07 novembro 2011

Instrução em Maçonaria - II





Ao longo destes anos tenho vindo a constatar que em muitas Lojas há muita dificuldade em debater temas, em comentar pranchas, em usar da palavra.

Amiúde essa dificuldade advém de simples desconhecimento do Modus Faciendi, noutras de uma falsa noção que o uso da palavra se esgota no Venerável e que em condição alguma se deve discordar do seu discurso quase proverbial ou tampouco porque simplesmente não há tema.

A instrução começa nestes casos num patamar completamente diferente daquele que é normalmente considerado como o ponto de instrução. Na verdade muitos não se apercebem que é impossível um 2º Vigilante dar instrução, ou melhor que o resultado desse trabalho é quase inconsequente, quando a própria Loja é disfuncional. De que serve estar a dizer como se faz se depois os destinatários dessa informação constatam que não é nada daquilo que ocorre.

Mas centremo-nos apenas nos casos em que a dificuldade é o desconhecimento da forma. Nestes casos os membros integrantes da Loja não usam da palavra, porque não sabem como fazer, não que não saibam falar, não que não peçam e usem da palavra, mas apenas porque quando há um assunto há a dificuldade de falar sobre ele, a inibição de expor ideias, os problemas de emitir opinião, o medo horrífico de discordar.

Nas minhas inúmeras visitas fui podendo constatar isto e comparar com a Loja Mestre Affonso Domingues onde todos os Irmãos emitiam a respectiva opinião, não necessariamente concordante com a anterior , e no fim do debate era sempre possível encontrar plataformas, e sobretudo guardar e interiorizar ideias novas. Como creio que a minha Loja não é melhor que as demais, é tão só distinta isso sim, fui tentar perceber as diferenças. Experimentei apertar com algumas intervenções mais "fortes" na Affonso Domingues e no fim da sessão o resultado era o esperado, ou seja debate aberto franco, sem constrangimentos, sem problemas de que este Irmão é mais antigo ou sabe mais.

Finalmente percebi a razão. Estava, e sempre esteve, ali mesmo à minha frente. Era uma Loja maçónica, onde se valorizavam os valores da maçonaria evidentemente, mas também os valores das pessoas, mas sobretudo se valorizavam as ideias ainda mais que as pessoas que as emitiam. Era pois uma Loja Maçónica.

Assente neste pressuposto pude então começar a combater o desconhecimento. Bastava para tal mostrar que seria possível em sessão, debater ideias, sim tão somente isto. Mostrar que é possível discordar sem ser contra.

Mas chegar a uma Loja e dizer isto, pode ser interessante mas não resolve o problema. Era fundamental encontrar a forma de comunicar. E essa apareceu nos tais 45 minutos de que falei no texto anterior. E era simples, tão simples e singela que tinha que ter estado à minha frente longo tempo e eu não a percebi.

Propus o seguinte método: Intervindo como moderador, embora o poder de direcção dos trabalhos permanecesse na mão do Venerável da Loja, e logo a assumir a responsabilidade do que fosse dito pedi que a cada ideia que eu lançasse um Irmão tomasse a palavra para falar sobre o tema e que imediatamente outro o seguisse para contrapor ou acrescentar. Informando que se fosse para repetir eu cortaria a palavra. Tempo máximo por intervenção 2 minutos. Depois disso eu sumarizaria e lançava o debate sobre aquele tema para mais umas 2 ou 3 intervenções.

Repeti isto para 5 ou 6 temas diferentes e a cada vez o nível de intervenções foi melhorando. Aproveitando a cada um dos temas para dar algumas pistas sobre a gestão de uma Loja Maçónica.

No fim e pela análise dos comentários e do que os presentes disseram, percebi que o modelo tinha potencial. Voltei a experimentá-lo noutras lojas e o resultado foi similar.

Não tenho qualquer dúvida que o que fui fazer a estas Lojas foi uma sessão de instrução. O meu público alvo não eram os aprendizes, nem sequer os companheiros, mas sim os Mestres. Instruir quem tem que instruir.

Quero no entanto deixar aqui presente que não basta ler o que escrevi acima para se porem já a experimentar nas respectivas Lojas. O efeito de ser moderado por alguém de fora é fundamental para a primeira vez ( se isto fosse uma coisa americana teria que ter o seguinte aviso: Não tente sozinho em casa, peça sempre a ajuda de um profissional).

