20 fevereiro 2011

O conceito maçónico de "Grande Arquiteto Do Universo" - II



Todo-poderoso, Senhor, Altíssimo, Santo de Israel, Criador, Eterno; Deus sempre foi referido por muitos nomes, não só nas tradição judaico-cristã como noutras. "Grande Arquiteto do Universo" é só mais um nome, para além dos muitos que já existiam, dirigido à mesma Entidade. A designação escolhida liga o Divino ao simbolismo adotado pela Maçonaria, tornando-O mais próximo ao atribuir-lhe um nome partilhado por poucos - assim como aqueles nomes por que somos conhecidos apenas no mais restrito círculo familiar, mas não mais além.

Não creio - mas é questão de mera convicção pessoal, que vale o que vale e só até que encontre verdade mais sustentada - que estivesse na génese da criação desta expressão a preocupação em encontrar-se uma designação que fosse neutra de modo que nenhuma religião ou fé pudesse reclamá-la para si, e que igualmente nenhuma pudesse ver como absolutamente estranha. Todavia, à medida que a Maçonaria foi abarcando no seu seio mais do que apenas cristãos - como sucedia de início - e alargou o seu âmbito às outras religiões "do Livro", e depois a muitas outras, a neutralidade dessa designação acabou por revelar essa enorme utilidade.

No entanto, só depois de ser iniciado e de assistir a várias sessões é que me apercebi do quanto ainda existe na maçonaria que trai as suas origens judaico-cristãs: a expressão "Deus" ainda é referida, bem como algumas passagens da Bíblia / Torah. Nada surge que seja inequivocamente do acervo de outras religiões. No entanto, a designação "Grande Arquiteto Do Universo" é recorrente, especialmente numa circunstância: na expressão "À Glória Do Grande Arquiteto Do Universo". Esta expressão, no meu entender, é que é a chave para a exigência da fé no "Grande Arquiteto do Universo".

De facto, o facto de a Maçonaria Regular trabalhar "À Glória Do Grande Arquiteto Do Universo" constitui uma afirmação mais estrita do que a mera manifestação de fé no "Grande Arquiteto Do Universo". Não basta então crer em Deus; é preciso estar disposto a trabalhar à Sua glória, e isso limita, de imediato, as diversas conceções possíveis de Divindade. Uma divindade apenas criadora - qual pai ausente tendo abandonado o lar, apenas gerador mas não educador - não cairá, possivelmente, dentro deste conceito. Uma difusa "força impulsionadora para o bem", como é entendida por alguns budistas, não o será também.

A crença em que dos nossos bons atos decorre a Glória daquele a quem chamamos "Grande Arquiteto Do Universo" constitui um poderoso elemento de coesão e de identificação - e, na perspetiva oposta, pode constituir forte fator de desconforto e alienação para quem não partilhe dessa convicção. E a exigência desta crença serve, precisamente, para manter os maçons regulares coesos pela partilha dessa identidade.

Por esta razão, e no meu entender, a pergunta feita a um neófito não deveria ser apenas "Acredita no Grande Arquiteto do Universo?", mas mais na linha de "Identifica-se com a ideia de que o Homem deve trabalhar À Glória do Grande Arquiteto do Universo?"  Mais do que estéreis (porque inconclusivas) discussões filosóficas entre teísmos e deísmos, parece-me ser esta convicção de que não só há um Deus, mas de que Ele é glorificado pelos que fazemos de bom, o que estabelece a resposta a que crenças cabem - ou não cabem - no seio da Maçonaria Regular tal como esta é entendida nos dias de hoje.

Paulo M.

16 fevereiro 2011

Origem e primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceite - 1804


Em outubro de 1804, foi criado o Segundo Supremo Conselho do Rito Escocês Antigo e Aceite no Mundo. Foi em Paris e destinava-se a difundir o Rito na Europa.

Recorde-se que fora na Europa que fora concebido o rito de Altos Graus em 25 graus denominado Rito de Perfeição. Exportado para a América, nos Estados Unidos veio a evoluir para um rito de 33 graus, incluindo os três graus simbólicos de Aprendiz, Companheiro e Mestre com a denominação de Rito Escocês Antigo e Aceite.

