30 maio 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - V

Nenhum homem pode ser Iniciado ou admitido como membro de uma Loja sem prévia comunicação, à mesma, com antecedência de um mês, para que se faça uma investigação sobre a reputação e capacidade do candidato, a não ser com autorização como a do número anterior.

Esta quinta regra determina dois princípios que ainda hoje continuam a ser escrupulosamente seguidos e que, sem dúvida, constituem pontos essenciais no processo de admissão de qualquer novo elemento: a Inquirição e a Exposição nos Passos Perdidos.

A Inquirição é o processo de tomada de conhecimento pela Loja de quem é aquele que se lhe quer juntar, quais os seus propósitos. Ou seja, de averiguação e certificação de que se trata efetivamente de alguém livre e de bons costumes, que de boa fé procura aceder e prosseguir no caminho do autoaperfeiçoamento, segundo o método maçónico. Ou ainda dito de outro modo, que se está perante um homem bom passível de se tornar um homem melhor.

Mas outros elementos são verificados no processo de inquirição, designadamente o enquadramento social e familiar do candidato e sua compatibilização com a atividade maçónica e as caraterísticas do candidato e sua capacidade de harmoniosa integração no grupo pré-constituído. Com efeito, muito difícil será que, por muito desejoso disso que esteja o candidato, proficuamente se trilhe um caminho maçónico com a oposição do cônjuge ou dos familiares próximos. A Maçonaria pressupõe sempre a prioridade que cada um dos seus elementos deve dar à família e, consequentemente, procura evitar conflitualidade entre a Família e a Maçonaria que, mais tarde ou mais cedo, obrigue à opção por uma ou por outra. A regra é a da harmonização entre as obrigações familiares (e também sociais e profissionais) e as obrigações maçónicas, não a do conflito entre ambas. Busca-se a coexistência e que cada vertente contribua para a melhoria do homem, assim mais bem integrado em cada uma das realidades. Sem a presença das necessárias condições de coexistência, o percurso maçónico, o propósito de melhoria, tornam-se impossíveis de concretizar. Por outro lado, a busca maçónica pressupõe que aquele que a deseja possua ideias próprias, assertividade e autoconfiança, mas implica também a necessária flexibilidade para se adaptar a um grupo que já existe e, oportunamente, poder contribuir para o seu fortalecimento, coesão e melhoria, não para ser fonte de conflitos, dispersões, enfraquecimento global.

Dentro de um padrão global, que se poderá considerar universal, cada Loja estabelece as suas práticas, métodos e prioridades no processo de Inquirição dos seus candidatos. A diversidade da natureza humana e dos grupos humanos é quase inesgotável. Não admira assim que um candidato que se acha adequado para se integrar numa Loja fosse, porventura pernicioso se incluído numa outra, tal como a integração numa Loja pode potenciar muito mais a evolução de um específico candidato do que se essa integração ocorresse numa outra Loja.

A exposição da candidatura nos Passos Perdidos, ou seja, a afixação do pedido de admissão à Iniciação do candidato em local próprio das instalações da Obediência para tal efeito, visa permitir que, no decorrer do processo de Inquirição, o máximo de elementos, quer da Loja, quer de outras Lojas da Obediência, tomem conhecimento do propósito existente e possa, assim, se for caso disso, expor qualquer objeção que tenha por pertinente. Procura-se assim evitar surpresas na avaliação do candidato, contraponto indispensável à plena e incondicional confiança que, uma vez admitido e iniciado, o grupo lhe devotará.

Uma referência à expressão "Passos Perdidos", que julgo exclusiva da Maçonaria Portuguesa. Em Portugal, os "Passos Perdidos" são o espaço, o hall exterior à sala das sessões da Assembleia da República. Nesta Casa da Democracia, muitos entendimentos são negociados, muitas estratégias políticas discutidas, muito do que é decidido na Sala das Sessões toma efetivamente forma nos Passos Perdidos. Por analogia, nas edificações maçónicas em Portugal designa-se por "Passos Perdidos" os corredores ou o hall exterior ao Templo onde se realiza a sessão maçónica. Por norma, é num desses espaços (por regra, não utilizáveis nem utilizados para atividades administrativas ou rituais) que se afixam as propostas de candidatura, para que fiquem disponíveis para apreciação de todos os obreiros. Daí que, em Portugal se designe essa afixação por exposição nos Passos Perdidos.