E por aqui ficamos por hoje.

José Ruah

03 novembro 2011

A pequena idade do gelo



A segunda metade do primeiro milénio da nossa era foi uma época de crescente prosperidade, que culminou no período entre os século XI e XIII. No seu apogeu, a vimos surgir na Europa as primeiras universidades, as primeiras cruzadas e a Magna Carta. Contudo, logo no século XIV a peste negra devassa a Europa, e durante cerca de quatro séculos viveu-se um período mais difícil. Sabemos o que se passou depois: entre 1775 e 1848 surge a "Idade das Revoluções", que alteraram o paradigma de governação, dando as monarquias absolutistas lugar às repúblicas e estados constitucionais. Era o tempo do Iluminismo, o século das Luzes, que iniciou um ciclo de permanentes e aceleradas transformações que não se fechou ainda.

Na figura acima podemos ver um gráfico estimado das temperaturas médias no hemisfério Norte no último milénio. É clara a diminuição de temperatura que se verificou especialmente entre 1500 e 1700. A figura não tem escala, mas estamos a falar de uma diferença da temperatura média, entre o máximo verificado por volta do ano 1300 e o mínimo por volta do ano 1600, de cerca de um grau Celsius. Muito pouco, dir-se-á.  Todavia, esse pouco foi o suficiente para a Gronelândia, povoada pelos Viquingues por volta do século XIV, viesse a ser praticamente abandonada trezentos anos depois, e o rio Tamisa gelasse no inverno durante o período mais frio, o que não sucedia antes nem sucede agora. Também causou, como se poderia esperar, visíveis e apreciáveis revezes nas colheitas agrícolas.

Não se sabe quais as causas desta diminuição de temperatura, mas supõe-se que possa ter sido causada por  uma diminuição da atividade solar que igualmente se constatou nesse período. Também não se pode demonstrar que a diminuição da temperatura esteve na origem de um aumento da fome e da pobreza, e por isso de maior instabilidade social, que veio a culminar nas revoluções dos séculos XVIII e XIX. Mas é credível que assim tenha sucedido.

Temos uma enorme tendência para ver o mundo pelos olhos da nossa própria espécie. Todavia, se virmos o que sucede a uma cultura de bactérias quando é objeto de aumentos ou diminuições de temperatura, constataremos que os efeitos são bastante semelhantes aos efeitos das mesmas alterações sobre os humanos. Nesta placa de Petri que habitamos, basta uma pequena flutuação de temperatura para causar aumentos ou diminuições da população, períodos de carestia ou prosperidade, ou alternância entre estabilidade política e revoluções.

Paulo M.

http://en.wikipedia.org/wiki/Little_Ice_Age
http://en.wikipedia.org/wiki/Causes_of_the_French_Revolution
http://stepwilh.blogspot.com/2010/07/hockey-stick-graph.html

02 novembro 2011

A Maçonaria NÃO É uma sociedade secreta (I)


Em relação à Maçonaria criou-se um mito, frequentemente repetido, em tom acusatório, pelos detratores da maçonaria: a Maçonaria seria uma "sociedade secreta" e, assim sendo, boa coisa não é (pois, se o fosse, não necessitaria de ser secreta).

Não é verdade. A Maçonaria não é uma sociedade secreta, antes é uma associação que existe e funciona ao abrigo das leis civis e no integral respeito do que estas postulam. Qualquer Obediência maçónica existe enquanto pessoa jurídica coletiva, normalmente organizada sob a forma de associação, devidamente registada no Registo Nacional de Pessoas Coletivas em Portugal e nos serviços equivalentes nos outros países, constituída por escritura notarial, arquivada onde a lei do país em que se insere determina, fiscalmente manifestada e, a exemplo das demais pessoas coletivas, cumprindo as obrigações fiscais que a Lei determina, com os seus órgãos sociais designados pela forma que a Lei e os seus Estatutos determinam e publicitados pela forma que a Lei determina. Enfim, a Maçonaria Regular, que tem por princípio fundamental o respeito da legalidade vigente, existe e funciona ao abrigo e cumprindo as leis em vigor nos Estados onde funciona, como qualquer outra associação nesse Estado existente.

No entanto, e como já o Ministro da Propaganda nazi, Joseph Goebbels, descaradamente referia, uma mentira mil vezes repetida passa a ser entendida por muitos como verdade.

