02 fevereiro 2015

Política e Maçonaria Regular...

(imagem proveniente de Google Images)

O próprio título desta publicação poderá parecer por si só uma possível contradição.

Uma analogia direta entre política e Maçonaria Regular nunca poderá ser feita em concreto porque em Maçonaria Regular não se discute política. E muito simplesmente porque tal não é permitido pelas suas próprias regras, os seus Landmarks, que no seu sexto artigo impede que este tipo de discussão possa ter lugar numa loja maçónica. 

O próprio Rui Bandeira, autor deste blogue, já teve oportunidade de expressar a sua opinião, tanto neste texto bem como na sua respetiva “caixa de comentários” foram debatidas outras perspetivas sobre o assunto…

Mas no que ao tema deste post concerne, a proibição existente em relação à abordagem de temas políticos numa sessão maçónica é apenas em relação à discussão e debate de ideias relativas à política partidária. Porque abordando a política como conceito em si, conceito este como sendo algo que é assumidamente necessário para quem vive na sociedade, a postura da Maçonaria Regular é diferente.

O conceito político, quando abordado no seu sentido lato, é permitido seja em debates meramente filosóficos ou que tratem de temas sociológicos ou antropológicos. Nestes casos,  as ideologias são facilmente postas de parte. Pelo que efetivamente nunca se discute se o pensamento político de “direita” ou de “esquerda”, ou se uma monarquia ou  república serão os melhores sistemas políticos a serem vivenciados pela sociedade.

Salientando também que,  devido ao cumprimento do referido Landmark, não se discute se uma religião é melhor ou pior que outra. Política e Religião em Maçonaria Regular encontram-se no mesmo patamar.

- Alíás atrevo-me a dizer que para a Maçonaria Regular, ambos estes conceitos estão colocados naquelas prateleiras muito altas que é usual se ter em casa, em que sabemos que as coisas lá estão, mas que não as conseguimos alcançar…-

Estas concepções de vida, políticas ou religiosas, a serem discutidas,  apenas o serão em em sentidos latos e meramente filosóficos. Até porque geralmente estes temas, a par da clubite desportiva, são os temas que mais dividem o Homem e fraturam a sociedade, e a Maçonaria quer-se como sendo um centro agregador de pessoas e nunca como sendo o seu foco de divisão.
Assim, relativamente à política partidária, cada maçom seguirá as políticas ou sentir-se-á representado pelo partido político que considerar que será o que melhor o representa ou que aplica e/ou defende as ideias que para si são consideradas como sendo as que maior valência deverão ser seguidas pela sociedade civil. E apenas isso.

Não obstante, é do conhecimento público em geral, que vários maçons são membros ativos de vários partidos políticos, muitos deles mesmo pertencentes a alas muito distantes politicamente e com um ideário político muito diferente e bastante divergente até. 
E isso é lhes possível  porque são livres para o fazer. 

Em nada a Maçonaria os impede de tal. Nem como instituição, nem os próprios maçons entre si, como membros desta Augusta Ordem. Cada um fará o que lhe aprouver quanto ao caminho que preferir percorrer, seja partidário ou não, e respeitará do mesmo modo, o caminho que o seu irmão decidir prosseguir…

Estes últimos parágrafos serão talvez alguns dos quais que mais confusão farão aos profanos e que podem suscitar certas teorias conspiratórias, uma vez que, pode-se sempre supor que, como poderá alguém que não se revê politicamente noutra pessoa, e que por vezes em debates mais acalorados, sejam eles no hemiciclo, sejam eles em qualquer tipo de campanha, em que algumas vezes podem inclusive roçar a falta de respeito, para depois dentro de portas ou na sua intimidade, serem amigos e considerarem-se como Irmãos?!

A própria questão encerra a sua própria resposta.

Não temos nós irmãos, familiares e amigos que têm opiniões contrárias às nossas?

Não levam eles, em alguns casos, vidas muito diferentes da que levamos?

Não têm eles concepções de vida muito distantes daquelas que consideramos como sendo as mais válidas?

Quantas vezes em debates de ideias mais acesos, não nos chateámos e depois tudo ficou resolvido como nada se passasse?

Sim, todos nós na nossa vida, passamos ou alguma vez passámos por esta situação. 

E fraternidade é isso mesmo, é ter bastante respeito pelo próximo, consagrar o direito à diferença de opinião, ser tolerante em relação a diferentes pontos de vista, e ter uma postura coerente no âmbito do debate.