Uma única exceção existe para estas cautelas e este rigoroso processo de avaliação: a faculdade que assiste ao Grão-Mestre (ou Vice-Grão-Mestre em substituição do Grão-Mestre) de "fazer maçom à vista", isto é, iniciar alguém maçom, independentemente de prazos, inquirições ou exposições nos Passos Perdidos. Numa das existentes coletâneas de Landmarks, a de Mackey (popular, designadamente, no continente americano), integra mesmo o oitavo dos Landmarks elaborados. Na Regra dos Doze Pontos, documento fundamental da Maçonaria Regular europeia, não se faz expressamente referência a esta possibilidade de o Grão-Mestre "fazer maçons à vista". Mas a segunda Regra expressamente remete para a obediência aos Antigos Deveres, ou seja, às Regras Gerais dos Maçons fixadas por Anderson na Constituição de 1723. Esta é uma dessas Regras Gerais. Por esta via também a Maçonaria Regular europeia declara a prevalência do poder conferido ao Grão-Mestre de "fazer maçons à vista".´Este poder não se resume à Iniciação, estendendo-se à Passagem (ao 2.º grau, de Companheiro) e à Elevação (ao 3.º grau, de Mestre Maçom). Constitui uma das "válvulas de segurança" do sistema de regras maçónico para possibilitar a atuação excecional perante situações excecionais. É uma  regra de aplicação muito parcimoniosa, verdadeiramente excecional, hoje em dia francamente rara... mas existe e é aplicável, sempre que necessário o seja.       

Fonte:
 
Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 137.

Rui Bandeira

23 maio 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - IV

Nenhuma Loja deve iniciar mais de cinco Irmãos ao mesmo tempo. nem nenhum homem com idade inferior a vinte e cinco anos pode ser Mestre, a não ser que tal seja autorizado pelo Grão Mestre ou seu Vice-Grão-Mestre.

A quarta Regra Geral dos Maçons constante da Constituição de Anderson de 1723 refere-se a uma condição limitativa relativa à iniciação.

A Iniciação é a cerimónia pela qual um profano que se candidatou a integrar a Maçonaria adquire a condição de maçom, no grau de Aprendiz. É uma cerimónia que, com pequenas variantes, é executada da mesma forma desde há cerca de trezentos anos pelas Lojas de todo o mundo, qualquer que seja o rito que pratiquem. O essencial da cerimónia é o mesmo, independentemente de ritos, localização geográfica, língua, costumes, épocas. É uma cerimónia destinada a marcar o espírito daquele que a ela é submetido. Para que esse objetivo possa ser atingido, é essencial que o candidato desconheça o que se vai passar. É por essa razão - e unicamente por ela! - que os maçons se comprometem formalmente a não revelar o seu teor a qualquer profano. Sem embargo desse compromisso, a que, naturalmente, estou também vinculado, já neste blogue dediquei dois textos (A Iniciação - I e A Iniciação - II) ao tema. Foram dois textos que me deram satisfação em escrever, precisamente porque, cumprindo o meu compromisso de não revelar o que não deve ser revelado, permitem ao leitor ter a noção do que é esta cerimónia. Os profanos ficam com a noção do que estruturalmente é e de qual o seu propósito. Os maçons reconhecem no seu teor o que se passou. 

A IV Regra Geral interdita que se processe, em simultâneo, mais de cinco iniciações. Este limite é, hoje em dia, na generalidade das Obediências maçónicas, muito mais severamente restringido. Por exemplo, no Regulamento Interno da Loja Mestre Affonso Domingues expressamente se interdita a iniciação em simultâneo de mais do que dois candidatos. E mesmo esta possibilidade de dupla iniciação em simultâneo deve ser entendida como exceção. A regra é de que se deve procurar iniciar apenas um candidato de cada vez. 

