28 setembro 2011

Maçonaria e Poder (XI)


General Gomes Freire de Andrade

Em 1804, constituiu-se formalmente o Grande Oriente Lusitano. Foi seu primeiro Grão-Mestre o desembargador Sebastião José de São Paio de Melo e Castro Lusignan, neto do Marquês de Pombal. Também integrou o Grande Oriente o General Gomes Freire de Andrade. Sinal da sua já forte ligação ao Grand Orient de France é o facto de a sua primeira Constituição maçónica, de 1806, ter adotado o Rito Francês como rito oficial e exclusivo do Grande Oriente Lusitano. Outro sinal disso foi um episódio ocorrido após a entrada de Junot em Lisboa, em 1807: uma delegação do Grande Oriente Lusitano, encabeçada pelo irmão do Grão-Mestre, Luís de São Paio de Melo e Castro, foi cumprimentá-lo ao seu quartel-general. O entendimento entre o general invasor e os maçons, de influência francesa, foi tão grande, que (valha a verdade, com indignação de muitos maçons) chegou a ser proposta, numa Loja, a substituição do retrato do Príncipe Regente pelo do Imperador Napoleão e, mesmo, foi apresentada proposta para que Junot viesse a ser nomeado Grão-Mestre! Os simpatizantes da causa francesa foram, porém, longe de mais e a maioria dos maçons manifestou-se contra os invasores.

Rechaçada a invasão de Junot, novas Invasões Francesas, a segunda comandada pelo General Soult e a terceira pelo Marechal Massena, têm lugar. Acorre um corpo expedicionário inglês, integrando muitos maçons - ao ponto de ter tido lugar um desfile de militares britânicos maçons, com bandeiras e emblemas. A atenção da Inquisição centrou-se, de novo, na Maçonaria, tendo, em 1810, sido presos 30 maçons, sob a acusação de serem simpatizantes da causa francesa. O Duque de Sussex, filho de Jorge III (que viria, em 1813, a ser o último Grão-Mestre da Premier Grand Lodge e o primeiro Grão-Mestre da Grande Loja Unida de Inglaterra), intercederia pela sua libertação.

Após a expulsão das tropas francesas, ficou a dirigir o Exército português (e na regência de facto do país...) o Marechal Beresford, que favoreceu a atividade maçónica. Em 1812, só em Lisboa existiam 13 Lojas. Foi um breve período em que a Maçonaria portuguesa voltou a florescer ao abrigo da orientação inglesa.

Entretanto, Gomes Freire de Andrade, que integrara a "Legião Portuguesa" criada por Junot, que partira para França em 1808, sob o comando do Marquês de Alorna, e que participara na campanha da Rússia, regressou a Portugal e participou ativamente na contestação à suserania britânica. Eleito Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano em 1816, prepara, a partir do próprio GOL, uma insurreição contra Beresford. Em 25 de maio de 1817, é, juntamente com mais outros onze oficiais, preso, por denúncia de três outros maçons (três traidores, como na Lenda do 3.º grau...),
José Andrade Corvo de Camões, Morais de Sarmento e João de Sequeira Ferreira Soares, e posteriormente todos enforcados - Gomes Freire de Andrade em São Julião da Barra e os demais no Campo de Santana, hoje Campo dos Mártires da Pátria.

Na sequência destes factos, D. João VI promulga, do Brasil, um alvará régio declarando «criminosas e proibidas todas e quaisquer sociedades secretas, incorrendo os seus membros no crime de lesa-majestade, com as severas penalidades consequentes». A Maçonaria passa à clandestinidade!

A Revolução Liberal de 1820, no Porto, tem forte participação maçónica: integraram os conspiradores os maçons Manuel Fernandes Tomás, Desembargador da Relação do Porto, José Ferreira Borges, advogado, José da Silva Carvalho, advogado, João Ferreira Viana, Duarte Lessa, José Maria Lopes Carneiro, José Gonçalves dos Santos, João da Cunha Souto Maior e vários outros. Cunha Souto Maior e Silva Carvalho viriam, mais tarde, a ser Grão-Mestres do GOL.

Claro que, chegado o tempo da contra-revolução absolutista, os maçons iriam pagar o preço do seu envolvimento no Liberalismo. Em 1823, um novo édito de D. João VI condenava a atividade maçónica - de Pedreiros Livres, Carbonários e Comuneros - com o degredo de cinco anos em África e numa multa pecuniária de mais de cem mil reis para os cofres das obras pias e muitos maçons, juntamente com outros liberais, são presos em Peniche (não foi só no século XX que o Forte de Peniche serviu de masmorra para opositores políticos...). Uma pastoral do cardeal de Lisboa contra os maçons veio a originar o assassínio, pela plebe inflamada, de 17 maçons, entre os quais o Marquês de Loulé. O padre de Campo Maior proclamava: " Deve ser derramado em massa o sangue dos portugueses como antigamente o sangue dos judeus porque o infante jurou não embainhar a espada antes de resolver a situação com os maçons. Estou sequioso de banhar as minhas mãos de sangue". Em cumprimento de ordem nesse sentido do Grão-Mestre, as Lojas foram fechadas e a Maçonaria remeteu-se, de novo, à clandestinidade, salvo no bastião liberal da ilha Terceira.

D. Pedro IV - que fora nomeado Grão-Mestre da Maçonaria brasileira em 1822 - organiza, a partir da Terceira, uma força expedicionária liberal, que, sob o seu comando, desembarca no Mindelo em 1832 e se apodera do Porto. Embora cercadas nessa cidade, parte das tropas liberais reembarca nos navios que as trouxera dos Açores e desembarca no Algarve, marchando sobre Lisboa, sob o comando do Marechal Saldanha, tomando a capital em agosto de 1833.