E a mentira de que a Maçonaria é uma sociedade secreta tem vindo a ser muitos milhares de vezes repetida, ao longo de mais de três séculos. O poder e persistência desta mentira são proporcionais às forças de quem a lançou e repetidamente a sustentou ao longo do tempo: a alta hierarquia da Igreja Católica.

Que a alta hierarquia da Igreja Católica não tenha visto com bons olhos a Maçonaria, é compreensível: tratava-se de uma agremiação nascida num país que, em termos religiosos, se rebelara contra a Igreja de Roma - a Inglaterra; e a Maçonaria consumava um princípio que então (muito antes de o ecumenismo ser um conceito aceite pela Igreja Romana) lhe era insuportável: a junção, a colaboração fraterna, entre crentes de diferentes religiões. Com efeito, a Maçonaria postula um princípio fundamental, inerente à hoje aceite e comum, na sociedade ocidental, noção da liberdade religiosa, que é o de que a crença religiosa de cada um só a ele diz respeito e que homens livres e de bons costumes podem auxiliar-se mutuamente na sua respetiva evolução ética e espiritual, independentemente das respetivas crenças religiosas. Quaisquer diferenças nestas são de somenos em face da essencial semelhança do que é ser Homem, da Ética que a todos deve unir, do comum anseio de melhoria, de aperfeiçoamento pessoal, moral e espiritual. Compreende-se que esta noção não seja bem vista para uma conceção religiosa que entende que o caminho para a Salvação é o da sua religião e não o de qualquer outra (e essa era a postura da alta hierarquia da Igreja Católica, pelo menos até ao Concílio Vaticano II).

Bastaram 21 anos, a contar da fundação de Premier Grand Lodge, em Londres, em 1717, para a alta hierarquia da Igreja Católica efetuar o primeiro ataque violento à maçonaria, utilizando o falso argumento de ser a Maçonaria uma "sociedade secreta". A primeira bula papal de condenação da Maçonaria foi subscrita por Clemente XII em 28 de abril de 1738, ficou conhecida pela designação de Bula In Eminenti e nela pode ler-se, designadamente (destaque meu):

Agora, chegou a Nossos ouvidos, e o tema geral deixou claro, que certas Sociedades, Companhias, Assembleias, Reuniões, Congregações ou Convenções chamadas popularmente de Liberi Muratori ou Franco-Maçons ou por outros nomes, de acordo com as várias línguas, estão se difundindo e crescendo diariamente em força; e que homens de quaisquer religiões ou seitas, satisfeitos com a aparência de probidade natural, estão reunidos, de acordo com seus estatutos e leis estabelecidas por eles, através de um rigoroso e inquebrantável vínculo que os obriga, tanto por um juramento sobre a Bíblia Sagrada quanto por uma variedade de severos castigos, a um inviolável silêncio sobre tudo o que eles fazem em segredo em conjunto.

A decisão anunciada na bula foi de proibição e condenação: decidimos fazer e decretar que estas mesmas Sociedades, Companhias, Assembleias, Reuniões, Congregações,ou Convenções de Liberi Muratori ou de Franco-Maçons, ou de qualquer outro nome que estas possam vir a possuir, estão condenadas e proibidas, e por Nossa presente Constituição, válida para todo o sempre, condenadas e proibidas.

Mas este foi apenas o primeiro ataque. Treze anos depois, Bento XIV emitiu, em 18 de maio de 1751, a Bula Provida Romanorum Pontificum, onde se pode ler:

Finalmente, entre as causas mais graves das supraditas proibições e condenações enunciadas na Constituição acima inserida, — a primeira é: que nas tais sociedades e assembleias secretas, estão filiados indistintamente homens de todos os credos; daí ser evidente a resultante de um grande perigo para a pureza da religião católica;
— a segunda é: a obrigação estrita do segredo indevassável, pelo qual se oculta tudo que se passa nas assembleias secretas, às quais com razão se pode aplicar o provérbio (do qual se serviu Caecilius Natalis, em causa de caráter diverso, contra Minúcius Félix): “As coisas honestas gozam da publicidade; as criminosas, do segredo”;

— a terceira é: o juramento pelo qual se comprometem a guardar inviolável segredo, como se fosse permitido a qualquer um apoiar-se numa promessa ou juramento com o fito de furtar-se a prestar declarações ao legítimo poder, que investiga se em tais assembleias secretas não se maquina algo contra o Estado, contra a Religião e contra as Leis;

Neste documento, o pretexto da "sociedade secreta" continua a ser invocado, mas desvendam-se as verdadeiras razões da decisão: o facto de, na Maçonaria estarem filiados indistintamente homens de todos os credos e tal "constituir um grande perigo para a pureza da religião católica" e o receio de que, nas reuniões maçónicas se maquine "algo contra o Estado, contra a Religião e contra as Leis".

