10 setembro 2010

Simplicidade, lógica, razão e o comportamento humano


O mundo que nos rodeia é cada vez mais complexo. Dos telemóveis aos automóveis, dos despertadores aos computadores, dos estacionamentos aos aquecimentos, tudo nos impõe mais conceitos, mais técnicas, mais botões. O lamento pela perda da simplicidade de outrora é constante. Então, num mundo dominado por máquinas de lavar cheias de botões, luzinhas e manípulos, um conhecido fabricante de máquinas de lavar roupa desenvolve um projeto revolucionário: uma máquina que pesa a roupa, da qual determina o grau de sujidade, através dos quais doseia automaticamente a quantidade de detergente e escolhe o mais eficiente programa de lavagem.

Cúmulo da simplificação, a máquina é apresentada pelo Departamento de Engenharia com apenas dois controlos: um botão de ligar/desligar, e a escolha entre "roupa de cor ou muito suja" e "roupa de limpeza fácil"; o resto do programa é determinado pelo próprio aparelho, que dispõe de um automatismo tal que, com toda a simplicidade, parcimónia e racionalidade, reduz ao mínimo os gastos de água, detergente, tempo e energia. Contudo, esta máquina acaba por ser apresentada ao público com uma profusa quantidade de controlos adicionais, impostos pelo resultado de estudos feitos pelo Departamento de Marketing!

Pois é. Todo o racionalismo na conceção, toda a simplificação do uso, toda a sofisticação do funcionamento, esbarraram em dois factores de peso. Por um lado, a perceção por parte do consumidor, quando compara as máquinas em exposição à procura da que vai adquirir, de que quanto mais funcionalidades a máquina tiver, melhor é - e que as funcionalidades têm, forçosamente, que se traduzir em mais comandos e botões. Por outro lado, um sentimento primário absolutamente contrário aos clamores por mecanismos mais simples, e que pode ser traduzido por algo como "mas queres uma máquina que mande em ti, ou vais tu mandar na máquina?" e que deita por terra os automatismos mais argutamente desenvolvidos.

A razão é um valor que a Maçonaria muito preza. Contudo, a mente humana não paira no éter: reside no cérebro, que por sua vez está agarrado ao resto desta coisa a que chamamos corpo. E mesmo a mente humana não é, como podemos ver, um bastião de razão pura. Por isso a Maçonaria insiste na tolerância, no equilíbrio e na diversificação dos saberes enquanto medidas conducentes à harmonia entre corpo e espírito, à aceitação das diferenças, e à interiorização de que, no fundo, somos frágeis, falíveis e imperfeitos - primeiro passo para pretendermos tornar-nos melhores.

Paulo M.

Para quem tenha curiosidade quanto à história rerferida:
http://www.jnd.org/dn.mss/simplicity_is_highly.html
http://www.joelonsoftware.com/items/2006/12/09.html

08 setembro 2010

33.º = 3.º


Uma das razões pelas quais quem está de fora da Maçonaria tem dificuldade em compreender, na sua plenitude, o que esta é resulta - bem vistas as coisas, naturalmente - de aquele que vê do exterior julgar, apreciar, avaliar, a instituição segundo o paradigma da sociedade em que se insere e não através do paradigma próprio criado pela Maçonaria.

Quem vê de fora tem tendência a conceber a Maçonaria segundo o cânone da hierarquia, que é comum à maior parte das instituições humanas. O Governo é dirigido por um Primeiro-Ministro, que manda nos, ou coordena os, Ministros, que, por sua vez, mandam no seu Ministério, dando ordens aos seus Secretários de Estado, e estes aos Diretores-Gerais, que ordenam aos Diretores de Serviço, que mandam nos Chefes de Repartição, que exercem autoridade sobre os Chefes de Secção, que dão instruções aos Administrativos, que... E todo o titular de um cargo superior hierarquicamente exerce autoridade não só sobre o seu inferior hierárquico imediato, mas por todos os que hierarquicamente estão abaixo deste e de si.