Estipula esta regra IV que nenhum homem de idade inferior a vinte e cinco anos deve ascender ao grau de Mestre. É uma regra que, hoje em dia, não está expressamente prevista. Mas, na prática, só muito excecionalmente poderá um maçom ser exaltado Mestre com menos de vinte e cinco anos. É requisito de admissão na Maçonaria a maioridade, pelo que só após a mesma se dá início a qualquer processo de candidatura (e deve ter-se em conta que raramente homens tão jovens se candidatam e vêm a sua candidatura viabilizada, seja por falta do amadurecimento indispensável ao real interesse e propósito de autoaperfeiçoamento, seja por falta de estabilidade económica, profissional ou social que permita que o homem se dedique a algo que ultrapassa a satisfação das necessidades básicas e essenciais, do próprio e da sua família). O processo de candidatura é moroso, não sendo inédito - muito pelo contrário - que decorra por mais de um, dois, ou mesmo três anos. O tempo de permanência no grau de Aprendiz só muito dificilmente é inferior a um ano e é corrente que dure dois anos - e já vi atingir os três e mais anos. Igual tempo, ou quase, passa o maçom no grau de Companheiro. Muito dificilmente se é exaltado Mestre Maçom com menos de vinte e cinco anos. Pelo contrário, raros são os maçons que atingem esse grau com menos de três décadas de vida - e isto numa Obediência que se carateriza por ter muita gente jovem, como é a portuguesa GLLP/GLRP! Por isso refiro frequentemente que uma das virtudes necessariamente cultivadas pelos maçons e pelos que o desejem ser é a Paciência!

A última indicação que esta IV Regra nos dá é que as condições limitativas nela expressas podem ser derrogadas pelo Grão-Mestre ou pelo Vice-Grão-Mestre. Em Maçonaria Regular, há regras estritas que nem o Grão-Mestre pode derrogar (os Landmarks) e regras que a autoridade do Grão-Mestre pode derrogar - obviamente, com caráter de excecionalidade. São poucas e cuidadosamente previstas, sempre de forma expressa. Constituem estas exceções como que válvulas de segurança para que sejam atendidas situações excecionais, que só com medidas excecionais adequadamente podem ser atendidas. E só àquele Mestre investido nas funções de Grão-Mestre (ou o seu substituto, o Vice-Grão-Mestre) é conferido o poder de, mediante o seu discernimento, e mediado pela sua prudência, determinar quando deve haver lugar a uma atuação excecional. Na prática, raramente sucede - e assim deve ser!

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 137.

Rui Bandeira

16 maio 2012

Pode um católico ser maçom?

Há tempos, no jornal Público, Ricardo Sá Fernandes, meu colega de profissão e membro do GOL (Grande Oriente Lusitano), publicou um pequeno texto em que se assumia como católico e maçom, defendendo que ambas as qualidades são plenamente compatíveis. Respondeu o padre Gonçalo Portocarrera de Almada, sustentando a posição inversa. Recentemente, um senhor de nome João Mendia afirmou também a incompatibilidade das duas condições.

Decido intervir na polémica. Antes do mais, e como convém, eis a minha declaração de interesses: sou maçom regular, isto é, integro a orientação maçónica original, que só admite no seu seio crentes, qualquer que seja a crença religiosa de cada um. Em termos de convicção religiosa, não me defino como católico, antes como deísta, crente no Criador sem necessidade da intermediação das religiões organizadas, na minha opinião cada uma delas se afadigando a moldar o Criador às suas respetivas conceções particulares. Nesta polémica de se um católico pode ser maçom, parto, pois, de uma posição neutral.

Maçom que sou, mais do que criticar as opiniões expressas pelos que se pronunciaram sobre a questão (opiniões que, concorde ou discorde delas, me cumpre respeitar),  vou-me limitar a expor a minha opinião e as razões dela.
 
Advogado que sou, tenho a deformação profissional de analisar os conflitos, as divergências de opinião, recorrendo ao que está escrito nos livros da lei. E, nesta matéria de religião e espiritualidade, nada me parece melhor do que recorrer ao Volume da Lei Sagrada que é aceite por todas as partes, católicos, maçons e católicos maçons: a Bíblia.
Confiramos então os Dez Mandamentos que Deus transmitiu a Moisés,constantes do Livro do Êxodo, 20, 2-17 (e também em Deuteronómio, 5, 6-21):    

