define como via iniciática e que, declarando trabalhar à glória do GADU, apenas pretende agir sobre o indivíduo. E, assim, entendo que mesmo as iniciativas que entre nós possam assumir uma natureza filantrópica (na assistência social, no âmbito cultural ou qualquer outro) se justificam como reflexo e consequência desse caminho mais radical duma transformação espiritual e não como objetivo principal.
Numa prancha recente, que elaborei para o aniversário da RL Camões, desenvolvi o meu pensamento sobre este tema e, por isso e para que fique claro o meu pensamento sobre o tema, anexo o seu texto ao desta entrevista. (
Nota: Texto publicado no final da entrevista, conforme solicitação expressa do candidato)
Mas tenho consciência de que existem outras visões no interior da Obediência. Por isso, considero como prioridade a organização dum espaço de reflexão coletiva, seja congresso ou convenção, em que este tema seja ampla e profundamente debatido. Nada pode minar mais eficazmente o nosso sentido de Tradição, a necessidade do rigor e o verdadeiro sentido dos nossos rituais e património simbólico, do que a ignorância ou a confusão em torno da definição do que somos e devemos ser.
Assinalas no teu manifesto a prioridade ao relacionamento com as Obediências dos espaços iberoamericano e lusófono. Como vês o papel da GLLP/GLRP nesses espaços e que políticas de atuação concreta preconizas?
Sou um crente nessa ideia que, do Pe. António Vieira a Pessoa, pelo menos, se enuncia em torno dum destino português que passa por um relevante papel espiritual no Mundo. O espaço da lusofonia e da ibero américa, são o espaço em que melhor respiramos e onde melhor nos revemos. Justifica-se que nele participemos construindo, em primeira prioridade, um espaço de identidade, de comunidade e de uma verdadeira egrégora espiritual. Reforçar os laços de reconhecimento, cooperação e ação conjunta parecem-me objetivos importantes. Mas privilegio, nesta fase que nos impõe uma prudente contenção orçamental, que todas estas iniciativas se sustentem em ações de comunicação assíduas mas sem custos. Os aspetos presenciais deste contato devem ser resolvidos aproveitando a disponibilidade e oportunidade de deslocação, a seu encargo, daqueles II que oferecendo condições de seriedade, empenho maçónico e confiabilidade possam dar garantias de desenvolvimento das relações no estrito plano maçónico e não no mero interesse pessoal. Nestas, apenas nestas, condições deve o GM delegar competências de representação sempre que a oportunidade se justifique. A mesma perspetiva estratégica se deve aplicar à nomeação dos garantes de amizade, cuja ação deve ser coordenada e orientada pelo grão mestrado.
Há, no entanto, um aspeto que quero deixar bem claro e que se prende com a irradiação da M:. nos países lusófonos e com a elevada sensibilidade e prudência que se requer para todas as ações a tomar nesse sentido. Não nos podemos esquecer que a maçonaria regular só pode crescer em sociedades democráticas, nem dos perigos a que se podem expor todos os que queiram trabalhar em ambientes não democráticos, reativos ou mesmo hostis ao desenvolvimento da M:.. Nesse sentido, todas as ações a desenvolver em favor e apoio a esse desenvolvimento devem ser cuidadosamente pensadas e preparadas com envolvimento dos II que pela sua experiência anterior, como é o caso dos past-GM e GO, experiência profissional, conhecimento diplomático ou outro, possam contribuir para decisões bem aconselhadas. Penso que a instância própria para a formação deste conselho do GM é a L:. Fraternidade para que se possa garantir a máxima discrição em torno das matérias aí tratadas.
A recém criada GL de Moçambique, deve continuar a ser alvo da nossa maior atenção e carinho, forte cooperação e contributo, sobretudo no âmbito da formação maçónica e no apoio ao seu reconhecimento. Esta dedicação é tanto mais importante quanto ela serve, como exemplo, para facilitar a aproximação a outros países da lusofonia.
Mas, repito, é uma área que pela sua alta sensibilidade exige o nosso maior cuidado e bom aviso para que não caiamos em precipitações voluntaristas que comprometam não só as pessoas que se venham a envolver, como o próprio sucesso pretendido. Nestas coisas é sempre difícil recuperar, com uma segunda oportunidade, dum ato falhado.
Mas, também aqui, podemos encontrar um espaço para a cooperação internacional.
Que papel e que intervenção (se é que alguma) preconizas que a GLLP/GLRP exerça na sociedade portuguesa, como e com que instrumentos?
Sei que existem no interior da O:. Muitos II que acham que devíamos ter na sociedade um papel mais ativo, como o fazem ou pretendem os membros das maçonarias ditas liberais. Contrario esse entendimento. Somos uma organização que se define como via iniciática, volto a sublinhar, ponto! O horizonte da ação maçónica, como via transformante, circunscreve-se pela melhoria de cada um nesse caminho que se enuncia pela busca da virtude e do aperfeiçoamento. Não somos um grupo de pressão, de representação ou de outra qualquer qualidade que nos talhe para a intervenção ou parceria social. A sociedade democrática está suficientemente dotada de instituições que o fazem (religiosas, humanitárias, partidos políticos, organizações de solidariedade social, de representação do patronato e dos trabalhadores, etc…) e que podemos integrar, nelas aplicando e concluindo, como ritualmente se prescreve, o trabalho que na L:. é iniciado. É, aliás, um ótimo campo para que, pela sua exemplaridade, os maçons se mostrem e demonstrem como indivíduos úteis e distintos na sociedade em que vivem podendo, assim, contribuir para o irradiar da O:.
