21 novembro 2011

Instrução em Maçonaria - IV



Fico curioso! Eu aqui a falar de uma coisa, essencialmente de métodos que podem até ser transversais a outras áreas do conhecimento e os comentadores (por acaso sempre os mesmos) a comentarem ao lado.

Imaginemos por um instante que eu escrevia aqui sobre temas de culinária, aliás exemplo usado por um dos comentadores para explicar a outro qualquer comentador coisa que este ultimo teimava em não perceber, e os comentadores sempre questionando sobre carburadores e cilindros e outros assuntos de mecânica automóvel.

E que lendo e relendo o que escrevia, via com clareza que lá estavam métodos de cocção, formas de arranjar alimentos, maneiras de fazer molhos, apreciações objectivas sobre as quantidades dos ingredientes, da farinha, do sal, do azeite e do vinho.

Pequenos truques para as especiarias aromatizarem e para os óleos não se queimarem, enfim lendo e relendo e voltando a verificar que o escrito era mesmo sobre o tema anunciado e depois quando chegam os comentários só mencionam o entupimento dos injectores, as cambotas, e os cilindros deficientemente encamisados.

Dá que pensar! E sobretudo obriga a reflectir e a questionar. Será que escrevi mesmo sobre o tema anunciado, e se não escrevi? A bem dos simpáticos comentadores peço a terceiros, isentos, que me digam sobre o que escrevi e eles confirmam que de facto  escrevi sobre o tema que me tinha proposto.

Fico então a saber que sei escrever, ler, que também consigo ir soletrando e que não estou enganado.

Sou então assomado por uma pena, pena de pena que não pena de pena porque esta ultima por grande pena que fosse mesmo que me assomasse não me assomaria, sendo que a primeira por pequena que seja quando me assoma, assoma-me em profundidade.

Mas dizia eu que me assoma uma pena por ver que ainda há algumas pessoas que embora pensem que sabem ler, apenas conseguem juntar letras e dizer palavras. E dizem essas palavras convencidos que estão contribuindo com qualquer ideia.

Uma coisa seria se o que relato acontecesse fugazmente ou mesmo por ignorância, mas outra coisa é quando o meu convencimento é contrário, e na verdade uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, e não devemos confundir as coisas sob pena de as coisas se nos sobreporem, passando elas a serem as coisas das nossas circunstâncias, quando na verdade quando as coisas são bem separadinhas e arrumadinhas tudo fica clarinho e transparente.

Ora a recorrência da insistência em “bugalhar” quando o expectável seria “alhar”, é em si reveladora de perversidade
Acontece que se fosse a ignorância acima mencionada seria possível combate-la e por isso o trabalho neste espaço. Já a perversidade…

E porque a ignorância é possível combater se publicam neste espaço, artigos com conteúdos de qualidade e com profundidade, e felizmente por análise de retorno de informação é seguro saber que a grande maioria dos leitores vai aprendendo e logo o propósito de transmissão de conhecimento é cumprido.

Já quanto aos que não pretendem aprender, e que estão no seu direito, também não lhes assiste o direito de sequer tentar fazer com que se perca tempo com outros assuntos laterais.

Desengane-se quem pensar que este texto que aqui acaba não se enquadra na Instrução em Maçonaria.

E por esta semana ficamos por aqui.


José Ruah

18 novembro 2011

Duas certezas

Li recentemente, “ O Livro da Ignorância geral”, escrito por John Lloyd e John Mitchinson, onde encontrei a seguinte passagem, “ Nunca se definiu com êxito o que é que confere interesse às coisas – ou se percebeu por que motivo aquilo que não sabemos é muito mais interessante do que aquilo que sabemos”…e considerei este pequeno excerto mais que oportuno para esta altura, pois, devido a algumas publicações recentes em órgãos de comunicação social escritos, intituladas de “grandes investigações” se cria, como é habitual, um espetro negro sobre a Maçonaria.

Naturalmente, o que é divulgado sobre a nossa Ordem, deixa-nos sempre apreensivos e, julgo falar por todos ou por uma larga maioria, há sempre uma certeza patente, antes sequer de lermos os artigos, na sua grande maioria, o que é publicado, não corresponde à verdade.

