Maçons e controvérsia sobre religião
Os princípios existem para serem seguidos sem desvios. Por isso são princípios. Os princípios enformadores da Maçonaria Regular, os Landmarks, que por vezes também designamos pela Regra dos Doze Pontos, existem e são observados desde há centenas de anos. Um desses princípios é o sexto Landmark, a que já dediquei um texto e cujo teor aqui agora reproduzo:
A Maçonaria impõe a todos os seus membros o respeito das opiniões e crenças de cada um. Ela proíbe-lhes no seu seio toda a discussão ou controvérsia, política ou religiosa. Ela é ainda um centro permanente de união fraterna, onde reinam a tolerante e frutuosa harmonia entre os homens, que sem ela seriam estranhos uns aos outros.
Recordei que este basilar princípio existe para ser aplicado em todas as circunstâncias há poucos dias. No último parágrafo do texto Escada em caracol escrevi, erradamente, que "(...) a escada em caracol não deve ser confundida com a escada de Jacob, símbolo eminentemente cristão, (...)". Atento, o José Ruah, corrigiu, alertando para o facto de que também na Religião Judaica se referencia e estuda o significado da Escada de Jacob. Reconheci-lhe de imediato razão: esquecera-me que o Livro do Génesis (onde consta a referência à Escada de Jacob) também integra a Torah e é, portanto, parte dos Livros Sagrados, quer do Cristianismo, quer do Judaísmo. Deveria ter utilizado o adjectivo "religioso" em vez do "cristão".
Mas o José Ruah concluiu a sua chamada de atenção com uma frase que eu, sempre atento a estas coisas, logo me apercebi que dava pano para mangas e daria para o "picar" para uma das controvérsias em que nós gostamos de nos envolver. Concluiu ele, como de costume poupando nos acentos:
"A Escada de Jacob não é um simbolo Cristão e representa segundo a interpretaçao judaica valores muito proximos dos defendidos pela Maçonaria."
Pensei em lançar-lhe o isco de que com esta declaração ele estaria a enfeudar a Maçonaria e os seus valores à Religião Judaica, manifestando-lhe a minha discordância e proclamando que a Maçonaria é independente de todas as religiões e aos crentes de todas admite no seu seio. Conhecendo como conheço o Ruah, calculei que, se ele decidisse engolir o anzol, retorquiria que era assim, mas não deixaria de enumerar e exemplificar princípios comuns à Maçonaria e ao Judaísmo. Eu responderia assinalando a similaridade dos princípios maçónicos com os de várias outras religiões, cada um seguidamente pegaria nas frases do outro que lhe desse mais jeito para argumentar em torno de sua tese, buscaria e apresentaria citações de filósofos, professores e estudiosos renomados e assim poderíamos manter uma saudável controvérsia, no decurso da qual estudaríamos e aprenderíamos um com o outro algo sobre o tema. No final, como é também costume, concluiríamos que, a bem dizer, nem sequer havia discordâncias de monta ente nós, que afinal pensávamos praticamente o mesmo, consistindo a diferença apenas em que cada um formulava idêntico pensamento de maneira diferente. Se decidíssemos entabular uma controvérsia deste tipo, ambos saberíamos, desde o início, que esta evolução era "trigo limpo, farinha Amparo", até porque ambos sabemos ler e interpretar o que está escrito e ambos sabíamos que a frase do Ruah que acima transcrevi e que me serviria de pretexto para lançar a controvérsia não enfeudava realmente os princípios da Maçonaria à Religião Judaica, pois o que nela se diz é que a interpretação judaica das escada de Jacob representa valores muito próximos dos defendidos pela Maçonaria, não se excluindo que interpretações de outras religiões igualmente não representassem valores igualmente próximos dos valores maçónicos. É claro que, para bem da controvérsia, ambos "fingiríamos" que só no fim nos apercebíamos disso e nisso concordávamos...