Se pensarmos nas Forças Armadas, idem, aspas, apenas com a diferença de o superior ter o título de General, aquele que está na base da pirâmide, o praça, ser o soldado e, entre um e outro, haver toda uma cadeia hierárquica de Oficiais, Sargentos e Cabos.

Se nos lembrarmos de um clube desportivo, lá está: facilmente visualizaremos a cadeia hierárquica que vai do Presidente da Direção ao roupeiro, passando pelos Diretores, Treinadores, Adjuntos, Capitão de Equipa e seus substitutos, jogadores e demais pessoal.

Se nos detivermos na Igreja do credo religioso maioritário em Portugal, lá temos a omnipresente hierarquia de Papa, Cardeais, Arcebispos, Bispos, Cónegos, Padres e, na aparente base da pirâmide, afinal a sua única razão de ser e de existir, a massa dos crentes.

Em suma, e para não me alongar em exemplos, a maneira comum de ver as instituições da sociedade é de forma hierárquica, em que alguém manda, alguém é mandado e manda, em sucessivos patamares até se chegar a quem só obedece.

A tendência de quem olha de fora para a Maçonaria é vê-la segundo este paradigma e, portanto, considerar que, se no Rito Escocês Antigo e Aceite há 33 graus, os detentores do grau 33.º são os que estão no topo da hierarquia e "mandam" em todos os que se integram nos graus inferiores e o mesmo sucede ao longo da "cadeia hierárquica".

Esta forma de ver a instituição maçónica é profundamente errada e conduz a graves vícios de análise. Persiste quer pelo contágio das demais instituições sociais, quer porque os próprios maçons têm negligenciado o esclarecimento do erro. É por isso que não me escandalizo quando um dos nossos interlocutores afirma - como por vezes sucede - que Fulano era do grau 33 e portanto pertencia ao topo da hierarquia e o que disse ou escreveu há de ter um especial significado, pois integrava o escol dos que mandam. Se este erro persiste, a culpa não é só dos meus interlocutores - é também minha! É, pois, tempo de alijar o fardo da minha culpa e esclarecer!

A Maçonaria não se organiza segundo o princípio da hierarquia. A Maçonaria funciona estritamente segundo o princípio da Igualdade!

A única - e temporária - derrogação destes princípio respeita aos Aprendizes e Companheiros (graus 1.º e 2.º), os quais, por estarem em processo de formação e integração, têm uma diminuição de faculdades, não tendo (ainda) o direito de voto nem o direito de palavra (em reunião formal). Mas esta derrogação da plena Igualdade é temporária e estritamente decorrente da natureza do processo de formação e de integração de Aprendizes e Companheiros. O seu percurso far-se-á com naturalidade até que - sem demasiada demora, mas também sem grandes pressas - aquele que um dia se apresentou à Iniciação se submete ao Ritual de Elevação ao 3.º grau e assume a condição de Mestre Maçom.

A partir desse exato momento, é um Mestre com exatamente os mesmos direitos e deveres e a mesma e igual posição hierárquica que todos os outros Mestres. Nem a antiguidade importa. Nem esta é um posto. O maçom acabado de ser elevado a Mestre pode, no minuto seguinte, ver ser-lhe confiado o exercício de um ofício em loja. E, logo que tenha exercido o ofício de 2.º ou de 1.º Vigilante, pode ser eleito Venerável Mestre, em estrito pé de igualdade com todos aqueles que estão na mesma situação há 1, há 10 ou há 30 anos. E todo aquele que tenha exercido o ofício de Venerável Mestre de uma Loja pode ser eleito Grão-Mestre.