No entanto, na Europa o que existia era, por um lado, a Maçonaria que hoje denominamos de Simbólica, dos três graus de Aprendiz, Companheiro e Mestre, praticada no rito exportado pelos Modernos da Premier Grande Lodge de Londres e, por outro, a profusão de chamados Altos Graus, algo desorganizada.

Ainda em outubro de 1804, uma Assembleia Geral do nóvel Supremo Conselho de França deliberou fundar, também em Paris, uma Grande Loja Geral Escocesa, para organizar o ritual das Lojas Azuis do Rito Escocês Antigo e Aceite. Emulava-se assim a regra da Maçonaria inglesa de colocar sobre a jurisdição de uma grande Loja os três primeiros graus e estabelecia-se concorrência com o rito inglês nas Lojas Azuis. O ritual estabelecido teve como base o Rito Antigo e Aceite praticado pela Grande Loja dos Antigos em Inglaterra.

Cabe aqui chamar a atenção que, na época, estava pujante a rivalidade entre Modernos e Antigos. Só em 1815 a reunificação maçónica ocorreria em Inglaterra, com a fusão das duas Grandes Lojas rivais na Grande Loja Unida de Inglaterra. Tendo isto em perspetiva, impõe-se a consideração de que a implantação em França dos três primeiros graus do Rito Escocês Antigo e Aceite foi feita em claro contraponto aos Modernos e apoio às posições dos Antigos, daí resultando a reivindicação do rito da sua antiga linhagem de direto herdeiro da verdadeira maçonaria, preservada pelos Escoceses (os adeptos dos Stuarts e não os nacionais da Escócia, note-se) e pelos Antigos.

O Grande Oriente de França tinha como rito oficial o chamado Rito Escocês dos Modernos, também chamado Rito Francês ou Moderno, semelhante ao praticado pelas Lojas inglesas dos Modernos, que passou assim a sofrer a concorrência do Rito Escocês Antigo e Aceite, nos três primeiros graus.

Inteligentemente, e a fim de evitar que viesse a crescer e a fazer efetiva concorrência ao Grande Oriente de França a Grande Loja Geral Escocesa, braço do Supremo Conselho de França para os três graus das Lojas Azuis, o Grande Oriente de França logrou celebrar, ainda em 1804, um acordo com o Supremo Conselho através do qual o Rito Escocês Antigo e Aceite nos três primeiros graus seria também praticado dentro do Grande Oriente de França. Foi um acordo inteligente, porque com ele ambas as partes asseguraram os seus principais objetivos: o Grande Oriente absorvia à nascença a possibilidade de concorrência institucional quanto aos três graus das Lojas Azuis; o Supremo Conselho obtinha a caução institucional para o desenvolvimento do Rito Escocês Antigo e Aceite em França e, podia, a partir daí, difundi-lo pela Europa.

Tudo parecia justo e perfeito. O Rito Escocês Antigo e Aceite chegava (regressava, enquanto sucessor do Rito de Perfeição) à Europa e, em menos de um trimestre, obtinha caução institucional, estabelecia-se nos três primeiros graus e tinha abertas as portas da grande Obediência continental europeia, o Grande Oriente de França. Porém costuma dizer-se que, na cultura cigana, não se gosta de ver bons começos aos filhos, porque serão ilusórios e seguidos de dificuldades sem que estes se tenham preparado para elas. No caso da implantação do Rito Escocês Antigo e Aceite assim veio a suceder: o inteligente acordo durou pouco, muito pouco, torpedeado por querelas de poder e o bom princípio viria a ser apenas um breve introito para um período de turbulência. Veremos isso no próximo texto.

Fonte:

http://www.oficina-reaa.org.br/v1/index.php?option=com_content&view=article&id=53:detalhes-dos-rituais-azuis-do-reaa&catid=38:trabalhos0&Itemid=2

Rui Bandeira

14 fevereiro 2011

O conceito maçónico de "Grande Arquiteto Do Universo" - I



Fui desafiado a escrever sobre a minha metamorfose - o que mudou em mim desde que fui iniciado até agora. Mais do que escrever um texto sobre isso, decidi escrever vários, cada um sobre uma faceta distinta. Tenho relido textos antigos do blogue, emails antigos trocados antes da minha entrada para a Maçonaria, e é curioso constatar que já sei responder a algumas das questões que colocava na altura. Uma delas prende-se com o conceito de "Grande Arquiteto do Universo", que deu direito um texto do José Ruah, seguido de outro texto do Rui Bandeira.