Por isso é que a Maçonaria sobreviverá per si, independentemente do posicionamento político dos seus membros. 
Tudo devido ao sentimento fraternal que estes têm entre si e que os fará colocar de parte qualquer antagonismo que possa ser  motivado, neste caso,  por questões político-partidárias.

E depois no que toca à questão partidária, esta não se coloca à Maçonaria mas sim ao Povo, que como integrante fundamental da sociedade tem o dever de participar nela e contribuir para o seu progresso.

 Assim, cabe ao maçom, sendo ele mais um elemento que faz parte do povo, participar como cidadão e como parte interessada nesta questão.

O compromisso que o maçom assume com a Ordem é um compromisso de ordem moral e ética, e que não envolve sequer, qualquer forma de política neste comprometimento.
Pelo que nada melhor que o seu exemplo e conduta para servir de paradigma aos outros. 

Logo, pelos seus valores, o maçom nunca poderá agir impulsivamente nem de forma irrefletida, porque para além de não ser a forma de correta para alguém agir, e depois porque está em permanência debaixo do jugo da sociedade; assim o maçom que seja ativo políticamente na sociedade em que está inserido, deve observar sempre o cumprimento dos valores maçónicos. 

Porque estes valores em nada colidem com a liberdade de ninguém e muito menos com os direitos de todos.

 E se hoje em dia vivemos como vivemos, uma boa parte resultou de um trabalho imenso e intenso por vezes, que alguns  maçons de outrora tiveram e que propiciaram para que hoje em dia possamos usufruir  das condições que temos e que nos permitem ambicionar por mais e melhor...

26 janeiro 2015

Sugestão Musical para a Coluna da Harmonia “Los Hermanos” de Atahualpa Yupanqui...


A música que hoje publico, “Los Hermanos”, e que em relação à qual poderia ter feito a sua respetiva análise quanto à simbólica maçónica que se pode encontrar nela, não a farei.
E não a farei apenas porque o simbolismo intrincado nela é bastante explícito, bem como quero deixar ao critério de quem a ouve ou mais abaixo lê a sua letra, fazer esse tipo de exercício.

Esta canção pertence a um autor, compositor e músico argentino que nunca foi membro da Maçonaria, tendo sido  inclusive perseguido e encarcerado pelo regime de Juan Domingo Péron (que era maçom) por ter pertencido durante algum tempo ao Partido Comunista Argentino.
O autor desta canção, o argentino Héctor Roberto Chavero (31/01/1908-23/05/1992), mais popularmente conhecido por “Atahualpa Yupanqui”, legou-nos uma música que eu não poderia deixar de salientar neste espaço e também de a enaltecer, dada a beleza e o sentido fraterno contidos  nela.

(Para quem afirmou acima que não faria qualquer análise, expresso aqui uma dica quanto a algum simbolismo que se possa encontrar implícito na canção).

A letra da canção que mais abaixo se encontra publicada, está no seu castelhano original e dada a familiaridade entre a língua portuguesa e a língua espanhola, creio que também será fácil a quem ler a respetiva letra, efetuar a sua tradução e compreender o que está escrito, caso contrário,  tem a possibilidade de aceder a uma tradução desta canção aqui .

Assim, deixo-vos uma das mais bonitas composições que já tive a oportunidade de conhecer e que encerra em si algum tipo de simbolismo maçónico:

“Yo tengo tantos hermanos
Que no los puedo contar
En el valle, la montaña
En la pampa y en el mar
Cada cual con sus trabajos
Con sus sueños, cada cual
Con la esperanza adelante
Con los recuerdos detrás
Yo tengo tantos hermanos
Que no los puedo contar
Gente de mano caliente
Por eso de la amistad
Con uno lloro, pa llorarlo
Con un rezo pa rezar
Con un horizonte abierto
Que siempre está más allá
Y esa fuerza pa buscarlo
Con tesón y voluntad
Cuando parece más cerca
Es cuando se aleja más
Yo tengo tantos hermanos
Que no los puedo contar
Y así seguimos andando
Curtidos de soledad
Nos perdemos por el mundo
Nos volvemos a encontrar
Y así nos reconocemos
Por el lejano mirar
Por la copla que mordemos
Semilla de inmensidad
Y así, seguimos andando
Curtidos de soledad
Y en nosotros nuestros muertos
Pa que nadie quede atrás
Yo tengo tantos hermanos
Que no los puedo contar
Y una novia muy hermosa
Que se llama ¡libertad!”
Também eu, tal como Héctor Roberto Chavero, tenho tantos irmãos que não os conseguirei contar, cada um com o seu trabalho, com o seu feitio, com as suas singularidades pessoais, guardando na lembrança os que já partiram e auxiliando os que ainda por cá se encontram; semeando a fraternidade, caminhamos juntos e livres, alimentados pela esperança de um dia podermos vir a criar um mundo que seja melhor…para todos!