É indiferente, em Loja, se A tem "apenas" o 3.º grau, B o 9.º, C o 15.º, D o 33.º. Todos são estritamente iguais e aquele que tem "apenas" o 3.º grau pode ser eleito Venerável Mestre e dirigir os outros, os que têm o 9.º, o 15.º ou o 33.º grau. Todos os Mestres maçons são estritamente iguais, independentemente do grau dos Altos Graus a que cada um tenha acedido. Um maçom do 3.º grau não é menos, nem mais, do que um maçom do 33.º grau. São ambos Mestres maçons - e com um estatuto rigorosamente igual em Loja. Um dos Mestres maçons da Loja é eleito para, durante um ano, exercer o ofíci0 de Venerável Mestre. Outro dos Mestres maçons da Loja é eleito para, durante o mesmo período, exercer o ofício de Tesoureiro da Loja. O Venerável Mestre eleito designa, segundo os costumes e os critérios próprios da Loja, estabelecidos ao longo do tempo, os Mestres maçons que exercem os demais ofícios necessários para o bom funcionamento da Loja. Independentemente do grau que tenha ou deixe de ter cada um dos designados. Durante um ano, os Oficiais da Loja exercem os poderes e cumprem os deveres inerentes aos respetivos ofícios e os demais elementos da Loja respeitam esse exercício e, se assim o quiserem, colaboram. Em qualquer assunto que se debata, todos - mas rigorosamente todos! - os Mestres maçons, independentemente do grau que porventura adicionalmente detenham ou do ofício que no momento cada um exerça ou não, têm exatamente o mesmo direito à palavra e o mesmo direito ao voto, com exatamente o mesmo valor.

Igualdade absoluta, pois.

Também as Lojas são estritamente iguais. Nenhuma tem mais direitos ou deveres do que as outras.

Sendo assim, perguntará, e bem, quem está de fora, porque há 33 graus, que relação existe entre eles, se não é hierárquica, em que consiste esse paradigma de graus "iguais"?

Essa é matéria que procurarei esclarecer no próximo texto, dedicado aos Altos Graus.

Rui Bandeira

06 setembro 2010

Uma loja maçónica não é uma tertúlia (II)



Dois grandes factores de distinção entre uma tertúlia e uma loja maçónica são o objetivo e forma da intervenção de cada um. Numa tertúlia as intervenções sucedem-se, e cada um vai tomando a palavra repetidamente tantas vezes quantas queira (ou lho permitam...), sucessivamente acrescentando ao que disse antes, refutando os argumentos deste ou daquele, e fortalecendo - ou alterando - a sua posição de cada vez que se dirige aos demais. Cada um vai tentando fazer prevalecer a sua posição através de argumentos e contra-argumentos ao que foi dito antes, esperando-se que, a partir de um certo ponto, se tenha atingido um equilíbrio em que já tudo foi dito e cada um (re)contruiu já a sua posição face ao assunto em debate.

Numa loja maçónica, porém, as coisas não poderiam ser mais diferentes. Começa por que, no que respeita cada assunto, cada um pode fazer apenas uma única intervenção - e só muito excecionalmente poderá fazer uma segunda, sempre muito curta, e apenas se absolutamente impreterível, como por exemplo para clarificar algo que não tenha sido dito da forma mais inteligível. Esta imposição obriga a que se tenha um cuidado multiplicado com aquilo que se diz, de forma a dizê-lo bem à primeira.

Há uma ordem estrita a ser seguida. Primeiro começa-se pelas colunas (do Norte e do Sul), para que os mestres maçons que aí se sentam possam, querendo, pedir a palavra. Depois de não haver mais pedidos de intervenção, os dois Vigilantes podem pedir a palavra para si mesmos, primeiro o 2º Vigilante e depois o 1º Vigilante. É então dada a indicação de que não há mais intervenções nas colunas, e esta passa ao Oriente, onde residem o Venerável Mestre, o Secretário, o Orador, o Ex-Venerável e eventuais visitas a quem tenha sido dada essa distinção. A palavra é dada, no Oriente, a quem quiser dela fazer uso, e o Venerável Mestre é o último a intervir. Caso esteja em causa uma decisão, esta poderá ser tomada pelo Venerável Mestre de imediato, ou este poderá consultar a Loja através de uma votação. De qualquer modo, a intervenção do Venerável Mestre deve ser sempre no sentido de procurar encontrar uma conclusão que seja harmoniosa para a loja, e com que a maioria se identifique.

