08 junho 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - o DEZ



A imagem que encima este texto é a Década pitagórica, a representação gráfica e geométrica do número DEZ. Constitui o desenvolvimento das representações dos três primeiros números: a mónade (que define o ponto), a díade (definidora da linha) e da tríade (definidora da superfície), replicando o triângulo regular desenhado na tríade até ao máximo possível na superfície dos dois círculos gerados pela díade, através do movimento da mónade. Conseguem-se assim inscrever nessa superfície DEZ triângulos regulares.

A década, o último dos números que englobavam os princípios do cosmo, não simbolizava, porém, o fim, antes um ponto de reunião para um novo recomeço, numa viagem sem limites. Os pitagóricos entendiam o DEZ como o símbolo do mundo e dos céus, encerrando o ciclo básico da construção do universo, contido nos números do UM ao DEZ.

Para os pitagóricos, dado que DEZ é igual a UMA vez DUAS vezes CINCO, a década é o resultado da interação da mónade, da díade e da pêntade (ou seja, do Princípio Criador, da dinâmica, da ação, desse princípio e da Vida).

Tal como a mónade, qualquer número multiplicado por DEZ mantém o original, apenas o transportando para um nível mais alto, tornando-o uma versão aumentada de si próprio (UM vezes DEZ = UMA década; DOIS vezes DEZ igual a DUAS décadas; TRÊS vezes DEZ igual a TRÊS décadas, e assim sucessivamente)

Aécio (filósofo grego) escreveu:

DEZ é a verdadeira natureza do número. Todos os gregos e todos os bárbaros contam até DEZ e, chegando ao DEZ, voltam novamente para a unidade. Pitágoras afirma mais uma vez que o poder do número DEZ reside no número QUATRO, a tétrade. Esta é a razão: se começarmos na unidade e somarmos os números sucessivos até QUATRO, obteremos o número DEZ (UM + DOIS + TRÊS + QUATRO = DEZ). E, se ultrapassarmos a tétrade, ultrapassamos também DEZ... De forma que o número que está ao lado da unidade é inerente ao número DEZ, mas potencialmente ao número QUATRO. E, deste modo, os pitagóricos costumam invocar a tétrade no seu juramento de compromisso: "Por aquele que deu à nossa geração a Tetraktys, que contém a fonte e a raiz da natureza eterna..."

Este texto introduz-nos uma variante de representação gráfica da década também utilizada pelos pitagóricos, com um especial relevo na música (recorde-se que, para os pitagóricos, o Universo era constituído na sua essência por números, cujos valores essenciais se relacionavam em perfeita harmonia, como na música, expressão da perfeição da Criação). Essa variante é a tetraktys, abaixo representada.

A tetraktys foi o diagrama para as descobertas pitagóricas na música. Pitágoras fez experiências com fios de diferentes, mas proporcionais, comprimentos, colocados como unindo horizontalmente os pontos representados na figura, fios esses colocados sob a mesma tensão, vindo a descobrir a relação entre o comprimento de um fio a vibrar e a altura do som da nota. A tetraktys contém as razões sinfónicas da harmonia matemática na escala musical: 1:2, a oitava; 2:3, a quinta perfeita; e 3:4, a quarta perfeita.

Os pitagóricos também por esta forma encontraram harmonia nos números, uma harmonia que consideravam (e talvez não erradamente...) refletida na natureza, na arte, na ciência, no som, uma harmonia quiçá misteriosa, seguramente não totalmente compreendida, mas simbólica e indubitavelmente bela.

E quanto à Maçonaria?

Não conheço nenhuma especial relevância, em termos maçónicos, do número DEZ, a exemplo do que sucede com todos os números pares, exceto o primeiro, o DOIS.

Mas, olhando para a tetraktys, reparo que, não sendo ela utilizada pelos maçons, no entanto estes utilizam - e correntemente! - uma versão (muito) simplificada dessa representação gráfica. Usam-na correntemente sempre que utilizam abreviaturas. É uma representação muito simplificada, mas com justificação. Afinal de contas, os maçons, desde a sua iniciação que são confrontados com os significados simbólicos do UM, do DOIS e do TRÊS - e estes três valores podem (todos e cada um) ver-se representados, simplesmente, assim:

Fonte:

O Código Secreto, Priya Hemenway, ed. Evergreen, 2010.