Não falo, claro está de entrevistas aos membros que são publicamente assumidos na sua qualidade de maçom, pois esses, proferem declarações e essas ficam, para sempre, agregadas a quem as profere, mas esses são indivíduos com certezas e não precisam sequer de ponderar nas respostas, sabem o que dizer e conhecem a real intenção das perguntas, portanto, quanto a esses estamos perfeitamente descansados. E, não falo também da Maçonaria dos séculos passados, pois essa também está escrita e perfeitamente identificada, mas ainda assim, também aí, nem sempre bate a “bota com a perdigota”.

Enquanto maçom, não assumido publicamente, pois até utilizo para assinar os meus textos aqui no blogue um pseudónimo, embora o mesmo seja verdadeiro, as palavras agora vindas a público, causam-me alguma insatisfação, mais que não seja porque as mesmas não são inteiramente verdadeiras. Infelizmente é em posição de segredo que tenho de manter a minha condição, um dia, mais tarde, a assumirei. Assim o espero.

Reconheço algumas verdades nas agora publicadas, mas ainda assim, nem essas são totalmente verdadeiras, claro que a Maçonaria não é secreta, claro que não temos poder algum no Estado, obviamente que não somos ricos e famosos e na sociedade a influência que temos é tanta como parca. Agora, é reconhecido por todos, que muitos maçons ocupam lugares de destaque nos mais variados quadrantes e aí sim, a nossa ação é considerada poderosa, pois os nossos princípios são utilizados em todo e qualquer lugar, quer seja com os nossos amigos e em família, quer seja profissional e ocasionalmente, e todos o fazemos, os que admitem a condição e os que a não admitem. Permitam-me escrever aqui, não é defeito é feitio.

Somos sim, livres e de bons costumes, informados e atentos ao que se passa em todo o nosso redor, em todas as relações do nosso dia a dia, dedicamos tempo a algo a que os não iniciados não dedicam, ou seja, ao nosso interior e, no final, queremos tão pouco, tão só queremos crescer enquanto homens e é aqui que está o nosso segredo, a nossa evolução e o estar atento ao que se passa dá-nos o poder do conhecimento. Quem não reconhece que, desde sempre, conhecimento é poder?

Como iniciados, temos, entre muitas, também duas certezas, a primeira que tudo o que é escrito sobre nós é não mais do a vã tentativa de nos incomodar, destabilizar e até quem sabe tentar, no limite a nossa extinção, a segunda é tão simples quanto isto, a nossa cadeia de união é forte o suficiente para analisar tudo isto e estamos sempre prontos para qualquer eventualidade.

Mais uma vez, aplica-se o princípio, “é sempre mais fácil falar do que não conhecemos…”

Daniel Martins

16 novembro 2011

A Maçonaria NÃO É uma sociedade secreta (III)


Leão XIII
A Encíclica Humanum Genus, de Leão XIII (texto integral em português aqui) elenca as críticas da alta hierarquia da Igreja Católica à Maçonaria.

A primeira, não destituída de fundamento, na época, atento o acentuado anticlericalismo que a Maçonaria Liberal e então revolucionária manifestava, era a de que o propósito da Maçonaria era a destruição da Igreja:

Nesta época, entretanto, os partisans (guerrilheiros) do mal parecem estar se reunindo, e estar combatendo com veemência unida, liderados ou auxiliados por aquela sociedade fortemente organizada e difundida chamada os Maçons. Não mais fazendo qualquer segredo de seus propósitos, eles estão agora abruptamente levantando-se contra o próprio Deus. Eles estão planeando a destruição da santa Igreja publicamente e abertamente, e isso com o propósito estabelecido de despojar completamente as nações da Cristandade, se isso fosse possível, das bênçãos obtidas para nós através de Jesus Cristo nosso Salvador.

A segunda era a do perigo, que entendia nalguns casos já concretizado, do domínio dos Estados pela Maçonaria:

Em consequência, a seita dos Maçons cresceu com uma velocidade inconcebível no curso de um século e meio, até que se tornou capaz, através de fraude ou audácia, de obter tal acesso em cada nível do Estado de modo a parecer quase a sua força governante. Este veloz e formidável avanço trouxe sobre a Igreja, sobre o poder dos príncipes, sobre o bem estar público, precisamente aquele grave dano que Nossos predecessores tinham previsto muito antes. Tal condição foi atingida que de agora de diante haverá grave razão para temer, não realmente pela Igreja - porque sua fundação é firme demais para ser derrubada pelos esforços dos homens - mas por aqueles Estados em que prevalece o poder, ou da seita da qual estamos falando ou de outras seitas não diferentes que curvam-se a ela como discípulas e subordinadas.