É claro que não incluo, nesta restrição de princípio, aquelas ações beneficentes e filantrópicas que os II ou as LL entendam desenvolver e/ou promover e que entendam poder fazer parte do “seu caminho”. Temos tantos e tão bons exemplos de envolvimento, de II e de LL, neste tipo de ações, que só podemos defender a sua continuidade e expansão bem como salientar o papel que a GL deve ter em apoiá-las: incentivando-as, divulgando-as da forma que as LL melhor entendam e promovendo-as ou coordenando-as no caso de se tratarem de iniciativas que resultem da voluntária cooperação entre LL.
Mas sendo uma via iniciática a que assumimos como fundamento de ação, deverá ser, sobretudo, no campo da espiritualidade que nos devemos afirmar como agentes ativos e empenhados. Promover ações que privilegiem este domínio no âmbito do seu aprofundamento ecuménico, parece-me ser do maior interesse e contributo para o prestígio e irradiação da O:. Nesse sentido, proporei a realização dum conjunto de encontros em que sobre o tema “que sentido para uma espiritualidade contemporânea”, possamos ouvir perspetivas diferentes de destacados pensadores do nosso tempo.
Também no plano cultural devemos construir uma visibilidade que nos distinga promovendo o trabalho dos nossos II, que são tantos e se essa for a sua vontade, no campo da literatura, das artes plásticas, da música e do próprio trabalho científico em diferentes áreas.
Estas agendas devem constituir-se não só como um contributo para a nossa reflexão e enriquecimento pessoal mas, também, para a criação duma imagem positiva da M:. na sociedade portuguesa. Mas defendo que a sua organização deve partir do envolvimentos das LL para que se reforce, não só o envolvimento dos II, essa ideia que para mim é central e decisiva de que o nosso trabalho só faz sentido como manifestação coletiva.
Como preconizas se efetue a capitalização, gestão e administração do Fundo de Solidariedade Maçónico?
Saúdo a criação do FSM embora não conheça muito bem os seus objetivos e funcionamento. Mas tenho sobre ele ideias concretas; designadamente que deve ter o perfil dum “Tronco Comum” para aplicação solidária e beneficente quer no plano interno (acorrer às dificuldades dos II), quer externo (apoiar entidades singulares ou coletivas no âmbito da solidariedade social nas áreas da assistência, da saúde ou mesmo da educação). Entendo, por isso, que o FSM deve ter uma administração sob controlo, mas independente da GL (evitando que em qualquer circunstância se possa transformar num “saco azul”). Assim, deve constituir-se como uma importante instituição da Obediência que será dotada duma assembleia geral constituída por todos os II Hospitaleiros, uma direção presidida pelo GH e um conselho fiscal presidido pelo GT; o FSM terá integrado nos seus órgãos (direção ou AG), em representação da GL e garantindo a colaboração desta, um dos VGM. O FSM seria gerido de acordo com um plano anual de aplicações e atividades aprovado pela sua AG.
Penso que o FSM deve ser financiado por uma quotização obrigatória para os obreiros (pequena 12-20 € ano) e ter em donativos (em numerário ou espécie), doações e outras comparticipações voluntárias a base da sua sustentabilidade. Pode, ainda, gerar recursos através da promoção de atividades - a atual sede tem por exemplo condições para a realização de festas e outras atividades que gerem receitas; por exemplo, aniversários, santos populares, etc., se a direção o entender e para isso puder contar com a colaboração dos II ou das LL. Penso que este tipo de atividades não só contribuiriam, pelo objetivo, para o reforço da Fraternidade como constituiriam um excelente contexto para que nos possamos conhecer melhor em sã convivialidade entre nós e as nossas famílias. Em meu entender e com esta configuração o FSM poderia, com relativa facilidade, atingir os 50 000€/ano numa primeira fase.
Como preconizas o lançamento e funcionamento da Academia Maçónica (“Academia de Formação” é pleonasmo...) e qual o prazo que prevês para efetivo início do seu funcionamento?
Numa altura em que temos que reconhecer algum “enfraquecimento” em aspetos centrais da nossa cultura maçónica como a instrução, o rigor ritual e mesmo a vivência duma Fraternidade permanentemente anunciada mas, por vezes, esquecida e desvirtuada, a Academia (o que por si é uma designação feliz que saúdo) pode constituir um importante instrumento para o reforço da GL, da formação dos maçons e para o desenvolvimento do conhecimento maçónico.
