Maçonaria e Poder (XII)
Sebastião de Magalhães Lima
Grão-Mestre do GOL entre 1907 e 1928
Membro do Diretório do Partido Republicano
Em 1877, consuma-se o cisma maçónico entre a Grande Loja Unida de Inglaterra e o Grande Oriente de França. O GOLU (Grande Oriente Lusitano Unido) já estava então claramente na órbita do Grande Oriente de França, com ele partilhando, quer em resultado das vicissitudes nacionais no século XIX, quer por via da influência da instituição francesa na portuguesa, as caraterísticas que demarcaram a postura do GOF e que este herdou dos valores saídos da Revolução Francesa: a laicidade, o anticlericalismo, o igualitarismo, o republicanismo.
A Maçonaria portuguesa, que anteriormente interviera em defesa do ideário liberal, a partir do último quartel do século XIX alinhou resolutamente na corrente da Maçonaria dita Irregular, em todas as suas vertentes, incluindo a do republicanismo.
A Monarquia Constitucional já não lhe era bastante. Cada vez mais maçons e cada vez mais a Maçonaria portuguesa, como um todo, se entendiam, laicos, anticlericais, igualitários e republicanos. Certamente que alguns, talvez ainda num número com algum significado, eram maçons sem serem republicanos. Mas seguramente que a muitos destes lhes era indiferente a questão do regime, ou seja, não eram propriamente partidários da República, vivendo sem desagrado em Monarquia, mas também não teriam problemas em viver numa República...
Se as fileiras da Maçonaria se distribuíam entre uma poderosa corrente republicana, uma massa de indiferentes quanto à questão do regime e uma minoria de monárquicos, as fileiras do Partido Republicano eram muito mais homogéneas: seria difícil encontrar um republicano, ou, pelo menos, um político republicano, que não fosse maçom...
Os eventos históricos são conhecidos: em 1908, o Regicídio, perpetrado por dois carbonários (mandando a verdade dizer que a Carbonária, extremista, diríamos hoje mesmo que terrorista, era uma organização diferente e separada e independente da Maçonaria, mas que alguns, e talvez não tão poucos como isso, carbonários eram simultaneamente maçons), dois anos depois a Revolução Republicana do 3-5 de outubro de 1910.
A Revolução Republicana foi levada a cabo por maçons e instaurou o ideário maçónico da época, na sua vertente influenciada pela corrente Irregular: instituições republicanas, com separação e divisão de poderes entre os vários órgãos do Poder, ideário a favor da Igualdade essencial dos cidadãos (partilhado com a corrente maçónica tradicional), um profundo e ativo anticlericalismo e um indefetível laicismo. Não admira, assim, que um dos primeiros atos do novo Poder tivesse sido a publicação da Lei da Separação entre a Igreja e o Estado e a respetiva execução.
Os políticos republicanos eram todos, ou quase, maçons. Não obstante esse traço de união, tal como sucedera com a vitória do Liberalismo, obtida a vitória da República, dividiram-se nos vários grupos políticos e nas várias fações que, desde as mais conservadoras às de tendências mais esquerdistas, conviviam - e se combatiam! - no seio do Partido hegemónico do Regime, o Partido Republicano, ou Democrático.
A Política executava o ideário maçónico dominante, a Maçonaria enquadrava os políticos. Durante o dia, os políticos atarefavam-se nos Ministérios, no Parlamento, nos Diretórios partidários. À noite reviam-se nas reuniões das Lojas! A I República foi o apogeu da Maçonaria - melhor dizendo, de uma certa conceção da Maçonaria - em Portugal. Foi o tempo em que mais intrincada e próxima foi a ligação entre a Maçonaria e o Poder, em Portugal.
De alguns tiques do Poder, da fama de influenciar ou dirigir o Poder, que nesse tempo foi justa, nunca mais, até hoje, a Maçonaria portuguesa se veio a livrar, só agora, lentamente, os mais esclarecidos, e apenas estes, começando a notar as diferenças entre as Maçonarias hoje existentes no País.