Rui Bandeira

01 junho 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - o SEIS, o SETE, o OITO e o NOVE


Em relação aos números pitagóricos do SEIS ao NOVE, escasseiam elementos disponíveis nas consultas que fiz, pelo que agrupo os quatro num único texto, com breves referências a cada um deles.

A héxade, representação gráfica do número SEIS segundo os pitagóricos, está representada pela imagem acima. Era chamada pelos pitagóricos "A Perfeição das partes". O SEIS resulta da multiplicação do DOIS (atividade concretizadora do Princípio Criador) pelo TRÊS (a Criação).

Não conheço especial referência maçónica a este número.

A héptade (imagem abaixo) é a representação gráfica do SETE. A designação SETE, segundo os pitagóricos, derivava do verbo grego sebo, que significa "venerar". Septos, em grego, significa "santo, divino".
O SETE resulta da adição do TRÊS (a Criação) com o QUATRO (o Universo), representando assim o resultado do ato divino. O SETE é o número da religião - religar o mundo sensível ao divino.

Em Maçonaria, o SETE é referido em relação ao grau de Mestre. Sem grande desenvolvimento, direi que a simbologia maçónica inerente a este número é herdeira da simbologia pitagórica (não desenvolvo mais, porque a explicação obrigaria a referenciar passagens da Cerimónia de Elevação a Mestre e do catecismo de Mestre, que entendo não dever divulgar).

A representação gráfica do OITO é a ogdóade (nesta imagem, algo rebuscada, mas não encontrei mais simplificada representação de dois quadrados sobrepostos, formando oito "pontas", triângulos).
O OITO representa o primeiro cubo (DOIS elevado ao cubo, ou seja, 2 x 2 x 2). Consequentemente, o OITO divide-se em dois QUATROS , cada um destes em dois DOIS e cada um destes em dois UNS, refazendo-se a original mónade. Os pitagóricos consideravam o OITO a essência do amor, da prudência e da lei.

Nenhuma referência particular conheço na Maçonaria ao número OITO.

Finalmente, o NOVE era representado graficamente pela enéade. O NOVE é o primeiro quadrado de um número ímpar (3 x 3). Ou seja, a Criação ao quadrado. Ou, por outras palavras, o NOVE, para os pitagóricos, simbolizava a MATÉRIA.

Em Maçonaria, também este número tem um significado semelhante, mas adaptado à respetiva simbologia de base. O maçom é um construtor, mas essencialmente um construtor de si próprio, do seu caráter, do seu Templo. O resultado, sempre em evolução, da sua construção é o Homem em aperfeiçoamento, a "matéria" no seu estádio mais nobre. Associado ao grau de Mestre, o NOVE representa a construção do maçom e o júbilo que resulta do êxito dessa construção.

Fontes:

http://www.pucsp.br/pos/edmat/mp/dissertacao/marcos_munhoz_cano.pdf
http://designconsciousness.blogspot.com/2009/01/heptad.html
http://www.sacred-texts.com/eso/sta/sta16.htm

Rui Bandeira

29 maio 2011

Perceção, verdade e tolerância - III


Como vimos, a interpretação direta dos sentidos pode ser muito enganadora. A razão permite-nos, contudo, interpretar aquilo de que nos apercebemos do mundo, e construir acerca do mesmo conjeturas que o tornem mais previsível - aquilo a que chamamos normalmente as "leis da física". Ora, em grego, "φύσης" ("físis") quer dizer, simplesmente, "natureza". As "leis da física" não são senão... as "leis da natureza"!!!

Em ciência as palavras têm significados precisos. "Teoria", "lei" e "hipótese" não significam a mesma coisa. Por exemplo, fora da ciência, pode-se que algo é "apenas uma teoria", ou seja, é pressuposto de que pode ou não ser verdade. Em ciência, uma teoria é uma explicação que é geralmente aceite como sendo  verdadeira.


