O VÍCIO
Não convém
embandeirar demasiadamente porque, aprendi em criança, “cautelas e caldos de
galinha nunca fizeram mal a ninguém…” e na verdade os portugueses
“desconfinaram” mas o CoronaVírus não. Ou pelo menos eu estou convencido que
“ele” continua por aí. É, de resto, a opinião expressa pelos técnicos de saúde
que nestes tempos de pandemia pululam as televisões, rádios, jornais,…
Alguma coisa
pode ser aproveitada nestes tempos de ócio pandémico e não havendo nada para
fazer ocupei alguns momentos a refletir sobre a vida maçónica, em particular no
que se refere à RLMAD.
Isto de
refletir é, obviamente, uma boa ocupação quando não há mais nada para fazer.
Estamos claramente
em tempo de “vacas magras” (alguma vez não estivemos ?).
Empresas (de
todas as dimensões) a ressentirem-se da paragem da economia mundial, muitas a
fecharem portas e a desaparecerem do mercado, desemprego a aumentar
inevitavelmente, famílias inteiras em gravíssimas dificuldades e a esperança em
melhores dias, sendo a última coisa a morrer (como de costume), mantém-se muito
ténue.
Direi que é
maior a desconfiança e o medo do que a esperança em recuperação rápida.
Esta
reflexão trouxe-me para os meses do calendário que, para muitos, ficam cada vez
“mais compridos” enquanto os vencimentos ficam cada vez mais curtos, obrigando a
prodígios de imaginação para a manutenção do dia a dia das famílias. A dificuldade com as obrigações pecuniárias mensais foram em muitos casos disfarçadas, durante estes
quase 2 anos de “fechamento”, por efeito das moratórias que a banca promoveu
com o apoio estatal. Só que este sistema acabou ou está em vias de acabar com o
regresso das prestações a terem de ser cumpridas sob pena de sofrerem as penas
previstas nos contratos acordados na época em que ninguém podia prever a
pandemia, nem as dificuldades que arrastou.
Estas
dificuldades são evidentemente generalizadas tocando também, e em muitos casos
fortemente, alguns Irmãos.
Sabe-se que
a admissão na nossa obediência implica uma “contratualização” com o cumprimento
de um conjunto de regras comportamentais, morais e éticas, às quais se juntam
outras de carater pecuniário.
Nada a
obstar em termos regulamentares. O candidato, enquanto candidato, fica a
conhecer as regras que irão balizar a sua existência maçónica se admitido e
quando admitido. Mas a vida dá muitas voltas, como bem se constata, e nenhum de
nós está livre de ser apanhado por uma qualquer dessas voltas que lhe altere a
situação financeira deixando-o em dificuldades no cumprimentos dos seus deveres
materiais. Todos nós sabemos que as propaladas vantagens de toda a ordem que a
Maçonaria proporciona aos seus membros são uma ficção e os Maçons estão tão
sujeitos às condições do mercado de trabalho como qualquer outro cidadão. E se
entre os Maçons há quem viva com o conforto suficiente para não sentir, ou
sentir muito pouco, estas dificuldades, também há os que as sentem com todo o
peso do sofrimento arrastado pelo desemprego e/ou pela redução dos seus ganhos
mensais.
Há pois
Irmãos em dificuldade e a há que ter em atenção o que se passa com os mais
vulneráveis. É um trabalho que compete às Lojas e em particular ao Irmão
Hospitaleiro, inteirar-se do que acontece com cada membro da loja, sentir os
sinais de dificuldade e movimentar os meios práticos para amenizar essas
situações.
“Quem não
tem dinheiro não tem vícios” é provérbio antigo e até sou capaz de aceitar esta
“boca” com alguma razoabilidade.
Vício (do termo latino "vitium", que significa
"falha" ou "defeito") é um hábito repetitivo que degenera
ou causa algum prejuízo ao viciado e aos que com ele convivem.
Fui buscar
esta definição à Wikipédia. Não é grande “coisa”, mas serve para o efeito que
pretendo neste momento.
No mundo da
Maçonaria os integrantes são escolhidos e reconhecidos como Maçons por quem já
é Maçon. Digamos que a integração na Maçonaria, sendo um ato voluntário individual não o
é só.
É também, e
muito, a vontade de quem já ganhou o reconhecimento de Maçon e reconhece agora,
também, naquele outro, as qualidades humanas necessárias para integrar o
conjunto dos seus Irmãos.
A
responsabilidade do cumprimento dos deveres maçónicos não é exclusivamente
individual, é também responsabilidade de quem convidou, desafiou, reconheceu o
“outro” para integração na Ordem Maçónica.
E esta
responsabilidade deve ser verdadeiramente assumida por toda a Loja, em
Irmandade (é esse um dos seus deveres) e em particular pelo seu Padrinho. Por
isso, e para isso há “Padrinhos”, na Maçonaria tal como na vida civil corrente,
no registo do nome do recém-nascido, no casamento, no batizado… Sempre alguém
que se co-responsabiliza pelo bom resultado do ato que é celebrado.
Ora bem,
misturar a integração Maçónica com os “vícios” é, pelo menos, leviano !
Tenho para
mim que seria muito bom que as causas, os princípios da Maçonaria, se tornassem
verdadeiros vícios para todos, mesmo para os não Maçons, daqueles vícios que se
agarram à pele, que se integram no sangue correndo pelas veias enchendo o
coração e o cérebro. É minha convicção que a Humanidade teria muito a ganhar.
Mas “quem
não tem dinheiro não tem vícios” aplicado à Maçonaria, não !
A Maçonaria
não é um vício, tal como não é, não pode ser, um degrau de promoção individual,
seja ela social ou financeira. Ou ambas…
JPSetúbal