Mas a vida é feita de ciclos. O que hoje sobe triunfantemente os degraus do Poder, deles vai tombar amanhã. As ideias pujantes de uma geração são contestadas pela geração seguinte. Os desequilíbrios decorrentes de exercícios voluntaristas do Poder acumulam-se, com eles as tensões sociais e a força apelativa das ideias opostas, ou simplesmente diferentes, mas novas.
Dezasseis curtos anos levou a I República até evidenciar sinais de desgaste dificilmente ultrapassáveis, até os desequilíbrios económicos, as tensões sociais, os conflitos ideológicos e de poder resolvidos nas ruas, de armas na mão, inevitavelmente a conduzirem à sua queda.
O Poder militar interveio, levou à mudança de regime. Outra ideologia, bem mais conservadora, bem menos democrática, bem mais próxima da Igreja, ascendia e acedia ao Poder. Conservá-lo-ia por quase meio século.
Embora alguns dos militares que puseram fim à I República fossem maçons, a Maçonaria viria, inevitavelmente, a pagar - e bem caro pagou! - o preço do seu entrelaçamento com o Poder republicano. Menos de uma década se passou após o golpe militar de 28 de maio de 1926, para que, já sob a mão-de-ferro do novo titular do Poder, Oliveira Salazar, companheiro de juventude de um clérigo que durante décadas seria o Cardeal Patriarca de Lisboa, o Cardeal Cerejeira, toda a força do novo Poder se abatesse sobre a Maçonaria: em 21 de maio de 1935, é publicada a Lei n.º 1901, que ilegalizou e dissolveu juridicamente as chamadas Sociedades Secretas e as desapossou dos seus bens, entregando-os à Legião Portuguesa.
O GOL (já assim se denominava) passa à clandestinidade. A atividade maçónica quase que desaparece em Portugal. Apenas, crê-se, duas Lojas, uma em Lisboa, outra em Coimbra, não abateram nunca colunas durante o longo período de clandestinidade. Outras terão mantido atividade, mais que irregular, meramente esporádica, raramente reunindo formalmente, mantendo os seus membros contactos na vida profana.
Dezasseis anos de apogeu, quase quarenta anos de trevas - este o preço que a Maçonaria portuguesa, alinhada na corrente dita Irregular, pagou pela sua proximidade e imbricação com o Poder!
Fontes:
http://revolucaoemfranca.blogspot.com/2011/06/maconaria-e-revolucao.html (um texto notável, cuja leitura recomendo vivamente)
http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_n.%C2%BA_1901,_de_21_de_Maio_de_1935
Rui Bandeira
A Maçonaria portuguesa, que anteriormente interviera em defesa do ideário liberal, a partir do último quartel do século XIX alinhou resolutamente na corrente da Maçonaria dita Irregular, em todas as suas vertentes, incluindo a do republicanismo.
A Monarquia Constitucional já não lhe era bastante. Cada vez mais maçons e cada vez mais a Maçonaria portuguesa, como um todo, se entendiam, laicos, anticlericais, igualitários e republicanos. Certamente que alguns, talvez ainda num número com algum significado, eram maçons sem serem republicanos. Mas seguramente que a muitos destes lhes era indiferente a questão do regime, ou seja, não eram propriamente partidários da República, vivendo sem desagrado em Monarquia, mas também não teriam problemas em viver numa República...
Se as fileiras da Maçonaria se distribuíam entre uma poderosa corrente republicana, uma massa de indiferentes quanto à questão do regime e uma minoria de monárquicos, as fileiras do Partido Republicano eram muito mais homogéneas: seria difícil encontrar um republicano, ou, pelo menos, um político republicano, que não fosse maçom...
Os eventos históricos são conhecidos: em 1908, o Regicídio, perpetrado por dois carbonários (mandando a verdade dizer que a Carbonária, extremista, diríamos hoje mesmo que terrorista, era uma organização diferente e separada e independente da Maçonaria, mas que alguns, e talvez não tão poucos como isso, carbonários eram simultaneamente maçons), dois anos depois a Revolução Republicana do 3-5 de outubro de 1910.