Uma "hipótese" é uma suposição feita com base na observação. Normalmente, uma hipótese pode ser apoiada ou refutada através da experimentação ou observação. Pode provar-se que uma hipótese é falsa,  mas não pode provar-se que é verdadeira.

Uma "teoria científica" resume uma hipótese ou conjunto de hipóteses que tenham vindo a ser suportadas por   repetidos testes. Uma teoria é válida enquanto não haja uma prova que a refute. Basicamente, se se acumula provas que apoiem uma hipótese, então, a hipótese pode passar a ser aceite enquanto uma boa explicação para um certo fenómeno. Pode dizer-se que uma teoria é uma hipótese cuja veracidade é aceite.

Uma "lei" generaliza um conjunto de observações. No momento em que é elaborada, não há exceções que a refutem. As leis científicas explicam as coisas, mas não as descrevem. Uma forma de distinguir uma lei de uma teoria é questionando se a sua descrição nos dá os meios de explicar "porquê". Por exemplo: através da Lei da Gravidade de Newton podemos prever o comportamento de um objeto que cai, mas não podemos explicar por que é que ele cai.

Como se pode ver, não há "prova" ou absoluta "verdade" na ciência. O mais próximo que temos são factos, que são observações razoavelmente inquestionáveis desde que efetuadas em condições controladas e passíveis de ser reproduzidas. Todavia, em ciência, não se pode demonstrar que nada é verdadeiro, só se pode demonstrar que é falso. Não há "prova" na ciência.


A ideia de que era possível explicar-se os fenómenos naturais apenas com base na observação e interpretação da natureza não foi do agrado de todos. Alguns acreditavam - e muitos acreditam ainda - que o mundo não é passível de ser entendido sem se ter em conta alguma intervenção divina, uma centelha sobrenatural, ou pelo menos algo transcendente e espiritual.

É aqui que entram em campo outras verdades: as chamadas "verdades reveladas" ou, simplesmente, a "fé". A fé é, por definição, contrária à constatação. A partir do momento que algo possa ser demonstrado deixa de ser passível de ser acreditado. A fé só é necessária se não tivermos meios de comprovar aquilo em que acreditamos.

Eu não "acredito" que há uma árvore em frente da minha casa; eu "sei" e "constato" que ela existe, seja através do tacto, seja através da visão, e da troca de experiências com a minha família e vizinhos. No entanto, se me disserem que "há um ninho em cima da árvore" e eu não o tiver visto, passa isso a ser matéria de fé: acredito em quem mo disse. Porém, se for ver a árvore e estiver lá o ninho, deixo de acreditar, e passo a constatar. E se não houver ninho nenhum, constatarei na mesma que... não devia ter acreditado.

Há, todavia, muitas "verdades" mais difíceis de comprovar. Será que o Homem foi mesmo à Lua? Há ainda hoje quem não acredite... como há quem creia que a Terra não é esférica. A estes últimos bastaria uma viagem de avião para se lhes comprovar o errados que estão. Quanto à Lua, seria mais difícil, mas não impossível: aquilo em que acreditam - ou o que refutam - é do âmbito da realidade material.

Mas como se prova a veracidade - ou falsidade - da declaração de alguém que diz ter visto um fantasma? Falado com um espírito? Recebido uma mensagem do Além? Como se refuta - ou prova - que há vida para além da morte? Como se faz prova da existência de Deus - ou do seu contrário? Como se distingue um iluminado de um alienado, um burlão de um profeta, ou um místico de um doente mental?

Como se prova ou refuta uma verdade que não é passível de ser demonstrada pela razão? Todos passámos já por estas questões. A este respeito a Maçonaria tem uma resposta clara: não se prova, não se refuta, e, acima de tudo, não se discute.

Paulo M.

