19 outubro 2011

Maçonaria e Poder (XIV)


Audiência do Presidente da República
a uma delegação da GLLP/GLRP

Este já longo conjunto de textos teve como objetivo mostrar, serenamente e com o máximo de objetividade que me foi possível, como, ao longo do tempo e em diversas latitudes, se processou o relacionamento entre o Poder e a Maçonaria. Espero que os de boa-fé (os outros não me interessam - ladrarão sempre à passagem da caravana...) tenham ficado com um pouco mais de informação que lhes permita enquadrar e ajuizar sempre que um qualquer político demagogo mande umas "bocas" sobre a a "atividade escondida" da Maçonaria ou um periódico sensacionalista decida vender algum papel ou conquistar uns pontos de audiência "desvendando" que A, B ou C é maçom, que D, E ou F se reúnem no local X, Y ou Z ou que G, H ou I pertencem a partidos diferentes e afinal são "Irmãos" da mesma Loja.

Desmontar a demagogia, desdenhar do sensacionalismo, não significa, não passa, não pode passar (sob pena de se trair os princípios que os maçons defendem) pela mentira ou por esconder o que quer que seja. Pode passar, e tem passado, por não se conceder importância às atoardas, demagogias ou simples exposição de verdades, meias-verdades e especulações inverídicas, com objetivos sensacionalistas, não se lhe dando a dignidade de uma resposta, primando pelo silêncio mais ensurdecedor possível. Tem sido esta a postura da Maçonaria, para o bem e para o mal, quase sempre prudentemente bem, aqui e acolá deixando medrar o mal da intriga, da insinuação, da descarada mentira demagógica.

Na minha opinião. a resposta adequada da Maçonaria deve passar também pelo esclarecimento, pela confiança na inteligência das pessoas, pela informação objetiva que permita aos de boa-fé formularem os seus juízos, sem ser apenas com base nas atoardas e nas tiradas demagógicas.

E isso passa por assumir a História da Maçonaria e o seu relacionamento com o Poder, no seu melhor e no seu pior; nos seus bons, como nos seus maus momentos. Foi o que procurei fazer ao longo desta série de textos.

A melhor forma de desmontar a demagogia e de relativizar sensacionalismos é, afinal, mostrar o que a Maçonaria é: uma instituição mais que tricentenária, com propósitos meritórios, com presença tendencialmente global, mas organizada em estruturas nacionais e núcleos independentes locais, que sociologicamente tem mais elementos pertencentes a estratos privilegiados ou relativamente confortáveis da sociedade do que dos estratos que vivem com dificuldades (só depois de se garantir adequadamente a subsistência e um mínimo de conforto, para si e para os seus, é que o homem está verdadeiramente disponível para algo para tantos tão abstrato como preocupar-se com o seu aperfeiçoamento moral e espiritual...) e que, como todas as instituições que atingem algum relevo social, obviamente que interage e influencia os atores do Poder e é influenciada por estes.

As recorrentes referências à pretensa influência escondida da Maçonaria sobre o Poder só podem ser por todos relativizadas se e quando se compreender que a Maçonaria tem precisamente (nem mais, nem menos) a mesma influência sobre o Poder (e que, correlativamente, é por ele influenciada) que têm as outras instituições de relevo na Sociedade.

O múnus de uma Igreja (de qualquer religião) é de natureza espiritual. Mas, assumindo as Igrejas, particularmente a Igreja hegemónica numa qualquer região, indiscutível relevo na sociedade em que se inserem, só por cândida ingenuidade se pode não se dar conta de que as Igrejas (ou, pelo menos, a Igreja hegemónica) exercem influência (que, por alheia ao seu objetivo principal, de natureza espiritual, se pode classificar de "escondida") sobre o Poder.

A razão de ser das Universidades é a investigação nos mais variados campos do Saber humano e a transmissão desse Saber. Mas alguém duvida que as Universidades, os professores universitários, influenciam decisivamente o Poder (seja em estudos, seja em conversas de gabinete, seja fornecendo pessoal político)? No entanto, o campo de atuação das Universidades é o Saber, não o Poder, pelo que as influências daquelas neste campo podem ser classificadas de "escondidas" ou "ínvias" ou "indevidas".

As instituições de solidariedade social são (e em tempos difíceis ainda mais) indispensáveis no apoio aos menos afortunados. Os Estados não conseguem, não podem (cada vez podem menos...) tudo fazer e, muitas vezes, a diferença entre o caos social e um mínimo de dignidade proporcionado a quem dificilmente sobrevive está na meritória ação das instituições de solidariedade social. Mas alguém que não seja incuravelmente ingénuo tem dúvidas que esse papel indispensável traz consigo alguma força de influência sobre os Estado e os seus atores?

A economia de um país depende de forma não negligenciável dos seus empreendedores, dos seus empresários, das suas estruturas financeiras, e do emprego e do desenvolvimento que possibilitam. Alguém duvida do poder de influência junto dos decisores políticos dos capitães de indústria e dos financeiros e das organizações em que se juntam?