19 janeiro 2015

Formalismos na Maçonaria…

(imagem proveniente de Google Images)

Na Maçonaria existe o costume de os seus membros se tratarem por irmãos ou manos, uma vez que a Augusta Ordem Maçónica é uma Irmandade de carácter fraternal.

Mas para além deste hábito, existe outro que costuma fazer alguma confusão aos recém-chegados. É o facto de todos no seu trato habitual se tratarem por “tu”.
Independentemente da idade, do grau ou da qualidade maçónica (cargo que se represente em Loja ou na Obediência), todos, mas mesmo todos, se tratam por “tu”.

Enquanto na vida profana é habitual  as pessoas tratarem-se com alguma deferência, nomeadamente tratarem-se por “você” ou por “senhor” ou até mesmo pelo título académico que detenham, na Maçonaria não existe esse distanciamento pessoal. Quando se aborda um irmão, é por “tu isto…” ou “tu aquilo…” É “tu” e prontos!

Isto por si só, é uma demonstração que aos maçons não interessam os cargos ou as profissões que um irmão desempenhe na sua vida profissional. Em Loja todos sãos iguais entre si. Desde o mais desfavorecido financeiramente ao mais folgado em questões de metais, não existe diferença no trato. Os “metais” devem ficar sempre fora de portas do Templo. 
Esta é outra das virtudes que se podem encontrar na Maçonaria a par da tolerância e do espírito fraternal.

E como entre irmãos não há lugar para deferências ou "salamaleques", é mais salutar e sensato o tratamento por “tu” que por outra coisa qualquer. Desse modo, aos recém-chegados dá-se lhes a confiança necessária para se enturmarem com os mais antigos na casa, e aos mais idosos em idade, consegue-se que mantenham dessa forma, um espírito jovem e reverencial que a todos agrada. Aos mais jovens é que normalmente causa algum desconforto em tratar alguém mais velho em idade por uma forma tão simples de tratamento, mas com o tempo esse pequeno desconforto passa e é normal que depois nem se note a diferença de trato nem a idade do irmão com quem se interage.

Esta forma de tratamento entre pessoas, foi dos hábitos que mais “estranheza” me causaram nos meus tempos de neófito.

É como se costuma dizer: “primeiro estranha-se, depois entranha-se…”

Mas em Maçonaria e em como tudo o que sejam instituições, associações ou grupos onde o Homem se reúna, existe sempre uma hierarquia a respeitar, e como tal, o tratamento com alguém hierarquicamente superior, devido às funções que lhe são acometidas, nunca poderia ser igual à que os outros membros terão entre si. E como afirmei acima, se na Maçonaria os seus obreiros se tratam entre si como irmãos e no trato normal por “tu”, não deixa de ser interessante que quando se trata de alguém com funções diretivas, esse tratamento seja enaltecido.

Apesar de quando um irmão se dirige a um irmão que ocupe um cargo relevante na estrutura maçónica o trate na mesma por “tu”, a diferenciação no tratamento é respeitante ao cargo e função ocupada em si e não à pessoa em concreto. Por isso é que é habitual se ouvir falar em “Venerável Mestre”, “Respeitável Irmão” e “Muito Respeitável Grão-Mestre” entre outros apelidos que se conheçam e que existem, que servem apenas para diferenciar um irmão dos restantes apenas pelas funções que lhe são atribuídas e nada mais.

Em Maçonaria todos os cargos são transitórios, tal como quase tudo na vida, e os maçons têm isso presente, e como tal, não adianta ou não é necessário existir outro tratamento que não seja por “tu”, pois se hoje desempenhamos um cargo, amanhã poderemos estar apenas a ocupar um lugar numa das colunas. E quem hoje se encontra simplesmente numa coluna e sem funções atribuídas, amanhã poderá ser chamado a ocupar alguma função importante na estrutura maçónica. E este tipo de tratamento possibilita uma transição entre colunas ou funções sem qualquer tipo de sobressaltos.