O José Ruah respondeu pela via semântica do conceito: GADU é o nome que a Maçonaria dá ao que normalmente se chama "Deus". Por cada religião, crença ou fé ter, em muitos casos, nomenclaturas diferentes para o mesmo conceito ou para conceitos semelhantes, e pretendendo a Maçonaria ser equidistante de todas as crenças, opta por um termo que não seja próprio de nenhuma religião ou fé, mas que não choque, em princípio, nenhuma delas, podendo ser usado no lugar do nome da Divindade de cada uma.

Já o Rui Bandeira procurou uma resposta focada no significado estrito da expressão: por ser o GADU o Criador do Universo, este mesmo Universo seria a chave do conhecimento do seu Criador. Assim, através da contemplação das estrelas numa noite límpida poder-se-ia ter um vislumbre do Divino, e que era esse mesmo conceito - o de Criador - que a Maçonaria designava por "Grande Arquiteto Do Universo".

Ambos insistiam, porém, que nada disto era importante, pois a única pergunta que a Maçonaria fazia a tal respeito a quem a ela pretendia aderir era simples: "Acredita no Grande Arquiteto do Universo?" e a resposta era igualmente simples: sim, ou não. Mas custava-me entender a utilidade de se aceitar como resposta a confirmação da crença num conceito que não se explicava nem se explicitava.

Durante bastante tempo - e já depois de ter dito "que sim, que acreditava", e de ter sido iniciado - debati-me com esta académica questão: afinal, porque é que a Maçonaria exige que se acredite numa coisa cuja natureza não especifica? E, de tanto pensar, um dia fez-se luz - e os dois Marretas tinham razão, a questão colocada era a chave de tudo. O problema era que eu me tinha debruçado sobre o lado errado da equação.

"Acredita no Grande Arquiteto do Universo?"

E logo fui eu, cientificamente, tentar dissecar, escrutinar, meter sob o microscópio, o tal "GADU". Quando o importante não era o GADU ou a sua natureza. A esse respeito - e quanto ao entendimento que cada um tem de GADU - a Maçonaria Regular não só não exige saber, como quase que exige não saber. O que a Maçonaria Regular quer saber é outra coisa muito mais simples:

"Acredita?"

Pois é; afinal era mesmo simples. "Acredita?", ou seja: "Tem fé?" O acreditar-se é que é o importante, e não aquilo em que se acredita. Mas porquê? Ah, isso fica para o próximo texto...

Paulo M.

09 fevereiro 2011

Origem e primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceite - Do Caos a Ordem

O Rito de Perfeição, com vinte e cinco graus, o mais alto dos quais o de Sublime Príncipe do Real Segredo, foi organizado a partir de 1758, por decisão de um conjunto de maçons em Paris, autodenominado de Conselho de Imperadores de Leste e Oeste. De entre a profusão de graus criada na sequência do Discurso de Ramsay, foi este Rito que permaneceu e se veio a desenvolver no Rito Escocês Antigo e Aceite. Em 1759, já existia um Conselho de Príncipes do Real Segredo em Bordéus. O Rito espalhou-se velozmente por França e pela Europa Continental. Em 1761, já existia um considerável número de Lojas, Capítulos, Conselhos e Consistórios.

Em agosto desse ano, o Grande Consistório dos Príncipes do Real Segredo emitiu uma carta-patente, pela qual nomeava Stephen Morin Inspetor-Geral do Rito para o Novo Mundo. Ainda nesse ano, Morin chegou a Santo Domingo (República Dominicana) e a partir daí começou a disseminação do Rito e designou diversos Inspetores para as Índias Ocidentais e para o Continente Americano. Um dos nomeados foi Moses Michael Hays, um abastado comerciante judeu, de origem holandesa, de Boston, grande defensor da liberdade religiosa e dos direitos civis, que veio a ser, em 1792, Grão-Mestre da Massachussets Lodge of Masons.

