02 novembro 2011

A Maçonaria NÃO É uma sociedade secreta (I)


Em relação à Maçonaria criou-se um mito, frequentemente repetido, em tom acusatório, pelos detratores da maçonaria: a Maçonaria seria uma "sociedade secreta" e, assim sendo, boa coisa não é (pois, se o fosse, não necessitaria de ser secreta).

Não é verdade. A Maçonaria não é uma sociedade secreta, antes é uma associação que existe e funciona ao abrigo das leis civis e no integral respeito do que estas postulam. Qualquer Obediência maçónica existe enquanto pessoa jurídica coletiva, normalmente organizada sob a forma de associação, devidamente registada no Registo Nacional de Pessoas Coletivas em Portugal e nos serviços equivalentes nos outros países, constituída por escritura notarial, arquivada onde a lei do país em que se insere determina, fiscalmente manifestada e, a exemplo das demais pessoas coletivas, cumprindo as obrigações fiscais que a Lei determina, com os seus órgãos sociais designados pela forma que a Lei e os seus Estatutos determinam e publicitados pela forma que a Lei determina. Enfim, a Maçonaria Regular, que tem por princípio fundamental o respeito da legalidade vigente, existe e funciona ao abrigo e cumprindo as leis em vigor nos Estados onde funciona, como qualquer outra associação nesse Estado existente.

No entanto, e como já o Ministro da Propaganda nazi, Joseph Goebbels, descaradamente referia, uma mentira mil vezes repetida passa a ser entendida por muitos como verdade.

E a mentira de que a Maçonaria é uma sociedade secreta tem vindo a ser muitos milhares de vezes repetida, ao longo de mais de três séculos. O poder e persistência desta mentira são proporcionais às forças de quem a lançou e repetidamente a sustentou ao longo do tempo: a alta hierarquia da Igreja Católica.

Que a alta hierarquia da Igreja Católica não tenha visto com bons olhos a Maçonaria, é compreensível: tratava-se de uma agremiação nascida num país que, em termos religiosos, se rebelara contra a Igreja de Roma - a Inglaterra; e a Maçonaria consumava um princípio que então (muito antes de o ecumenismo ser um conceito aceite pela Igreja Romana) lhe era insuportável: a junção, a colaboração fraterna, entre crentes de diferentes religiões. Com efeito, a Maçonaria postula um princípio fundamental, inerente à hoje aceite e comum, na sociedade ocidental, noção da liberdade religiosa, que é o de que a crença religiosa de cada um só a ele diz respeito e que homens livres e de bons costumes podem auxiliar-se mutuamente na sua respetiva evolução ética e espiritual, independentemente das respetivas crenças religiosas. Quaisquer diferenças nestas são de somenos em face da essencial semelhança do que é ser Homem, da Ética que a todos deve unir, do comum anseio de melhoria, de aperfeiçoamento pessoal, moral e espiritual. Compreende-se que esta noção não seja bem vista para uma conceção religiosa que entende que o caminho para a Salvação é o da sua religião e não o de qualquer outra (e essa era a postura da alta hierarquia da Igreja Católica, pelo menos até ao Concílio Vaticano II).

Bastaram 21 anos, a contar da fundação de Premier Grand Lodge, em Londres, em 1717, para a alta hierarquia da Igreja Católica efetuar o primeiro ataque violento à maçonaria, utilizando o falso argumento de ser a Maçonaria uma "sociedade secreta". A primeira bula papal de condenação da Maçonaria foi subscrita por Clemente XII em 28 de abril de 1738, ficou conhecida pela designação de Bula In Eminenti e nela pode ler-se, designadamente (destaque meu):

Agora, chegou a Nossos ouvidos, e o tema geral deixou claro, que certas Sociedades, Companhias, Assembleias, Reuniões, Congregações ou Convenções chamadas popularmente de Liberi Muratori ou Franco-Maçons ou por outros nomes, de acordo com as várias línguas, estão se difundindo e crescendo diariamente em força; e que homens de quaisquer religiões ou seitas, satisfeitos com a aparência de probidade natural, estão reunidos, de acordo com seus estatutos e leis estabelecidas por eles, através de um rigoroso e inquebrantável vínculo que os obriga, tanto por um juramento sobre a Bíblia Sagrada quanto por uma variedade de severos castigos, a um inviolável silêncio sobre tudo o que eles fazem em segredo em conjunto.

A decisão anunciada na bula foi de proibição e condenação: decidimos fazer e decretar que estas mesmas Sociedades, Companhias, Assembleias, Reuniões, Congregações,ou Convenções de Liberi Muratori ou de Franco-Maçons, ou de qualquer outro nome que estas possam vir a possuir, estão condenadas e proibidas, e por Nossa presente Constituição, válida para todo o sempre, condenadas e proibidas.

