BASE IX
DA ACENTUAÇÃO GRÁFICA DAS PALAVRAS PAROXÍTONAS
1º) As palavras paroxítonas não são em geral acentuadas graficamente: enjoo, grave, homem, mesa, Tejo, vejo, velho, voo; avanço, floresta; abençoo, angolano, brasileiro; descobrimento, graficamente, moçambicano
2º) Recebem, no entanto, acento agudo:
a) As palavras paroxítonas que apresentam, na sílaba tónica/tônica, as vogais abertas grafadas a, e, o e ainda i ou u e que terminam em –l, -n, -r, -x e –ps, assim como, salvo raras exceções, as respectivas formas do plural, algumas das quais passam a proparoxítonas: amável (pl. amáveis), Aníbal, dócil (pl. dóceis), dúctil (pl. dúcteis), fóssil (pl. fósseis), réptil (pl. répteis; var. reptil, pl. reptis); cármen (pl. cármenes ou carmens; var. carme, pl. carmes); dólmen (pl. dólmenes ou dolmens), éden (pl. édenes ou edens), líquen (pl. líquenes), lúmen (pl. lúmenes ou lúmens); acúcar (pl. açúcares), almíscar (pl. almíscares), cadáver (pl. cadáveres), caráter ou carácter (mas pl. carateres ou caracteres), ímpar (pl. ímpares); Ájax, córtex (pl. córtex; var. córtice, pl. córtices, índex (pl. índex; var. índice, pl. índices), tórax (pl. tórax ou tóraxes; var. torace, pl. toraces); bíceps (pl. bíceps; var. bicípite, pl. bicípites), fórceps (pl. fórceps; var. fórcipe, pl. fórcipes).
Obs.: Muito poucas palavras deste tipo, com a vogais tónicas/tônicas grafadas e e o em fim de sílaba, seguidas das consoantes nasais grafadas m e n, apresentam oscilação de timbre nas pronúncias cultas da língua e, por conseguinte, também de acento gráfico (agudo ou circunflexo): sémen e sêmen, xénon e xênon; fêmure fémur, vómer e vômer; Fénix e Fênix, ónix e ônix.
b) As palavras paroxítonas que apresentam, na sílaba tónica/tônica, as vogais abertas grafadas a, e, o e ainda i ou u e que terminam em -ã(s), -ão(s), -ei(s), -i(s), -um, -uns ou -us: órfã (pl. órfãs), acórdão (pl. acórdãos), órgão (pl. órgãos), órgão (pl. órgãos), sótão (pl. sótãos); hóquei, jóquei (pl. jóqueis), amáveis (pl. de amável), fáceis (pl. de fácil), fósseis (pl. de fóssil), amáreis (de amar), amaveis (id.), cantaríeis (de cantar), fizéreis (de fazer), fizésseis (id.); beribéri (pl. beribéris), bílis (sg. e pl.), íris (sg. e pl.), júri (di. júris), oásis (sg. e pl.); álbum (di. álbuns), fórum (di. fóruns); húmus (sg. e pl.), vírus (sg. e pl.).
Obs.: Muito poucas paroxítonas deste tipo, com as vogais tónicas/tônicas grafadas e e o em fim de sílaba, seguidas das consoantes nasais grafadas m e n, apresentam oscilação de timbre nas pronúncias cultas da língua, o qual é assinalado com acento agudo, se aberto, ou circunflexo, se fechado: pónei e pônei; gónis e gônis, pénis e pênis, ténis e tênis; bónus e bônus, ónus e ônus, tónus e tônus, Vénus e Vênus.
3º) Não se acentuam graficamente os ditongos representados por ei e oi da sílaba tónica/tônica das palavras paroxítonas, dado que existe oscilação em muitos casos entre o fechamento e a abertura na sua articulação: assembleia, boleia, ideia, tal como aldeia, baleia, cadeia, cheia, meia; coreico, epopeico, onomatopeico, proteico; alcaloide, apoio (do verbo apoiar), tal como apoio (subst.), Azoia, hoia, boina, comboio (subst.), tal como comboio, comboias, etc. (do verbo comboiar), dezoito, estroina, heroico, introito, jiboia, moina, paranoico, zoina.