O século XVIII não findou sem que, precisamente em 1800, mais um Papa, Pio VII, publicasse mais uma bula condenatória da maçonaria, a Bula Ecelesian a Jesus Christo, de que não consegui encontrar publicação do seu texto. O século XIX (em que, recorde-se, ocorreu a emergência da Maçonaria Irregular e da intervenção desta orientação na Coisa Pública, inclusivamente com ações revolucionárias) foi também fértil em documentos papais de condenação da Maçonaria, em que a classificação da mesma como sociedade secreta foi recorrente.

Mas isso é já matéria para o próximo texto.

Rui Bandeira

01 novembro 2011

Instrução em Maçonaria - I




Uma das obrigações, ou seja mais que funções, de um Mestre Maçon é prover à instrução. Surge então aqui a questão sobre se todos os Mestres têm que ser instrutores e ainda uma segunda sobre quem são os destinatários dessa instrução.

Numa análise simplista, e que convém a muito boa gente, a instrução estaria acometida ao 2º Vigilante e teria apenas como destinatários os aprendizes sob a sua alçada.

Numa análise mais lata, haverá quem inclui aqui o 1º Vigilante e a sua coluna de companheiros.

Raramente, mas muito raramente se fala e mais raramente ainda se pratica instrução para Mestres, aquilo que no nosso mundo se chama Formação de Formadores, e que aqui por analogia se deveria chamar Instrução de Instrutores.

Fala-se há muito tempo do inicio de uma academia maçónica, .... eu já me apresentei como voluntário para ensinar.... mas ainda não tive resposta.

Na verdade nunca na minha vida dei uma aula, fui professor, nem sequer eduquei filhos, porque não os tenho, mas acho que aprendi bastante sobre maçonaria, e que é meu dever partilhar o que sei.

Decidi portanto criar eu próprio a minha escola. Não uma escola com bancos e quadro e giz e essas coisas  ( hoje é mais quadro electrónico, computador, projector....  mas desculpem eu ainda sou muito antigo ainda uso papel e caneta para muitas coisas )  mas escola no sentido de criar coisas novas e tentar que outros venham a seguir o que estou a por em prática.

Pode parecer imodesto pretender ser o percursor de uma forma de passagem de conhecimento, mas na verdade e a meu conhecimento aqui na GLLP até agora ninguém fez nada parecido com o que tenho vindo a fazer nos últimos meses.

Ao longo dos tempos fui ficando absolutamente convencido que a forma tradicional de instrução, embora de grande utilidade, era escassa e logo seria fundamental criar algo em complemento. Não foi de um dia para o outro que cheguei lá. 

Mas aqui há uns meses um Irmão abordou-me e disse :

- Oh Ruah, achas que podias ir lá à minha Loja e falar sobre.....
respondi:
- Claro que sim, se achas que é necessário eu faço isso com o maior prazer.

Mal acabara de aceitar o desafio e já estava com um problema enorme. Como fazer o que me era pedido, para que fosse bem aceite pela Loja a que se destinava e que no fim produzisse efeitos.

Tive a sorte de que a visita foi adiada, e que na tarde do dia  em que finalmente ocorreu ter tido que ficar, no meu âmbito profissional, à espera fechado numa sala de reuniões durante 45 minutos. Nesse tempo escrevi 4 paginas A4 ( a caneta ) com o alinhamento do que iria ser a sessão dessa noite.

O resultado foi muito acima do que esperava.

Interrompo aqui a minha prosa, porque na Maçonaria há sempre um "peixe maior e mais experiente" que nós e por isso aprendi com o Rui Bandeira que se fraccionarmos os textos, temos para mais semanas e os leitores chateiam-se menos.