A terceira era que considerava a Maçonaria como criadora ou veiculadora das "doutrinas dos socialistas e comunistas", da legalização do divórcio e dos sistemas de governo democráticos e republicanos:

Nós já por muitas vezes, conforme as ocasiões surgiram, atacamos alguns pontos principais dos ensinamentos que demonstraram de uma maneira especial a perversa influência das opiniões Maçónicas. Assim, em nossa carta encíclica, Quod Apostolici Muneris, Nós Nos esforçamos por refutar as monstruosas doutrinas dos socialistas e comunistas; depois, em outra começando com "Arcanum", Nós penosamente defendemos e explicamos a verdadeira e genuína idéia da vida doméstica, da qual o matrimónio é o ponto de partida e a origem; e novamente, naquela que começa com "Diuturnum"[11], Nós descrevemos a ideia de governo político conforme os princípios da sabedoria Cristã, que é maravilhosa em harmonia, por um lado, com a ordem natural das coisas, e, por outro lado, com o bem-estar tanto dos príncipes soberanos quanto das nações. É agora Nossa intenção, seguindo o exemplo de Nossos predecessores, tratar diretamente a própria sociedade maçónica, todo o seu ensinamento, seus objetivos, e a sua maneira de pensar e agir, de modo a trazer mais e mais à luz seu poder para o mal, e fazer o que Nós pudermos para deter o contágio desta peste fatal.

A quarta crítica é curiosa: por um lado, reconhece que os maçons se reúnem à "luz do dia e à vista do povo, e publicam seus próprios jornais"; por outro, continua a verberar o que considera serem caraterísticas de sociedade secreta, que entende ser da "natureza e hábitos" da Maçonaria:

Agora, estes não mais mostram um desejo de permanecer escondidos; pois eles realizam seus encontros à luz do dia e à vista do povo, e publicam seus próprios jornais; e contudo, quando completamente compreendidos, descobre-se que eles ainda retêm a natureza e os hábitos de sociedades secretas. Há muitas coisas como mistérios que é regra fixa esconder com extremo cuidado, não somente de estranhos, mas de muitos e muitos membros, também; tais como seus desígnios secretos e últimos, os nomes de seus maiores líderes, e certos segredos e encontros privados, assim como suas decisões, e os caminhos e meios de executá-las.

No entanto, logo de seguida percebe-se que o famoso secretismo da Maçonaria não é afinal, tão secreto assim, pois - com acerto, note-se bem! - logo se descreve em que consistem afinal os "mistérios que é regra fixa esconder com extremo cuidado":

Os candidatos são geralmente ordenados a prometer - e mais, com um especial juramento, a jurar - que eles não irão nunca, a nenhuma pessoa, em qualquer tempo ou de qualquer modo, dar a conhecer os membros, as senhas, ou os assuntos discutidos.

A quinta crítica constitui, no meu entender, a verdadeira contradição entre a Maçonaria e a conceção do mundo e da religião da alta hierarquia da Igreja Católica, a influência do pensamento iluminista e racionalista na Maçonaria e a sua não exclusão da conceção deísta, que, em execução do princípio da tolerância, é admitida na Maçonaria, tal como o é a conceção teísta, esta a única admitida pelas religiões baseadas na Revelação Divina, e a recusa maçónica do conhecimento escolástico, em favor da ciência experimental:

Agora, a doutrina fundamental dos naturalistas, que eles tornam suficientemente conhecida em seu próprio nome, é que a natureza humana e a razão humana deveria em todas as coisas ser senhora e guia. Eles ligam muito pouco para os deveres para com Deus, ou os pervertem por opiniões erróneas e vagas. Pois eles negam que qualquer coisa tenha sido ensinada por Deus; eles não permitem qualquer dogma de religião ou verdade que não possa ser entendida pela inteligência humana, nem qualquer mestre que deva ser acreditado por causa de sua autoridade. E desde que é o dever especial e exclusivo da Igreja Católica estabelecer completamente em palavras as verdades divinamente recebidas, ensinar, além de outros auxílios divinos à salvação, a autoridade de seu ofício, e defender a mesma com perfeita pureza, é contra a Igreja que o ódio e o ataque dos inimigos é principalmente dirigido.