Em meu entender a Academia deve desenvolver dois “ramos” principais no seu trabalho:
1- Num plano que designo como exotérico, a Academia deve centrar o seu trabalho na formação técnica de investigadores que se queiram orientar no aprofundamento e esclarecimento dos temas que defino como da teoria e história da filosofia, uma maçonologia, e na divulgação aberta desse trabalho; esta formação técnica, garantindo ao trabalho investigativo o maior rigor científico, deve incluir as áreas da heurística, da hermenêutica e das técnicas da investigação em ciências sociais adequadas ao âmbito das diferentes linhas de trabalho que se venham a definir como prioritárias ou a partir dos interesses individuais. Temos, entre nós, pessoas suficientemente competentes para este contributo, mas não deixa de ser uma área em que podemos construir uma relação séria e produtiva com as universidades e a comunidade científica nos domínios da História, da Filosofia, da Antropologia, etc. Defendo que o resultado do trabalho deste ramo da Academia deve ser orientado para a sua divulgação aberta com a criação duma revista própria de grande qualidade quer científica, quer gráfica, pelo que deve ser gerida por um grupo de avaliadores.
2- Noutro plano, que designo como esotérico, a Academia deve proporcionar a formação e o aprofundamento nas áreas do simbolismo e do ritualismo; é um plano mais interno e que, desenvolvido a coberto, se deve orientar para o aprofundamento da cultura maçónica e da prática ritualística e iniciática abrangendo quer os aspetos mais gerais quer as especificidades dos diferentes ritos: o interesse e a urgência deste trabalho devem ser assistidos pelo desenvolvimento dum plano de atividades da responsabilidade do conjunto dos GI, mobilizando para as ações a desenvolver os II melhor preparados e estendendo, essas ações, a todo o território proporcionando a maior adesão dos II.
Apesar de distintos, não quero deixar de sublinhar a complementaridade destes dois “ramos” considerados, bem como o papel que a Academia pode ter no desenvolvimento de relações culturais com o mundo maçónico e para o prestígio externo da GL.
Penso, ainda, que possa desenvolver-se sobre tutela da Academia, que deve integrar por isso o Grande Bibliotecário e Arquivista, a recolha, tratamento e manutenção do espólio documental da GL, a criação, gestão e manutenção duma futura Biblioteca bem como a criação, gestão e manutenção dum futuro Museu.
Na dinâmica de funcionamento Lojas/Grande Loja privilegias a prevalência da liberdade de atuação das Lojas ou da coordenação da Grande Loja? Na primeira hipótese, como prevines fenómenos de basismo e descoordenação? Na segunda, como prevines excessiva coordenação e autoritarismo?
Vejo aí uma dicotomia que pode iludir a natureza duma Sociedade como a nossa e a afirmação duma dialética que penso não existir. E isso apenas tem a ver com a própria interpretação que faço e proponho do ponto de vista institucional. Aliás, isso é um ponto que penso estar claro no Manifesto eleitoral que reflete, sem qualquer dúvida, o pensamento duma larga maioria dos II.
As LL:. são livres, na medida em que são constituídas por homens livres. Mas a sua liberdade está definida pelo seu objetivo fundador: promover pela via iniciática - de acordo com princípios constitucionais, regras usos e costumes fundados numa Tradição e que se juram cumprir e obedecer – o aperfeiçoamento individual com o qual se contribui para o próprio aperfeiçoamento da Humanidade. Como emanação das LL:. A GL é o garante de que essa liberdade das LL:. se inscreve no escrupuloso e estrito cumprimento e observância dessas condições livremente aceites por todos e cada um na especificidade de cada rito; é esta a essência da regularidade maçónica e a sua magnífica riqueza institucional, cultural e, diria mesmo, civilizacional.
O princípio inerente à legitimidade do GM:. não reside, portanto, na sua “autoridade” formal mas no seu poder de todos representar, como garantia para cada um, como vontade coletiva duma adesão aos mesmos princípios, regras, deveres e direitos. Podemos, dessa maneira, falar duma “auctoritas” que é garantia da unidade e da identidade que se concretiza no conceito da Fraternidade. É, por isso, que me afasto das conceções que veem no GM ou no grão mestrado uma instância de poder, de liderança ou de chefia. E, afasto-me, na exata medida em que as considero como conceções anti-maçónicas, injustificadas e desnecessárias. O GM é um ouvidor que se abre à ressonância da vontade dos II e cuja primeira missão é zelar pela União e pela construção do fraterno entendimento. Implicando o conceito de líder, o conceito de seguidor, desajusta-se do conceito básico do amor fraterno em que todos se encontram numa vontade comum. Isto não significa que o GM se exima à decisão solitária. Mas fá-lo-á sempre a coberto dessa “auctoritas” que se interpreta como a vontade coletiva. Para os que menos me conhecem e possam ver nesta minha conceção alguma “demagogia” apenas posso dizer que tenho, em defesa da minha convicção, o meu passado ao serviço da O:.
O papel coordenador da GL é da maior relevância; do meu ponto de vista é, mesmo, o seu principal papel. É, por isso, que defendo que o plano de atividades da GL se deve, sobretudo, confinar à integração das atividades propostas pelas LL:. Não que o próprio grão mestrado não possa ter ideias para iniciativas; claro que pode e deve, mas deve devolvê-las às LL:. para que as possam assumir, individualmente ou associando-se para esse fim.