2 Eu sou o SENHOR teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão.
3 Não terás outros deuses diante de mim.
4 Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra.
5 Não te encurvarás a elas nem as servirás; porque eu, o SENHOR teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos, até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam.
6 E faço misericórdia a milhares dos que me amam e aos que guardam os meus mandamentos.
7 Não tomarás o nome do SENHOR teu Deus em vão; porque o SENHOR não terá por inocente o que tomar o seu nome em vão.
8 Lembra-te do dia do sábado, para o santificar.
9 Seis dias trabalharás, e farás toda a tua obra.
10 Mas o sétimo dia é o sábado do SENHOR teu Deus; não farás nenhuma obra, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o teu estrangeiro, que está dentro das tuas portas.
11 Porque em seis dias fez o SENHOR os céus e a terra, o mar e tudo que neles há, e ao sétimo dia descansou; portanto abençoou o SENHOR o dia do sábado, e o santificou.
12 Honra a teu pai e a tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o SENHOR teu Deus te dá.
13 Não matarás.
14 Não adulterarás.
15 Não furtarás.
16 Não dirás falso testemunho contra o teu próximo.
17 Não cobiçarás a casa do teu próximo, não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo.

 Neste texto nada objetivamente se encontra que permita concluir que ser maçom infringe qualquer dos mandamentos divinos. Cuidadoso que sou com os pormenores, esclareço que o Grande Arquiteto do Universo invocado pelos maçons mais não é do que a designação particular que estes dão ao Criador, evitando assim ter de utilizar uma denominação utilizada por uma religião e não por outra, não sendo um qualquer "outro deus".

Mas prossigamos até ao Novo Testamento e aportemos a Mateus,22, 34-40:

34os fariseus ouviram dizer que Jesus tinha feito calar os saduceus. Então eles se reuniram em grupo, 35e um deles perguntou a Jesus, para experimentá-lo: 36"Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?"
  
37Jesus respondeu: "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento!’ 38Esse é o maior e o primeiro mandamento. 39O segundo é semelhante a esse: 'Amarás ao teu próximo como a ti mesmo'. 40Toda a Lei e os profetas dependem desses dois mandamentos". 

Também aqui, obviamente, nada é infringido com a filiação maçónica. Para um católico que não seja um primário antimaçom, parece-me estar qualquer dúvida desfeita: nem os dez Mandamentos do Antigo Testamento, nem os dois mandamentos invocados por Jesus Cristo impedem que um crente, designadamente um católico, possa ser maçom.

Mas houve condenações e proibições papais. Houve! Porém, por grande que seja a importância dos Papas - e só posso aceitar que, para os católicos, o seja -, o certo é que todos foram, e o atual é, apenas homens. Entre as determinações divinas e as humanas eu, simples crente deísta, atribuo primazia às divinas... Confesso que me faz alguma confusão que haja quem, reclamando-se da pureza do catolicismo, roce a blasfémia de sobrepor as determinações humanas às divinas...

Lição a tirar desta polémica? O fundamentalismo religioso é tão irrazoável e tão perigoso sendo cristão, católico ou de outra orientação espiritual, como islâmico.  Que ninguém disto se esqueça!

Rui Bandeira

09 maio 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - III

O Mestre de cada Loja, ou um de seus Vigilantes, ou algum outro Irmão, por sua ordem, deve manter um livro contendo o regimento interno, os nomes de seus membros, uma lista de todas as Lojas da cidade, a hora e local das suas Sessões, e tudo o que for necessário e deva ser registado.

Esta terceira Regra, este terceiro Antigo Uso e Costume, define o que é uma das caraterísticas essenciais da organização de uma Loja maçónica: o registo escrito do essencial da vida da Loja.

A existência de registos escritos referentes a Lojas operativas remonta aos finais do século XIV (o mais antigo documento conhecido é o manuscrito Regius, também por vezes referido como manuscrito Halliwell). Efetuada a transição para a Maçonaria Especulativa, é rotina assente a elaboração de atas, a manutenção do registo de obreiros, a existência de regulamento interno escrito, etc..

Hoje em dia todas as Lojas têm um responsável específico para assegurar a elaboração e manutenção dos registos da sua atividade, bem como a correspondência da Loja, o Secretário. O Secretário da Loja é, como a maior parte dos oficiais do Quadro (oficiais por exercerem ofícios, tarefas, específicos; não no sentido de detentores de postos de comando), por regra designado pelo Venerável Mestre, pelo período do mandato deste, do seu veneralato, salvo necessidade de substituição.