Fontes

25 maio 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - o CINCO

A partir do ponto do UM e da linha do DOIS emergiu a superfície do triângulo regular do TRÊS e depois o volume da pirâmide quadrangular, de base quadrada, do QUATRO. Com a pêntade, acima representada, os pitagóricos representaram o CINCO. O CINCO não é representado por uma forma geométrica regular clássica, antes por uma forma complexa (uma estrela de cinco pontas inscrita num pentágono regular, por sua vez inscrito num círculo, o qual está inscrito na vesica piscis). A representação gráfica do CINCO abandona a sequência lógica que verificámos anteriormente. Do ponto nasceu a reta, desta a superfície e desta o volume. Mas a pêntade, ou pentagrama estrelado, não parte de nenhum ponto central, nem da reta da díade ou do triângulo da tríade e muito menos da pirâmide da tétrade. A pêntade quebra com a sequência lógica. No entanto, olhando para o símbolo, temos uma sensação de harmonia, de que este símbolo evolui logicamente dos anteriores, embora nos escape essa lógica...

A resposta a esta perplexidade encontra-se se não esquecermos e tivermos presente que os pitagóricos encaram os números como a essência de tudo o que existe. O UM (a mónade, o ponto) é a essência do Princípio Criador; o DOIS (a díade, a linha) é a essência da atividade concretizadora do Princípio Criador; o TRÊS (a tríade, o triângulo regular, a superfície) a essência do resultado da união do Principio Criador e da sua atividade, a Criação; o QUATRO (a tétrade, o quadrado, o volume da pirâmide quadrangular de base quadrada) é a essência do resultado do ato da Criação, o Universo. O CINCO (a pêntade, o pentagrama estrelado) é a essência de quê? Basta pensarmos um pouco para vermos claramente a sequência lógica, o que se segue: a Vida!

A Vida é complexa, ilógica, imprevisível; no entanto, profundamente lógica e harmónica. É bela como o pentagrama estrelado, complexa como a sua emergência geométrica, livre, nascendo fora dos cânones antecedentes, singularmente harmónica como a imagem da pêntade.

O CINCO pitagórico simboliza a VIDA, passo seguinte após a Criação do Universo.

Na Natureza, o pentagrama estrelado aparece por toda a parte: repare-se na estrela-do-mar; na disposição das sementes no interior de uma maçã. O valor CINCO aparece também com frequência na Natureza, desde as simples cinco pétalas de uma flor à quantidade de dedos que temos em cada mão e em cada pé e ao número dos nossos sentidos.

Na Antiguidade, a pêntade era reverenciada e a sua construção geométrica mantida secreta (o hábito do secretismo vem de longe...). Os pitagóricos usaram a pêntade como um sinal secreto para se reconhecerem uns aos outros (onde é que eu também já vi isto...?). A construção desta forma geométrica foi mantida secreta e oralmente transmitida muito depois de a Escola Pitagórica ter desaparecido: as guildas de artesãos que usavam o seu simbolismo nas catedrais góticas não escreviam acerca dela. O método de construção do pentagrama estrelado só veio a ser publicamente revelado a artistas e filósofos pelo professor de Leonardo da Vinci, Luca Pacioli, no seu livro Divina proportione.

A Maçonaria herdou diretamente esta simbologia da pêntade e aplica-a particularmente no grau de Companheiro, o tempo em que o maçom se deve especialmente dedicar ao estudo da Natureza e sua leis, de tudo o que é construído, de tudo o que o homem aprendeu. Em Maçonaria, o CINCO é assim associado ao Companheiro maçom.

Fonte:

O Código Secreto, Priya Hemenway, ed. Evergreen, 2010.

Rui Bandeira

22 maio 2011

Perceção, verdade e tolerância - II


Como vimos, os nossos sentidos ficam postos em causa, não podendo ser considerados fonte inquestionável de verdade. Não podem ser a única fonte de validação daquilo que tomamos por certo, nem nos permitem, por sim mesmos, saber se aquilo de que estamos convictos é, de facto, verdade. Mas o que é a verdade? Haverá uma verdade, ou muitas verdades? Dizem algumas filosofias orientais que "A verdade é uma, as perceções são muitas". Mas poderemos nós saber qual é a "verdade verdadeira"?