Recuso a ideia de que o grão mestrado, ou a GL se quisermos, ainda que erradamente simplificar, se possa assumir como uma superestrutura, individualizada e dirigente dotada de autonomia decisória e de ação. Defendo, antes, a soberania das LL:. concretizada na concertação da vontade coletiva que se expressa no único órgão dotado de soberania maçónica: a Assembleia.
E para que essa minha conceção ainda seja mais clara diria também que é preciso resgatar, enquanto órgão, o Conselho de Veneráveis à sua simples existência formal atual. Nem a Assembleia, nem o Conselho podem ser, simplesmente, instrumentalizados como circunstâncias de “briefing” administrativo. Penso, quero que isto fique muito claro, que as principais propostas a apresentar à Assembleia pelo GM deviam ser objeto de parecer prévio e positivo do Conselho. Só assim podemos garantir a participação e envolvimento das LL:. nas decisões que dizem respeito e constroem o nosso interesse comum. E só assim respeitamos esse princípio básico, que defendo, duma soberania residente nas LL:. E é o que farei se, por vontade dos II e do GADU, for eleito GM.
Quais as principais obras/contribuições que fizeste para o desenvolvimento da nossa Augusta Ordem nos últimos 10 anos?
O trabalho que considero mais importante é o que tenho desenvolvido com assiduidade na minha RL Amor e Justiça. Costumo afirmar que, nos mais de 30 anos que levo de maçonaria, talvez se contem apenas pelos dedos das mãos as vezes que faltei às sessões de Loja. Eu sinto a falta desse trabalho e da proximidade fraterna, na construção do sentido que vou fazendo para a minha vida e, é por isso, que o considero tão importante e até tenho dito, neste contacto que vou mantendo com os II, que se for eleito GM me podem pedir tudo, menos que eu deixe de frequentar as sessões da minha própria RL onde me apresentarei como simples MM.
Mas, para além desse trabalho que me alimenta, tenho sido solicitado para contribuir com a minha modesta participação em ações em que se abordam temas em torno da Maçonaria: quer a convite das RLL, dos AG quer de organizações profanas: Rotary, escolas e até um museu. É um trabalho que tenho feito com gosto e do qual sempre recebi, como retorno, a ideia que é possível falar da Maçonaria esclarecendo o mundo profano e combatendo a imagem negativa que a ignorância da nossa verdadeira identidade e finalidade proporciona. Tem sido muito gratificante verificar como as pessoas acabam por nos receber bem e compreender melhor. E não deixo de registar, como exemplo de como estas ações contribuem para a irradiação da O:., o facto de algumas adesões se terem verificado em consequência desta divulgação e esclarecimento.
Quantos irmãos foram por ti propostos e quantos deles continuam ainda na nossa Augusta Ordem?
O período inicial da GLRP, desde a sua fundação até à cisão, foi o período em que tive maior atividade relativamente à proposta de II:. A necessidade de crescimento, nesse período, obrigou a que todos os obreiros fossem particularmente ativos nesse domínio. Propus quase uma dezena de II que, praticamente, “esgotaram” no meu círculo de relação aqueles que eu considerava com as necessárias características pessoais. Seguindo o muito avisado preceito, utilizado pelo RER, da responsabilidade perante o VM e a RL do proponente pelo candidato, nunca convidei nenhum profano para pertencer a outra RL que não a minha. Mas sinalizei alguns candidatos, nessa circunstância, que vieram a ser convidados e a ser iniciados.
Quando integrei, há 10 anos, a minha atual RL, ajudando à sua implantação em Rio Maior e com uma área de influência até Santarém, passei a trabalhar num contexto fora da minha residência e onde, na prática, não conheço ninguém. Tenho, por isso, continuado a sinalizar alguns potenciais candidatos meus conhecidos doutras cidades, às respetivas LL:., mas não procedido à sua abordagem e convite.
Dos II por mim propostos, apenas um abandonou a O:., por ocasião da cisão, por ter ficado desagradado com os factos então ocorridos.
Se fores eleito Grão-Mestre, qual a principal mudança em relação ao que existe preconizas e qual o principal aspeto que achas deve ser mantido inalterado na GLLP/GLRP?
Relativamente ao essencial, quanto aos aspetos da governança da GL, acho que nas respostas anteriores ficou claro um sentido de mudança que se radica numa conceção que recusa a liderança em favor da representatividade e expressão da vontade coletiva cumprindo um princípio de respeito pela soberania das LL:. Como se diz no Manifesto, para que se não tome o vértice pela pirâmide.
Mas quero distinguir os dois aspetos essenciais do funcionamento da GL, quanto a mudanças e permanências relativamente às quais defino um princípio básico: manter o que funciona bem; mudar o que pode ser melhorado. Esse princípio será aplicado quanto: ao aspeto da gestão financeira da GL, em que o trabalho desenvolvido pelo GT tem sido relevante, competente e necessário ou justificador de continuidade; e, também, no aspeto ritual há II que se têm afirmado como muito competentes nas tarefas que desempenham e contribuído quer para o bom desenrolar das cerimónias, conferindo-lhes rigor e dignidade, quer no apoio e assistência que têm prestado aos II ao longo do tempo. São situações para as quais considero que, sendo essa a vontade dos próprios, se justifica a permanência de funções.