D. Pedro IV é aclamado rei e as forças clericais não tardam a pagar o preço pelo seu alinhamento com o absolutismo e a sua perseguição aos maçons: os jesuítas são de imediato expulsos (de novo, após a primeira expulsão, decretada pelo Marquês de Pombal, posteriormente anulada após a saída deste do Poder), os padres e frades que haviam defendido a usurpação miguelista são punidos e, com a Convenção de Evoramonte (que formalizou o definitivo exílio de D. Miguel), em 1834, é suspensa a atividade de todas as Ordens Religiosas.

No plano maçónico, a confusão e a divisão grassava: os liberais exilados elegeram, nada mais, nada menos, do que dois Grão-Mestres: pelos expatriados em Inglaterra, José da Silva Carvalho; pelos acolhidos em França, o Duque de Saldanha. Regressados os liberais a Portugal, no Porto é eleito ainda um terceiro Grão-Mestre, Passos Manuel. Não há fome que não dê em fartura e, num ápice, passa haver três Grandes Orientes em Portugal, rivalizando entre si! Escreveu Borges Grainha que «nos ministérios consecutivos que D. Maria II chamou ao poder, em curtos intervalos, entrava, geralmente, algum Grão-Mestre desses Orientes, encontrando-se na Oposição os Grão-Mestres dos outros. O resultado era assim que havia Orientes e lojas ministeriais frente a Orientes e lojas oposicionistas».

Esta confusão ainda conseguiu aumentar mais, antes de tudo desaguar em reunificação, trinta anos depois. O Grande Oriente de José da Silva Carvalho adotou o nome de Grande Oriente de Portugal. Neste, seria, em 1840, por breve período, Grão-Mestre o ministro Costa Cabral. Tendo este sido substituído, em meados desse ano, pelo Visconde de Oliveira, Costa Cabral e os seus partidários afastam-se e criam a Grande Loja Portuguesa (e vão quatro!). Por seu turno, as organizações de Saldanha e de Passos Manuel reunificam-se na Confederação Maçónica (passa, de novo, a três!). Mas, entretanto, sob o malhete de Mendes Leal, forma-se o Grande Oriente Lusitano (passa a quatro!) e, dirigida por José Elias Garcia, cria-se a Federação Maçónica (e vão cinco!). A isto, há que juntar um Oriente do Rito Francês (contem seis!) e uma Grande Loja Provincial do Oriente Irlandês (chegamos a sete!). Mas não desesperemos: o Grande Oriente de Portugal, a Grande Loja Portuguesa, a Confederação Maçónica e a Federação Maçónica agrupam-se no Grande Oriente Português (ficam quatro!), este associa-se, em 1869, ao Grande Oriente Lusitano e ao Oriente do Rito Francês, constituindo o Grande Oriente Lusitano Unido e, três anos depois, este acolhe no seu seio a Grande Loja Provincial do Oriente Irlandês. Em 1872, está reunificada a Maçonaria Portuguesa, no Grande Oriente Lusitano Unido !

Os três primeiros quartéis do século XIX marcaram a ascensão, divisão e reunificação da Maçonaria em Portugal. Retrospetivamente, entendo poderem tirar-se algumas conclusões, que nos ajudam a elucidar os acontecimentos futuros:

1) Tendo como pano de fundo o conflito franco-britânico, vemos, num primeiro momento, desenvolverem-se em Portugal duas orientações maçónicas: a inglesa e a francesa, cada uma sob a proteção dos respetivos exércitos.

2) O Poder clerical alinha politicamente com o absolutismo e ambos reprimem a Maçonaria; a Maçonaria alinha ativamente pelo Liberalismo. Como consequência, acentua-se o anticlericalismo, quer nos Liberais, quer nos maçons.

3) As circunstâncias decorrentes da repressão absolutista e clerical fazem com que ambas as correntes maçónicas (francesa e inglesa) participem ativamente no campo liberal, muito cedo se impondo (independentemente da origem de cada tendência) a direta intervenção na luta política, não só dos maçons, como das organizações maçónicas, enquanto tal. Ou seja, o século XIX em Portugal marca a prevalência da interferência das organizações maçónicas na vida e nas lutas políticas, independentemente da origem "inglesa" ou "francesa" de cada maçom ou de cada Loja. Esta caraterística virá a perdurar indisputadamente por mais um século, em Portugal.

4) Com o triunfo do Liberalismo e a integração direta na área do Poder político dos maçons (que lutaram, de armas na mão, pela vitória desse ideal), surgem em poucos anos, várias divisões na Maçonaria. Foi o preço - quiçá inevitável - da direta interferência da Maçonaria na luta política, passando os maçons a dividirem-se segundo as suas clivagens políticas.

5) Os maçons laboriosamente conseguem reunificar-se e a Maçonaria portuguesa entra no último quartel do século XIX reunificada no Grande Oriente Lusitano Unido.

Então, esbatida já a controvérsia absolutismo-liberalismo, começava a esboçar-se a questão seguinte: Monarquia x República. A Maçonaria viria a posicionar-se nesta controvérsia com o efeito de duas caraterísticas que, a meu ver, explicam o seu papel nos eventos futuros: o hábito de intervir politicamente e o anticlericalismo que as perseguições clericais instalaram na sua matriz de pensamento. Para o bem e para o mal, estavam reunidos os elementos que levariam ao apogeu e queda da Maçonaria em Portugal, em escassos sessenta anos.