Mas, para Leão XIII, a insidiosa seita maçónica propala ainda mais perigosas ideias:

Por um longo e perseverante labor, eles esforçam-se para alcançar este resultado - especificamente, que o ofício de ensinar e a autoridade da Igreja tornem-se sem valor no Estado civil; e por esta mesma razão eles declaram ao povo e argumentam que a Igreja e o Estado devem ser completamente desunidos. Por este meio eles rejeitam das leis e da nação a saudável influência da religião Católica; e eles consequentemente imaginam que os Estados devem ser constituídos sem qualquer consideração pelas leis e preceitos da Igreja.

Traduzindo: os maçons pregam a separação entre o Estado e a Igreja! A dura batalha que a Igreja Católica então travava era contra a perda do seu Poder Temporal, a favor da manutenção dos Estados Confessionais, com religião de Estado, com todas as consequências a isso inerentes. Batalha essa que, pouco mais de um século volvido, sabemos que foi perdida. Hoje, a laicidade dos Estados é a regra, a Liberdade Religiosa, entendida como a liberdade de cada um ter ou não ter religião e de todas as confissões religiosas poderem livremente exercer o seu múnus é regra consensual, pelo menos nos países democráticos ocidentais. Hoje, até a Igreja Católica aceita este princípio. Há pouco mais de um século, maçons e hierarquia eclesiástica católica estavam em campos opostos neste aspeto - e verificou-se que eram os maçons que estavam no lado certo! Hoje, cabe a todos, maçons incluídos, expressarem a sua satisfação por a hierarquia eclesiástica católica se ter entretanto e finalmente juntado aos demais nesse lado certo!

Seja como seja, no final do século XIX, a doutrina da Igreja era outra, a luta entre a "sociedade antiga" e a modernidade estava no auge. Como facilmente se verifica através da leitura da longa encíclica, Leão XIII considera que os maçons são os porta-vozes daquilo a que chama "os naturalistas", das conceções iluministas, racionalistas, experimentalistas, em contraponto ao que então a Igreja Católica representava e defendia: a escola escolástica, a superior validade da Verdade Revelada em relação às descobertas da Ciência, o direito divino de governar concedido a alguns, em contraponto à essencial igualdade de todos os cidadãos, defendida pelos cultores da Modernidade, a defesa do Estado Confessional Católico contra o Estado laico e a Liberdade Religiosa.

A condenação de Leão XIII da Maçonaria não é já feita em nome da sua pretensa condição de "sociedade secreta" (reduzida a breve e praticamente irrelevante referência), mas sim em função da constatação da existência de consideráveis diferenças de pensamento em relação a várias questões de organização social, de conceção da Sociedade, de valoração e consideração dos direitos e liberdades individuais, entre dois campos: o dos que Leão XIII chama de "naturalistas", onde inclui os maçons, e o das conceções vindas dos fundos dos séculos, que a Igreja Vaticanista continuava então a defender.

Discordo - não tanto, ou não principalmente, como maçom, mas, afinal, como homem deste século XXI - das conceções expressas na encíclica Humanum Genus. Mas, afirmada essa discordância, impõe-se o reconhecimento de que se trata de um documento notável. Datado, é certo. Expressando ideias políticas e sociais que considero erradas e que felizmente a evolução social reduziu à sua atual insignificância. Afirmando conceções religiosas que são diversas das minhas e que creio até diferentes de muitas das seguidas pelos atuais crentes católicos, mas que só me cabe respeitar e nunca julgar. Traduzindo, genericamente, a expressão de um pensamento ultrapassado pela evolução da sociedade, tem porém o notável mérito de deslocar a discussão do pretexto ("sociedade secreta") para a verdadeira questão: as diferenças de pensamento, de ideias e ideais, de conceções sociais. E isso merece-me todo o respeito!

Que a maior parte das conceções de Leão XIII (pondo-se de parte as especificamente atinentes às questões religiosas, que não discuto e não entram nesta discussão) se tenham revelado, pouco mais de um século depois, erradas, ultrapassadas, vencidas e varridas pela Modernidade, em prol precisamente das conceções que rejeitava e condenava, dos por ele chamados "naturalistas" e, nestes, dos maçons - é apenas um bónus! Gera alguma satisfação, mas também impõe a consideração de que aquelas ideias, daquele Papa, daquele tempo, não são já as ideias da Igreja Católica atual, que também evoluiu.