Não deixa de ser curioso e significativo que uma instituição que é tão acusada pelos seus detratores de secretismo tenha tanto cuidado no registo escrito, e respetiva manutenção, da sua atividade. Claro que os indefetíveis detratores da Maçonaria clamam que esses registos não são públicos, são ciosamente guardados pelos maçons, pelo que isso em nada afeta a real existência do nefando secretismo. Assim não é: os registos da atividade maçónica têm o mesmo estatuto legal que os registos da atividade de uma qualquer banal sociedade filarmónica ou clube recreativo. Estão abertos à consulta dos membros da organização e daqueles que tenham motivo justificado para tal. Só não estão disponíveis para inconsequentes impulsos voyeuristas ...  E, no estrito cumprimento da legalidade vigente, estão disponíveis para consulta, leitura, verificação, análise, perícias, tudo o que necessário e legal for, das autoridades competentes - dentro da lei e desde que a lei seja cumprida.

Tal como a documentação privada de qualquer cidadão, conservada na sua casa, não pode ser objeto de devassa sem a emissão por juiz competente do devido mandado de busca, também os maçons não autorizam que os seus documentos sejam vistos ou devassados fora do legal condicionalismo que determine essa consulta. Mas qualquer pessoa que de boa fé esteja percebe que isto nada tem a ver com secretismo, antes respeita à simples e corriqueira tutela da privacidade dos cidadãos que os maçons são. 

Os detratores da Maçonaria clamam contra o falado secretismo dela, mas guardam ciosamente para si (e fazem muito bem e têm todo o direito de guardar e é normal que o façam) os seus números de contribuinte, números e extratos das suas contas bancárias, as palavras-passe de acesso à sua banca eletrónica e aos seus clientes de e-mail e a sua correspondência particular... Dois pesos e duas medidas...

Pois bem: que todos fiquem, de uma vez por todas, a saber que, em matéria de registos das suas atividades e dos seus membros, a Maçonaria não é diferente de qualquer sociedade recreativa!

Há cerca de trezentos anos que, rotineiramente, nas Lojas maçónicas de todo o mundo, se elaboram e guardam atas das reuniões, se elaboram e conservam trabalhos apresentados, lidos e discutidos em Loja. Não admira que todo esse enorme acervo documental constitua espólio que é objeto de estudo de historiadores, maçons e profanos, historiadores da História da Maçonaria ou historiadores tout court. Assim é possível conhecer pérolas como a ata da sessão em que ocorreu a iniciação de Wolfgang Amadeus Mozart, mas também quando e para que sessões foram escritas algumas emblemáticas obras do genial compositor.

Tal como é possível afirmar, sem sombra de dúvida - porque tal está registado em uma ou mais atas -, que personagens famosos, artistas relevantes, cientistas insignes, foram maçons. Apenas com uma ressalva: os maçons acham que essa divulgação deve ser como a toponímia - não se deve utilizar em relação a quem ainda está vivo... 


Fonte:
Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 137.

Rui Bandeira

02 maio 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - II

O Mestre de uma Loja tem o direito e o poder de convocar os membros da sua Loja para uma sessão quando lhe aprouver, em caso eventual ou de emergência, bem como o de definir hora e local das suas Sessões. 
Em caso de doença, morte, ou inadiável ausência do Mestre, o Primeiro Vigilante deve atuar como Mestre pro tempore, exceto se estiver presente algum Irmão que tenha sido Mestre desta Loja, anteriormente; neste caso os poderes do Mestre ausente revertem para o último Mestre presente: embora este não possa atuar sem que o dito Primeiro Vigilante tenha convocado a Loja, ou, em sua ausência, o Segundo Vigilante. 

O Mestre referido nesta regra é o que presentemente se denomina de Venerável Mestre. Esta regra permanece como fonte da prática das Lojas da Maçonaria, na ausência de regulamentação própria e específica de cada Loja ou Grande Loja. Mesmo existindo regulamentação, muitas vezes a mesma é fixada de harmonia com este Antigo Uso e Costume.

Por exemplo, a regra de substituição provisória do Venerável Mestre pelos seus Vigilantes, Primeiro e Segundo, por esta ordem, em caso de doença, morte ou impedimento transitório do Venerável Mestre do Regulamento Geral da GLLP/GLRP foi fixada em moldes muito semelhantes ao constante da Regra Geral II da Constituição de Anderson. Pode mesmo, com propriedade, dizer-se que a regra fixada é a mesma, havendo pequenos acrescentos ou previsões adicionais - inevitáveis após o decurso de trezentos anos...