Concluindo, se as designações dos cargos maçónicos ou dos títulos dos graus maçónicos que existem poderem sugerir algumas vezes que o tratamento entre irmãos possa derivar em "pantominices", essa assumpção está bastante errada. O tratamento entre irmãos é sempre feito da forma mais simples que se conhece, utilizando simplesmente o pronome “tu”.
E é assim que se quer que a Maçonaria funcione, de uma forma simples e elementar.


PS: Texto adaptado deste outro, também escrito e publicado por mim.

12 janeiro 2015

Sobre o "Método Maçónico" (II)...

                                                                                                  (imagem proveniente de Google Images)


Um pouco por todas as correntes do pensamento humano, a “dúvida” sempre esteve presente e como tal foi precursora de Conhecimento. Se nos casos dos Racionalistas e Existencialistas, a dúvida foi a “catalisadora” do ato de pensar, nas correntes Positivistas, Cepticistas e Empiristas da Filosofia foi mesmo a base do próprio pensamento. E se “pensar” é a base do Método Maçónico, a “dúvida” é um dos instrumentos pelos quais este método pode ser aplicado. 
Não apenas duvidando por duvidar, ou questionando apenas por questionar. A dúvida ou a questão, terão sempre um motivo, um“porquê?”. 

Aliás, já o maçom e livre-pensador Voltaire (François Marie Arouet de seu nome e que viveu entre 21/11/1694 a 30/05/1778) afirmou que “a dúvida foi transformada num método de conhecimento”. 
E foi de certa forma, aplicando esta premissa, que o Homem foi impulsionado a evoluir. 
Ao se duvidar (de algo), cria-se a vontade ou necessidade de se agir, de procurar, de pensar. Não bastará aquilo que nos é apresentado, mas pretender-se-á mais qualquer coisa, nem que seja para complementar, cimentar ou até negar aquilo que já existe.

O Homem ao longo da história tendo a dúvida e o desconhecido como ponto de partida, levou-o a que inúmeras vezes fosse obrigado a sair da sua “zona de conforto” para obter o conhecimento ou as respostas que ambicionava ter. Ter este tipo de atitude permitiu aos pensadores do período iluminista da nossa história, questionarem os ideais e dogmas da sua época e fomentarem então o livre-pensamento.

Nesses tempos, o Homem sentia-se refém dos dogmas  que lhe eram apresentados e que os mesmos  quando aplicados ortodoxamente lhe cerceavam a sua liberdade pessoal. E na sequência de um período renascentista, em que floresceram novas ideias que tornavam o Homem no centro de tudo (a figura do “Homem de Vitrúvio” de Leonardo da Vinci é um bom exemplo disso) e também no seguimento de um período inquisitorial que deixou várias baixas nas mentalidades que se consideravam mais avant-garde ou fora do status quo contemporâneo, houve quem sentisse que o mundo necessitava de mudar, e mudar para algo de diferente daquilo que existia.

Já não bastava ao Homem olhar para cima, para Deus, e crer que tudo ocorreria mediante intervenção divina, mas que esse olhar deveria se virar para dentro, para o seu interior
O Homem sentiu que deveria ser ele a base de tudo, a “origem”, o “ponto no meio do círculo”, e essa sensação, essa necessidade de mudar,  criou novas formas de pensamento, novas formas de olhar as coisas, algumas das quais muito diferentes das que existiam nesses tempos, nomeadamente no que toca a direitos e garantias do Ser Humano. 

Hoje em dia, temos a certeza que após os “ventos iluministas” que passaram e que criaram algumas “tempestades” por esse mundo fora, a sociedade como se conhecia mudou e evoluiu bastante e para melhor. Hoje o Homem pode fazer quase tudo aquilo que anteriormente lhe estava vetado, quer fosse por lei quer fosse pelo modus vivendi da época. 
O Homem atualmente é detentor de vários direitos e garantias no que toca à sua liberdade pessoal. Na generalidade dos países (falo assim, porque em pleno século XXI a liberdade ainda é limitada em alguns locais) o Homem pode falar abertamente e expor as suas ideias, pode reunir para debater e também lhe é possível se manifestar pelo que considere válido e que seja mais útil à sociedade em que está inserido. E isso tudo apenas foi possível porque existiu gente que pensasse, que questionasse e principalmente que duvidasse. E no meio dessa gente, encontravam-se os maçons.

