02 maio 2008

A tigela de madeira


Como tenho ultimamente feito à sexta-feira, deixo aqui hoje mais uma pequena história merecedora de reflexão. É mais uma das que recebi por correio electrónico e de que desconheço a autoria. Como habitualmente, o texto publicado é editado por mim. Hoje, a edição é significativa, já que lhe retiro todo o final, aparentemente feliz, em que os que erraram se arrependem, mudam de atitude e todos, a partir daí, vivem felizes para sempre. Para a reflexão que se pretende suscitar, é perfeitamente desnecessário. Como verão, é muito mais interessante parar na frase mais forte…


Um homem já de avançada idade e marcado pelo desgaste da vida foi viver com os seus filho, nora e neto, este de quatro anos de idade. A avançada idade do homem causava que as suas mãos fossem já muito trémulas, a sua visão cansada e limitada, os seus passos vacilantes.


Como é usual, a família comia reunida á mesa. Mas o tremor das mãos do avô e a sua dificuldade de visão tornavam-lhe difícil o manuseio dos talheres. Se o almoço eram ervilhas, elas caíam da colher para a toalha de mesa, a cadeira e o chão. Se bebia um pouco de leite, era certo e sabido que entornava parte dele. O filho e a nora depressa ficaram fartos de tanta confusão.


- Temos de fazer alguma coisa com o meu pai. Já não aguento mais tento leite entornado, tanto barulho de comer com a boca aberta, tanta comida espalhada pelo chão!


Então o filho e a nora decidiram colocar uma pequena mesa num canto da cozinha e que o velho passasse a ali fazer as suas refeições, enquanto o resto da família descansadamente comia, feliz e contente, na mesa de refeições.


Porque o idoso senhor já anteriormente quebrara um ou dois pratos, arranjaram-lhe uma tigela de madeira e passaram a pôr-lhe ali a comida.


E assim o velhote passou a comer ao canto da cozinha, de uma tigela de madeira. Por vezes, uma lágrima de desgosto e de humilhação humedecia o seu rosto. Mas ali continuava sozinho, procurando controlar o tremor das suas mãos o melhor que podia, pois, mesmo assim, sempre que deixava algo cair ao cão, ásperas palavras de censura lhe eram dirigidas.


O menino de 4 anos de idade assistia a tudo em silêncio. Como todas as crianças daquela idade, observava e aprendia.


Um dia, o pai da criança encontrou-o concentrado a manusear um pedaço de madeira e perguntou-lhe o que estava a fazer. Então o menino. Com um cândido sorriso próprio da idade, respondeu-lhe, orgulhoso do que aprendera e da decisão que tomara:


- Estou a fazer uma tigela, para tu e a mãe comerem quando eu crescer e vocês forem mais velhos…!


Diz o povo, na sua ancestral sabedoria: Filho és, pai serás, como fizeres, assim acharás.


O ritmo acelerado da vida actual torna, por vezes, algumas pessoas impacientes para com as limitações dos mais idosos. Muitas vezes, há a tentação de optar pelo mais fácil, de afastar, de esconder. Mas, para além do respeito, carinho e consideração que os nossos ascendentes nos devem merecer, não nos devemos esquecer que um dia seremos nós os limitados, os doentes, os fracos e que quem cuidará de nós serão aqueles que hoje crescem aprendendo com o nosso exemplo e que, em silêncio vêem, absorvem e – que ninguém tenha disso dúvidas! – guardam na sua memória os gestos e atitudes e opções que nos vêem executar, ter e fazer.


Honrar os nossos ascendentes, tratá-los com consideração, amor e carinho é um dever básico. Como filhos e como pais. Porque o melhor ensinamento que damos aos nossos filhos é o nosso exemplo.


Rui Bandeira

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