Assim, o Regulamento Geral da GLLP/GLRP prevê expressamente que, em caso de morte, doença ou impedimento transitório do Venerável Mestre de uma das Lojas que integram a Obediência, a sessão de Loja é convocada pelo Primeiro Vigilante ou, na ausência deste, pelo Segundo Vigilante, exatamente como na Regra Geral II de 1723, acrescentando-se apenas, para a já remota hipótese de também o Segundo Vigilante estar impedido, a possibilidade de ser, então, a Loja convocada por um Antigo Venerável. 

A exemplo da Regra Geral II de 1723, porém, a reunião de Loja, na ausência do Venerável Mestre, só pode ser presidida por um Antigo Venerável que aceite fazê-lo, dando-se, se necessário, preferência aos mais recentes. De novo em relação ao Antigo Uso e Costume, só se prevê a possibilidade de, se assim o Grão-Mestre o determinar, ser a reunião presidida por um Grande Oficial por si designado.

Quanto ao poder de definição de hora e local das reuniões correntes, por regra os Regulamentos de Loja modernos prevêem essa matéria. Por exemplo, no caso da Loja Mestre Affonso Domingues, estão indicados os dias das sessões ordinárias (segundas e quartas quartas-feiras de cada mês) e é fixada uma janela horária de hora e meia dentro da qual o Venerável Mestre pode determinar a hora do início previsto para a sessão.

Quanto à possibilidade de convocatória de uma sessão de urgência, também o Regulamento Geral da GLLP/GLRP assim o prevê, em moldes idênticos ao desta Regra Geral II, acrescentando apenas a possibilidade de, ocorrendo impedimento do Venerável Mestre (e pode até ser esta a razão da urgência...), poder então a sessão de urgência ser convocada pelo Primeiro Vigilante e, na ausência deste, pelo Segundo Vigilante.

Como se vê, trezentos anos depois, a Maçonaria mantém no essencial as suas regras!

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 136.

Rui Bandeira

25 abril 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - I

O Grão-Mestre, ou o seu Vice-Grão-Mestre, tem o poder e o direito de estar presente em qualquer Loja legítima, assim como o de a presidir, com o Mestre da Loja à sua esquerda, e a ordenar que seus Grandes Vigilantes o assessorem; mas estes não podem agir como Vigilantes nas Lojas, excepto naquelas em que estiver presente o Grão Mestre, e sob seu comando, porque o Grão Mestre pode nomear os Vigilantes da Loja, ou quaisquer outros Irmãos que lhe aprouver, para que o assessorem e atuem como seus Vigilantes pro tempore.

Vimos já, no texto introdutório ao conjunto de "Regras Gerais" que aqui se publicam e comentam, que estas foram inicialmente compiladas por George Payne, em 1720, e posteriormente comparadas por Anderson com os "antigos Arquivos e Usos Imemoriais" e por ele ordenadas. Logo a primeira Regra é demonstrativa de que o conjunto de regras fixado, embora baseado nos Antigos Usos e Costumes herdados da Maçonaria Operativa, foi adaptado à nova realidade organizativa do que se convencionou chamar Maçonaria Especulativa.

Com efeito, a Maçonaria Operativa organizava-se em Lojas independentes, que se reuniam periodicamente em Assembleias, em que se acordavam as regras comuns a serem seguidas, mas não possuía uma direção centralizada, um Grão-Mestre com poderes interventivos nas várias Lojas.

A figura do Grão-Mestre, e sobretudo a definição dos seus poderes, não apenas como um executor das deliberações da Assembleia de Maçons ou Grande Loja, nem sequer apenas como coordenador da atividade autónoma das Lojas, mas como um verdadeiro dirigente da super-estrutura, com poderes interventivos e ordenadores no interior das próprias células-base da mesma, as Lojas, é introduzida com a criação da Grande Loja dos Modernos, em 1717.

Com essa criação, claramente mitigou-se a independência das Lojas. A Grande Loja dos Modernos (e subsequentemente todas as Grandes Lojas da Maçonaria Especulativa que a partir do seu modelo se criaram) não foi uma mera estrutura federadora das Lojas, e muito menos confederadora. Rapidamente se assumiu como vera estrutura dirigente, definidora de regras, certificadora das boas práticas da Maçonaria, da sua estrutura (maxime Grão-Mestre e Assembleia de Grande Loja) emanando as regras, as determinações, que deveriam ser seguidas pelas Lojas, cuja autoridade passou a ser, no essencial, delegada pela Grande Loja, embora se incluísse e inclua nessa delegação uma ampla autonomia e poder decisório de cada Loja, em relação às suas relações e opções internas.