Estive tentado a começar o texto de "picanço". Porventura daria um debate engraçado e a propósito do qual ambos aprenderíamos alguma coisa e, connosco, quem nos lesse.
Depois pensei melhor. O sexto Landmark alertou-me. Por alguma razão a sabedoria ancestral da Maçonaria proíbe, no seio dos maçons, toda a discussão ou controvérsia, política ou religiosa. Mesmo amigável, mesmo com a melhor das intenções, a controvérsia sobre questões religiosas é sempre terreno minado e areia movediça. A convicção religiosa é de tal forma culturalmente imanente à identidade de cada um, que basta uma palavra mal percebida para acirrar ânimos e gerar mal entendidos. Temos e teremos imensas oportunidades, o Ruah e eu, de nos "picarmos" mutuamente para controvérsias, polémicas, debates, de onde resulte algo esclarecedor, para nós e para quem nos ouve ou lê. Não devemos esquecer ou torcer ou deixar de lado um dos basilares princípios da Maçonaria Regular só para satisfazer o nosso gosto de polemizar. Além do mais, seria irónico que se violasse um dos princípios basilares da Maçonaria Regular para estabelecer um debate sobre... a confluência dos princípios da Maçonaria e das religiões...
É mesmo assim, como comecei: os princípios existem para serem seguidos sem desvios!
Rui Bandeira
A Maçonaria impõe a todos os seus membros o respeito das opiniões e crenças de cada um. Ela proíbe-lhes no seu seio toda a discussão ou controvérsia, política ou religiosa. Ela é ainda um centro permanente de união fraterna, onde reinam a tolerante e frutuosa harmonia entre os homens, que sem ela seriam estranhos uns aos outros.
Recordei que este basilar princípio existe para ser aplicado em todas as circunstâncias há poucos dias. No último parágrafo do texto Escada em caracol escrevi, erradamente, que "(...) a escada em caracol não deve ser confundida com a escada de Jacob, símbolo eminentemente cristão, (...)". Atento, o José Ruah, corrigiu, alertando para o facto de que também na Religião Judaica se referencia e estuda o significado da Escada de Jacob. Reconheci-lhe de imediato razão: esquecera-me que o Livro do Génesis (onde consta a referência à Escada de Jacob) também integra a Torah e é, portanto, parte dos Livros Sagrados, quer do Cristianismo, quer do Judaísmo. Deveria ter utilizado o adjectivo "religioso" em vez do "cristão".
Mas o José Ruah concluiu a sua chamada de atenção com uma frase que eu, sempre atento a estas coisas, logo me apercebi que dava pano para mangas e daria para o "picar" para uma das controvérsias em que nós gostamos de nos envolver. Concluiu ele, como de costume poupando nos acentos:
"A Escada de Jacob não é um simbolo Cristão e representa segundo a interpretaçao judaica valores muito proximos dos defendidos pela Maçonaria."
Pensei em lançar-lhe o isco de que com esta declaração ele estaria a enfeudar a Maçonaria e os seus valores à Religião Judaica, manifestando-lhe a minha discordância e proclamando que a Maçonaria é independente de todas as religiões e aos crentes de todas admite no seu seio. Conhecendo como conheço o Ruah, calculei que, se ele decidisse engolir o anzol, retorquiria que era assim, mas não deixaria de enumerar e exemplificar princípios comuns à Maçonaria e ao Judaísmo. Eu responderia assinalando a similaridade dos princípios maçónicos com os de várias outras religiões, cada um seguidamente pegaria nas frases do outro que lhe desse mais jeito para argumentar em torno de sua tese, buscaria e apresentaria citações de filósofos, professores e estudiosos renomados e assim poderíamos manter uma saudável controvérsia, no decurso da qual estudaríamos e aprenderíamos um com o outro algo sobre o tema. No final, como é também costume, concluiríamos que, a bem dizer, nem sequer havia discordâncias de monta ente nós, que afinal pensávamos praticamente o mesmo, consistindo a diferença apenas em que cada um formulava idêntico pensamento de maneira diferente. Se decidíssemos entabular uma controvérsia deste tipo, ambos saberíamos, desde o início, que esta evolução era "trigo limpo, farinha Amparo", até porque ambos sabemos ler e interpretar o que está escrito e ambos sabíamos que a frase do Ruah que acima transcrevi e que me serviria de pretexto para lançar a controvérsia não enfeudava realmente os princípios da Maçonaria à Religião Judaica, pois o que nela se diz é que a interpretação judaica das escada de Jacob representa valores muito próximos dos defendidos pela Maçonaria, não se excluindo que interpretações de outras religiões igualmente não representassem valores igualmente próximos dos valores maçónicos. É claro que, para bem da controvérsia, ambos "fingiríamos" que só no fim nos apercebíamos disso e nisso concordávamos...