Mas há algumas mudanças que posso anunciar que farei e sobre as quais quero que a minha posição fique muito clara e que possam servir como ilustração das duas conceções em jogo, nesta eleição, quanto ao governo da GL:
1 – Esta inovação dos círculos eleitorais, cuja finalidade ninguém percebe qual seja, comigo, não se repetirá; por um lado, porque não se justifica e cria, na prática, dificuldades maiores aos II que se tenham que se deslocar (no meu caso terei que ir de Rio Maior a Tomar) o que pode ser um fator que leve à abstenção; por outro, deixa a ideia de que a votação em Loja pode ser “diferente” da que for realizada no círculo: ora este é um princípio contra o qual me oponho já que é para mim inadmissível que entre II se levantem suspeições do género.
2 – Ouvido o Conselho de Veneráveis, proporei que a atual investidura dos VM se passe a fazer em moldes diferentes atendendo ao já elevado número de LL; assim, proporei que a instalação dos novos VM se faça em cerimónia coletiva dando ao ato a máxima solenidade ritual e até simbólica na medida em que todos se possam ser recebidos do seio da GL enquanto coletivo e egrégora; a transmissão dos malhetes far-se-á de forma simples em cerimónia de cada RL, entre VM instalado e o VM cessante; se as LL o entenderem podem solicitar a presença de GO como convidados a testemunharem o ato.
3 – O problema dos II que por, infelicidade, deixem de ter condições para cumprirem com as suas obrigações (situação que deve ser verificada e confirmada pelos Hospitaleiros de cada RL) deixam de ser um “problema” da Loja para ser da GL; assim, confirmada pelo IH a situação de cada obreiro este comunicará ao respetivo IT que comunicará ao GT o quadro das capitações reais; comigo, nenhum obreiro será excluído da O:. por não poder, de facto, cumprir com as suas obrigações. Até porque, se do ponto de vista financeiro para a GL é exatamente a mesma coisa, já do ponto de vista maçónico o não é. Nós juramos a fraternidade, o auxílio mútuo, o socorro dos II e se estes têm a infelicidade de cair em situação de dificuldade a resposta que temos é a sua exclusão? Sinto um grande constrangimento, uma mágoa e até alguma vergonha que isto se passe, que possamos incorrer em atitudes que levem II a sentirem-se humilhados e abandonados na sua infelicidade. Nós não somos nem temos que ser uma elite económica. Somos uma elite cultural, ético/moral e espiritual destinada a homens livres e de bons costumes independentemente do seu estatuto social e económico. Quem aspira a pertencer a um clube de cavalheiros deve procurar em outra instância que não esta.
O problema dos aumentos de salário terá uma solução próxima, com recurso a pagamentos faseados, por exemplo, evitando que muitos II se afastem e deixem de comparecer às sessões por sentirem que não podem cumprir com o respetivo encargo.
4 – Considero exagerados, atendendo à situação económica do País, das famílias e de muitos II, os custos associados aos jantares promovidos pela GL. Qualquer iniciativa que se pretenda de convívio entre nós, deve a todos ser acessível e isenta de sacrifício financeiro acrescido. Por isso, essas iniciativas terão um custo máximo de 20€ por pessoa, embora sobre isso venha a solicitar o parecer do Conselho de Veneráveis; é que se lhe acrescentarmos os custos das deslocações teremos situações diferentes para os II que devem ser acauteladas. E esta questão é tanto mais relevante quanto o podermos estar juntos e em convívio em que se integrem as próprias famílias, é um dos mais eficazes instrumentos para a coesão interna e para o conhecimento interpessoal e familiar. Todas as iniciativas conviviais, no âmbito estritamente maçónico, devem ser integradoras e não segregadoras. Mas não me oporei a iniciativas abertas ao mundo profano e que possam ter como objetivo a recolha de fundos em que os custos não sejam uma preocupação.
5 – Pretendo também dar maior relevo ao Grande Inspetorado permitindo que os GI’s tenham efetivas condições para realizar a sua tarefa de atestar e apoiar as RRLL no desenvolvimento das suas tarefas rituais, não só cerimoniais mas também de instrução. Para isso, o número de GI será adequado ao número de RRLL em cada rito e à dispersão territorial, permitindo que a visitação se faça, pelo menos, duas vezes em cada ano.
6 – Interromperei de imediato este movimento de criação de novas LL que está a pôr em risco o funcionamento daquelas que, por esse motivo, perdem obreiros essenciais ao seu funcionamento; é demasiado elevado o número de LL que para funcionar têm que, sistematicamente, recorrer a obreiros auxiliares. Em meu entender, uma Loja nunca deverá libertar obreiros para a criação de outra se o seu quórum ficar inferior a 25-30 MM. Também tentarei resolver a situação das LL que atualmente só funcionam com uma sessão mensal, porque considero que, não se tratando duma Loja temática, nessas condições se torna quase impossível o desenvolvimento de um bom trabalho maçónico.