Hays introduziu o Rito na Costa Leste americana e nomeou vários Inspetores-Adjuntos para diversas zonas do que viriam a ser os Estados Unidos da América: Isaac da Costa e, depois da morte deste, Joseph Myers para a Carolina do Sul, Solomon Bush para a Pensilvânia, Barend M. Spitzer para a Geórgia.

Em 1767, é aberta uma Grande Loja de Perfeição em Albany, Estado de New York. Em 1783 cria-se uma Sublime Grande Loja de Perfeição em Charleston, Carolina do Sul. Nesta mesma cidade, cria-se, em 1788, um Grande Conselho dos Príncipes de Jerusalém. Em 1797, um Capítulo de Cavaleiros Rosa-Cruz, Cavaleiros da Águia e do Pelicano estabelece-se na cidade de New York. E é neste mesmo ano que a Loja de Perfeição Rei Salomão, de Martha's Vineyard, Massachusetts, abdica da sua jurisdição sobre os três primeiros graus a favor da Grande Loja de Massachusetts, estabelecendo o precedente para o que é atualmente regra em todo o Mundo: os três primeiros Graus (Aprendiz. Companheiro e Mestre) são da jurisdição exclusiva das Grandes Lojas / Grandes Orientes, ficando os organismos de Altos Graus apenas com jurisdição sobre estes.

Tudo isto se passa ainda no âmbito de um Rito de Perfeição com 25 graus. Entretanto, em 1786, foram aprovadas em Berlim, por Frederico da Prússia, as Constituições dos Supremos Conselhos dos Soberanos Inspetores Gerais do 33.º e Último Grau. É a primeira referência a um Rito com 33 graus. Não há notícia de anterior existência de qualquer Supremo Conselho antes desta data. O Rito (ainda de Perfeição) era dirigido por Inspetores-Gerais, cada um com competência para determinada zona geográfica. Segundo as novas Constituições, o poder soberano do Rito alargado a 33 graus e redenominado de Rito Escocês Antigo e Aceite passaria a ser detido, em cada nação, por um Conselho de 9 elementos. Única exceção: os Estados Unidos da América, que seriam dotados de dois Conselhos: o da Jurisdição Norte e o da Jurisdição Sul (sistema que ainda hoje vigora).

O primeiro Supremo Conselho estabelecido segundo as Constituições de 1786 ficou sediado em Charleston (Carolina do Sul), inicialmente com jurisdição em todo o território dos Estados Unidos e, após a constituição do Supremo Conselho da Jurisdição Norte, com a sua autoridade reduzida à Jurisdição Sul. Este primeiro Supremo Conselho em todo o mundo foi criado em 1801, por iniciativa dos Soberanos Inspetores Gerais John Mitchell e Frederick Dalcho.

A transformação do Rito de Perfeição de 25 graus no Rito Escocês Antigo e Aceite de 33 graus consumou-se assim nos Estados Unidos no início do século XIX. A sua evolução futura vai depender seguidamente de acontecimentos no Velho Continente. Veremos isso no próximo texto.

Fontes:

http://www.phoenixmasonry.org/AASR_1884_/history.htm

http://www.uniaoesegredo.com.br/reaa.htm

Rui Bandeira

02 fevereiro 2011

Origem e primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceite - o Discurso do Chevalier Ramsay


Chevalier Ramsay

Andrew Michael Ramsay (1686-1743), também conhecido por Chevalier Ramsay, foi um teólogo e escritor escocês que viveu a maior parte da sua vida adulta em França, como jacobita exilado. Estudou teologia nas Universidades de Glasgow e Edimburgo, tendo-se graduado em 1707. Em 1708, foi viver para Londres, tendo-se relacionado com Isaac Newton, Jean (ou John) Desaguliers e David Hume.

Em 1710, estudou sob a orientação do filósofo místico François Fénelon, tendo-se, por influência deste, convertido ao catolicismo. Após a morte de Fénelon, em 1715, foi viver para Paris, onde se tornou amigo do Príncipe Regente de França, Philippe d'Orléans, que o fez, em 1723, Cavaleiro da Ordem de S.Lázaro de Jerusalém - o que motivou a sua futura designação por Chevalier Ramsay.