E, tal como os maçons de hoje têm todo o direito de se recusar a serem julgados e avaliados pelos eventuais erros dos seus antecessores, de igual modo não devemos julgar a Igreja e o clero de hoje pelo de tempos passados. Sobretudo, porque proclamamos bem alto que Leão XIII estava completamente equivocado, absolutamente enganado, numa coisa: já no seu tempo, e assim continua hoje, a Maçonaria e os maçons não são inimigos da Igreja Católica ou de qualquer outra Igreja, da religião católica ou de qualquer outra religião. A Maçonaria e os maçons consideram todas as Igrejas, todas as religiões, igualmente respeitáveis e todas respeitam, independentemente da crença individual específica de cada um deles.

Afinal, pouco mais de um século passado sobre Leão XIII, é tempo de que se entenda que a Maçonaria e a Igreja Católica, a religião católica, não são inimigos, nem sequer adversários. Pelo contrário, sendo instituições diferentes, têm inimigos comuns: o obscurantismo, a desigualdade, a tirania, o fundamentalismo.

E não há nada de secreto nisto!

Rui Bandeira

14 novembro 2011

Instrução em Maçonaria - III


“Estou suficientemente instruído” é, estou certo disso, o que muitos pensam quando chega a altura de estarem em crer que é o momento de passar de grau ou de ocupar uma função. E quando assim pensam abrandam o estudo e a respectiva auto instrução.

É, eventualmente, mais recorrente o pensamento nos Mestres, porque acham que como já podem falar, usar da palavra para dizer coisas estão num patamar em que o conhecimento adicional é acessório e que logo deve passar para segundo o terceiro plano.

Provavelmente também terei pensado assim, nos idos de 1992 quando atingi o grau de Mestre Maçon e pensei que tinha chegado. Na verdade acabara de partir, de iniciar a grande viagem da Maçonaria, aquela que só termina no momento de passar ao Oriente Eterno.

Não percebi isso imediatamente. Demorei a perceber que nessa viagem é necessário reequacionar os fundamentos, reler o lido e voltar a ler novamente. Pensar nas origens, no que levou a que esta ou aquela forma de fazer aparecesse.

Questionar o que era feito, descartar opções, relembrar uma lição de um professor que quando lhe apresentei um método alternativo para resolver um problema, me disse: “ sim dessa maneira consegue reduzir o número de passos e tornar mais rápida a resolução, até chegar ao ponto em que tem que tomar uma decisão e verifica que não tem alternativas. Na verdade o seu método é a forma mais rápida de chegar à asneira. Mas gostei do esforço” .

Hoje em dia fico com a sensação que alguns dos meus pares, acham que lhes assiste a capacidade de modificar, “embelezar”, suprimir, substituir partes ou formas de desempenho ritual.

Acham apenas porque lhes parece, e acabam por ser como eu perante o meu professor, consegui um método que me fazia chegar mais rapidamente à asneira.

Estudar, eventualmente desconstruindo o que está à nossa frente, não quer necessariamente dizer que podemos construir novamente à nossa imagem e semelhança, deixando de fora umas peças e pondo outras em substituição ou acrescento.
Há que saber perceber as fontes e com essa percepção o reconstruir, primeiro tal qual estava, permite-nos o entendimento do porquê da concepção original.
Apenas e só esse conhecimento, resultante do nosso trabalho faz com que se aprenda o que outros antes nós fizeram e porque o fizeram.

Mais tarde poderemos eventualmente congeminar outras hipóteses, e tratar de validá-las. E se houver sucesso nesse processo, então juntar o que conseguimos criar ao conhecimento já existente é uma obrigação.

Uma boa forma de auto instrução é o conhecimento do ritual. Não o conhecimento maquinal do mesmo, sabendo-o de cor e salteado tipo recitação na escola, mas o conhecimento do que ele significa e pretende significar. O que nos diz, para quem está dirigido, como é que isso acontece.

Mas não chega! Há que vivenciar o ritual, executá-lo sentindo-o. E assim surgiu a ideia de uma nova forma de instrução transmitida.

Porque evidentemente que o conhecimento não pode ser uma coisa proprietária de alguns, apesar de haver quem assim pense e pretenda implementar a ditadura do conhecimento – só eu é que sei, não ensino a ninguém, e logo não podem passar sem mim – constituindo-se em homens providenciais.

E essa nova forma de instrução assenta no proporcionar a quem ainda não pode executar o ritual e assim vivencia-lo de forma mais plena. Assim foi criada a figura do “ Sombra” e que não é mais que pôr um aprendiz ou companheiro a mimetizar o que o Mestre de  Cerimónias  faz durante uma sessão.

A assim se conclui mais uma etapa na instrução em Maçonaria.