O conceito de "verdade" não é universal, ainda hoje sendo debatido. Os pensadores da antiguidade clássica, como Sócrates, Platão e Aristóteles, consideravam ser a "verdade" a correspondência entre ideias (ou pensamentos) e coisas (ou objetos). Se a ideia correspondia à coisa, a ideia era verdadeira. A perceção da essência da coisa não era questionada; confiava-se nos sentidos. Este pensamento foi o dominante até ao século XIII, em que Tomás de Aquino afirmava ser "a verdade é a (ad)equação entre as coisas e o intelecto", e que "Um juízo é verdadeiro quanto está conforme com uma realidade exterior". A verdade era atingida, nesta perspetiva, sempre que se fazia corresponder à realidade objetiva uma representação em pensamentos, palavras ou outros símbolos.

Todavia, a expressão verbal não é inteiramente inequívoca. As línguas não são absolutamente tradutíveis entre si; há conceitos que se perdem sempre que se procura exprimir certa ideia numa língua distinta que   não possua, no que concerne certa palavra, o mesmo campo semântico.  Essas palavras "difíceis" são aquelas que, por essa mesma razão, tendem a surgir na sua expressão original nos textos traduzidos. A razão é simples: conceitos subtis ou extremamente complexos podem carecer de uma extrema precisão para que sejam adequadamente expressos, transmitidos e entendidos, e a linguagem pode ser - e frequentemente é - um obstáculo a esse processo.


O Universo era ainda visto como algo de abarcável pela mente humana, como algo de belo, coerente e consistente; como um enorme relógio tiquetaqueando com persistência a sua quase infinita complexidade, mas sempre confinado a certas regras, a certa regularidade, a certa previsibilidade. A própria mente humana era vista como um maravilhoso micro-cosmo, pois que se era capaz de abarcar o Universo, devia ser ela mesma imensamente complexa. Conhecer a verdade consistia, assim, apenas na questão de se construir um sistema lógico-matemático formalmente coerente e consistente com o qual se estabelecesse uma correspondência com o Universo físico.

Note-se que está implícita uma premissa ainda nunca provada, em nenhum lado demonstrada: que o Universo físico se rege por leis matematicamente exprimíveis. O que nos parece hoje claro e evidente foi absolutamente revolucionário no seu tempo, e constituiu a base da Ciência: que a Natureza não é caprichosa, nem as suas forças decorrem dos caprichos dos deuses do Panteão, mas antes é passível de ser medida, racionalizada, entendida, prevista e reproduzida de acordo com regras (muitas vezes simples) numéricas, quantitativas, objetivas. É esta uma das mais fantásticas coincidências, e vista por muitos cientistas crentes como a verdadeira "marca do Criador": o termos um mundo que podemos descobrir, entender, e mesmo inferir sem nunca ter visto, por haver esta correspondência entre a Matemática e a Física, que funciona nos dois sentidos: há descobertas da física que obrigam à criação de novas linguagens matemáticas para as poder exprimir; e sucede descobrir-se que o que se julgava serem puras elucubrações da matemática pura conhecidas há décadas explica na perfeição uma qualquer nova descoberta do mundo da física.

Esta correspondência é, porém, frágil. Por um lado, não há nenhuma "prova" de que o mundo se reja sempre por leis matematicamente exprimíveis. Por outro lado, a matemática e a lógica - antes consideradas edifícios inexpugnáveis de racionalidade e consistência - vieram a revelar - de forma demonstrável - que algumas verdades matemáticas seriam sempre indemonstráveis, não deixando de ser verdadeiras; e que havia paradoxos - verdadeiro anátema num sistema lógico - que não podiam ser ultrapassados. Não sabemos, ainda, as consequências que estas descobertas matemáticas virão a refletir na física, mas é fascinante imaginar que aparentes incongruências físicas se venham a descobrir nos locais onde descobrimos as incongruências matemáticas.


Recapitulemos então: os nossos sentidos, para além de incompletos, são imperfeitos. A nossa visão só se apercebe de um estreitíssimo espetro eletromagnético a que chamamos "luz visível"; só conseguimos aperceber-nos de certos sons cuja intensidade ultrapasse um certo limiar; e há muitas coisas no mundo de que não nos apercebemos de todo. Por outro lado, o nosso cérebro pode interpretar de forma inadequada os estímulos que recebe nos nossos órgãos sensoriais. As ilusões de ótica são um exemplo clássico, bem como o exemplo do efeito McGurk. A razão na sua manifestação mais objetiva - a matemática e a lógica - vêm a revelar-se igualmente incapazes de constituir sistemas absolutamente coerentes e à prova de quaisquer ataques. Por fim, quando queremos transmitir aquilo de que nos inteirámos sobre o mundo que nos rodeia, não somos capazes de o fazer senão através de meios igualmente imperfeitos e passíveis de introdução de novas imprecisões, novas discrepâncias e novos erros, decorrentes do recurso a linguagens e a símbolos.