Sem trabalhadores e o seu labor, não há produção, não há riqueza, não há sociedade viável. Alguém duvida que os sindicatos e as centrais sindicais influenciam o Poder? Claro que há épocas e épocas. Períodos em que os ventos sopram mais a favor dos sindicatos e períodos de refluxo. A vida é feita de ciclos e os ciclos a todos atingem.

E poderia continuar a dar exemplos de estruturas que influenciam o Poder, desde o desporto, à escola, aos artistas, às classes profissionais, à comunicação social, e por aí fora.

O Poder - felizmente ! - há muito que deixou de ser absoluto. Mas que ninguém seja ingénuo: mesmo quando o Poder era absoluto não deixava de ser influenciado por quem tinha capacidade e meios para exercer essa influência... Por maioria de razão, nas sociedades modernas, o Poder é exercido em resultado de um complexo sistema de influências cruzadas, opostas, conflituantes. Entre o projeto do governante, a sua convicção do que deve ser feito, e o que efetivamente é concretizado vai a distância do sonho à realidade, concretizando-se o que é possível, em cada momento, em face dos interesses - e respetiva força naquela ocasião - que, normalmente de uma forma surda, se digladiam junto do Poder.

A Maçonaria é uma instituição como as outras. E, como todas as outras, dá o seu contributo para a complexa teia social que influencia o exercício do Poder nas cada vez mais complexas sociedades modernas. Negá-lo seria estúpido. Afirmá-lo não tem nada de mais.

Esgrimir com a influência da Maçonaria (insinuando que nenhuma esta componente social deveria ter) é uma forma de mandar poeira para os olhos dos ingénuos. Todas as instituições sociais influenciam o Poder. E todas as influências são exercidas, por vezes publicamente e muitas mais vezes de forma reservada, resguardada, no silêncio e no conforto dos gabinetes - que ninguém se iluda!

A Maçonaria tem exatamente a quota-pare de influência que deve ter, que naturalmente cada instituição minimamente relevante na Sociedade tem. Nem mais, nem menos. Que influência? Em que sentido? Os valores que a Maçonaria defende, as suas divisas, são conhecidos: Liberdade, Igualdade, Fraternidade, Sabedoria, Força, Beleza. O nosso "negócio" é do campo da ética. Quem dera que todas as influências sobre o Poder se situassem neste campo...

Rui Bandeira

9 comentários:

Antonio Franco disse...

Prezados Irmãos,

É com uma ponta de tristeza que conclui a leitura do que parece ser o último artigo da série "Maçonaria e Poder".
Simplesmente brilhante, é o que tenho a escrever.
A Loja Mestre Affonso Domingues, e o Irmão Rui Bandeira em particular, é um exemplo de como fazer um estudo sério da tradição e história de nossa Ordem.
Parabéns e muito obrigado pela aula de Maçonaria.

Fraternalmente,

Antonio C. M. Franco
V.M. da A.R.L.S. Lyceum Paranaensis
Grande Oriente do Brasil

Rui Bandeira disse...

@ Antonio Franco.

Ainda haverá mais um último texto.

Diogo disse...

Rui, peço-lhe desculpa, mas a Maçonaria não é exactamente uma instituição como as outras. A influência secreta que tem no Poder dá azo a muita especulação. E, quanto a mim, com razão. Porque nem eu, nem ninguém, é obrigado a saber da bondade das acções maçónicas…

Sendo-lhe absolutamente honesto, considero que as bases (onde o insiro) me parecem perfeitamente íntegras, mas quanto às cúpulas tenho sérias dúvidas.

Porque o Poder corrompe…

Um abraço.

Paulo M. disse...

@Diogo: É fantástico ver como o seu discurso sobre a Maçonaria se alterou ao longo do tempo aqui no blogue, a ponto de poder concordar consigo em muito mais coisas do que dantes.

Já admite que as bases da maçonaria serão perfeitamente íntegras - e "as bases" são a maioria. Já me viu aqui admitir que nem todos os maçons são flor que se cheire. Como em todas as instituições, há elementos melhores e outros piores. Agora o que convém é esclarecer-se a que título são cometidos eventuais atos menos corretos: são atos individuais, ou em nome da maçonaria? Não acredito na segunda hipótese - pelo menos na maçonaria regular.

É pouco plausível ouvimos falar de um talhante acusado de gestão danosa, ou de um jardineiro acusado de participação em negócio. A maior parte da corrupção encontra-se nas altas cúpulas políticas e económicas. Não obstante, não ouço falar-se em encerrar a Assembleia da República ou a Ordem dos Economistas...

Mas, no fim de contas, serão as cúpulas da maçonaria mais atreitas à corrupção do que o cidadão comum? Não deveriam sê-lo, se de facto as cúpulas tenham sido bem escolhidas pelas bases. Contudo, é possível - não porque sejam Maçonaria, mas porque sejam cúpulas...

É que, de facto, o Poder corrompe.

Um abraço,
Paulo M.

Rui Bandeira disse...

@ Diogo:

Não concordando com o pressuposto do seu comentário (a Maçonaria é diferente das outras instituições na medida em que exerce secreta influência sobre o Poder), o mesmo suscita-me algumas reflexões.

