O momento antes do último degrau
Conhecemo-nos há mais de trinta anos. Partilhámos colégio, tardes de conversa, viagens longas e silêncios confortáveis. A vida levou-nos por caminhos diferentes, sempre tivemos apetências profissionais diferente, mas a nossa vida mesmo sendo às vezes paralela, outras vezes afastada, nunca esteve completamente desencontrada.
Quando nos voltámos a cruzar com mais profundidade, eu já tinha encontrado na Maçonaria um espaço de construção interior, de questionamento e de sentido. E foi com naturalidade, embora com a responsabilidade que o gesto implica, que lhe estendi o convite.
Espantado e em dúvida, aceitou. Sem grandes cerimónias, como quem reconhece um caminho antigo, mas aquela questão de "Mas porquê Eu?". Desde então, não parou.
Vejo-o hoje, aplicado Companheiro já na soleira da porta do Oriente e reconheço nele a mesma dedicação e curiosidade que sempre admirei. Estuda o ritual até aos seus últimos pormenores, não para exibir, mas para honrar, entrega-se com precisão à liturgia, e é no silêncio da Coluna da Harmonia que mais se dá a conhecer. A música que ali brota, não é apenas som, é um traço da sua alma que nos tem embelezado as sessões nos últimos tempos.
O GADU, e também os mestres desta respeitável loja, decidiram que na próxima quarta-feira será elevado ao Grau de Mestre. Sei que está pronto, embora seguramente ele o duvide. Mesmo os mais fiéis podem ser provados, e é precisamente por manter-se firme, sem ceder ao que é fácil ou imediato, que poderá um dia reencontrar o que parece ter sido perdido.
Mas essa dúvida é necessária, porque o último degrau não se sobe com certezas, sobe-se com entrega. O ritual que o espera não é apenas uma cerimónia, é uma travessia. E nesse caminho entre sombras e símbolos, entre a perda e a luz reencontrada, cada gesto será mais verdadeiro quanto mais for sentido, e não apenas compreendido.
É um momento solene mas também íntimo, morre-se em silêncio, e renasce-se no olhar dos que nos reconhecem. O que se passa dentro daquela Loja, quando as luzes se apagam não se explica: vive-se, transforma.
Para mim, como seu padrinho, este momento tem um significado que as palavras não abarcam. É um círculo que se fecha, ou talvez uma espiral que se eleva. Espero que ele leve consigo não apenas os sinais, mas o sentido, que veja para além do véu, não com os olhos da razão que sempre cultivou, mas com a lucidez de quem aceita que há verdades que não se provam, apenas se vivem.
Que não te falte a coragem de acreditar no que ainda não entendes por inteiro e se continuares a duvidar, que te lembres, os degraus não nos são dados para subir, são nos dados para crescer.
João B. M∴M∴
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