José Ruah

PS:  este pequeno texto sem nada de especial vai dedicado ao Rui Bandeira.

09 novembro 2011

A Maçonaria NÃO É uma sociedade secreta (II)

Emblema papal

No século XIX, o Papa Leão XII publica, em 1823, a bula "Onde Graviora" (texto em inglês aqui) que de novo condena Maçonaria como uma sociedade secreta, retomando os argumentos dos seus antecessores:

To be sure, even as the very voice of the public testifies, it has become known to Us that spreading far and wide and each day gaining strength are some societies, assemblies, meetings, gatherings, fellowships, or associations commonly called de` Liberi Muratori or Francs--Macons, or identified by whatever other designation according to the variety of idioms in which men of any religion and sect whatsoever, satisfied by a certain feigned appearance of natural honesty, are mutually united by a strict as well as impenetrable covenant according to the laws and statues established by them, and which at the same time they both secretly dedicate themselves to by a strict oath administered on the Sacred Bible, and which under the accumulation of severe penalties they are bound to conceal by an inviolable silence.
But since such is the nature of a crime, that it betrays its very self, and emits a cry as a herald of itself, on this account the societies or associations mentioned above have impressed upon the minds of the faithful a powerful suspicion to such an extent, that to enroll in these same fellowships is, before prudent and likewise approved men, absolutely the same as incurring the mark of depravity and perversion. For if they were not acting wickedly, they would never have such great hate for the light. Which voice has continually become more frequent, that in many regions the above mentioned societies have appeared for a long time to be outlawed by the secular authorities as being in adverse to the security of the realms and providentially banned.


O Papa que seguidamente volta ao assunto é Pio VIII, pela primeira vez na solene forma da Encíclica Traditi Humilitati, de 24/5/1829, que constitui o programa do seu pontificado. Encontrei o seu texto em inglês e, na parte que releva para o assunto em análise, lê-se no seu ponto 6:

When this corruption has been abolished, then eradicate those secret societies of factious men who, completely opposed to God and to princes, are wholly dedicated to bringing about the fall of the Church, the destruction of kingdoms, and disorder in the whole world. Having cast off the restraints of true religion, they prepare the way for shameful crimes. Indeed, because they concealed their societies, they aroused suspicion of their evil intent. Afterwards this evil intention broke forth, about to assail the sacred and the civil orders. Hence the supreme pontiffs, Our predecessors, Clement XII, Benedict XIV, Pius VII, Leo XII, repeatedly condemned with anathema that kind of secret society. Our predecessors condemned them in apostolic letters; We confirm those commands and order that they be observed exactly. In this matter We shall be diligent lest the Church and the state suffer harm from the machinations of such sects. With your help We strenuously take up the mission of destroying the strongholds which the putrid impiety of evil men sets up.

Nesta Encíclica, Pio VIII dispara em todas direções: as heréticas doutrinas que "atacam a fé católica", entre as quais os "sofistas ds nossa era", os que publicam a Bíblia nas línguas vernáculas (!) e, pior ainda, os que ousam comentá-la (de forma diferente da doutrina oficial, bem entendido), as sociedades secretas (não se referindo expressamente à Maçonaria, mas entendendo-se que a esta se refere através das referências aos documentos dos seus antecessores), repetindo o já usual argumento de que "porque esconderam as suas sociedades levantaram suspeitas sobre o seu maléfico intento". Mas, não sem razão, reconheça-se - tenha-se em conta que a intervenção política e revolucionária dos maçons já ocorria então, em vários países -, pela primeira vez concretiza-se: "Depois, este maléfico intento saiu à luz do dia, através do assalto às ordens sagradas e civis". A Maçonaria pagava o preço da sua intervenção!

Por sua vez, Pio IX, na sua encíclica Quanta Cura (texto em inglês aqui) repudia o entendimento dos que defendem que "apesar de as sociedades secretas serem condenadas (quer um voto de segredo seja ou ou não requerido nessas sociedades) e apesar de os que as frequentam e as favorecem serem punidos com o anátema, tal não tem validade nas regiões do mundo onde tais associações são toleradas pelo governo civil."

A secularização das sociedades era, afinal, a principal preocupação nesta encíclica.

Leão XIII foi Papa entre 1878 e 1903, encerrando o século XIX e a lista de condenações da Maçonaria como "sociedade secreta".