Esta assunção do Poder estrutural pela Grande Loja implicou, necessariamente, o respetivo poder fiscalizador do cumprimento das regras emanadas (e por isso as Grandes Lojas possuem Grandes Inspetores, cuja função é precisamente fiscalizar a conformidade da atuação das Lojas com as regras e rituais definidos) e o poder disciplinar, isto é,  poder de coercivamente impor o cumprimento das regras e sancionar o seu incumprimento, seja em termos individuais ou de grupo.

Símbolo desta assunção do Poder Maçónico pela Grande Loja e pelo seu representante executivo máximo, o Grão-Mestre, é precisamente esta primeira regra: O Grão-Mestre, ou o seu Vice-Grão-Mestre, tem o poder de estar presente em qualquer reunião de qualquer Loja (ainda que contra a vontade desta, conclui-se). 

Mas não só: estando presente, tem o poder de dirigir a reunião, relegando o Venerável Mestre da Loja para o lugar puramente simbólico de se sentar à sua esquerda. Embora o Venerável Mestre da Loja seja o obreiro que foi eleito pelos que a compõem para a dirigir, esta eleição, esta manifestação de vontade, cessa perante a vontade do Grão-Mestre. Este, embora também eleito, foi-o por toda a estrutura - porventura até com a oposição da particular Loja que visita e dos seus obreiros. É assim evidente a relação de hierarquia estabelecida, ficando evidente que a legitimidade geral do Grão-Mestre se sobrepões à específica legitimidade do Venerável Mestre eleito pela Loja, mesmo no estrito âmbito desta e do seu normal funcionamento. O que pressupõe claramente que a fonte primordial do Poder Maçónico é a Grande Loja, a estrutura que agrega todos os maçons de um determinado território, assumindo as estruturas base ou celulares apenas o poder que lhes é tácita ou expressamente delegado pela estrutura global. A organização maçónica é, assim, ao contrário do que muitos - mesmo no interior da Maçonaria - pensam, uma organização de tipo unitário, não federal. Mais explicitamente, talvez: a Grande Loja não é uma federação de Lojas, é uma vera estrutura de direção, criação e certificação de Lojas. Estas existem porque a sua existência é aceite, reconhecida, quiçá promovida, pela Grande Loja e têm o conjunto largo de poderes decisórios e organizativos que têm, não porque originariamente assim seja, mas porque nelas foram delegados esses poderes. 

A Maçonaria Especulativa não é uma estrutura basista, isto é, cujo poder fundamental se origina na base e flui até ao topo, mas, pelo contrário, uma estrutura unitária descentralizada. Mas é, simultaneamente, uma estrutura eminentemente democrática, pois o poder fundamental central assenta na Assembleia de Grande Loja, isto é, na assembleia dos representantes escolhidos pelas Lojas. E o Grão-Mestre tem o lato poder que tem, porque é eleito, ou por essa assembleia de delegados de Lojas, ou diretamente por voto universal dos Mestres de toda a estrutura. O Poder é unitário, descentralizado por via de delegação, mas funda-se, baseia-se, no universo global de elementos que compõem a estrutura.

O que se verifica é que a estrutura global, a Assembleia de Grande Loja, baseada nesse poder concedido pelo universo dos indivíduos associados, e consequentemente, aquele a quem são conferidos poderes executivos - e não só -, o Grão-Mestre, se sobrepõe às estruturas locais, as Lojas. O que suscita a conclusão de que o Poder individual originário de cada maçom é tanto mais forte quanto mais diluído num universo maior. Com efeito, o Mestre maçom associa-se aos demais Mestres maçons da sua Loja para eleger o Venerável Mestre dela. E associa-se a todos os Mestres maçons de todas as Lojas da Obediência para eleger o Grão-Mestre, cujos poderes sobrelevam os dos Veneráveis Mestres das várias Lojas. 