Defensor das pretensões jacobitas (de James Stuart) aos tronos de Inglaterra e Escócia, chegou a desempenhar, embora por breve espaço de tempo, as funções de tutor dos filhos de James Stuart, Charles Edward e Henry. Entre 1725 e 1728, viveu como hóspede convidado no Hotel de Sully, sob o patrocínio do Duque de Sully, e frequentou o clube literário parisiense Club de l'Entresol, onde se relacionou, entre outros, com Montesquieu.

Em 1727, publicou as Viagens de Ciro, que foi um grande êxito (um verdadeiro best-seller na época) e o tornou célebre na sociedade (o que, na época, equivalia a dizer: entre a nobreza) francesa.

Desde a introdução em França (através dos exilados jacobitas) da maçonaria que Ramsay nela se integrou.

Em 1737, sendo então Grande Orador em França, escreveu e proferiu, perante uma assembleia de nobres, o seu célebre Discurso pronunciado na receção de Maçons por Monsieur de Ramsay, Grand Orador da Ordem.

Neste discurso, Ramsay efetua uma ligação da Maçonaria às cruzadas. Veio a ser um dos discursos maçónicos mais divulgados e discutidos da História da Maçonaria. Nenhum outro recebeu alguma vez mais atenção. Nenhum outro teve, até agora, maior efeito no desenvolvimento dos eventos relativos à Maçonaria.

No entanto - e tal é hoje pacífico entre os historiadores da maçonaria - o que ele relatou não corresponde à realidade histórica. A Maçonaria não deriva dos Templários nem das Cruzadas e Ramsay sabia-o bem. Na ocasião, o seu propósito foi dar aos recém-iniciados uma razão para terem orgulho na Ordem. A sua Oração, por consequência, não foi um resumo histórico factual, antes uma narrativa alegórica sobre as suas origens. Foi essencialmente o discurso do idealista que ele era.

Assim, ele falou de uma ligação entre os Cruzados e os Maçons, afirmando que, depois das Cruzadas, o Príncipe Eduardo, filho de Henrique III de Inglaterra, tinha trazido de volta àquele país as suas tropas, que tomaram o nome de... Maçons. Acrescentou que, das Ilhas Britânicas, a Arte Real estava então a passar para França, que iria passar a ser a sede da Ordem (!) e continuou dizendo:

" As obrigações que vos foram impostas pela Ordem são as de proteger os vossos irmãos pela vossa autoridade, de os iluminar pelo vosso conhecimento, de os edificar pelas vossas virtudes, de lhes acudir nas suas necessidades, de renunciar a todo o ressentimento pessoal e de favorecer tudo o que possa contribuir para a paz e a unidade da sociedade."

Ramsay ligou a Maçonaria aos Cruzados, designadamente ingleses. Mas, ao contrário do que é correntemente afirmado, não é exato que tenha feito qualquer referência aos Templários. Este mito sobre um mito nasceu de um erro de Mackey, que tal afirmou na entrada dedicada à "Origem Templária da Maçonaria" na sua Enciclopédia da Maçonaria. Os grandes também se enganam, Mas os erros dos grandes acabam por ser divulgados como verdades...

Em nenhuma passagem do Discurso Ramsay sugeriu a criação de um novo rito, mas dele foi isso que veio a resultar. A Maçonaria tinha sido introduzida em França poucos anos antes, mas a nobreza francesa (o Povo, esse, simplesmente sobrevivia e só com a sua sobrevivência se preocupava), embora de algum forma fascinada, não acreditava que fosse possível que o ideário maçónico fosse originário de trabalhadores comuns, de mãos calejadas pelo trabalho de construção. Ramsay proporcionou-lhe uma resposta a essa desconfiança e um pretexto para que vissem a Maçonaria como digna de si: providenciou-lhe, à Maçonaria, nobres ancestrais!

Quase que de um dia para o outro, a nobreza e a intelectualidade francesa dedicaram-se a esta novidade, reformulando-a a seu gosto: em pouco tempo, mais de 1.100 graus foram inventados, agrupados em mais de cem ritos. A maior parte deles teve uma existência efémera, mas, entre os que sobreviveram, contavam-se os 25 graus do Rito de Perfeição, antecessor direto do Rito Escocês Antigo e Aceite.

O maçom Andrew Michael Ramsay, com o seu famoso Discurso, inadvertidamente mudou o curso da História da Maçonaria, ao inspirar a criação dos Altos Graus, daí vindo a ocorrer uma evolução que veio a culminar no Rito Escocês Antigo e Aceite.