Esta semana publicarei um último texto sobre Maçonaria e Poder.

Seguidamente, tratarei da questão, que está pendente desde há umas semanas, sobre se a Maçonaria é uma sociedade secreta.

Depois, tenciono então refletir sobre:

1) A Maçonaria é uma instituição como as outras ou não? Exerce influência secreta sobre o Poder?

2) Bases e cúpulas da Maçonaria.

Quanto à sua afirmação de que o Poder corrompe, tal como o Paulo M. tendo a concordar com ela. Mais precisamente, acho que o Poder corrompe, tal como o ácido queima. Para se exercer o Poder sem se corromper, há que agir com o mesmo cuidado com que lidamos com o ácido, para evitar que o mesmo nos queime.

No mais, mais do quedebater já os nosso diferentes pontos de vista (ainda por cima em relação a assuntos diveros, o que traz sempre confusão), prefiro primeiro elaborara as previstas reflexões e, em relação ao tema de cada uma delas, ver então o que pensa o Diogo, se quiser partilhar comigo e connosco o seu pensamento.

É que tenho presente que este tipo de debates é realizado entre alguém de "dentro" e alguém "de fora" e, portanto, só pode ser utilmente realizado se o de "dentro" partilhar alguma informação prévia com o "de fora".

Abraço.

2)

Streetwarrior disse...

Caro Rui, peço-lhe que dê uma vista de olhos naquilo que penso ser um site de uma loja maçónica de São Paulo- Brasil.

http://www.construtoresdavirtude.com.br/pag_mundo_secreto.htm

Um artigo de Remi Boyer;
A Sociedade Secreta constitui um fenómeno universal. Presente desde a Antiguidade, manifestando-se em todos os domínios da vida, quer seja a esfera política, a esfera económica, a esfera militar, científica, religiosa, artística, notadamente literária, ou nesta que nos concerne a esfera da Tradição e do Ocultismo.
No domínio político, por exemplo, muitos dos movimentos políticos internacionais são nascidos nas ante-salas onde alguns obscuros desconhecidos se reúnem para mudar o Mundo. No domínio artístico, certos Círculos surrealistas funcionaram como Sociedades Secretas.

Aceita este site como Maçónico?
Concorda com estas palavras?

Um bem haja a todos os que nos lêem.
Nuno

Rui Bandeira disse...

@ Streetwarrior:

O sítio que nme indicou é um sítio de uma Loja maçónica brasileira.

2) O artigo que refere é da autoria de Rémy Boyer, um filósofo francês adepto do Ocultismo. As ideias neles expressas nada têm a ver com a Maçonaria, antes com o esoterismo ocultista que cultiva.

Chamo ainda a sua atenção para o conceito de "sociedade secreta" que Rémy Boyer utiliza, que nada tem a ver com o que usualmente é dado a esse conceito: "A Sociedade Secreta constitui o vetor habitual de manifestação do mundo do Ocultismo, da Tradição, da Iniciação."

Tradição ocultista. Iniciação ocultista, acrescente-se. As palavras "Iniciação" e "tradição" aqui utilizadas nada têm a ver com as suas similares maçónicas.

Note ainda esta outra passagem:
"Não será possível fornecer uma definição precisa e satisfatória de Sociedade Secreta. Diremos simplesmente que a Sociedade Secreta, no domínio Tradicional, se caracteriza, não pelo segredo, não pelo caráter fechado ou clandestino, mas pelo Rito. Entendemos por Rito, a existência de um Corpo doutrinal e de uma praxe Iniciática. Esta não implica necessariamente de práticas rituais como temos, por exemplo, nas sociedades Maçônicas, Cavalheirescas, Rosacrucianas."


De resto, se se der ao trabalho de ler todo o artigo (será aborrecido e algo difícil, eu sei...), facilmente verificará queas teses e os conceitos de Rémy Boyer nada têm a ver com a Maçonaria.

Escusado será dizer que não concordo com as posições de Rémy Boyer, nem as perfilho, cabendo-me apenas respeitar as suas opiniões.

Streetwarrior disse...

" De resto, se se der ao trabalho de ler todo o artigo (será aborrecido e algo difícil, eu sei...), facilmente verificará queas teses e os conceitos de Rémy Boyer nada têm a ver com a Maçonaria."

Eu gosto de Ler caro Rui, não é nada aborrecido, aliás, é até um dos meus hobbies preferidos e é claro que li o texto todo, agora, não tenho é informação suf se Rémy Boyer é Maçon ou não.
Alias, torna-se até curioso o Rui colocar a coisa dessa forma, visto que o mesmo, tem o artigo subido num Site maçónico, talvez os maçons de lá, tenham outra opinião.
E sabe como são as Opiniões...Cada um!

Mas de notar que exactamente por querer saber, é que perguntei se o Site era maçónico ou não, visto que me fugia ao conhecimento...como tantas outras coisas.

Bem haja a todos os que nos lêem.
Nuno

Roosevelth Carvalho disse...

Fala-se muito que a maçonaria é uma instituição falida. Um exemplo, são as próprias ações de iniciados. Uma pena...