E os maçons ao absorverem os ideais renascentistas e posteriormente os ideais iluministas, sentiram também que a “dúvida” poderia ser o ponto de partida para que pudessem evoluir também. Uma vez que se o homem era o “centro” de tudo, o que existiria para lá do seu “corpo”, das suas “fronteiras”, seria de certa maneira,   desconhecido ou por descobrir. E foi nesse momento, em que os maçons passaram a especular (duvidar/questionar), que se criaram as condições para serem constituidas as “fundações” da Maçonaria atual, designada por Maçonaria Especulativa.

Desse modo, os maçons deixaram de construir fisicamente para passarem a construir filosoficamente tendo como utensílios principais do seu trabalho o seu pensamento, os seus novos ideais, o debate de ideias, partindo das suas dúvidas e ansiando por mais conhecimento. E isso foi concretizado, porque gradualmente através da incorporação dos pensamentos racionalistas e positivistas na doutrina maçónica, foi possível alcançar aquilo que atualmente ainda é dado a vivenciar nas lojas maçónicas. Refletindo, analisando e debatendo nas sua lojas maçónicas, os maçons de antanho propiciaram - e de que maneira!- o progresso da sociedade de então, não obstante ainda o continuarem a fazer nos dias de hoje.

Tanto que o facto de os maçons estarem entre aqueles que decidiram “pensar” e  que não ficaram retidos a dogmas ou ao receio da possibilidade de poderem perder a sua vida por usufruírem desse direito natural (pensar por si), tornou-os personas non gratas para algumas instituições que existem ainda atualmente, sejam elas corporativistas, religiosas ou políticas. Pensar diferente ou criar um ambiente propício ao livre-pensamento e ao debate de ideias ainda hoje causa alguns “amargos de boca” aos maçons. O livre-pensar tem essas consequências. Uma vez que os defensores de totalitarismos e de ditaduras sejam elas de que tipo forem ou até mesmo os apologistas da anarquia em si, nunca poderão “ver com bons olhos” uma fraternidade constituida por quem assume que pensa e que principalmente duvida daquilo que lhe é apresentado de qualquer forma, sem justificação prévia e sem que tenha interesse para a generalidade dos povos.

Por isso é que nada é pior para o ser humano do que ter uma “atitude de carneiro”, uma atitude seguidista, de agir apenas somente porque sim ou porque os outros assim o fazem, sem se analisar os “porquês?” e os “comos?” deste mundo, assumindo desta forma as consequências de uma atitude que uma grande parte das vezes pouco lhe será a mais favorável ou a que melhor o servirá.
- Não pensar acarreta sempre custos - . 

E por mais “doloroso” ou difícil que esse processo possa aparentar ou por maior prejuízo que se possa assacar ao modo de pensar, será sempre mais relevante para a humanidade o Homem usar a sua “cabecinha” e pensar por si do que deixar que outrem o faça por ele. 
E mesmo que se pense de forma diferente da generalidade, tal não será importante porque por vezes na diferença e/ou valorizando esta diferença, está o caminho para o conhecimento. 
- Quantas vezes não estivemos certos de algo e depois acabámos por constatar que aquilo que era diferente ou que divergia do nosso raciocínio era na realidade o que estaria correto?!-

 Assim, é possível considerar-se na prática, que o método maçónico é um método de questionamento que apesar de poder ser usado de um modo muito amplo na Maçonaria, se for aplicado de uma forma mais estrita, será sempre no sentido de uma auto-análise e busca interior que o maçom fará per si e que o levará através de uma senda espiritual que lhe proporcionará em última instância uma redescoberta de si mesmo.

Questionando(-se), debatendo, aprendendo, compreendendo, modificando(-se) e partilhando o que se sabe; em suma, aplicando o método maçónico, será para os maçons mais uma forma de poderem trabalhar no seu auto-aperfeiçoamento. E mesmo que não o consigam executar na sua plenitude, pois pode sempre supor-se tal como utópico, quem viver desta forma sentir-se-á sempre realizado e grato pelas conquistas que vier a alcançar ao longo da sua vida, pois as mesmas foram conseguidas com o seu esforço, com o seu sacrifício, com a sua dedicação, mas que principalmente foram obtidas com ou através do seu “pensamento”! 