Fontes:

http://www.freemasons-freemasonry.com/arnaldoG.html http://pt.wikipedia.org/wiki/Gomes_Freire_de_Andrade http://213.58.158.155/NR/rdonlyres/5687C9BA-2CAD-45D8-9ACE-75DA5FB7E047/2999/Jos%C3%A9daSilvaCarvalho.pdf
http://www.gremiolusitano.eu/?page_id=37

Rui Bandeira

24 setembro 2011

O almoço



A pequenita - teria uns 7 ou 8 anos - comia com a família num restaurante de comida rápida. Compenetrada, ou talvez alheada, comia devagar o primeiro dos pedacinhos de frango que escolhera para refeição nesse dia - tão devagar, de facto, que ainda não tinha tocado nas batatas fritas.

Arrastando-se com dificuldade, tentando fazer-se invisível, mas discretamente atento ao que o rodeava, um velho sem-abrigo passa junto à mesa. Mede a miúda com os olhos, vê-a sem fome, e cobiça-lhe as batatas fritas - talvez antecipando-as já no contentor do lixo, frias e sem graça.

Na posição defensiva e encolhida de quem ouve, de manhã à noite, "não" sobre "não", aproxima-se um pouco da mesa, mantendo a distância a que está habituado a que o mantenham, e sugere à miúda, mais do que pede:
"- Se depois não quiser as batatas, não as deite fora..."

A miúda, subitamente despertada dos seus devaneios, não entende logo. Com um olhar inquisitório, pergunta à mãe:
"- O que é que aquele senhor queria?"
"- Tem fome, queria comer." - explica-lhe a mãe. "Pediu as tuas batatas fritas, se não as quisesses."

Num gesto, sem pensar, a miúda
"- Senhor!"
e ele, sem reconhecer a interpelação,
"-Senhor!" repete ela,
e ele, há muito desabituado de ser tratado assim, percebe, por fim, que é com ele, e volta-se, incrédulo perante a vista da caixa - o almoço da miúda - que ela lhe estende. Olha para a mãe da criança, que com os olhos lhe faz sinal que aceite, e ele, agradecido e balbuciante, toma a caixa e sai num repente.

A mãe, ainda não refeita da surpresa, mal contém o orgulho,
"- Fizeste bem," enquanto se levanta para ir comprar outra dose - sim, que a miúda tem que almoçar.

Essa, impávida e sem perceber o que a mãe vai fazer, ataca com a maior naturalidade as batatas - o que restou do seu almoço. Sem pedir mais nada.

Filha de maçons.

Paulo M.

21 setembro 2011

Maçonaria e Poder (X)


A Maçonaria foi introduzida em Portugal, ainda na primeira metade do século XVIII. A primeira Loja de que há conhecimento foi a Loja que ficou conhecida como a dos "Hereges Mercadores", fundada por comerciantes britânicos, protestantes, ainda antes de 1730. Esta Loja foi, em 1735, inscrita no registo da Grande Loja de Londres (Premier Grand Lodge) sob o n.º 135 e, mais tarde, sob o n.º 120, tendo vindo a ser abatida ao quadro de Lojas daquela Grande Loja em 1755. Esta Loja, de orientação estritamente inglesa e Regular, nunca teve qualquer intervenção política e, mesmo após a condenação da Maçonaria por Clemente XII, em 1738, nunca foi incomodada pela Inquisição, certamente devido à nacionalidade dos seus obreiros.

A segunda Loja de que há conhecimento em Portugal foi a "Casa Real dos Pedreiros-Livres da Lusitânia", fundada em 1733. Agrupava predominantemente irlandeses, maioritariamente católicos. Eram essencialmente comerciantes, mas também havia marítimos, soldados, médicos, um estalajadeiro, um mestre de dança e três frades dominicanos. Veio a integrar-se nesta Loja o arquiteto húngaro Carlos Mardel, um dos principais responsáveis pelos projetos de reconstrução de Lisboa após o terramoto de 1755. Com a publicação da bula de Clemente XII condenando a Maçonaria, esta Loja dissolveu-se.

A terceira Loja conhecida em Portugal foi fundada em 1740 pelo lapidário de diamantes John Coustos, suíço naturalizado inglês, e agrupava cerca de trinta comerciantes e lapidários franceses, ingleses, um belga, um holandês, um italiano e três portugueses, maioritariamente católicos (John Coustos, o Venerável, era, porém, protestante). Denunciada esta Loja à Inquisição em 1743, os seus obreiros foram presos, torturados e condenados. Os seus principais elementos foram condenados às galés. Os portugueses foram, pura e simplesmente, executados. Por pressão de Jorge II de Inglaterra, John Coustos e os seus companheiros acabaram por ser libertados, em 1744, sob condição de abandonarem o país. John Coustos, já em Inglaterra, veio a publicar um livro que viria a ter alguma notoriedade na Europa desse tempo, The Sufferings of John Coustos for Freemasonry and for His Refusing to Turn Roman Catholic in the Inquisition (Os sofrimentos de John Coustos na Inquisição pela Maçonaria e pela sua recusa de se converter ao catolicismo). A Loja ficou, obviamente, extinta, com a intervenção da Inquisição.

Só depois do terramoto, consolidado o poder do Marquês de Pombal, expulsos os jesuítas e fortemente limitado o poder clerical, voltou a haver condições para a atividade maçónica em solo português. Em 1763 havia em Lisboa uma Loja de orientação inglesa e, crê-se, uma Loja francesa e uma terceira, mista de militares e civis. Em 1768, fundou-se uma Loja no Funchal. Porém, com a morte de D. José I e o afastamento do poder do Marquês de Pombal, regressaram as perseguições. Em 1791, havia Lojas maçónicas em Lisboa, Porto, Coimbra, Valença, Funchal e nos Açores, mas as fortes perseguições inquisitoriais em 1791 e 1792 desmantelaram, pela segunda vez, a Maçonaria em terras lusas.