Até para a semana

José Ruah

26 outubro 2011

Maçonaria e Poder (XV)

Estandarte da GLLP/GLRP

Se a GLLP/GLRP não intervém politicamente, então não deve ter no seu seio políticos. Se os tem, não deveria ter - ou então pratica de facto aquilo que nega de palavra. Esta é uma objeção que já ouvi. E que é aplicável aos políticos, como aos magistrados, como aos gestores públicos, por exemplo.

Não tem razão de ser esta objeção. Mas não basta afirmá-lo, há que mostrar porquê.

Elenquemos alguns factos, formulemos algumas hipóteses (não propriamente impossíveis, mas de efetivação muito improvável, refira-se já, para que não haja dúvidas ou suspeitas infundadas) e coloquemos algumas questões.

O JPSetúbal é um empresário com muitos anos de experiência e lançou e manteve vários negócios e empresas. Ainda hoje, semirreformado, gere uma pequena empresa com relevância e repercussão pública no concelho onde reside. Suponhamos que decidia candidatar-se à autarquia onde reside e onde é conhecido e era eleito. Passava automaticamente à condição de político. Deveria, por tal facto, ser excluído da GLLP/GLRP?

O Rui Bandeira exerce há mais de três décadas, a profissão de advogado. É, pois, um jurista e advogado experiente. Suponhamos que decidia, e havia vaga para tal, dedicar os últimos anos da sua vida útil profissional colocando a sua experiência ao serviço da comunidade, no exercício da Magistratura. Seria esta opção razão bastante para dever deixar de integrar a GLLP/GLRP?

O José Ruah é um gestor experiente na área da saúde, tendo aprendido e executado como fazer o mesmo com menos meios e como obter mais com os meios disponíveis. A sua específica competência e capacidade, adquirida e apurada na gestão privada, fá-lo um alvo possível de recrutamento para gestor de unidade pública dessa área. Se isso sucedesse, deveria ele abandonar a GLLP/GLRP?

Parece evidente que, em qualquer dos três casos hipotizados a resposta deve ser negativa. Estes três maçons de muitos anos sempre trabalharam no setor privado e não seria o facto de, nas suas áreas, enveredarem pela causa pública que os faria deixar de serem quem são, os levaria a agir diferentemente da forma como atuaram toda a sua vida.

O político, o magistrado, o gestor público, eram-no, não por serem maçons, mas em resultado, na sequência do seu percurso de vida ao longo de dezenas de anos. E não se vê por que a sua coerência, em termos éticos, cultivada ao longo de dezenas de anos deveria ser afetada pela sua passagem do setor privado para a vida pública. Não é verdadeiro o ditado de que "a ocasião faz o ladrão" - a não ser que se considere que todos são ladrões, só o que faltará a muitos são as ocasiões, o que seria uma paupérrima conceção da Humanidade.

Quem resista à tentação do slogan, da demagogia, do sound bite, nas análises que faz, facilmente conclui que não é o facto de haver políticos, magistrados, gestores públicos numa Obediência Maçónica que é certo ou errado por si só, que gera condenável influência política, ou o que quer que seja.

O que importa não é quem está, o que faz profissionalmente quem integra a Obediência. O que importa é o objetivo com que cada um deles ali está. Se e quando está para se aperfeiçoar, para ser melhor e com isso agir melhor na sua vida profissional, tudo bem, é motivo de satisfação para a Obediência, é bom para ele, é melhor para a Sociedade. Se o objetivo é criar ou obter "sinergias" para alavancar as suas possibilidades na sua vida profissional ou social, para integrar projetos de influência, então tudo mal: o próprio terá a ilusão do Poder, porventura ascendendo mais alto, não por si, mas à sombra de algo exterior a si e, mais tarde ou mais cedo, à falta de valor próprio, cairá - e de quanto mais alto cair, mais doloroso será o trambolhão; a Obediência trai-se a si própria e, a longo prazo, como historicamente se viu, pagará, com juros, o preço de se imiscuir onde não deve; a Sociedade perde por ver a sua natural evolução ser perturbada e torcida.

É tudo uma questão de postura, de objetivo, de respeito pela natureza das instituições, afinal. Não é porque um cão mordeu que se devem abater todos os cães. O que se deve é ensinar os canídeos a refrearem os seus instintos.

A GLLP/GLRP, como todas as Obediências Regulares, não exclui políticos, magistrados, gestores públicos, etc., das suas fileiras. Têm o mesmo direito à melhoria, ao aperfeiçoamento, segundo o método maçónico, que todos os outros homens livres e de bons costumes e seria írrito discriminá-los.

