Rui Clemente Lelé (26/8/1958-18/11/2013), maçom organizado
Há pouco mais de uma semana, a notícia da passagem ao Oriente Eterno do Rui Clemente Lelé chegou, chocante e inesperada. Sabia que o Rui tinha sido, dias antes, submetido a uma delicada intervenção cirúrgica, mas também sabia que se tratara de uma intervenção programada e que havia notícia de que tinha corrido bem e o Rui passara sem problemas o período de recobro e de maior risco. Mas, embora gradualmente diminuindo, há sempre um risco numa intervenção cirúrgica - e, no caso do Rui, aconteceu o que já se pensava estar ultrapassado.
O Rui foi fundador da Loja Mestre Affonso Domingues, no ano de 1990. Quando, no ano seguinte, eu, oriundo de uma Loja germânica, ingressei na mesma Loja, integrámos juntos a Coluna dos Companheiros. Fomos Exaltados Mestres Maçons na mesma sessão. Vivemos e partilhámos juntos os tempos, para nós memoráveis, da implantação e consolidação da Loja. Ao longo de mais de duas décadas, partilhámos cumplicidades e distanciamentos, mas sempre uma sólida e pacata amizade e mútua consideração.
Homem de convicções firmes e espinha direita, o Rui não teve sempre uma vida fácil. Frontal e direto, não temia expressar as suas opiniões e defender as suas convicções fosse perante quem fosse. As suas capacidades rapidamente conduziram a que o Grão-Mestre Fundador lhe confiasse funções na Grande Loja. Mas a sua frontalidade e independência de espírito não demoraram muito a levá-lo a entrar em rota de colisão com o carismático fundador. O embate foi de tal ordem que a situação tinha de quebrar pelo lado mais fraco e esse era, então, o do Rui. Teve de se afastar, de adormecer.
Aquando da cisão da Grande Loja, o Rui estava adormecido. Pôde regressar e foi um elemento precioso na reorganização que se tornou necessária. Mais tarde, veio a dar também um importante contributo na reunificação.
A sua saúde já o traíra, há alguns anos. A sua função renal deteriorou-se irreversivelmente e o Rui teve de se submeter a um transplante renal. Infelizmente, mais uma vez a sorte não esteve com ele. O seu organismo rejeitou o rim transplantado e, desde então, o Rui passou a ter que organizar a sua vida em função da necessidade de efetuar, várias vezes por semana, sessões de diálise.
Nem o abalo de saúde nem o evidente incómodo que passou a marcar a sua vida abateram o Rui. Conciliou o trabalho com os tratamentos, a família, os seus interesses dos tempos livres e, de novo, a Maçonaria. Como todos os homens habituados a fazer as coisas acontecerem, organizou-se e arranjou tempo para tudo, fazendo até parecer que era fácil...
Quando regressou, fê-lo, naturalmente, à sua Loja, a Mestre Affonso Domingues. Rapidamente se reintegrou, assumindo as funções que lhe foram sendo sucessivamente confiadas. Veio a ser o vigésimo Venerável Mestre da Loja. Então mais uma vez os seus dotes de organizador se revelaram e dirigiu a Loja com eficiência, motivando os seus obreiros para bem realizarem todas as tarefas de que os incumbiu.
O atual Grão-Mestre confiou-lhe o exercício da importante função de Grande Secretário, sabendo que as suas capacidades de gestor e de organizador o levariam a ter êxito - como teve - nesta importante tarefa. Teve um importante papel na preparação da reunificação da Grande Loja. Para isso, teve de tomar a sempre difícil decisão de sair da sua Loja Mestre Affonso Domingues, para alçar colunas e ser o primeiro Venerável de uma nova Loja, que teve como primeira missão acolher e integrar os vários elementos que, antes da reunificação formal, batiam à porta da Grande Loja e solicitavam a sua admissão ou readmissão nela. A essa Loja atribuiu o nome de Fernando Teixeira, o Grão-Mestre Fundador, que também propiciara, mais tarde, a cisão. Com isso demonstrou, mais uma vez, a sua largueza de espírito e ausência de rancor. O facto de ter tido importante confronto com o Grão-Mestre Fundador, grave ao ponto de ter tido então que suspender a sua atividade maçónica, não o impediu de homenagear, merecidamente, quem foi e é credor da admiração dos maçons regulares portugueses, pela sua visão estratégica, pelo importantíssimo papel que teve no regresso da maçonaria Regular a Portugal e no reconhecimento internacional da Grande Loja. Revelou também a sua inteligência, ciente que foi que, quinze anos passados e esbatidos e ultrapassados os fatores que determinaram a dolorosa cisão, era tempo de passar a trolha do apaziguamento sobre todos esses acontecimentos e homenagear quem era admirado por ambos os lados da cisão ocorrida.
O Rui foi um entusiasta da prática do golfe. A deambulação pelos campos de golfe, atrás da bolinha que repetidamente se vai taqueando do ponto A ao ponto B, ultrapassando distâncias e obstáculos, contribuía para o seu equilíbrio físico e psicológico. Foi um entusiasta organizador de torneios de golfe, com as receitas destinadas a fins de beneficência.
Também foi um amante da fotografia. Não do mero registo de imagens que a facilidade dos modernos telemóveis com câmaras de milhões de pixels possibilita, mas da fotografia a sério, buscando imagens de qualidade e dignas de serem registadas em telas de grandes dimensões. Na última sessão de Grande Loja (não sabíamos então que seria mesmo a sua última sessão de Grande Loja!) efetuou uma exposição de várias de fotografias suas assim registadas em tela, todas de grande qualidade. Doou uma dessa fotografias em tela para ser sorteada. Tive a fortuna de ser o premiado com ela. Está exposta no corredor do meu escritório. Todos os dias de trabalho a vejo e admiro. É agora mais um fator de recordação do Rui!
Foi um católico praticante e consequente.
O Rui, com o seu temperamento bem-disposto, atencioso e afável granjeou o apreço de todos os maçons que com ele lidaram. A sua passagem ao Oriente Eterno naturalmente que chocou todos. Mas todos também se congratulam por terem tido a oportunidade de privar com ele. Foi um bom exemplo para todos nós. Foi um confortável amigo para muitos de nós. É agora uma apaziguadora lembrança. Até um dia, Rui!
Rui Bandeira