Só com o desembarque em Portugal, em 1797, de um corpo expedicionário inglês, se voltaram a reunir condições para o restabelecimento da atividade maçónica em Portugal, existindo, no ano seguinte, quatro Lojas de orientação inglesa em Lisboa, três de militares e uma mista de militares e civis, incluindo portugueses. Estas Lojas tiveram, no registo da Premier Grand Lodge, os números 94, 112, 179 e 315. Esta última veio, mais tarde, a ser a Loja n.º 1 dos registos portugueses, com o nome de "União".

Ao abrigo do poder militar inglês, novas Lojas se foram formando, adquirindo a condição de maçons nomes ilustres da intelectualidade portuguesa da época.: abade Correia da Serra, Filinto Elísio, Ribeiro Sanches, Avelar Brotero, Domingos Vandelli, José Anastácio da Cunha, José Liberato Freire de Carvalho, Domingos Sequeira.

Desta primeira fase da introdução da Maçonaria em Portugal, em três tempos, podem tirar-se algumas conclusões significativas:

1) Até ao início do século XIX, a atividade maçónica em Portugal foi, essencialmente, de orientação inglesa, segundo as regras da Maçonaria mais tarde denominada de Regular, não interferindo, nem procurando interferir, na coisa pública.

2) A grande oposição à Maçonaria em Portugal proveio do Poder religioso, pela mão da Inquisição.

3) Quando o Poder político ou o Poder militar (de forças externas) limitaram o Poder clerical, a Maçonaria reflorescia.

Estes factos, aliados aos sucessos da Revolução Francesa e à posterior presença de forças expedicionárias napoleónicas em Portugal, vieram a refletir-se na evolução futura da Maçonaria lusitana, em especial na sua relação com o Poder: se inicialmente a Maçonaria de orientação Regular e não interventiva no Poder foi perseguida e desmantelada, só conseguindo reaparecer à sombra do Poder, civil ou militar, que limitava o Poder clerical, então haveria que, sobretudo, garantir que o Poder clerical não voltasse a ser tão forte que pudesse, de novo, pôr em causa a atividade maçónica, se necessário intervindo de forma a favorecer o Poder político que tal garantisse.

Vinham aí as guerras napoleónicas, a suserania inglesa e a Guerra Civil entre Absolutistas e Liberais. A Maçonaria em Portugal ia atravessar todo esse período de instabilidade. E, paulatina e insensivelmente, ia derivar da orientação Regular para a intervenção política, aproximar-se intimamente do Grand Orient de France, vindo a culminar no anticlericalismo que foi marca da I República.

Ironicamente, este percurso foi, em grande parte, motivado pela interferência do Poder religioso, que impediu a natural e livre implantação da Maçonaria Regular. As perseguições das Inquisição lavraram o terreno onde germinaria a Maçonaria Irregular, ou Liberal, em Portugal. Dois séculos viriam a decorrer até à institucionalização da Maçonaria Regular em terras lusas.

Fontes:

http://www.gremiolusitano.eu/?page_id=28

http://en.wikipedia.org/wiki/John_Coustos

Rui Bandeira

19 setembro 2011

Os maus maçons



As boas ações dos maçons ficam quase sempre - como é suposto - no segredo do íntimo de cada um. Não é próprio de um maçon alardear o bem que espalha em seu redor, ou, como diz o evangelho segundo Mateus, "não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita". Assim, os bons exemplos daquilo que os maçons fazem nunca chegam a ser verdadeiros exemplos: desconhecidos de quase todos, é como se não tivessem sequer ocorrido.

Não falam as bocas do mundo das boas obras deste ou daquele maçon, e se falam não mencionam o facto de ser maçon - eventualmente de forma pública. Mas, se por acaso o mencionam, não se diz nunca que foi "a maçonaria", por intermédio dessa pessoa, que fez bem; o bem é, sempre e quando muito, um ato individual.

Já quando o nome de um suposto maçon cai na lama da praça pública, logo os clamores se erguem para estabelecer uma suposta ligação entre um facto e o outro, e logo se toma a parte pelo todo, atacando-se a totalidade dos maçons por causa de uma acusação feita a um ou a uns poucos... De facto, a discrição que carateriza a maçonaria joga frequentemente em seu desfavor.

Negar as evidências não é próprio de seres racionais ou de pessoas inteligentes. Por isso começarei por afirmar: é claro que há maçons que fazem coisas mal feitas; venha o primeiro dizer que nunca cometeu um erro. O facto de um maçon cometer erros só prova que cumpre um dos requisitos para ser maçon: pretender aperfeiçoar-se. Um maçon que cometa um erro pode contar com o apoio dos seus irmãos, e será tanto mais apoiado quando manifeste a firme vontade de se corrigir e aperfeiçoar. Por isto mesmo, uma pessoa perfeita não teria lugar na maçonaria. 

Mesmo os melhores fazem, por vezes, coisas mal feitas. Assim, não me assusta nem me incomoda nada que se diga que um maçon cometeu um erro. Preocupa-me, sim, saber como reagiu ele a esse erro: evitou-o? corrigiu-o? remediou o mal feito? ou persistiu no erro, acomodou-se a ele e voltou a repeti-lo? E quando não são os melhores a errar? Quando são os piores? Quando não é um ato mau cometido por alguém que tem um historial consistente de fazer o bem, mas um ato mau de alguém que costuma fazer o mal?