Mas este foi apenas o primeiro ataque. Treze anos depois, Bento XIV emitiu, em 18 de maio de 1751, a Bula Provida Romanorum Pontificum, onde se pode ler:

Finalmente, entre as causas mais graves das supraditas proibições e condenações enunciadas na Constituição acima inserida, — a primeira é: que nas tais sociedades e assembleias secretas, estão filiados indistintamente homens de todos os credos; daí ser evidente a resultante de um grande perigo para a pureza da religião católica;
— a segunda é: a obrigação estrita do segredo indevassável, pelo qual se oculta tudo que se passa nas assembleias secretas, às quais com razão se pode aplicar o provérbio (do qual se serviu Caecilius Natalis, em causa de caráter diverso, contra Minúcius Félix): “As coisas honestas gozam da publicidade; as criminosas, do segredo”;

— a terceira é: o juramento pelo qual se comprometem a guardar inviolável segredo, como se fosse permitido a qualquer um apoiar-se numa promessa ou juramento com o fito de furtar-se a prestar declarações ao legítimo poder, que investiga se em tais assembleias secretas não se maquina algo contra o Estado, contra a Religião e contra as Leis;

Neste documento, o pretexto da "sociedade secreta" continua a ser invocado, mas desvendam-se as verdadeiras razões da decisão: o facto de, na Maçonaria estarem filiados indistintamente homens de todos os credos e tal "constituir um grande perigo para a pureza da religião católica" e o receio de que, nas reuniões maçónicas se maquine "algo contra o Estado, contra a Religião e contra as Leis".

O século XVIII não findou sem que, precisamente em 1800, mais um Papa, Pio VII, publicasse mais uma bula condenatória da maçonaria, a Bula Ecelesian a Jesus Christo, de que não consegui encontrar publicação do seu texto. O século XIX (em que, recorde-se, ocorreu a emergência da Maçonaria Irregular e da intervenção desta orientação na Coisa Pública, inclusivamente com ações revolucionárias) foi também fértil em documentos papais de condenação da Maçonaria, em que a classificação da mesma como sociedade secreta foi recorrente.

Mas isso é já matéria para o próximo texto.

Rui Bandeira

9 comentários:

Nuno Raimundo disse...

Boas...

A Maçonaria não é uma sociedade secreta e a maior prova disso está aqui.
Estamos a ler e a escrever sobre Maçonaria num blogue maçónico.
Com caras e nomes à vista de todos.

Se a Maçonaria fosse secreta, não havia espaço para este e outros blogues existirem.
Nem tantas páginas, livros e videos sobre a mesma feitos por maçons.

Basta se procurar no You Tube ou nos vários motores de busca que existem, para se obter informação verdadeira sobre a Maçonaria.

Em países do Continente Americano ( tanto do norte como do sul), tudo existe às claras. Apenas na Europa as coisas são ligeiramente diferentes, em virtude da perseguição que foi feita à Maçonaria durante séculos, o que ainda hoje se traduz num comportamente menos expansivo e mais discreto.

Mas cada um é como cada qual. Tem tanto direito de se assumir como qualquer "coisa" como não o fazer, ficando para cada um a decisão de se assumir como tal.
Como em tudo na vida, se devem respeitar e tolerar as posições que cada um toma em relação a si próprio.

Eu pessoalmente me assumo como tal, porque também para o ser, fui reconhecido por quem o deveria fazer; mas respeito e compreendo o porquê de muitos Irmãos não o fazerem, um pouco em virtude da ignorância de muita gente face ao que a Maçonaria é e faz.

Acima de tudo cabe aos maçons fazerem-se respeitar e fazer respeitar a Maçonaria, através de uma conduta cívica exemplar, por forma a que os seus erros pessoais não manche a reputação dos demais.
Um dos graves problemas da Maçonaria na Sociedade é esse mesmo.
O facto de se generalizar os erros de uns como se fossem ou se tornassem nos erros dos demais.

Não querendo me alongar mais, porque neste seriado que agora inicia, muitas dúvidas de desmistificaram.
Apenas aconselho a sempre que alguém ouça falar em Maçonaria, pense que, se é possível se falar dela, então é porque não é secreto. Porque do secreto ninguém fala, porque também não se sabe se existe.

Abraços e TAF

Streetwarrior disse...

Boas caro Rui.

Gostaria de ver qual a sua opinião sobre estas questões, se fosse possível.

1ª )-Sendo que o Papa Clemente XII, decreta uma Bula de proibição á Maçonaria, qual a Razão, para que os Jesuítas utilizem simbologia maçónica nas suas Igrejas?
2ª )-Qual é a ligação da Maçonaria, ao jesuitismo?
Porque razão, ambas partilham imensa Simbologia, inclusive o Olho da providência e imensa relacionada com Saturno?
Haverá ligações entre ( á Data da criação ) a Ordem Militar dos Jesuítas e a Criação da Grande loja Inglesa?