Logo no início do seu pontificado, em 1878, promulga a encíclica Inscrutabili Dei Consilio, longo documento em que lamenta o declínio do Poder Temporal da Igreja e do Papa, se pronuncia contra as legislações civis que permitem o divórcio e reafirma, de forma geral, as posições doutrinárias da Igreja Católica. Sem se referir expressamente à Maçonaria ou fazer qualquer referência a "sociedades secretas", acolhe e reafirma as posições dos seus predecessores, como se pode verificar pela seguinte passagem:

"Our predecessors, and the last of all, Pius IX, of sacred memory, especially in the General Council of the Vatican, have not neglected, so often as there was need, to condemn wide-spreading errors and to smite them with the apostolic condemnation. This they did, keeping before their eyes the words of St. Paul: "Beware lest any man cheat you by philosophy and vain deceit, according to the tradition of men, according to the elements of the world and not according to Christ." All such censures, We, following in the steps of Our predecessors, do confirm and renew from this apostolic seat of truth (...)".

Mas as suas mais vigorosas condenações da Maçonaria ocorreram numa ainda mais longa encíclica, a Humanum Genus, de 20 de abril de 1884, talvez a mais conhecida e citada encíclica sobre o tema, e ainda, oito anos depois, em 8 de dezembro de 1892, na encíclica Custodi de quella fede. Foram encíclicas expressamente dedicadas, em exclusivo, à Maçonaria, expondo o entendimento que dela então havia no Vaticano e expondo as razões da condenação. Doutrinariamente, são, sem dúvida, os mais importantes documentos de condenação da Maçonaria pela Igreja Católica e merecem uma análise em texto ou textos apenas a si dedicados. Procurarei fazê-la, ou começá-la, no próximo texto desta série.

Rui Bandeira

07 novembro 2011

Instrução em Maçonaria - II





Ao longo destes anos tenho vindo a constatar que em muitas Lojas há muita dificuldade em debater temas, em comentar pranchas, em usar da palavra.

Amiúde essa dificuldade advém de simples desconhecimento do Modus Faciendi, noutras de uma falsa noção que o uso da palavra se esgota no Venerável e que em condição alguma se deve discordar do seu discurso quase proverbial ou tampouco porque simplesmente não há tema.

A instrução começa nestes casos num patamar completamente diferente daquele que é normalmente considerado como o ponto de instrução. Na verdade muitos não se apercebem que é impossível um 2º Vigilante dar instrução, ou melhor que o resultado desse trabalho é quase inconsequente, quando a própria Loja é disfuncional. De que serve estar a dizer como se faz se depois os destinatários dessa informação constatam que não é nada daquilo que ocorre.

Mas centremo-nos apenas nos casos em que a dificuldade é o desconhecimento da forma. Nestes casos os membros integrantes da Loja não usam da palavra, porque não sabem como fazer, não que não saibam falar, não que não peçam e usem da palavra, mas apenas porque quando há um assunto há a dificuldade de falar sobre ele, a inibição de expor ideias, os problemas de emitir opinião, o medo horrífico de discordar.

Nas minhas inúmeras visitas fui podendo constatar isto e comparar com a Loja Mestre Affonso Domingues onde todos os Irmãos emitiam a respectiva opinião, não necessariamente concordante com a anterior , e no fim do debate era sempre possível encontrar plataformas, e sobretudo guardar e interiorizar ideias novas. Como creio que a minha Loja não é melhor que as demais, é tão só distinta isso sim, fui tentar perceber as diferenças. Experimentei apertar com algumas intervenções mais "fortes" na Affonso Domingues e no fim da sessão o resultado era o esperado, ou seja debate aberto franco, sem constrangimentos, sem problemas de que este Irmão é mais antigo ou sabe mais.

Finalmente percebi a razão. Estava, e sempre esteve, ali mesmo à minha frente. Era uma Loja maçónica, onde se valorizavam os valores da maçonaria evidentemente, mas também os valores das pessoas, mas sobretudo se valorizavam as ideias ainda mais que as pessoas que as emitiam. Era pois uma Loja Maçónica.

Assente neste pressuposto pude então começar a combater o desconhecimento. Bastava para tal mostrar que seria possível em sessão, debater ideias, sim tão somente isto. Mostrar que é possível discordar sem ser contra.

Mas chegar a uma Loja e dizer isto, pode ser interessante mas não resolve o problema. Era fundamental encontrar a forma de comunicar. E essa apareceu nos tais 45 minutos de que falei no texto anterior. E era simples, tão simples e singela que tinha que ter estado à minha frente longo tempo e eu não a percebi.