Deixem que estabeleça um paralelismo. Tem-me chocado, como creio que a milhões de outros, saber do escândalo dos abusos sexuais de crianças por padres católicos por esse mundo fora. Choca-me tanto mais quanto fui criado no seio de uma família católica, e toda a vida conheci e privei com muitos padres. Por isso me repugna a ideia de que um padre possa ser pedófilo. Como é possível que um padre - alguém que eu tenho, em princípio, na melhor das contas - possa tornar-se em algo de tão odioso?

Um dia, de repente, apercebi-me de que estava a ver ao contrário: não eram os padres que se tornavam pedófilos, mas os pedófilos que se tornavam padres. Se bem atentarem, é o disfarce perfeito: não precisa de explicar o facto de não viver com ninguém, e pode estar quase sempre com crianças por perto. Como evitar, então, os padres pedófilos? A meu ver, evitando-se que os pedófilos se tornem padres. Note-se que isso não diminui o número de pedófilos, mas pode reduzir para zero, ou perto disso, o número de padres pedófilos.

Com a maçonaria e os maus maçons acontece fenómeno semelhante. Infelizmente, dos muitos que tentam juntar-se aos maçons para obter prestígio, benefícios e privilégios, alguns conseguem ser admitidos. Quando, por fim, se revelam através das suas más ações, o mal está feito. E, quando as suas más ações são conhecidas, é toda a maçonaria que fica manchada.

Porque a maçonaria regular é cumpridora das leis de cada país onde está estabelecida, e porque pretende, precisamente, manter um distanciamento dessas práticas, caso um maçon seja condenado pela justiça pelo cometimento de crimes ou ilícitos graves, só pode aguardar por um veredicto: a expulsão. Mas melhor do que remediar é prevenir. Quando os processos de inquirição são adequadamente conduzidos minimiza-se o risco de se admitir quem não deva sê-lo. E é assim que deve ser.

Paulo M.

15 setembro 2011

Maçonaria e Poder (IX)


A introdução da Maçonaria em França correu através da classe nobre e contemporaneamente à Guerra Civil em Inglaterra. Os apoiantes dos Stuarts exilaram-se em França e aí organizavam-se procurando recolocar no trono o rei deposto ou os seus descendentes. Conforme já referi em Origem e primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceite - o Discurso do Chevalier Ramsay, a própria génese do Rito Escocês Antigo e Aceite ocorre em França e no ambiente privilegiado da nobreza, isto é, no âmago do Poder, no tempo do Ancien Régime.

Devido à clivagem entre Antigos e Modernos, em Inglaterra, às rivalidades políticas resultantes da Guerra Civil inglesa e suas sequelas e à diferente vivência ritual existente nos dois países - em Inglaterra, praticando-se apenas o ritual da Craft, que ainda hoje permanece, designadamente no rito de Emulação; em França, criando-se e desenvolvendo-se outros rituais, designadamente o que viria a fixar-se como o do Rito Escocês Antigo e Aceite -, desde cedo existiu alguma rivalidade e alguns desencontros entre a Maçonaria inglesa, então Premier Grand Lodge, a Grande Loja dos Modernos, e a Maçonaria francesa (primeiro numa espúria Grande Loja de França, depois com o Grand Orient de France.

Os tempos da Revolução Francesa encontraram a Maçonaria desse país fortemente dividida, em termos de classes. Segundo um estudo de Estêvão de Rezende Martins (Quem Fez a Revolução Francesa, Revista Humanitas, vol. 7, n.º 2, p. 168), em maio de 1789 havia 200 deputados maçons nos Estados Gerais, pertencendo 79 destes à nobreza e distribuindo-se os restantes 121 pelo clero (sim, pelo clero católico!) e pela alta e média burguesia.

Napoleão Bonaparte utilizou conscientemente a maçonaria como instrumento político. Embora se tenha afirmado que ele próprio foi iniciado maçom em 1798, na ilha de Malta, não existem provas conclusivas de tal. No entanto, não existe dúvida de que quatro dos seus irmãos (José, que viria a ser rei de Espanha, Luís, que reinou na Holanda, Luciano, príncipe de Cannino e Jerónimo, rei da Westfalia) foram maçons. Também o foram o cunhado de Napoleão, Murat, e o enteado, Eugène de Beauharnais. E igualmente foram maçons 22 dos seus Marechais. José Bonaparte assumiu as funções de Grão-Mestre do Grand Orient, enquanto que Luís Bonaparte dirigiu a estrutura do Rito Escocês. Em dezembro de 1804, o Grand Orient anexou o Rito Escocês e a maçonaria francesa ficou sob a direção de José Bonaparte.

A invasão napoleónica da Península Ibérica foi efetuada com muitos militares maçons integrando as forças invasoras. A primeira loja maçónica criada pelos invasores napoleónicos na Península Ibérica foi a de San Sebastián, em 18 de julho de 1809. Seguiram-se outras em Vitória, Saragoça, Barcelona, Girona, Figueras, Talavera de la Reina, Santoñas, Santander, Salamanca, Sevilha e, naturalmente, Madrid, onde se instalou (em local que fora da Inquisição...) a Grande Loja Nacional de Espanha.

Em Portugal, e a título de exemplo, Gomes Freire de Andrade, que integrou o exército napoleónico em campanhas um pouco por toda a Europa, foi maçom e viria a ser Grão-Mestre do Grande Oriente de Portugal.