É evidente que estamos em presença de duas propostas e de dois candidatos que têm sobre a GL e o seu governo, conceções muito diferentes. Estas questões sobre as quais anuncio mudanças não esgotam as que estão implícitas no meu manifesto que dirigi com “Carta” aos II e que, espero, deve ser objeto de leitura e reflexão por todos. Estamos, de facto e em meu entender, perante uma escolha que deve ser levada a sério e que vai para além das ligações mais estreitas que possa existir entre cada um de nós e os candidatos a GM.
Se não fores eleito Grão-Mestre, que papel, atividade e colaboração, nos próximos cinco anos, antevês para ti na GLLP/GLRP?
Desde o grão mestrado do MRI José Anes que assumi, para com todos os Grão Mestres, a mesma postura que consignei numa fórmula que a todos transmiti no dia da sua investidura e aquando da minha manifestação da mais fraterna lealdade: “ MRGM eu sei onde tu estás para que te possa manifestar as minhas preocupações, dúvidas e dificuldades, se as tiver…..tu sabes onde eu estou, sempre à Ordem para te servir e à GL se, quando e como o entenderes.” Farei exatamente o mesmo com todos os GM que venha a servir no futuro.
Mas, não escondo que me entusiasma a ideia de poder dar o meu modesto contributo no âmbito da Academia. Sobretudo, no aprofundamento e desenvolvimento duma área de investigação que, tendo iniciado há alguns anos, tive que quase suspender para cumprir um programa de doutoramento: refiro-me a uma área que defino como de “teoria e história da maçonaria” ou, como também lhe chamo, duma maçonologia, incidindo principalmente sobre o período anterior a 1717.
De resto, sendo minha obrigação assumida estar permanentemente à Ordem, do GM e dos II, continuarei a responder às solicitações que me forem feitas para tudo em que for reconhecido como útil.
No essencial, continuarei com a minha atividade maçónica assídua e empenhada no desbaste da pedra bruta no sítio onde tal se opera e concretiza: no aconchego da minha Querida e RL Amor e Justiça, em Rio Maior.
Texto mencionado na primeira resposta do candidato:
VM da RL Camões
VM da RL Carlos Penalva
RI GT da GLLP/GLRP
RI GI do REAA
VVMM
MQI em vossos graus e qualidades
Breve nota sobre o papel da Maçonaria na sociedade contemporânea
Os que me conhecem sabem que raramente apresento, em L:., pranchas escritas. Mas hoje, MQ VM, e porque comemoramos o XV aniversário da tua RL decidi surpreender-te e escrever o que gostava de, aqui, partilhar com todos. Aceita o meu gesto como uma prenda e um sinal de gratidão pela forma fraterna como sempre me senti acolhido entre vós.
O que quero partilhar com todos vós, MQI, é uma pequena reflexão sobre o sentido atual que pode e deve ter para todos e cada um de nós, a Maçonaria. E faço-o por duas razões: porque penso que se trata de uma reflexão necessária mas, também, porque dado o momento concreto que vivemos é justo que, chamados a escolher, possam os meus II conhecer, sobre uma tão importante questão, o que pensa um dos que de entre vós pode vir a ser objeto da vossa preferência.
Se é certo que existe hoje uma consciência a que podemos chamar global, que nos aproxima como indivíduos da ideia mais geral duma humanidade, não é menos certo que essa consciência se confronta todos os dias com rumos e factos que nos interpelam no sentido dum devir que, cada vez mais, nos parece empurrar para um beco sem saída em que os interesses económicos, melhor dizendo financeiros, erodem dramaticamente os mais elementares princípios dessa mesma humanidade e o próprio contexto em que ela se afirma como ápice da divina criação: a Natureza.
É, por isso, esta uma época de sobressalto e de fundados receios. Sobressalto e receios que mobilizam milhões de seres humanos em defesa de valores e princípios que se erguem como bandeiras de desespero, gritos de revolta mas, também, exasperantes abandonos face às forças que corroem a nossa alma e o nosso planeta.
Mas suspendo aqui esta crítica.
Muitos são os II:. que sabem que defendo e argumento em favor duma teoria que reclama para a Maçonaria uma continuação da longa tradição da iniciação filosófica e que esse continuum é identificável num longo percurso histórico que pode traçar-se desde Pitágoras até à atualidade.
Os nossos rituais são, do meu ponto de vista e numa abordagem hermenêutica séria e consistente, uma prova dessa permanência de um ideal de ascese civilista que tem em vista o aperfeiçoamento individual num horizonte em que a felicidade se concretiza no alcance das virtudes enunciadas por Platão, numa formulação que se tem revelado atemporal na própria medida em que se fundam na própria radicalidade da condição humana. Feitos à imagem de Deus, partícipes superiores de toda a criação, constituímos a alteridade que torna possível a própria revelação da natureza divina dessa mesma criação. E é esta circunstância que nos abre a possibilidade de um caminho ascendente, duma ascese, pelo qual nos podemos aproximar, ainda que num remoto vislumbre, dessa perfeição ideal em que o Uno se concretiza, idealmente, como supremo Bem e como supremo Belo.