Estive tentado a começar o texto de "picanço". Porventura daria um debate engraçado e a propósito do qual ambos aprenderíamos alguma coisa e, connosco, quem nos lesse.
Depois pensei melhor. O sexto Landmark alertou-me. Por alguma razão a sabedoria ancestral da Maçonaria proíbe, no seio dos maçons, toda a discussão ou controvérsia, política ou religiosa. Mesmo amigável, mesmo com a melhor das intenções, a controvérsia sobre questões religiosas é sempre terreno minado e areia movediça. A convicção religiosa é de tal forma culturalmente imanente à identidade de cada um, que basta uma palavra mal percebida para acirrar ânimos e gerar mal entendidos. Temos e teremos imensas oportunidades, o Ruah e eu, de nos "picarmos" mutuamente para controvérsias, polémicas, debates, de onde resulte algo esclarecedor, para nós e para quem nos ouve ou lê. Não devemos esquecer ou torcer ou deixar de lado um dos basilares princípios da Maçonaria Regular só para satisfazer o nosso gosto de polemizar. Além do mais, seria irónico que se violasse um dos princípios basilares da Maçonaria Regular para estabelecer um debate sobre... a confluência dos princípios da Maçonaria e das religiões...
É mesmo assim, como comecei: os princípios existem para serem seguidos sem desvios!
Rui Bandeira
6 comentários:
"Ela proíbe-lhes no seu seio(...)"
O texto de hoje deixou-me perplexo num pormenor. Não ponho em causa a exigência de respeito pelas crenças e opiniões de cada um. Este princípio serve - interpreto eu, e corrijam-me se erro - para defender cada um de ataques de outros, no sentido de que, em Loja, cada maçon se deva sentir a salvo dessa controvérsia e desses ataques.
A minha perplexidade prende-se, antes, com uma aparente limitação da liberdade de dois indivíduos que pretendam cultivar essa mesma controvérsia fora da Loja, com o objectivo de aprender um com o outro através da exposição das diferenças.
A posição descrita pelo Rui não será um pouco cautelosa demais, ultrapassando o que está escrito? Ou será, apenas, que não pretende que tal controvérsia seja pública, por poder ser mal interpretada - apesar de não se coibir de, eventualmente, a ter em privado?
Um abraço,
Simple
I'm sorry to be writing in English but my Portuguese leaves a lot to be desired these days and it bugs me that i cannot really use acentos and cedilhas easily without memorising shortcuts.
My main problem with following rules such as the ones you mention, almost edicts i guess, is that they are usually in themselves not followed closely with easily available reasons and stories as to why they are there and should be followed.
Not to mention that if you are not allowed to talk about the differing points of views how do you grow, both as a person and as a mason?
I hope this to be the first post of many on your blog and as time goes by i am sure my vocabulary will return to something useful. :)
@ simple:
A sua perplexidade não tem razão de ser. Discussão ou controvérsia pressupõe desacordo, confronto.
Diferente é se dois ou mais maçons, de mútuo acordo e sem o propósito de confrontação, entenderem debater, expor e comparar as diferenças e semelhanças das respectivas religiões.