08 janeiro 2015

Os olhos azuis




Apesar da baixa temperatura na rua, reinava a boa disposição: acabara mais um dia de trabalho. Trocávamos as últimas despedidas, quando notámos uns olhos azuis que, confrangedoramente mudos, procuravam os nossos.

Aproximara-se, sem que notássemos, um vulto de casaco grosso - à moda antiga - na postura destruída de quem já viu melhores dias. Não o envolvia, porém a antecipada nuvem de álcool e tabaco, e muito menos o incontornável e penetrante cheiro da rua. De pé, a um metro de nós, interpelava-nos com o olhar, mas a boca não se abria, qual mola teimosamente contida, presa sabe-se lá em quê, mas desesperada por se libertar.

- Boa tarde, posso ajudá-lo?

E os olhos azuis, impotentes e embaraçados perante os vários segundos de imobilidade a que aquela boca se votou até que, a custo, lá acabou por deixar escapar qualquer coisa:

- Queria apanhar o autocarro para...

"O autocarro para". E a boca, entreaberta, como quem aguardava ordens; os olhos, suplicantes, imploravam pela palavra que faltava. "Queria apanhar o autocarro para".

- Para...? - ainda tentei.
- O autocarro... Para...

E de novo aqueles olhos azuis, sempre aqueles olhos azuis, fitando-nos aflitivamente, ora a um, ora ao outro. Quase se via a chama mortiça debatendo-se em vão, ansiando por espalhar luz e calor, mas mais não logrando que evitar apagar-se.

- Quer ir para casa?
- Sim.
- E sabe onde é a sua casa? - perguntou o meu colega.

De novo. a custo, balbuciante, tentou responder - mas sem sucesso.

- Aaaa... em...

Não havia dúvidas. Tínhamos, perante nós, uma criança perdida, presa no corpo de um octogenário. E aqueles olhos, sempre aqueles olhos, frágeis e desvalidos, surpreendidos como um balão que se esvazia e, mirrado e reduzido a uma massa informe, tenta, não obstante - e evidentemente sem êxito - manter a compostura e a forma que teve outrora.

- Em Loures.

Ah. Lembrou-se.

- Mas como é que veio parar aqui?
- Estive com o meu filho, mas o autocarro teve um acidente... bateu num... num ligeiro... ainda esperei uma hora, mas eles não arrancavam... tive que vir a pé...

- Disse que mora em Loures? Mora com alguém?

De novo, uma pausa, e depois a resposta, titubeante e aos arranques:

- A minha mulher morreu. A minha filha não me atende, está em Coimbra. É médica, a minha filha.
- Mas mora com alguém?
- Estive com o meu filho... ele está desempregado há quase um ano...
- Tem o contacto da sua filha ou do seu filho? Tem telemóvel?
- Não... Só tenho aqui 5 euros para o táxi...
- E tem identificação consigo?

Sem uma palavra, entregou-me a carteira - de plástico, com três documentos e um recibo da farmácia, sem hesitação, sem defesa, sem reserva.

- Venha connosco, que eu levo-o a casa.

Após uma troca de murmúrios com quem me acompanhava, acabei antes por levá-lo à esquadra mais próxima onde, após ter feito uma breve descrição da situação a um dos agentes, o entreguei em mãos experientes que o acolheram com prontidão.

...


Essa noite custou-me adormecer. Aqueles confundidos olhos azuis não me largavam, testemunho implacável da minha própria mortalidade, da indignidade da doença, e da velhice que, inflexível, nos rouba aos poucos e aos bocados. E eu, mais dado a fazer que a remoer, dei por mim acossado e impotente em face quer do que vi quer do que me espera - do que nos espera a todos - não obstante vivermos, tantas vezes, como se não morrêssemos nunca.

Acabei por fazer as pazes com o sono, depois de ter, difusamente e entre bocejos, aceite que o que é inevitável não deve aterrorizar-nos, mas antes, pelo contrário, impelir-nos a aproveitar melhor cada um dos nossos dias.

Estamos no início de um novo ano. Faço votos de que cada um de nós saiba e consiga - ou, pelo menos, tente - agir no sentido de aproveitar cada um desses dias de modo a não se arrepender nem do que fez nem do que deixou por fazer, e que tenhamos a fortuna de não darmos por nós a vaguear, perdidos, à mercê de quem nos estenda a mão - mas que, se tal acontecer, possamos encontrar, no nosso caminho, uma mão amiga.