Mas o que importa ter sempre presente - contra demagogos e mal-intencionados, mas também contra tentações, por muito vestidas de boas intenções que se apresentem - é que há uma caraterística fundamental na Maçonaria Regular: nela podem entrar políticos, mas não a Política; destina-se a formar todos os seus membros, incluindo os que sejam políticos, mas não forma políticas.

Entendendo-se isto, entende-se como deve ser natural e em que limites é saudável a interação entre a Maçonaria e o Poder!

Rui Bandeira

19 outubro 2011

Maçonaria e Poder (XIV)


Audiência do Presidente da República
a uma delegação da GLLP/GLRP

Este já longo conjunto de textos teve como objetivo mostrar, serenamente e com o máximo de objetividade que me foi possível, como, ao longo do tempo e em diversas latitudes, se processou o relacionamento entre o Poder e a Maçonaria. Espero que os de boa-fé (os outros não me interessam - ladrarão sempre à passagem da caravana...) tenham ficado com um pouco mais de informação que lhes permita enquadrar e ajuizar sempre que um qualquer político demagogo mande umas "bocas" sobre a a "atividade escondida" da Maçonaria ou um periódico sensacionalista decida vender algum papel ou conquistar uns pontos de audiência "desvendando" que A, B ou C é maçom, que D, E ou F se reúnem no local X, Y ou Z ou que G, H ou I pertencem a partidos diferentes e afinal são "Irmãos" da mesma Loja.

Desmontar a demagogia, desdenhar do sensacionalismo, não significa, não passa, não pode passar (sob pena de se trair os princípios que os maçons defendem) pela mentira ou por esconder o que quer que seja. Pode passar, e tem passado, por não se conceder importância às atoardas, demagogias ou simples exposição de verdades, meias-verdades e especulações inverídicas, com objetivos sensacionalistas, não se lhe dando a dignidade de uma resposta, primando pelo silêncio mais ensurdecedor possível. Tem sido esta a postura da Maçonaria, para o bem e para o mal, quase sempre prudentemente bem, aqui e acolá deixando medrar o mal da intriga, da insinuação, da descarada mentira demagógica.

Na minha opinião. a resposta adequada da Maçonaria deve passar também pelo esclarecimento, pela confiança na inteligência das pessoas, pela informação objetiva que permita aos de boa-fé formularem os seus juízos, sem ser apenas com base nas atoardas e nas tiradas demagógicas.

E isso passa por assumir a História da Maçonaria e o seu relacionamento com o Poder, no seu melhor e no seu pior; nos seus bons, como nos seus maus momentos. Foi o que procurei fazer ao longo desta série de textos.

A melhor forma de desmontar a demagogia e de relativizar sensacionalismos é, afinal, mostrar o que a Maçonaria é: uma instituição mais que tricentenária, com propósitos meritórios, com presença tendencialmente global, mas organizada em estruturas nacionais e núcleos independentes locais, que sociologicamente tem mais elementos pertencentes a estratos privilegiados ou relativamente confortáveis da sociedade do que dos estratos que vivem com dificuldades (só depois de se garantir adequadamente a subsistência e um mínimo de conforto, para si e para os seus, é que o homem está verdadeiramente disponível para algo para tantos tão abstrato como preocupar-se com o seu aperfeiçoamento moral e espiritual...) e que, como todas as instituições que atingem algum relevo social, obviamente que interage e influencia os atores do Poder e é influenciada por estes.

As recorrentes referências à pretensa influência escondida da Maçonaria sobre o Poder só podem ser por todos relativizadas se e quando se compreender que a Maçonaria tem precisamente (nem mais, nem menos) a mesma influência sobre o Poder (e que, correlativamente, é por ele influenciada) que têm as outras instituições de relevo na Sociedade.

O múnus de uma Igreja (de qualquer religião) é de natureza espiritual. Mas, assumindo as Igrejas, particularmente a Igreja hegemónica numa qualquer região, indiscutível relevo na sociedade em que se inserem, só por cândida ingenuidade se pode não se dar conta de que as Igrejas (ou, pelo menos, a Igreja hegemónica) exercem influência (que, por alheia ao seu objetivo principal, de natureza espiritual, se pode classificar de "escondida") sobre o Poder.