Os nossos rituais não são, por isso, um mero protocolo cerimonial que concretizem o gesto pelo qual criamos um ambiente determinado. São, mais do que isso, um poderoso repositório do material teórico, concetual, metafórico e simbólico que nos proporciona o acesso a um dos muitos caminhos que podem conduzir os seres humanos a essa via em que cada um se dá, na liberdade de aproximação, pelo contínuo aperfeiçoamento espiritual, ao supremo Bem, a Deus, ao GADU.
Nesse sentido, a Fraternidade jurada que integramos e partilhamos, consubstancia uma tradição que ecoa no tempo, suspendendo-o na negação da contingência, e que apenas se atualiza na circunstância de cada um, como ser determinado na sua individualidade mas, também, na necessidade sentida dum olhar do outro que nos define numa fragilidade que reclama a união que encoraja na dificuldade do caminho. Caminho de reflexão purgativa que nos atua de modo transformante e nos liberta de todos os fins a que a materialidade, apesar de tudo, da nossa circunstância humana nos conduz se não estivermos atentos.
Dou-vos um exemplo que, talvez, possa iluminar esta ideia. Ao chegarmos aqui hoje e nos momentos de convívio que hão de seguir-se, havemos de experimentar aquela alegria natural que igualmente vivemos aquando nos reunimos com os nossos amigos de infância, de escola, da tropa ou mesmo no casamento da prima, quando encontramos amigos e familiares a quem há muito tempo já não víamos. Pessoas que ocupam um lugar importante da nossa vida, dos seus momentos mais impressivos, marcantes ao ponto de os revivermos nesses encontros em que se atualizam alegrias passadas. Mas o paradoxo é que, neste caso que se passa entre nós, esse sentimento brota entre pessoas que, na maioria dos casos, nem se conhecem ou que, verdadeiramente no que a factos de vida respeita, até podemos afirmar que se desconhecem completamente. Então como explicar este sentimento verdadeiro que entre nós se gera, senão pela circunstância de sermos caminhantes do mesmo caminho, cúmplices ativos da mesma determinação de viver uma amizade incondicional, uma verdadeira fraternidade, que se furta ao tempo e ao modo duma justificação que a sustente? De certo modo poderíamos afirmar que se trata de um sentimento que, isento de qualquer interesse, se manifesta em estado puro.
Mas a vivência de estados de pureza, que podemos encarar como objetivo do nosso percurso, exige essa suspensão, ou mesmo negação, dos interesses que os podem dificultar ou mesmo impedir. Nesse sentido é a Loja, enquanto espaço sagrado porque segregado do mundo em tempo suspensivo, e a vivência ou prática refletida do ritual, que nos dá acesso a essa experiência que positivamente nos afeta e cujo prolongamento no mundo profano nos pode servir de medida e teste da nossa progressão. É, assim, que a prática da Maçonaria se oferece a cada um de nós e a toda a Humanidade, como uma circunstância maravilhosa e única e como um poderoso instrumento de transformação do mundo a partir da transformação de cada um. E não perceber esta singularidade e o poder desta via como contributo para o Bem do mundo é um erro que não podemos cometer.
Fazer dos nossos rituais simples protocolos conviviais equivale, para mim, em embrulhar em pechisbeque, de forma tão completa, o diamante que herdámos, que nenhuma luz dele irradie porque nenhuma luz lhe pode chegar.
Mas deixem que vos apresente um texto de Séneca, que penso ser de grande aplicação nesta circunstância e que resume bem o meu pensamento sobre a Obra a que, por juramento, nos comprometemos:
“ Tenho a certeza, Lucílio, que é para ti uma verdade evidente que ninguém pode alcançar uma vida, já não digo feliz, mas nem sequer aceitável sem praticar o estudo da filosofia; além disso, uma vida feliz é produto de uma sabedoria totalmente realizada, ao passo que para ter uma vida aceitável basta a iniciação filosófica. Uma verdade evidente, todavia, deve ser confirmada e interiorizada bem no íntimo através da meditação quotidiana: é mais trabalhoso, de facto, manter firmes os nossos propósitos do que fazer propósitos honestos. É imprescindível persistir, é preciso robustecer num esforço permanente as nossas ideias, se queremos que se transforme em sabedoria o que apenas era boa vontade.
Por esta razão não precisas de gastar comigo tantas palavras nem de fazer tão longas profissões de fé: eu sei que tu já progrediste bastante. Sei bem de que fonte nascem as tuas palavras, que nem são fingidas nem exageradas. Dir-te-ei, contudo, o que penso: espero muito de ti, mas não confio ainda totalmente. Aliás espero que tu faças o mesmo comigo, ou seja, que não acredites no que te digo com excessiva prontidão. Observa-te a ti mesmo, analisa-te de vários ângulos, estuda-te. Acima de tudo verifica se progrediste no estudo da filosofia ou no teu próprio modo de vida. A filosofia não é uma habilidade para exibir em público, não se destina a servir de espetáculo; a filosofia não consiste em palavras, mas em ações. O seu fim não consiste em fazer-nos passar o tempo com alguma distração, nem em libertar o ócio do tédio. O objetivo da filosofia consiste em dar forma e estrutura à nossa alma, em ensinar-nos um rumo na vida, em orientar os nossos atos, em apontar-nos o que devemos fazer ou pôr de lado, em sentar-se ao leme e fixar a rota de quem flutua à deriva entre escolhos” (Epist. 16,1-3)
E, ainda, o início da Carta 17:
“Se és sábio, melhor, se quiseres ser sábio, deixa-te de fantasias e aplica as tuas forças a fim de atingires quanto antes a perfeição espiritual.” (Epist. 17-1)
A Maçonaria, como espaço de reflexão e meditação, pode neste sentido estóico duma praxis transformante do indivíduo, ser considerada uma filosofia. E é nesta conceção, que defendo, que ela se afasta das orientações que a marginam como um coletivo de intervenção social, como instrumento de transformação do mundo a partir de elites interventivas que têm na retórica social e moral a definição dum campo de atuação axiológico, ou mesmo ideológico, que ignora ou minimiza, secundarizando, a natureza transformante duma via que, por essa mesma natureza, se anuncia como iniciática.