Paulo M.

05 janeiro 2015

Sobre o "Método Maçónico"...

                                                                                                     (imagem proveniente de Google Images)

Muito se fala e especula sobre o que é e o que será o tão propalado “método maçónico”.
Ele não é mais que um método de busca, estudo e aprendizagem que auxilia o maçom ao longo da sua vida.
Tal como outros métodos de estudo ou de vida, ele não é melhor nem pior, mas é o que o maçom utiliza.

O maçom através da sua busca incessante de informação/conhecimento, a procura da dita “Luz”, o leva a questionar os motivos, as razões, os porquês….
“O que é?”, “O que será?”,“O porquê?” e “Para que serve?” são para os maçons, tal como para os profanos, a base do caminho de suplantação das suas dúvidas, sejam elas mundanas ou mais elevadas
Ele nunca se irá prender a sofismas e dogmas irrisíveis ou inclusive a cepticismos vãos que o levarão a um caminho de busca sem fim ou qualquer retorno palpável. 
Ele mesmo, através do seu empenho e trabalho, combate os dogmas instalados sem que tenham razão aparente para existirem. Ele debate, questiona, aprende, e principalmente procura as razões para tal… Nunca se ficando com “é assim porque tem de ser…”. Tal afirmação e suas semelhantes não lhe servem como respostas para as suas dúvidas. Ele quer mais… E por isso procura! E faz!

Tal como as três afirmações bíblicas, muito usadas por várias correntes esotéricas (a Maçonaria é uma delas) “ Bate e ela se abrirá… Procura e acharás… Pede e receberás…”, é através dessa busca e desejo de conhecimento que o maçom até ao fim dos seus dias será impelido a trabalhar e estudar de forma empenhada, nunca ficando contente ou satisfeito com o que vai obtendo. Ele quer mais e procura/faz por isso! E é essa atitude de não resignação, de “nunca baixar os braços”, que é fundamental para o método maçónico.

“Se tens dúvidas, trabalha para as combater”… Este podia ser um mote de incentivo ao maçom, tal como tantos outros que existem e que guiam ou incentivam o maçom ao longo da sua vida.
-Por isso, sempre que alguém ouvir falar de um eventual método maçónico, saberá à partida que se trata de um método de trabalho e não algo de conspirativo como algumas mentes mais “conspurcadas” ou menores como eu as considero, tentam fazer acreditar.-

O maçom ao longo da sua caminhada, tem uma atitude pró-ativa. Isto é, ele não é uma pessoa de se encolher, de ficar de braços cruzados sem nada fazer. Ele estuda, trabalha, debate, ensina. Nunca se ficando pelo que obtém nem o tomando como garantido. 
Tudo na vida é transitório, uma espécie de devir. E como tal, apenas tendo atitudes que visem obter evolução pessoal, progressão cultural, entre outras…, é que o maçom se poderá afirmar entre os demais.

 Hoje em dia já não basta ao maçom ser reconhecido pelos seus irmãos como tal, ele deve ser reconhecido pelos outros como tal. Um Homem Livre e de Bons Costumes!
E para se ser um Homem Livre e de Bons Costumes, ao maçom não lhe servirá apenas ser alguém com uma moralidade acima da média, ou que apenas pratique a caridade e a solidariedade com o próximo. 
É através do conjunto destas e de outras qualidades, que o maçom desenvolve o seu método pessoal de vida. O Método Maçónico é também isso. Uma forma de viver
E é também partilhando essa forma de estar com os demais, que ele aprende, se cultiva e se informa. Tudo o que ele adquirir no percurso dessa caminhada, não será apenas dele, será também de quem o rodeia. Pois apesar de o maçom trabalhar a sua pedra bruta, ele não o faz de forma solitária. Ao seu lado estarão sempre os seus irmãos, que lhe servirão de amparo e o conduzirão no rumo certo, e que ele por sua vez, também ensinará e amparará quando assim tiver de o fazer.

Por isso, não só na sua Loja Maçónica, no seu Templo, deve o maçom trabalhar tanto para ele bem como para os demais, mas acima de tudo, deve ele no mundo profano manter essa conduta. Pois os ganhos adquiridos, os tão profanos “lucros” serão para a comunidade, porque o Maçom não busca distinções no que faz. Faz e assim continua a fazer… Para o bem comum!
E quanto mais rápido ele interiorizar essa ideia na sua mente, mais facilmente progredirá como pessoa, o tal “aperfeiçoamento moral”, tão caro à filosofia maçónica.