Fontes:

http://www.chevalierramsay.be/chevalier-andrew-ramsay/
http://en.wikipedia.org/wiki/Andrew_Michael_Ramsay

Rui Bandeira

30 janeiro 2011

A maçonaria vista de fora - vista de dentro



Hoje comecei por pensar escrever simplesmente sobre "A maçonaria vista de fora", mas nesse caso versaria sobre o que quem está de fora vê da Maçonaria. Vi então que não era o que pretendia. Pretendo antes mostrar um pouco do que, quem está dentro, vê quem, de fora, tenta espreitar para dentro.

Há muita coisa disponível na Internet, em Livrarias, alfarrabistas, bibliotecas, enfim... um pouco por todo o lado. Quando me comecei a interessar pela maçonaria não me coibi de perguntar a quem tinha paciência para me responder. Ao mesmo tempo, comecei a comprar livros, a procurar filmes e videos, e a ler outros sites. Muito do que sobre Maçonaria se lê na Internet é de duvidosa qualidade, mas eu lá ia - ou assim acreditava - conseguindo separar o trigo do joio. A certa altura, quando contei, muito orgulhoso - creio que ao José Ruah - que estava a ler "The Meaning of Masonry", de Walter Leslie Wilmshurst, ele respondeu-me com certa secura algo como "Eu não perderia tempo a ler coisas que não entendesse, ou que eventualmente só estaria capacitado a compreender depois de ter uma década ou mais de maçonaria - mas força, mal não há-de fazer. Mas é um bocado árido.".

Na altura achei que ele era parvo, e que a leitura me abriria os horizontes, já que tudo pareciam apostado em "fazer caixinha". De facto, li muita coisa, mas aquela miscelânea de referências esotéricas trocava-me as voltas como naqueles livros que, de tantas personagens terem, nos obrigam a escrever uma lista de "Quem-é-quem", para não nos perdermos na história... Ia lendo coisas, ia memorizando significados e, por vezes, ia tendo aqui e ali alguns vislumbres das razões por detrás de tudo aquilo...

Foi um bom entretém, mas pouco mais que isso. Afinal, tive que esperar largos meses até que "se dignassem" iniciar-me... Curiosamente, depois de ser iniciado, os livros começaram a ganhar pó, os que se encontravam a meio foram fechados e arrumados, para só, muito esporadicamente, os vir a abrir com fins precisos, para logo os fechar de novo. Idem para os videos, filmes, blogues e afins - com exceção do "A-Partir-Pedra", que continuei a frequentar, mais discretamente, mas sem nunca deixar de ser leitor assíduo.

Agora, já de dentro, vejo o quanto é curiosa a vista de dentro de quem quer ver para dentro, o esforço que faz quem quer perceber o que lá se passa, e usa livros e videos como forma de iluminação. Em primeiro lugar, são poucos os que ultrapassam a análise dos símbolos, ou do fito pela benemerência. Para não falar nos paparazzi - em português: cuscovilheiros - que apenas querem saber quem está, de que modo nos ocultam coisas, e que maquinações engendram.

Acabei por dar alguma razão ao Zé Ruah: o que eu estava a fazer era algo como estudar muito bem as regras do futebol, as várias táticas, toda a teoria sobre o Desporto-Rei, no sentido de me tornar um novo Cristiano Ronaldo - mas sem nunca tocar uma bola, quanto mais treinar em equipa. Por isso, quando vejo alguém assim, entusiasmado com a Maçonaria, a ler muito, a pesquisar mais, não posso deixar de pensar que é tempo, em certa medida, perdido. Que se queira, depois de se ser aceite numa equipa, e de se aprender as passagens de bola básicas, e de fazer exercícios que até nem tenham - aparentemente - nada que ver com futebol, e de se apurar a técnica até onde esta pode ser apurada só com o instinto - então aí sim, pegar nuns livros e ler umas coisas pode fazer a diferença. Agora começar por aí...

Mas para quem o fez, deixo algumas palavras de encorajamento de Henry David Thoreau: "If you have built castles in the air ...that is where they should be. now put the foundations under them." (Se construiste castelos no ar... estão onde devem estar. Agora põe as fundações sob eles.)