Propus o seguinte método: Intervindo como moderador, embora o poder de direcção dos trabalhos permanecesse na mão do Venerável da Loja, e logo a assumir a responsabilidade do que fosse dito pedi que a cada ideia que eu lançasse um Irmão tomasse a palavra para falar sobre o tema e que imediatamente outro o seguisse para contrapor ou acrescentar. Informando que se fosse para repetir eu cortaria a palavra. Tempo máximo por intervenção 2 minutos. Depois disso eu sumarizaria e lançava o debate sobre aquele tema para mais umas 2 ou 3 intervenções.

Repeti isto para 5 ou 6 temas diferentes e a cada vez o nível de intervenções foi melhorando. Aproveitando a cada um dos temas para dar algumas pistas sobre a gestão de uma Loja Maçónica.

No fim e pela análise dos comentários e do que os presentes disseram, percebi que o modelo tinha potencial. Voltei a experimentá-lo noutras lojas e o resultado foi similar.

Não tenho qualquer dúvida que o que fui fazer a estas Lojas foi uma sessão de instrução. O meu público alvo não eram os aprendizes, nem sequer os companheiros, mas sim os Mestres. Instruir quem tem que instruir.

Quero no entanto deixar aqui presente que não basta ler o que escrevi acima para se porem já a experimentar nas respectivas Lojas. O efeito de ser moderado por alguém de fora é fundamental para a primeira vez ( se isto fosse uma coisa americana teria que ter o seguinte aviso: Não tente sozinho em casa, peça sempre a ajuda de um profissional).

E por aqui ficamos por hoje.

José Ruah

03 novembro 2011

A pequena idade do gelo



A segunda metade do primeiro milénio da nossa era foi uma época de crescente prosperidade, que culminou no período entre os século XI e XIII. No seu apogeu, a vimos surgir na Europa as primeiras universidades, as primeiras cruzadas e a Magna Carta. Contudo, logo no século XIV a peste negra devassa a Europa, e durante cerca de quatro séculos viveu-se um período mais difícil. Sabemos o que se passou depois: entre 1775 e 1848 surge a "Idade das Revoluções", que alteraram o paradigma de governação, dando as monarquias absolutistas lugar às repúblicas e estados constitucionais. Era o tempo do Iluminismo, o século das Luzes, que iniciou um ciclo de permanentes e aceleradas transformações que não se fechou ainda.

Na figura acima podemos ver um gráfico estimado das temperaturas médias no hemisfério Norte no último milénio. É clara a diminuição de temperatura que se verificou especialmente entre 1500 e 1700. A figura não tem escala, mas estamos a falar de uma diferença da temperatura média, entre o máximo verificado por volta do ano 1300 e o mínimo por volta do ano 1600, de cerca de um grau Celsius. Muito pouco, dir-se-á.  Todavia, esse pouco foi o suficiente para a Gronelândia, povoada pelos Viquingues por volta do século XIV, viesse a ser praticamente abandonada trezentos anos depois, e o rio Tamisa gelasse no inverno durante o período mais frio, o que não sucedia antes nem sucede agora. Também causou, como se poderia esperar, visíveis e apreciáveis revezes nas colheitas agrícolas.

Não se sabe quais as causas desta diminuição de temperatura, mas supõe-se que possa ter sido causada por  uma diminuição da atividade solar que igualmente se constatou nesse período. Também não se pode demonstrar que a diminuição da temperatura esteve na origem de um aumento da fome e da pobreza, e por isso de maior instabilidade social, que veio a culminar nas revoluções dos séculos XVIII e XIX. Mas é credível que assim tenha sucedido.

Temos uma enorme tendência para ver o mundo pelos olhos da nossa própria espécie. Todavia, se virmos o que sucede a uma cultura de bactérias quando é objeto de aumentos ou diminuições de temperatura, constataremos que os efeitos são bastante semelhantes aos efeitos das mesmas alterações sobre os humanos. Nesta placa de Petri que habitamos, basta uma pequena flutuação de temperatura para causar aumentos ou diminuições da população, períodos de carestia ou prosperidade, ou alternância entre estabilidade política e revoluções.

Paulo M.

http://en.wikipedia.org/wiki/Little_Ice_Age
http://en.wikipedia.org/wiki/Causes_of_the_French_Revolution
http://stepwilh.blogspot.com/2010/07/hockey-stick-graph.html