Esta conceção da Maçonaria como filosofia e via iniciática, que emerge, mesmo, da mais superficial abordagem hermenêutica dos materiais rituais e simbólicos, não contraria a possibilidade ou mesmo a desejabilidade das iniciativas com que os Maçons possam, no mundo profano, concretizar os seus ideais de amor ao próximo e ao mundo nas suas diferentes dimensões. Mas, acima de tudo, essas iniciativas terão que ser mais uma consequência dum trabalho de aprofundamento espiritual do que constituírem-se como objetivos próprios ou finalistas do trabalho maçónico.
É uma conceção que nos afasta, radicalmente, dos protocolos sociais da convivialidade ou da própria cooperação mesmo que numa finalidade benfeitora. É claro que entre nós se desenvolve a mais sã convivialidade, a mais empolgante cooperação benfeitora. Como um reflexo, porém, dessa elevação do espírito obtida em cada degrau subido nesse caminho que, iniciado com o anúncio do poder da humildade, se deve transformar com evidente transparência numa humildade do poder. Porque esse é o desígnio máximo da aprendizagem da virtude, a filosofia, que nos é proporcionada pela Sociedade em que nos irmanamos: como a definiu Platão, uma aprendizagem que permita aos filósofos serem reis ou os reis filósofos, para que a Justiça se faça realidade.
Detenhamo-nos pois perante as colunetas que alumiam o nosso trabalho para nos interrogarmos: o que é hoje no mundo ser temperante? De que coragem precisamos para o caminho? De que sabedoria falamos quando a ela dizemos aspirar? Como nos podemos reconhecer, em ascensão virtuosa, como homens que, na busca da temperança, da coragem e da sabedoria, se pretendem a cada dia mais justos e perfeitos?
É altura de voltar à crítica, acima suspensa, dos tempos de desvario que vivemos. Tempos de perdição e abandono. Tempos da loucura, em que nos tornamos tão cegos ao drama alheio. Loucura em que se dissolve, sem que o pensemos ou suspeitemos, a própria condição da nossa humanidade.
O que podemos então fazer, como coletivo, para melhorar este mundo adoentado e sofredor? Eis o que penso e digo: simplesmente, continuar esse trabalho árduo e penoso que, sempre renovado como compromisso e juramento, tantas gerações de maçons se empenharam em desenvolver no aprofundamento contínuo da nossa condição de homens livres e de bons costumes.
Esse trabalho profícuo que nos devolve ao mundo como homens melhor preparados, mais justos e perfeitos, para nas instituições profanas darmos testemunho duma diferença, isenta e lavada de qualquer pretensão de superioridade moral ou outra.
Esse trabalho que, na constante afirmação do poder do espírito, nos sustenta com essa humildade adquirida por esse mesmo poder do espírito e que, por isso e a propósito, nos deve prevenir do espírito do poder, essa tentação que de vez em quando nos visita e que, como uma chaga, nos tolhe as mãos enfraquecendo o aperto com o qual, em serena e fraterna comunhão que é já dádiva sincera de cada um e de todos, vamos construindo essa bela instituição que entre nós se quer permanente e se traduz na Cadeia da União.
Nas trevas continuamos o trabalho que na Luz iniciámos. Não o contrário.
MQI e VM Jaime Martins que aqui nos acolhes em comemoração. MQII aqui presentes.
Porque não somos mais do que “anões aos ombros de gigantes”, no sábio dizer de Bernardo de Chartres, deixa-me que mais uma vez evoque Séneca para te pedir, apesar de tudo, “que não acredites no que te digo com excessiva prontidão”. Antes te peço que, sobre este meu pensar e sentir, medites e reflitas e, como VM, proponhas meditação e reflexão. Se nos encontrarmos no mesmo olhar, tanto melhor. Se não, abro-me à tua ajuda e à dos II:. para que me ajudem a mim a melhor ver o que deve ser visto. Entre nós, só não deve caber a cegueira, porque é na Luz que o nosso caminho se faz.
Agradeço o teu fraterno convite e esta tão sentida oportunidade de estarmos juntos no exercício duma fraternidade verdadeira. E recebe, como testemunho desse agradecimento, esta humilde prancha que para a ocasião me dei a traçar.
Gândara dos Olivais, 17 de maio de 6014
(José Manuel Pereira da Silva)
Entrevista publicada por
Rui Bandeira