E se o Homem não deseja progredir, anda cá na Terra a fazer o quê, realmente?
A ver os dias a passar?!
E porque não tornar esses dias mais agradáveis para a generalidade?

Essa é também uma das obrigações do maçons; e para tal, como pode alguém contribuir para um mundo melhor, se não partir de si, a vontade de se tornar em algo melhor…
O método maçónico serve para isso, exclusivamente!

PS: Este texto foi escrito e publicado originalmente por mim aqui em duas partes, mas dada a sua relevância e contemporaneidade, decidi que deveria ser republicado novamente e neste espaço em particular.

29 dezembro 2014

2015: Equilíbrio e tolerância


Estamos prestes a festejar o fim do Ano Velho e a assinalar o início de 2015, o Ano Novo das anualmente renovadas esperanças de que cada novo princípio seja o início de um período melhor do que o que o anterior.

Para quem viveu os tempos duros dos últimos anos em Portugal, parece evidente que 2015 só pode ser melhor, quanto mais não seja porque, como diz a canção popular, para pior já basta assim!

Mas se todos vamos tendo esperanças de que o fundo em que batemos já está para trás e o horizonte começa a desanuviar, também é tempo de equilíbrio. Saltar da depressão para a euforia é manobra perigosa, verdadeiro salto mortal das nossas expectativas de digna melhoria das nossas condições de vida. Não se salta da cama, vencida perturbadora gripe ou arrasadora pneumonia, para se ir logo correr a maratona... Primeiro há que reganhar forças, paulatinamente retomar a forma e então, sim, pode-se partir à conquista da nossa merecida coroa de louros, devida homenagem que, no meu entender, devia ser conferida a todos aqueles que completam os 42.195 metros da mítica corrida, como símbolo da superação pessoal que - seja no tempo que for, em primeiro ou último lugar - constitui essa dura prova.

Que 2015 seja por todos vivido com a Sabedoria do necessário Equilíbrio, para que todos possam avançar em passos seguros e não sofram dolorosas quedas!

Mas se o Equilíbrio, a meu ver, vai ser necessário, a Tolerância, essa, vai ser imprescindível.

Portugal vai viver todo um ano de luta eleitoral, de permanente campanha, de prolongada época do peculiar desporto "venatório" da caça ao voto, que é propício a excessos e clubismos que são tudo menos saudáveis.

O confronto de ideias é saudável. A exposição de diferentes perspetivas para os caminhos que coletivamente vamos percorrer é indispensável. Mas o exercício da cidadania e a prática da democracia que, felizmente mesmo em condições duras, todos nós demonstrámos continuar a prezar, necessita, para ser plena e verdadeiramente livre, de ser acompanhado da Tolerância.

Tolerância para ouvir a exposição de outros caminhos e de outras ideias com que não nos identificamos. Tolerância para confrontarmos esses outros pontos de vista com as nossas escolhas, em ordem a melhorarmos estas com o contributo que porventura os pontos de vista diferentes lhe possam dar. Tolerância para perspetivar que possa suceder não sermos nós quem tem razão. Tolerância para, eventualmente, admitir que, mesmo que continuemos a achar que o nosso ponto de vista é o melhor, outra foi a decisão coletivamente tomada. Tolerância para entender que, mesmo que ter a maioria não seja sinónimo de ter razão, esta confere a quem a alcançou o direito de procurar demonstrar os méritos da sua escolha e do seu caminho. Tolerância para reconhecer aos que defendem ideias e posturas e caminhos que se apurar minoritários o direito de continuar a defender as suas ideias, as suas posturas, os seus caminhos, contraponto indispensável em democracia para manter a maioria no rumo certo e prevenir - tanto quanto tal é possível - os excessos que o poder da maioria é tentado a ter. No fundo, tolerância para reconhecer aos outros, a todos os outros, os mesmos direitos, a mesma boa-fé, que reivindicamos para nós.

Se cada um de nós e todos nós coletivamente formos capazes de viver 2015 com Equilíbrio e com Tolerância, estou certo que não será demasiado otimismo antever que - finalmente! - conseguiremos de novo ter um bom ano.

Que assim seja!

Rui Bandeira