Paulo M.

26 janeiro 2011

Origem e primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceite - hipótese sobre o nome


O exílio dos Stuart em França originou que grande parte da nobreza católica, particularmente escocesa, mas também católicos ingleses, se refugiasse também em França.

Muitos desses nobres eram já maçons Aceites. Foram-se constituindo e reunindo em França as primeiras Lojas maçónicas, Lojas maçónicas dos "Escoceses", que reproduziam os rituais que tinham aprendido na Escócia, muito similares - por menos ou nada expostos às alterações a partir de 1717 introduzidas pelos "Modernos" da Premier Grande Loja de Londres - aos rituais recebidos da Maçonaria operativa e aos que viriam, poucos anos mais tarde, a ser defendidos e praticados pela Grande Loja dos Antigos.

Esta, na minha opinião - que friso dever ser tida como hipótese, até agora não infirmada, mas carecendo de confirmação cabal -, a origem remota do nome que, umas décadas mais tarde, veio a ser conferido ao rito que acabou por se estabelecer: Rito Escocês Antigo e Aceite.

Escocês, porque derivando dos "Escoceses", os exilados apoiantes dos católicos Stuart; Antigo, porque derivando ou sendo desenvolvido a partir do ritual dos Antigos (em contraposição aos Modernos) e Aceite, porque prosseguindo a linha dos maçons aceites pelas Lojas operativas.

Esta denominação resulta, a meu ver, de um propósito de estabelecer a "linhagem" do Rito, em contraposição à "linhagem" dos Ritos de Emulação, desenvolvido no seio da Grande Loja dos Modernos (a Premier Grand Lodge), e de York, evolução ulterior decorrente quer do acordo posterior entre Antigos e Modernos, já no século XIX, que origina a atual Grande Loja Unida de Inglaterra, quer das alterações introduzidas posteriormente pela codificação de Preston e Webb, utilizada na Maçonaria Americana. Estes Ritos são desenvolvidos pelos Altos Graus do Rito de York, constituindo o segundo dos Sistemas de Altos Graus mais praticados atualmente no Mundo.

Enquanto que os Ritos de Emulação e de York, e respetivos Altos Graus, se fundam na prática da Premier Grand Lodge e na organização, inclusive ritual, fixada por James Anderson e Jean Théophile (ou John Teophilus) Desaguliers e, no que toca ao Rito de York, revista mais tarde por William Preston e Thomas Smith Webb, o que veio a ser mais tarde o Rito Escocês Antigo e Aceite busca as suas raízes diretamente na Maçonaria Operativa já com os maçons Aceites, tal como praticada na Escócia, e segundo princípios rituais defendidos pelos Antigos.

Esta dicotomia, perpetuando, a meu ver, o primeiro grande cisma da Maçonaria Moderna, entre Modernos e Antigos (lógica e cronologicamente anterior ao mais visível cisma nos dias de hoje, entre Regulares e Irregulares), permite atrair a nossa atenção para algo que muitas vezes não resulta claro: as duas diferentes vias de expansão em França (e por via dela, no Continente Europeu) do inicialmente localizado e tipicamente britânico fenómeno da Maçonaria: por uma via, temos uma introdução através dos exilados da Guerra Civil, católicos jacobitas, algo desorganizada e que, não deixando de vir a exercer uma influência futura, acabará por não lograr uma organização estável e coerente; por outro lado, existirá uma exportação institucional via Grande Loja inglesa do modelo, que paulatinamente, e a exemplo do que veio a suceder em todo o Império Britânico, vingará, em termos organizativos.

Mas, por agora, retenhamos que o Rito Escocês Antigo e Aceite tem as suas raízes nos vencidos da Guerra Civil Inglesa, na minoria católica inglesa e escocesa, na Tradição antiga e intocada por eles sustentada. As voltas que a História dá... Dos vencidos nascerá, após muitas vicissitudes, voltas e reviravoltas, o mais difundido Rito Maçónico da atualidade!

Um dos elos da cadeia de acasos que se foi sucedendo, e certamente não dos menos importantes, chama-se Andrew Michael Ramsay, também conhecido por Chevalier Ramsay. A ele e sua ação será dedicado o próximo texto desta série.

Rui Bandeira