Para além da forma, já exposta, há o objetivo. Idealmente, cada intervenção destinar-se-ia a que cada um, na medida em que considerasse ser isso útil, apresentasse a sua posição ou opinião a respeito do assunto em causa, e sem que o seu conteúdo fosse condicionado por ser a primeira ou a última intervenção a ser efetuada. O que se diz não deve ser dirigido a ninguém em particular, mas a toda a Loja, e não deveria sequer referir-se alguma intervenção anterior, mas apenas fazer-se referência ao tema que esteja em discussão. Não deve haver interpelações, refutações ou contraditório, uma vez que isso colocaria em desvantagem aquele que já fez a sua intervenção e não pode agora responder. Pretende-se, assim, que cada um possa dar a conhecer a sua posição, sem que tente impô-la aos demais, e sem que explicitamente contrarie alguma posição já exposta, e por outro lado que cada um tenha a oportunidade de ser confrontado com opiniões alheias - porventura distintas das suas - num tom e numa postura que não ameacem a posição com que cada um se identifica.

A Maçonaria cria, deste modo, um contexto que induz cada um a confrontar-se com opiniões e posições distintas da sua, num ambiente de boa fé, entre iguais, sem que ninguém possa impor a ninguém nenhuma obrigação, mas em que cada um possa, querendo, tomar para si as palavras do outro, seja como as recebeu seja na forma que as queira incorporar naquilo que constitui a sua identidade.

Por fim, é costume - se bem que não creia haver nenhuma regra escrita a esse respeito - serem públicos os louvores e privados os reparos. Quando um bom trabalho é apresentado, é frequente que, nas palavras proferidas por cada um, sejam manifestadas palavras públicas de louvor e de encorajamento. Quando, porém, foi dito algo passível de ser interpretado como menos bom ou menos correto, a correção fraterna - que raramente falha - surge quase sempre em voz baixa directamente ao ouvido do "prevaricador". A franqueza e honradez manifestadas, de mão dada com a genuína preocupação que os maçons têm uns com os outros, levam a que seja frequente surgirem amizades muito fortes entre irmãos da mesma loja - e mesmo entre irmãos de lojas diferentes. A este respeito não me sai da cabeça uma frase que li há tempos numa entrevista em que alguém dizia: «A maçonaria é a única organização em que se faz amigos de infância aos 40 anos». Não sei se é a única, mas que se faz, faz.

Paulo M.

P.S.: Devo recordar que a Loja Mestre Affonso Domingues está integrada numa Obediência Regular - a Grande Loja Legal de Portugal / GLRP, e que o que descrevi se aplica a esta. Noutras obediências far-se-á de forma distinta; um destes dias escreverei um texto sobre isso.

03 setembro 2010

Uma loja maçónica não é uma tertúlia (I)


«Tenho um grupo, que com as vicissitudes da vida se foi afastando, mas que durante uns bons 15 anos formou uma tertúlia que se encontrava quase todos os dias. Tivemos incontáveis debates e polémicas. Aprendemos todos muito uns com os outros. Hoje, ainda continuamos todos amigos. Não há necessidade de proibições no que toca a troca de ideias.» (Diogo, num comentário recente)

Este comentário explica, quase por si mesmo, porque é que uma Loja Maçónica não é - nem pode ser - uma tertúlia. Ora comecemos, como quem analisa, escrutina e disseca um texto numa aula de Português.