A razão de ser das Universidades é a investigação nos mais variados campos do Saber humano e a transmissão desse Saber. Mas alguém duvida que as Universidades, os professores universitários, influenciam decisivamente o Poder (seja em estudos, seja em conversas de gabinete, seja fornecendo pessoal político)? No entanto, o campo de atuação das Universidades é o Saber, não o Poder, pelo que as influências daquelas neste campo podem ser classificadas de "escondidas" ou "ínvias" ou "indevidas".

As instituições de solidariedade social são (e em tempos difíceis ainda mais) indispensáveis no apoio aos menos afortunados. Os Estados não conseguem, não podem (cada vez podem menos...) tudo fazer e, muitas vezes, a diferença entre o caos social e um mínimo de dignidade proporcionado a quem dificilmente sobrevive está na meritória ação das instituições de solidariedade social. Mas alguém que não seja incuravelmente ingénuo tem dúvidas que esse papel indispensável traz consigo alguma força de influência sobre os Estado e os seus atores?

A economia de um país depende de forma não negligenciável dos seus empreendedores, dos seus empresários, das suas estruturas financeiras, e do emprego e do desenvolvimento que possibilitam. Alguém duvida do poder de influência junto dos decisores políticos dos capitães de indústria e dos financeiros e das organizações em que se juntam?

Sem trabalhadores e o seu labor, não há produção, não há riqueza, não há sociedade viável. Alguém duvida que os sindicatos e as centrais sindicais influenciam o Poder? Claro que há épocas e épocas. Períodos em que os ventos sopram mais a favor dos sindicatos e períodos de refluxo. A vida é feita de ciclos e os ciclos a todos atingem.

E poderia continuar a dar exemplos de estruturas que influenciam o Poder, desde o desporto, à escola, aos artistas, às classes profissionais, à comunicação social, e por aí fora.

O Poder - felizmente ! - há muito que deixou de ser absoluto. Mas que ninguém seja ingénuo: mesmo quando o Poder era absoluto não deixava de ser influenciado por quem tinha capacidade e meios para exercer essa influência... Por maioria de razão, nas sociedades modernas, o Poder é exercido em resultado de um complexo sistema de influências cruzadas, opostas, conflituantes. Entre o projeto do governante, a sua convicção do que deve ser feito, e o que efetivamente é concretizado vai a distância do sonho à realidade, concretizando-se o que é possível, em cada momento, em face dos interesses - e respetiva força naquela ocasião - que, normalmente de uma forma surda, se digladiam junto do Poder.

A Maçonaria é uma instituição como as outras. E, como todas as outras, dá o seu contributo para a complexa teia social que influencia o exercício do Poder nas cada vez mais complexas sociedades modernas. Negá-lo seria estúpido. Afirmá-lo não tem nada de mais.

Esgrimir com a influência da Maçonaria (insinuando que nenhuma esta componente social deveria ter) é uma forma de mandar poeira para os olhos dos ingénuos. Todas as instituições sociais influenciam o Poder. E todas as influências são exercidas, por vezes publicamente e muitas mais vezes de forma reservada, resguardada, no silêncio e no conforto dos gabinetes - que ninguém se iluda!

A Maçonaria tem exatamente a quota-pare de influência que deve ter, que naturalmente cada instituição minimamente relevante na Sociedade tem. Nem mais, nem menos. Que influência? Em que sentido? Os valores que a Maçonaria defende, as suas divisas, são conhecidos: Liberdade, Igualdade, Fraternidade, Sabedoria, Força, Beleza. O nosso "negócio" é do campo da ética. Quem dera que todas as influências sobre o Poder se situassem neste campo...

Rui Bandeira

18 outubro 2011

Solidariedade na escassez



Não é novidade que os tempos que vivemos são duros, e que tempos mais duros se avizinham. Onde ontem se gastava displicentemente uma nota inteira, hoje despende-se parcimoniosamente apenas algumas moedas. Se a diminuição de rendimento disponível é uma contrariedade para uns, para outros é um verdadeiro problema - e para alguns, mesmo, um desastre. Hoje, mais do que nunca, é importante saber gerir, procurar alternativas, e estabelecer prioridades que salvaguardem o essencial.