Na Loja Mestre Affonso Domingues - e estou a referir-me mesmo a trabalho em Loja - já foi apresentado trabalho expondo princípios de uma determinada religião, a título informativo e para cultura geral dos obreiros. Obviamente que ficou excluído qualquer proselitismo ou comentário de acerto ou desacerto, aceitação ou rejeição, concordância ou discordância.
A Loja Mestre Affonso Domingues já efectuou também visitas organizadas a locais de culto católicos e judaicos.
Tudo está no ponto de vista. O que não deve haver é confronto, discussão, desentendimento, a minha religião é melhor do que a tua.
O que eu quis frisar no texto é que, mesmo com o grau de confiança e intimidade que existe entre dois amigos de longa data (que propiciaria facilmente a ultrapassagem de qualquer mal entendido) se deve evitar o confronto, a discusão, a controvérsia religiosa. A mútua informação, o esclarecimento, o confronto de posições filosóficas para mútua iluminação, esses, são sempre bem-vindos, em Loja e fora de Loja.
@ p. j. magalhães:
Nice to read your post.
We, in Lodge Mestre Affonso Domingues, try to follow the landmark.
However, that doesn't mean that wee don't talk about each others religions, enlightening ourselves, comparing, learning.
What is wrong and we feel we do not need is confrontation, dispute, quarrel. That's simple, I guess...
Pleas read also my post above in portuguese, answering to simple, where I explain a little bit clearly my thought.
i hope to read more posts from you!
Este seria um debate onde dificilmente entraria. Até mesmo para um maçon de longa data é dificil ultrapassar paixões quando elas residem no amago da sua identidade.
Em tempos idos houve na Affonso Domingues quem não soubesse separar as aguas e não conseguisse diferenciar debate informativo de confronto de ideias ou uso de estereotipos.
O resultado foi "não agradavel" para não lhe chamar outra coisa.
Defendo, concordando com o Rui, que é perfeitamente possivel mesmo em Loja em sessão, apresentar trabalho sobre religiões sem violar os principios da Regularidade. Admito que é um tema que deve ser mexido com luvas de pelica e que deve ser escrutinado antes para se garantir que nada está fora de sitio.
Aqui há uns tempos atrás foi-me perfeitamente possivel guiar uma vista à Sinagoga de Lisboa, explicar os básicos, responder a perguntas, tudo sem violar os landmarks, mesmo tratando-se de uma visita branca seguida de jantar branquissimo.
São no entanto temas dificeis, e por o Rui também teve o cuidado de os por na perspectiva correcta.
Posso garantir que poucas são as Lojas, aqui em Portugal, onde um debate ou uma apresentaçao tal como ja aconteceu na Affonso Domingues poderia acontecer.
Há que ter um preparo especial para isso. Uma maturidade Maçónica que não se encontra disponivel em pronto a vestir, mas sim é uma peça feita à medida, acertando a medida com muito cuidado, e voltando a acertá-la, e mais um acerto.
Essa maturidade é mais uma das razões que me fazem batalhar pela minha Loja cada dia, sem descanso.
Se, por um lado, imagino que, uma vez mais, no que toca às opiniões do Rui Bandeira e do José Ruah, in medio virtus, por outro vou-me convencendo de que, afinal, estes dois não divergem coisa nenhuma - limitam-se a mostrar é, cada um, uma face distinta da mesma moeda.
Ora, o ouro (da moeda...) encontra-se, precisamente, entre as duas faces, como distintas são as posições de ambos: sempre diferentes mas sempre convergentes. Assim, com duas "balizas" a delimitar - cada um de sua ponta, mas sempre voltados para o centro - é menos difícil procurar e encontrar!
Não posso falar pelos demais, mas eu, pessoalmente, aprendo melhor assim. Obrigado pelo esclarecimento.
Um abraço,
Simple
Enviar um comentário