A Maçonaria francesa comprometeu-se fortemente na Revolução, adotando a sua divisa Liberdade-Igualdade-Fraternidade - que, ainda hoje, permanece, e justamente, como uma das divisas da Maçonaria.

Porém, em França, a Maçonaria não se limitou a ver elementos seus intervirem politicamente. Como um todo, enquanto instituição, a Maçonaria comprometeu-se com a Revolução, em prol dos ideais de Liberdade, de Igualdade, de Fraternidade, lema que a II República Francesa consagrou, em substituição do original revolucionário Liberdade, Igualdade ou Morte. Ao contrário da Maçonaria inglesa - e de todas as Obediências que hoje integram o universo da Maçonaria Regular, o Grand Orient não se limitou a criar as condições para que os seus membros individualmente se aperfeiçoassem e, assim, por essa via do aperfeiçoamento individual de cada vez mais, se lograsse o aperfeiçoamento da sociedade. Empenhou-se diretamente na transformação da Sociedade. Embora o empenhamento dos maçons franceses tivesse como escopo ideais nobres, como indubitavelmente são os da Liberdade, da Igualdade, da Fraternidade, da Democracia, o método, a forma, de proceder era já diferente do método e do procedimento ancestral maçónico.

Não admira, assim, que as divergências entre a Premier Grand Lodge e o Grand Orient se acentuassem. Até que uma decisão da Obediência francesa, a aceitação de ateus como maçons, veio a ditar a inevitável separação, pois a Maçonaria de tipo inglês não concebe que a qualidade de crente não seja condição necessária para se ser admitido maçom.

Consumou-se assim a separação em dois ramos daquilo que ainda hoje é, genericamente, conhecido apenas por Maçonaria: a Maçonaria Regular, de orientação inglesa, crente, que trabalha à Glória do Grande Arquiteto do Universo e sem intervenção institucional na Política, deixando ao critério de cada um dos seus membros a decisão de intervir, ou não, politicamente, pela forma que entender e inserindo-se na organização política que escolher, sendo proibida qualquer controvérsia política ou religiosa no seu seio; e a Maçonaria seguidora do percurso do Grand Orient de France, dita irregular, ou liberal, que não exige que os seus membros sejam crentes e que admite a intervenção política organizada dos maçons, em prol dos ideais de melhoria da sociedade que defende.

É esta dicotomia que a maior parte das pessoas que não conhecem a história e a evolução da Maçonaria não entende. Não há hoje uma Maçonaria, mas duas. Do antigo tronco comum, existe agora a Maçonaria Regular, crente e não interventiva politicamente, e a Maçonaria Liberal, que admite não crentes e a intervenção política enquanto instituição.

A Maçonaria Regular reconhece o Poder político vigente em cada sociedade e insere-se na mesma de acordo com a legislação vigente: onde legalmente for proibida a Maçonaria, a Maçonaria Regular não está presente. Destina-se a, dentro da legalidade, proporcionar aos seus elementos um meio, um método, um ambiente, uma cultura, que possibilite o aperfeiçoamento de cada um, para que cada qual, melhor, atue na sociedade e, por essa via, gradualmente, esta melhore também.

A Maçonaria Liberal procura estabelecer e garantir os ideiais que professa (e que são indubitavelmente corretos: Liberdade, Igualdade, Fraternidade, Democracia) nas sociedades onde atua. Se possível, agindo e inserindo-se legalmente nesta, e nela intervindo politicamente, para além do mais; mas, onde e quando necessário, lutando pela instauração dos valores que defende.

Nenhuma destas Maçonarias é, intrinsecamente, melhor ou pior do que a outra. São, apenas, diferentes. Uns - como os maçons da Loja Mestre Affonso Domingues - inserir-se-ão naturalmente na Maçonaria Regular, por entenderem ser a que melhor lhes convém. Outros preferirão juntar-se à Maçonaria Liberal.

Em termos de relacionamento com o Poder, naturalmente que a Maçonaria Regular tem um posicionamento mais distante, como qualquer outra instituição de cariz não político, enquanto que a Maçonaria Liberal assume a sua vocação de lutadora por valores essenciais e abertura à intervenção política.

Pode haver elementos do Poder tanto na Maçonaria Regular como na Maçonaria Liberal. Mas só os elementos da Maçonaria Liberal podem ser elementos da Maçonaria no seio do Poder. Esta distinção é essencial que seja feita.

Fontes:

http://www.samauma.biz/site/portal/conteudo/opiniao/ap00208revolucaofranc.htm
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgJ8eR97dQuzOc717i1PxqautX_BEkKU5G8Huqfq0o4W9CQgFV5QaQcX8P0F73IQO5-0uFD7keDrN2IMrb8TD2QMw9ohRN0Hek5uvdsbKP4zLgqpDK-TK1YuxLXZJkg4MrUEiLq/s1600/N1.JPG
http://blogdamaconaria.blogspot.com/2008/05/liberdade-igualdade-fraternidade.html

Rui Bandeira

14 setembro 2011

O Tempo, a Idade e a Maçonaria - III



Ninguém se torna maçon sozinho, antes é iniciado por quem já passou por idêntica cerimónia, numa cadeia que remonta às difusas origens da maçonaria. É necessário que alguns vão chegando, pois que todos vão partindo um pouco a cada dia que passa. E se a diferença de idades permite que a cada um aproveite o contacto com gerações diferentes da sua de uma forma fraternal que dificilmente se vê neste mundo, não cessa, por outro lado, de nos fazer recordar, serenamente, que a todos espera o mesmo destino.