Obrigado
Nuno

Streetwarrior disse...

Existe ainda uma outra questão que me tem feito reflectir muito.
Partindo do principio que a Maçonaria carrega na sua história, uma serie de acontecimentos em prol da Liberdade, da Igualdade e da Democracia...que forças estarão então nas sombras, durante estes tempos de mudança na sociedade, a tentar queimar publicamente a Maçonaria, criando uma imensa campanha de conta-propaganda, utilizando para isso, todos os meios que se tornem Virais.

Quem beneficia com isso... a Igreja?
Penso que não...então quem? Para quem poderá ser a Maçonaria como conjunto, uma afronta?
Obrigado
Nuno

Diogo disse...

Caro Rui,

Amanhã, 4/11, comento-lhe o post. Hoje já não me é possível.

Abraço

Lindemann disse...

Querido Rui!
Tenho uma oração do papa João XXIII, em que ele pede perdão aos Maçons,acredito ter disponível na rede. Pergunto, foi realmente escrita por este Papa? Qual a posição atualmente da Igreja em relação aos Maçons?
TFA
Josiel

Rui Bandeira disse...

@ Streetwarrior:

Nuno,

1) Não sendo os jesuitas propriamente matéria de meu estudo, em termos de história, posso, no entanto, com razoável certeza, afirmar-lhe que não utilizam simbologia maçónica, nem há qualquer relação entre as duas instituições.

Sobre a utilização comum do símbolo do Olho da Providência, já tive oportunidade de esclarecer aqui no blogue (http://a-partir-pedra.blogspot.com/2010/08/nota-de-um-dolar-dos-estados-unidos-e.html) que este símbolo é um antigo símbolo cristão, que não faz parte da iconografia maçónica original e que só foi utilizado em ambiente maçónico pela primeira vez em 1797 por Thomas Smith Webb, só a partir daí tendo havido uma apropriação pela Maçonaria do símbolo.

Não há nenhuma ligação entre a Maçonaria e o jesuitismo.

2) Na minha opinião, presentemente as forças que militam contra a Maçonaria são as dos fundamentalismos religiosos (católico, protestante, islâmico). Não será propriamente por uma questão de interesses mas por incompatibilidade de convicções: efetivamente, nada pode estar mais longe, nada pode ser mais ofensivo, nada pode ser mais ameaçador para os fundamentalismos religiosos do que uma instituição que, aos níveis locais, estaduais e global, tem como princípio e prática a Tolerância, designadamente a nível de religião, propugnando e praticando uma frutuosa cooperação entre pessoas com diversas convicções religiosas.

O católico, o protestante, o muçulmano, desde que não fundamentalista, não se sente ameaçado pela Maçonaria. O fundamentalista, seja qual for a religião de que é adepto, esse sim, sente-se ameaçado pela Maçonaria - e tem razão em sentir-se, pois a melhor arma contra os fundamentalismos, a que é suscetível de os destruir, é precisamente a Tolerância!

Rui Bandeira disse...

@ AStreetwarrior:

Nuno:

Simbologia maçónica relacionada com Saturno??? Essa para mim é novidade...

Rui Bandeira disse...

@ Lindemann:

Tanto quanto sei, essa pretensa carta é falsa.

A posição atual da Igreja em relação aos maçons é de alguma ambivalência: por um lado, o novo Código do Direito Canónico não condena a Maçonaria, sendo a redação atual do cânone que era anteriormente utilizado como condenatório desta a seguinte:

"Aquele que se afilia a uma Associação que conspira contra a Igreja, deve ser punido com justa penalidade; e aqueles que promovem e dirigem estes tipos de Associações, entretanto, devem ser punidos com interdição".

Com isto, a maçonaria está legalmente e literalmente livre do estigma.

Mas, por outro lado, no mesmo dia em que entrou em vigor o novo Código do Direito Canónico foi publicada uma Declaração da Congregação para a Doutrina da Fé (antigamente, a Santa Inquisição...), que dizia:

"Permanece imutável o juízo negativo da Igreja perante as Associações Maçónicas, porque os seus princípios sempre foram considerados inconciliáveis com a Doutrina da Igreja, e por isso, a inscrição continua proibida. Os fiéis que pertencem às Associações Maçônicas estão em estado de PECADO GRAVE e não podem receber a SANTA COMUNHÃO.
Não compete às autoridades eclesiásticas locais, pronunciarem-se sobre a natureza das Associações Maçónicas com um juízo que implica na revogação do que é estabelecido".

Só uma nota final, que pode ser significativa: aquando da publicação desta Nota era Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé o Cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento XVI...

Lindemann disse...

Estamos precisando um Papa Maçom!