4º) É facultativo assinalar com acento agudo as formas verbais de pretérito perfeito do indicativo, do tipo amámos, louvámos, para as distinguir das correspondentes formas do presente do indicativo (amamos, louvamos), já que o timbre da vogal tónica/tônica é aberto naquele caso em certas variantes do português.
5º) Recebem acento circunflexo:
a) As palavras paroxítonas que contêm, na sílaba tónica/tônica, as vogais fechadas com a grafia a, e, o e que terminam em -l, -n, -r, ou -x, assim como as respetivas formas do plural, algumas das quais se tornam proparoxítonas: cônsul (pl. cônsules), pênsil (pl. pênseis), têxtil (pl. têxteis); cânon, var. cânone (pl. cânones), plâncton (pl. plânctons); Almodôvar, aljôfar (pl. aljôfares), âmbar (pl. âmbares), Câncer, Tânger; bômbax(sg. e pl.), bômbix, var. bômbice (pl. bômbices).
b) As palavras paroxítonas que contêm, na sílaba tónica/tônica, as vogais fechadas com a grafia a, e, o e que terminam em -ão(s), -eis, -i(s) ou -us: bênção(s), côvão(s), Estêvão, zângão(s); devêreis (de dever), escrevêsseis (de escrever) ,fôreis (de ser e ir), fôsseis (id.), pênseis (pl. de pênsil), têxteis (pl. de têxtil); dândi(s), Mênfis; ânus.
c) As formas verbais têm e vêm, 3ªs pessoas do plural do presente do indicativo de ter e vir, que são foneticamente paroxítonas (respetivamente / tãjãj /, / vãjãj / ou / têêj /, / vêêj / ou ainda / têjêj /, / vêjêj /; cf. as antigas grafias preteridas, têem, vêem, a fim de se distinguirem de tem e vem, 3ªs pessoas do singular do presente do indicativo ou 2ªs pessoas do singular do imperativo; e também as correspondentes formas compostas, tais como: abstêm (cf. abstém), advêm (cf. advém), contêm (cf. contém), convêm (cf. convém), desconvêm (cf. desconvém), detêm (cf. detem), entretem (cf. entretém), intervêm (cf. intervém), mantêm (cf. mantém), obtêm (cf. obtém), provêm (cf. provém), sobrevêm (cf. sobrevém).
Obs.: Também neste caso são preteridas as antigas grafias detêem, intervêem, mantêem, provêem, etc.
6º) Assinalam-se com acento circunflexo:
a) Obrigatoriamente, pôde (3ª pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo), no que se distingue da correspondente forma do presente do indicativo (pode).
b) Facultativamente, dêmos (1ª pessoa do plural do presente do conjuntivo), para se distinguir da correspondente forma do pretérito perfeito do indicativo (demos); fôrma (substantivo), distinta de forma (substantivo; 3ª pessoa do singular do presente do indicativo ou 2ªpessoa do singular do imperativo do verbo formar).
7º) Prescinde-se de acento circunflexo nas formas verbais paroxítonas que contêm um e tónico/tônico oral fechado em hiato com a terminação -em da 3ª pessoa do plural do presente do indicativo ou do conjuntivo, conforme os casos: creem deem (conj.), descreem, desdeem (conj.), leem, preveem, redeem (conj.), releem, reveem, tresleem, veem.
8º) Prescinde-se igualmente do acento circunflexo para assinalar a vogal tónica/tonica fechada com a grafia o em palavras paroxítonas como enjoo, substantivo e flexão de enjoar, povoo, flexão de povoar, voo, substantivo e flexão de voar, etc.