Cientes destas limitações, surgem novas ideias em torno do conceito de verdade. Surge, por exemplo, a ideia de que a "verdade" é algo de construído, decorrente de cada contexto histórico, social e cultural, refletindo somente as convenções interpretativas dominantes em cada um desses contextos. Ou a ideia de que a verdade é passível de plebiscito ou a consenso, correspondendo a visão "verdadeira" àquela com que todos - ou aqueles que estão em maioria - concordam. Esta interpretação levou a que chegasse a haver tentativas de decretar novos valores para o "pi" e para a raiz quadrada de 2 - felizmente postas de parte.

Hoje em dia a "verdade", numa perspetiva quer pragmática quer científica, é considerada algo de incompleto, parcial e falível. É um limite para que se tende, algo de que nos conseguimos aproximar, mas sempre sob escrutínio, continuamente posta em causa, e passível de vir a ser contrariada e substituída por uma "verdade mais verdadeira". Perdida pelo caminho fica a inocência da busca da "verdade objetiva", da "verdade absoluta", e a ilusão de se poder conhecer as coisas tais como elas são.

Paulo M.

Fontes:
http://en.wikipedia.org/wiki/Truth

18 maio 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - o QUATRO


A representação gráfica do QUATRO, a tétrade, a forma geométrica que, segundo os pitagóricos, representa este número, obtém-se pela forma ilustrada pela imagem que encima este texto.

Recordemos que o UM (que determina o ponto) e o DOIS (que determina a linha) são facetas do Princípio Criador, aquele estático, potencial, este dinâmico, a concretização da potência original, e que os pitagóricos entendiam que estes dois números eram os progenitores de todos os demais números básicos (até DEZ). O "filho" primogénito era o TRÊS, que determina o triângulo equilátero, primeiro polígono regular. O QUATRO determina o quadrado.

A forma mais simples de o desenhar, partindo doa intersecção dos dois círculos (a vesica piscis) é traçar uma linha horizontal unindo os centros dos dois círculos (figura do DOIS) e uma linha vertical ligando os dois pontos de interseção dos dois círculos. Seguidamente, com centro no ponto de interseção destas duas linhas, traça~se um círculo unindo os dois centros dos dois círculos iniciais. Finalmente, ligam-se os quatro pontos de interseção entre o círculo menor e as linhas horizontal e vertical previamente traçadas, desenhando-se um quadrado perfeito, inscrito nesse círculo menor.

QUATRO é o primeiro número formado, quer pela adição, quer pela multiplicação de iguais (DOIS mais DOIS e também DOIS vezes DOIS). Assim, os pitagóricos consideravam o QUATRO o primeiro número par e o primeiro número "feminino". O quadrado de lado par, segundo eles, representava a Justiça, pois é o primeiro número divisível de qualquer maneira em partes iguais (Quatro é igual a DOIS mais DOIS e também a UM mais Um mais Um mais UM).

Mas, se observarmos com atenção a imagem, vemos que o quadrado, combinado com os dois segmentos de reta que o cruzam diagonalmente, nos dão a perceção de volume, figurando uma pirâmide quadrangular. O QUATRO, para os pitagóricos, prossegue a evolução dos conceitos geométricos, espelho da Criação: ponto, linha, superfície, agora volume. Neste sentido, o QUATRO pitagórico representa o Universo resultante do ato criador, que tudo conteve, contém e irá conter.

Em termos de Maçonaria, não conheço qualquer referência particular ao número QUATRO. Porventura pela complexidade doa sua representação gráfica, pela reduzida relevância do quadrado na simbologia maçónica ou pela simbologia "feminina"atribuída pelos pitagóricos ao QUATRO, este valor não mereceu particular interesse na Maçonaria.