Esta verificação implica a conclusão de que o que, em termos de estrutura, significativamente mudou na transição da Maçonaria Operativa para a Especulativa foi a independência das Lojas, que se transfigurou em mera autonomia. Na Maçonaria Operativa existiam Lojas independentes que se associavam para definir regras comuns, sem prejuízo da respetiva independência. Na Maçonaria Especulativa, as Lojas associaram-se para criar uma estrutura comum, para a qual transferiram o essencial dos poderes organizativos e regulamentadores, abdicando da sua independência em favor da sua integração na estrutura superior, conservando apenas a autonomia que a própria regulamentação da Grande Loja consagra - e que não podia deixar de consagrar, sob pena de descaraterizar, quiçá irremediavelmente, o que se entende por Maçonaria, que assenta conceptualmente no brocardo "um homem livre numa Loja livre" (mas "livre" não sendo sinónimo de "independente", embora necessariamente implicando o conceito de "autónomo").

O que é de assinalar é que esta transformação - que, em termos estruturais, é muito similar à estrutura dos Estados unitários modernos - ocorre no século XVIII!

Uma última nota: a demonstração de que a Maçonaria Especulativa, embora alterando a conceção da sua estrutura, se organiza como estrutura eminentemente democrática está na referência aos Grandes Vigilantes, expressamente se consignando que assessoram o Grão-Mestre, ou Vice-Grão-Mestre. Mas só substituem os Vigilantes da Loja se o Grão-Mestre assim o ordenar. Por uma razão muito simples: os Grandes Vigilantes não são eleitos, antes são designados. Não possuem a legitimidade do Grão-Mestre. Este, que foi eleito por todos, é que tem o poder de, quando está presente numa Loja, assumir ou não assumir o malhete (pode, apesar de estar presente, deixar a condução dos trabalhos ao Venerável Mestre da Loja, se assim o entender - e normalmente assim sucede); assumindo a condução dos trabalhos, pode decidir ser assessorado pelos Grandes Vigilantes, pelos Vigilantes da Loja ou por outros elementos que nomeie ad hocpro tempore.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 136.


Rui Bandeira

22 abril 2012

De volta...


Olá a todos,

Como creio que perceberam, estive afastado algum tempo destas lides que tanto prazer me dão. Este afastamento teve a ver com motivos de ordem exclusivamente pessoal mas que, garanto-vos, mexem claramente connosco.

Gostava de retomar, retomando um assunto que há algum tempo, foi manchete em quase todos os nossos órgãos de comunicação social - a eventual promiscuidade entre Maçonaria e poderes, sejam eles políticos, ou outros...

Qualquer sociedade dos tempos modernos é sujeita, de forma clara ou não, à influência de grupos organizados, que intencionalmente ou não procuram influenciar "a trajectória" em função dos seus interesses. Se um desses grupos puder ter um nome e esse nome for uns dos tradicionalmente identificados como "de risco", então está criada uma mistura delicada, até porque será certamente visada pela comunicação social.

Ao publicar neste blog, estou a assumir que sou maçon... e faço-o com a duplicidade de quem se sente orgulhoso de o ser, e de quem sente que quer dar... unicamente dar, sem nada receber - Infelizmente, a nossa sociedade parece não conseguir visualizar uma coisa sem a outra... possivelmente é a isto que chamam a sociedade materialista, traduzida naquela "famosa" frase - ninguém dá nada a ninguém.

Toda a polémica que ocorreu recentemente, relacionando políticos com maçons, foi um claro sinal dos tempos em que vivemos - perdemos valores, perdemos a nossa capacidade critica, engulimos tudo os que nos impingem, mas preferimos centrar-nos em identificar culpados, de preferência "culpados de estimação" - aqueles que podem sempre ser os responsáveis, até porque estão tão ocupados em fazer bem, que não têm tempo para se defender.

Não pretendo afirmar que todos os maçons são "impolutos". Por mais apertado que seja o nosso método de selecção, procurando identificar homens cuja prioridade seja crescerem e tornarem-se Homens, haverá sempre alguns erros de "Casting"... pessoas que usam o que for preciso para seu benefício pessoal. Contudo, esta incapacidade de ler as pessoas na sua totalidade, identificando as suas reais intenções, não deve e não pode levar a confundir o trigo com o joio.

Um maçon, que o é de verdade, procura melhorar, ajudar, dar a mão... contribuir para um homem melhor e para uma sociedade melhor. Compete-nos assegurar que assim é, e compete-nos impedir que a Arte Real seja utilizada para projectos individuais ou colectivos que nada tenham a ver connosco e com os ideais que defendemos.

Mensagem final deste texto que já vai longo... Estou de volta...

Fraternais abraços de
A. Jorge