9º) Prescinde-se, quer do acento agudo, quer do circunflexo, para distinguir palavras paroxítonas que, tendo respectivamente vogal tónica/tônica aberta ou fechada, são homógrafas de palavras proclíticas. Assim, deixam de se distinguir pelo acento gráfico: para (á), flexão de parar, e para, preposição; pela(s) (é), substantivo e flexão de pelar, e pela(s), combinação de per e la(s); pelo (é), flexão de pelar, pelo(s) (é), substantivo ou combinação de per e lo(s); polo(s) (ó), substantivo, e polo(s), combinação antiga e popular de por e lo(s); etc.
10º) Prescinde-se igualmente de acento gráfico para distinguir paroxítonas homógrafas heterofónicas/heterofônicas do tipo de acerto (ê), substantivo, e acerto (é,), flexão de acertar; acordo (ô), substantivo, e acordo (ó), flexão de acordar; cerca (ê), substantivo, advérbio e elemento da locução prepositiva cerca de, e cerca (é,), flexão de cercar; coro (ó), substantivo, e flexão de corar; deste (ê), contracção da preposição de com o demonstrativo este, e deste (é), flexão de dar; fora (ô), flexão de ser e ir, e fora (ó), advérbio, interjeição e substantivo; piloto (ô), substantivo, e piloto (ó), flexão de pilotar, etc.
Apesar da sua extensão e complexidade, poucas alterações em relação ao antecedente resultam desta Base.
A primeira alteração a notar é que deixam de se acentuar os ditongos ei e oi da sílaba tónica das palavras paroxítonas. Anteriormente, havia algumas palavras deste grupo que eram acentuadas segundo a norma lusitana e não o eram na norma brasileira, enquanto que outras havia que recebiam acento no Brasil, mas não eram acentuadas em Portugal. Unifica-se, assim, a norma de escrita com a regra de que os ditongos oi e ei em sílaba tónica de palavras graves nunca levam acento. Assim, o introito do feito heroico do fulano que pegou na jiboia é de todo desprovido de acentos. E os comboios, mesmo os brasileiros, também perdem os acentos, embora, desejavelmente, conservem os assentos... E, ainda no Brasil, uma ideia, ainda que luminosa, também deixa de ser iluminada por um acento... na aldeia ou na cidade.
Outra grande mudança é o desaparecimento do acento circunflexo nas formas verbais da terceira pessoa do plural do presente do indicativo ou do conjuntivo que terminam em -eem (anteriormente, pelo menos em Portugal, escreviam-se com acento circunflexo no primeiro e): leem, deem, veem (verbo ver; não confundir com vêm, verbo vir).
Finalmente, deixa também de se usar acento para diferençar palavras homógrafas mas heterofónicas: para (preposição) e para (forma do verbo parar), pelo (por o) e pelo (revestimento piloso do corpo) são exemplos desta mudança, que unifica a regra de prescindir de acento para diferenciar estas pronúncias diferentes em relação a outras palavras em que assim já se procedia - ex: pregar (um prego) e pregar (fazer uma prédica)
Para além disso, na execução da política de aproximação da escrita à fonética, consagra-se a dupla grafia, com acento agudo ou circunflexo, consoante a vogal seja pronunciada aberta ou fechada e admite-se que algumas formas verbais do pretérito perfeito do indicativo se escrevam ou não com acento agudo, também em função de serem ou não pronunciadas com vogal aberta - em regra, levarão acento agudo em Portugal e não serão acentuadas no Brasil ou, pelo menos, em algumas pronúncias do português falado no Brasil.
Alguns significados de termos mais técnicos:
Palavras paroxítonas: palavras em que a sílaba tónica é a penúltima, também designadas por palavras graves.
Palavras proparoxítonas: palavras em que a sílaba tónica é a antepenúltima, também designadas por palavras esdrúxulas.
Palavras homógrafas: palavras que se escrevem da mesma maneira.
Palavras heterofónicas: palavras que se pronunciam de maneira diferente.
Proclítica: Diz-se da palavra que, anteposta a outra, fica sujeita à acentuação desta, formando ambas um só vocábulo fonético.
Rui Bandeira