Há que buscar formas mais eficientes de obter talvez não o mesmo, mas pelo menos algo que se lhe assemelhe. Não se pode ir jantar fora com uns amigos? Convide-se os amigos para a nossa casa. Não se consegue oferecer uma refeição? Ofereça-se um café e umas bolachas - ou então, que cada um traga qualquer coisinha, de preferência feita em casa... Não se consegue manter a conta do ginásio, da gasolina e da explicação do miúdo? Faça-se exercício na rua ou num parque, e salvaguarde-se o que é mais importante a longo prazo. Entre umas férias fora e um curso de valorização profissional, especialmente no contexto atual, mais vale deixar as férias para depois...

São tempos de se ser mais generoso, e de se dar não apenas aquilo que nos sobra, mas mesmo um pouco das comodidades a que nos fomos habituando. Não obstante, também na solidariedade se deve ser mais cuidadoso: dar, sim, mas de forma mais inteligente, mais direcionada, mais eficiente. É que as solicitações de auxílio, já antes inúmeras, cada vez aumentam mais, tornando ainda mais difícil escolher-se a quem ajudar - e saber bem aplicar a ajuda que se pretende prestar.

Com a escassez aumentam as dificuldades de sobrevivência, e as circunstâncias levam a que, tantas vezes, até os mais retos soçobrem ao peso da carência e se socorram de expedientes menos claros para chegar ao dia seguinte. Torna-se mais difícil distinguir o "ladrão" de supermercado que só queria dar de comer aos filhos que não comiam desde a véspera daquele que rouba um telemóvel ou uma roupa de marca... porventura para os vender e acudir, com a receita, às despesas da casa.

Por outro lado, multiplicam-se as mesinhas nos hipermercados e centros comerciais com a maior variedade de brindes a oferecer a quem apoie as mais diversas causas. Se algumas são geridas por voluntários, e 100% das receitas revertem para a causa anunciada, outras retiram uma parte - 10, 20 ou 30 por cento - para cobrir as despesas da campanha; noutros casos, recorre-se mesmo a empresas especializadas que, mediante uma parte da receita - que pode chegar a metade, dois terços ou mesmo mais - tratam de toda a logística, incluindo a publicitação do evento e a contratação do pessoal que faz os peditórios. Por fim, há quem venda um bem, anunciando oferecer uma pequena parte do preço a uma causa anunciada. Antes, quando se dava, sabia-se que se dava e quando; e quando se comprava, sabia-se ser uma compra. Hoje, a este respeito, o mundo está muito mais cinzento e menos "a preto e branco".

É conhecido o gesto de Warren Buffett - um dos homens mais ricos do mundo - quando se inteirou da forma como o dinheiro da Fundação Bill e Melinda Gates era gerido: passou a apoiar a Fundação, e deixou-lhe em testamento mais de 80% da sua fortuna. O dinheiro que metemos na mão de quem o pediu para si mesmo seria, talvez, mais bem gasto, menos desperdiçado e  mais eficazmente distribuído se fosse, antes, entregue a quem sabe geri-lo e o faz de facto em prol daqueles a quem se dedica. A moeda de dois euros pode servir para comprar uma sandes - ou quatro refeições num abrigo de crianças. Pelo preço de um pastel podemos providenciar meia dúzia de pães. Pelo custo de uma refeição de comida rápida podemos alimentar meia dúzia de pessoas numa "sopa dos pobres". E em vez de comprarmos um objeto (de que, ainda por cima, não precisamos) por 5 euros, dos quais se calhar apenas um ou dois euros, quando muito, reverterão para a causa que pretendemos apoiar, mais vale enviarmos os 5 euros diretamente para a instituição em causa.

E, já que estamos neste registo, atenção às instituições a quem fazemos doações. As que são sérias, precisam de dinheiro hoje, para a semana, daqui a um mês, ou daqui a um ano. Não nos pressionam no sentido de darmos "já". Por outro lado, as melhores testemunhas do bom funcionamento de uma instituição de apoio social são aqueles que nela se apoiam. Antes de dar, visite, pergunte, veja, fale com quem dá, com quem recebe, com quem gere. Depois de aferir a sua credibilidade, e a boa gestão que fazem do dinheiro que recebem, "apadrinhe" a instituição, e envie-lhe uma quantia fixa por mês. Melhor do que um donativo generoso mas pontual, é um compromisso de um apoio regular - mesmo que seja pouco, pelo menos é certo.

Depois de o fazer, já pode dizer, com verdade e tranquilidade, se lhe pedirem o seu donativo: "Já dei!"

Paulo M.