Na minha opinião, este facto (que se repetirá em relação a outros dos números básicos dos pitagóricos) não afasta - e, mesmo, corrobora - a tese que venho explanando de que os ensinamentos maçónicos, no que toca aos números, derivam e são uma corruptela da filosofia pitagórica. Mas reconheço que, à míngua de comprovação documental histórica, esta tese vale o que vale. Pode ser bene trovata, mas não tenho meios nem conhecimentos bastantes para poder provar ser vera...

Fonte:
O Código Secreto, Priya Hemenway, ed. Evergreen, 2010.

Rui Bandeira

15 maio 2011

Perceção, verdade e tolerância - I


Como sabemos nós que os nossos sentidos não nos mentem? Como podemos validar se a nossa perceção dos acontecimentos e do mundo é igual à dos outros perante a mesma realidade? Poderemos confiar nas conclusões que decorrem daquilo que os nossos sentidos nos indicam? Em caso de discrepância de interpretação, poderemos saber onde está a verdade? Haverá uma verdade absoluta e objetiva, ou tudo é relativo e subjetivo? E o que é que isto tem que ver com Maçonaria?

O mundo - a realidade que nos é exterior - não pode ser diretamente apercebido pelo nosso cérebro. Este tem que valer-se dos nossos sentidos para se aperceber das características das coisas. Dizem os empiristas que é "ver para crer". Mas será assim? Lá porque eu vejo o céu e digo que é azul, e a pessoa ao meu lado também o vê e diz que é azul, como posso eu saber que a perceção que ela tem da cor é a mesma que a minha? Como sei que ela não vê o céu vermelho, ou verde - e lhe chama "azul" porque aprendeu que aquela cor se chama "azul"? De facto, é algo de muito difícil - para não dizer impossível - de se aferir.

Os nossos sentidos são as janelas que o nosso cérebro tem para o mundo. Através dos sentidos temos a perceção de como o mundo é. Mas será que os nossos sentidos nos dizem a verdade, ou será que nos enganam? Como podemos saber se algo é verdadeiro? Será o céu verdadeiramente azul?

A perceção não pode ser dissociada da interpretação. Não  somo capazes de "ver" apenas, sem interpretar o que vemos, e o que fixamos não é senão a interpretação que fazemos daquilo de que nos apercebemos. Não somos máquinas de filmar; não é assim que funciona o nosso cérebro. Os nossos sentidos não são confiáveis enquanto fonte de verdade. Vejamos um exemplo. Se virmos alguém dizer "ba - ba - ba" e olharmos para a sua boca, um dos sentidos reforça o outro. O nosso cérebro "ouve" o "ba - ba - ba". Mas se, a certa altura, a imagem passar a ser a de uma pessoa que diz "fa - fa - fa", e o som se mantiver? O que acontece?

Sem experimentar, podemos especular que ouviremos "ba - ba - ba" e notaremos que a pessoa está a fazer um movimento de boca que não corresponde ao som que ouvimos. Mas não é isso que acontece. Incrivelmente, passamos a ouvir "fa - fa - fa". E, se fecharmos os olhos, ouvimos "ba - ba - ba". Não acreditam? Vejam aqui.

Imaginemo-nos em tribunal a testemunhar o que ouvimos. "Mas ouviu mesmo o réu dizer fa-fa-fa?", e juraremos, por tudo o que é mais sagrado, que sim, e o nosso testemunho condená-lo-á. Mas onde fica a verdade no meio de tudo isto? Perguntemos a uma centena de pessoas que assistiram ao acontecimento. Todas dirão: "Sim, ele disse fa-fa-fa." Todas, menos uma. Será um mentiroso? Não, apenas um cego, cujo cérebro não foi iludido pela inconsistência entre os dois sentidos. Na sua limitação, apercebeu-se da realidade melhor do que aqueles que julgavam ver a luz.

Paulo M.

Fontes:
http://donn.wordpress.com/2003/10/07/truth/
http://www.youtube.com/watch?v=G-lN8vWm3m0
http://taoism.about.com/b/2009/08/24/truth-perception.htm