Onde o jovem recorre à força, o homem maduro usa da astúcia, e o velho da delicadeza. Um sorve, de um trago só, o que lhe puserem à frente; o outro só bebe se valer a pena; o último aprendeu a saborear, gota a gota, o fundinho da última garrafa da sua bebida favorita, que já não se faz mais. Onde um vê defeitos, outro vê diferenças de feitio, e o último sorri sozinho, com saudades das idiossincrasias de um irmão que partiu.

Cada um, no seu caminho, pisa onde escolhe pisar, na certeza de que se olhar para onde puseram os pés aqueles que o antecederam, descobrirá com mais facilidade onde se encontram as poças e as pedras. É esse saber - que não se ensina, mas que se aprende pela observação - que se encontra no coração da maçonaria.

Ser maçon é querer aperfeiçoar-se, tornar-se melhor, ser bom. A maçonaria não ensina nem explica porquê ou para quê. Não promete nada em troca desse melhoramento - e muito menos oferece qualquer salvação eterna. Isso é assunto para a religião, a crença e/ou a fé de cada um. Cada um terá as suas razões, os seus objetivos, e a sua visão para o querer ser melhor; a maçonaria apenas facilita os meios para o conseguir.

O maçon sabe que o seu trabalho só acaba na sua morte. Sabe que este mundo lhe nega a perfeição, e que esta lhe é inatingível. Não obstante, não cessa de procurar aproximar-se sempre um pouco mais. Sabe que o seu tempo é finito mas é todo aquele que terá, assim como sabe também que o seu caminho é aquele que tiver percorrido, e o seu destino o lugar onde acabar por parar. Dono do seu percurso, senhor do seu tempo, mestre da sua vida, cada maçon pule a sua pedra, busca a sua Luz, ruma ao seu Oriente, até que a partida para o Oriente Eterno o liberte por fim.

Paulo M.

07 setembro 2011

Maçonaria e Poder (VIII)


Prince Hall

Nunca a Maçonaria americana, até hoje, teve uma organização central nacional. Em cada Estado existe uma Grande Loja, soberana maçonicamente nesse Estado, independente e igual das restantes Grandes Lojas. É um reflexo e consequência da grande autonomia de cada Loja, conforme hábito adquirido desde os tempos da colonização do território norte-americano.

Não existe, assim, um Poder maçónico federal, correspondente ao Poder federal americano. Cada Grande Loja atua ao nível do seu Estado - e é tudo. E cada Grande Loja não interfere nas competências e atribuições das outras Grandes Lojas. Para o bem e para o mal!

A independência recíproca das Grandes Lojas e das Lojas americanas quase sempre impediu posições consensuais em relação às grandes questões políticas americanas. Aquando da Guerra Civil americana, as Grandes Lojas estaduais alinhavam-se pelos respetivos Estados. Houve combatentes em ambos os lados da barricada. Albert Pike, um proeminente maçom, autor de uma obra de referência sobre o Rito Escocês Antigo e Aceite, foi um general confederado. No Norte, Abraham Lincoln e Ulysses S. Grant, foram também maçons.

Também na questão racial, a Maçonaria americana institucionalmente não teve - e ainda não tem - uma posição comum. Nos Estados Unidos, a maçonaria foi fundada e implantada por colonos brancos. Durante muito tempo, negros (não apenas os escravos que, logo, não eram homens livres nas suas pessoas) não eram admitidos nas Lojas.

No entanto, já em 6 de março de 1775, antes da Independência americana, Prince Hall, um negro livre, abolicionista e ativista dos direitos civis, e outros 14 homens também negros tinham sido iniciados na britânica Military Lodge, n.º 441. Após a saída do exército britânico de Boston, em 1776, aos maçons negros foi concedida uma dispensa maçónica para operações limitadas como a Loja Africana, n.º 1. Tinham o direito de reunir-se como uma Loja, para participar na procissão maçónica no dia de S. João, e para enterrar os seus mortos com os ritos maçónicos, mas não para conferir graus ou executar outras funções maçónicas. A Grande Loja de Massachussets nunca reconheceu esta Loja, a qual, porém, veio a receber uma carta-patente da Grande Loja Unida de Inglaterra, como sua Loja Africana, n.º 459, emitida em 1784, mas só recebida em 1787.

As Lojas e Grandes Lojas americanas continuavam a não admitir negros nas suas fileiras. Com efeito, devido à vigente regra da unanimidade para novas admissões, bastava um voto contra para impedir a admissão de um candidato. Bastava um elemento racista (que, ainda por cima, não era possível identificar, pois as votações processam-se por voto secreto) para impedir a admissão de um negro, por muito valoroso ou, mesmo, proeminente que ele fosse.

A Loja Africana passou a receber insistentes pedidos de negros para estabelecer lojas filiadas nas respetivas cidades e, conforme os usos da época, serviu de Loja-mãe a novas Lojas de negros em Filadélfia, Providence e Nova Iorque.

Com o tempo, estabeleceram-se lojas Prince Hall qiase em todos os Estados Unidos e constituíram-se Grandes Lojas Prince Hall em 41 Estados (mais Washington DC) daquele país. Não é conhecida a existência de qualquer Loja Prince Hall no Estado de Vermont e, nos oito Estados restantes (Idaho, Maine, Montana, New Hampshire, North Dakota, South Dakota, Utah e Wyoming), as Lojas Prince Hall aí existentes dependem de Grandes Lojas Prince Hall de outros Estados. Porém, até à última década do século passado, as Grandes Lojas mainstream, isto é, as Grandes Lojas tradicionais, constituídas quase exclusivamente por brancos, não reconheciam as suas congéneres Prince Hall, as Grandes Lojas constituídas quase (mas não exclusivamente) por homens negros (ou, como o "politicamente correto" de hoje manda que se diga nos Estados Unidos, por afro-americanos). Desde então, finalmente, pelo menos 41 das 51 Grandes Lojas mainstream reconheceram as suas congéneres Prince Hall nos respetivos Estados (e também algumas ou todas dos outros Estados), tendo também havido entretanto um adicional conjunto de reconhecimentos blanket, isto é, Grandes Lojas reconhecendo todas as Grandes Lojas Prince Hall que tenham sido reconhecidas por outra Grande Loja mainstream. Apenas algumas (10) Grandes Lojas de Estados do Sul resistem ao reconhecimento das suas congéneres Prince Hall.