A Revolução Republicana foi levada a cabo por maçons e instaurou o ideário maçónico da época, na sua vertente influenciada pela corrente Irregular: instituições republicanas, com separação e divisão de poderes entre os vários órgãos do Poder, ideário a favor da Igualdade essencial dos cidadãos (partilhado com a corrente maçónica tradicional), um profundo e ativo anticlericalismo e um indefetível laicismo. Não admira, assim, que um dos primeiros atos do novo Poder tivesse sido a publicação da Lei da Separação entre a Igreja e o Estado e a respetiva execução.
Os políticos republicanos eram todos, ou quase, maçons. Não obstante esse traço de união, tal como sucedera com a vitória do Liberalismo, obtida a vitória da República, dividiram-se nos vários grupos políticos e nas várias fações que, desde as mais conservadoras às de tendências mais esquerdistas, conviviam - e se combatiam! - no seio do Partido hegemónico do Regime, o Partido Republicano, ou Democrático.
A Política executava o ideário maçónico dominante, a Maçonaria enquadrava os políticos. Durante o dia, os políticos atarefavam-se nos Ministérios, no Parlamento, nos Diretórios partidários. À noite reviam-se nas reuniões das Lojas! A I República foi o apogeu da Maçonaria - melhor dizendo, de uma certa conceção da Maçonaria - em Portugal. Foi o tempo em que mais intrincada e próxima foi a ligação entre a Maçonaria e o Poder, em Portugal.
De alguns tiques do Poder, da fama de influenciar ou dirigir o Poder, que nesse tempo foi justa, nunca mais, até hoje, a Maçonaria portuguesa se veio a livrar, só agora, lentamente, os mais esclarecidos, e apenas estes, começando a notar as diferenças entre as Maçonarias hoje existentes no País.
Mas a vida é feita de ciclos. O que hoje sobe triunfantemente os degraus do Poder, deles vai tombar amanhã. As ideias pujantes de uma geração são contestadas pela geração seguinte. Os desequilíbrios decorrentes de exercícios voluntaristas do Poder acumulam-se, com eles as tensões sociais e a força apelativa das ideias opostas, ou simplesmente diferentes, mas novas.
Dezasseis curtos anos levou a I República até evidenciar sinais de desgaste dificilmente ultrapassáveis, até os desequilíbrios económicos, as tensões sociais, os conflitos ideológicos e de poder resolvidos nas ruas, de armas na mão, inevitavelmente a conduzirem à sua queda.
O Poder militar interveio, levou à mudança de regime. Outra ideologia, bem mais conservadora, bem menos democrática, bem mais próxima da Igreja, ascendia e acedia ao Poder. Conservá-lo-ia por quase meio século.
Embora alguns dos militares que puseram fim à I República fossem maçons, a Maçonaria viria, inevitavelmente, a pagar - e bem caro pagou! - o preço do seu entrelaçamento com o Poder republicano. Menos de uma década se passou após o golpe militar de 28 de maio de 1926, para que, já sob a mão-de-ferro do novo titular do Poder, Oliveira Salazar, companheiro de juventude de um clérigo que durante décadas seria o Cardeal Patriarca de Lisboa, o Cardeal Cerejeira, toda a força do novo Poder se abatesse sobre a Maçonaria: em 21 de maio de 1935, é publicada a Lei n.º 1901, que ilegalizou e dissolveu juridicamente as chamadas Sociedades Secretas e as desapossou dos seus bens, entregando-os à Legião Portuguesa.
O GOL (já assim se denominava) passa à clandestinidade. A atividade maçónica quase que desaparece em Portugal. Apenas, crê-se, duas Lojas, uma em Lisboa, outra em Coimbra, não abateram nunca colunas durante o longo período de clandestinidade. Outras terão mantido atividade, mais que irregular, meramente esporádica, raramente reunindo formalmente, mantendo os seus membros contactos na vida profana.
Dezasseis anos de apogeu, quase quarenta anos de trevas - este o preço que a Maçonaria portuguesa, alinhada na corrente dita Irregular, pagou pela sua proximidade e imbricação com o Poder!
Fontes:
http://revolucaoemfranca.blogspot.com/2011/06/maconaria-e-revolucao.html (um texto notável, cuja leitura recomendo vivamente)
http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_n.%C2%BA_1901,_de_21_de_Maio_de_1935
Rui Bandeira