Esta situação deriva do princípio da independência de cada Grande Loja estadual. Precisamente porque não existe um poder maçónico federal, mas apenas Grandes Lojas Estaduais, independentes entre si, nenhuma Grande Loja se pode imiscuir nos assuntos internos das outras. Daí que o anacronismo de um serôdio racismo ainda imperando em alguns Estados do Sul dos Estados Unidos ainda permaneça. Mas, se a independência de cada Grande Loja possibilita este anacronismo, também a força da censura e do exemplo das restantes vai fazendo o seu caminho: paulatinamente o número das Grandes Lojas que resistem ao reconhecimento das suas congéneres Prince Hall vai diminuindo e espero que não esteja distanmte o dia em que o anacronismo cesse de vez.

Num país ainda não inteiramente liberto do aguilhão do racismo, em que a eleição do seu primeiro Presidente negro (ou afro-americano...) foi um evento para muitos impensável, a Maçonaria comunga das virtudes e dos defeitos das sociedades em que se insere.

Fontes:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Prince_Hall
http://sosml68.weebly.com/prince-hall-recognition.html
http://bessel.org/glspha.htm
http://bessel.org/masrec/phachart.htm

Rui Bandeira

05 setembro 2011

O Tempo, a Idade e a Maçonaria - II



Mais do que uma idade certa, há uma maturidade certa para se ser iniciado. Muitos nunca atingem essa maturidade: nascem, vivem e morrem sem nunca perder um segundo com as "grandes questões", tal a azáfama com que passam por esta existência. Outros atingem-na, encontram as sua próprias respostas, e deixa, a partir de certo ponto, de fazer sentido procurarem outro método de aperfeiçoamento, pois já encontraram o seu próprio método, chegaram às suas próprias conclusões, traçaram o seu próprio caminho.

Cada maçon tem a sua própria história, o seu próprio ritmo, o seu próprio percurso. Uns chegam mais cedo, outros mais tarde. Uns caminham mais depressa, outros mais devagar. Outros ainda levam mais tempo numa fase, e noutra disparam a correr. Ou ao contrário.

Temos entre nós quem tenha sido iniciado aos vinte e poucos anos, e quem o tenha sido já depois de ser avô. Temos quem tenha sido aprendiz ou companheiro durante bastantes anos, e quem ao fim de menos de dois anos já fosse mestre. Temos quem tenha ficado pouco tempo, quem tenha ficado alguns anos, e quem ainda cá esteja. Por tudo isto, encontra-se numa loja uma grande diversidade de idades, maturidades e sensibilidades. A todos une, porém, a vontade de se tornarem pessoas melhores, e de o fazerem juntos, e aprendendo uns com os outros.

Os aprendizes mais jovens podem aproximar-se mais facilmente de mestres mais próximos da sua idade, até estarem mais à vontade com os mais velhos. Os aprendizes mais velhos terão porventura maior afinidade, pelo menos inicialmente, com os maçons mais maduros. Com o passar do tempo, à medida que aquelas caras vão adquirindo nomes, aos nomes se vão juntando feitios, e os feitios, as caras e os nomes se tornam pessoas que vamos conhecendo e distinguindo das demais, os aprendizes vão-se apercebendo com quem podem aprender melhor o quê, e acabam por aprender com todos - com uns mais do que com outros, mas isso também faz parte...

Chegado a companheiro, o maçon conhecerá já razoavelmente a maioria dos irmãos da sua loja, e estes a ele. Terá, para além disso, passado pela experiência de ter "irmãos mais novos", iniciados depois dele. Esses irmãos mais novos podem ser até mais velhos em idade, o que torna tudo muito mais interessante. E quando se chega a mestre, percebe-se por fim que todos têm alguma coisa a aprender com cada um dos demais.

Os mestres mais novos encontram nos mais velhos a experiência de quem já passou por muitas situações difíceis, tomou muitas decisões - algumas mais certas que outras - e tem, enfim, a sabedoria que só a idade, a experiência e as dificuldades proporcionam. Por seu lado, os mestres mais velhos encontram nos mais novos a possibilidade de reviver e questionar o seu próprio percurso, de tornar de novo novas as suas velhas dúvidas e questões, e a possibilidade de passarem para outros aquilo que receberam dos que os antecederam. Uns e outros partilham da alegria de estarem juntos, de serem diferentes, e de terem algo a aprender uns com os outros.

Sem sangue novo, uma loja está condenada, mais ano menos ano, a abater colunas: não há quem ensinar e, à medida que os mestres forem passando ao Oriente Eterno, a loja vai ficando mais pequena, até deixar de se poder manter. Por outro lado, sem o "sangue velho" - e muitas começaram assim - a loja pode até existir, mas é uma loja sem raízes nem memória, que só adquirirá com o decorrer dos anos.

Diz-se que em maçonaria nada se ensina, e tudo se aprende. É, por isso, um privilégio poder-se aprender com quem cá está há mais tempo.

Paulo M.