Ter um grupo «... que com as vicissitudes da vida se foi afastando...» é uma das coisas que se pretende evitar numa Loja. Pertencer a uma Loja é como que um casamento. Não é forçosamente para toda a vida, pode-se ter "outras" ao mesmo tempo (se bem que seja difícil de gerir) mas, mesmo quando isso acontece há sempre uma que é a "principal"; pode-se cortar os laços com essa, e ou arranjar outra "principal" ou mesmo passar a não ter nenhuma, mas ambas são situações dolorosas. Uma Loja é como que uma família. Uns nascem, outros morrem, mas a família é a mesma - se não se extinguir; numa Loja, são iniciados uns, adormecem ou partem para o Oriente Eterno outros, mas a Loja permanece - se não abater colunas. Há lojas várias vezes centenárias, e esse vínculo a algo que existia antes de nós e continuará a existir depois é uma das coisas boas que a Maçonaria nos proporciona; ao mesmo tempo que nos reduz à nossa pequenez de meros "passadores de testemunho" dá-nos a satisfação de saber que pertencemos a essa cadeia de continuidade.

Pertencer a um grupo «...que se encontrava quase todos os dias» deve ser algo de muito exigente, e pouco consentâneo, suponho, com os deveres conjugais, laborais e parentais. Claro que isso é questão que só se põe a quem esteja sujeito a esses deveres... Por outro lado, encontros diários não serão, como dizia Shakespeare, "too much of a good thing"? Não terão esgotado em 15 anos conversa que dava para uma vida inteira? Em contraste, a maçonaria alerta os seus membros de que os seus principais deveres são para com a família, para com o Criador (qualquer que seja a conceção que dele se faça), e para com o país; a maçonaria vem depois.

Dizer-se, ao fim de 15 anos, que «ainda continuamos todos amigos» implica ter-se começado por aí: pela amizade enquanto vínculo genitor. Ora, quando se ingressa uma loja é-se integrado num grupo de desconhecidos; as amizades que surjam são paralelas ao grupo, não são condição prévia do mesmo. Os nossos amigos são pessoas que nós conhecemos e cujo contacto decidimos manter e aprofundar, e com quem nos identificamos mais; numa loja, pelo contrário, não se escolhe nada; um pouco como a família  do cônjuge, fica-se com o que nos calha na rifa. A um amigo perdoa-se mais, aceita-se mais e tolera-se mais do que a um desconhecido; por isso, as regras e os pressupostos de uma loja e de um grupo de amigos não podem deixar de ser diferentes, pois que numa loja a diversidade é maior do que num grupo de amigos.

Tertúlias como aquela de que o Diogo fala são próprias da adolescência e da juventude. Nos debates, frequentemente acesos, cada um tenta marcar a sua posição, convencer os demais, ensinar e impor o seu ponto de vista. Contudo, é normal que os seus membros, uma vez "crescidos", tendo adquirido a sua própria individualidade e identidade fora do grupo, se afastem progressivamente.; é normal que haja menos disponibilidade para um contacto tão íntimo e envolvente, para uma exposição tão prolongada, para um desnudar-se tão profundo - até porque as ideias se vão cimentando e há cada vez menos temas novos a debater sem que o resultado do debate esteja determinado a priori. Assim, a maturidade acaba por estabelecer o limite. Em loja, pelo contrário, o objetivo não é "converter" ninguém a um determinado ponto de vista, mas permitir que cada um encontre o seu.

Paulo M.

01 setembro 2010

A Cadeia de União


Em todas as reuniões das Lojas que trabalham no Rito Escocês Antigo e Aceite (mas não só neste rito: por exemplo, também no Rito de Schröder) se reserva um momento para que todos os maçons presentes formem a Cadeia de União.

É um dos momentos marcantes da reunião: ao formarem e integrarem a Cadeia de União, os maçons relembram que cada um individualmente faz parte de um Conjunto. Conjunto que é mais forte do que a mera soma das forças individuais, porque a todas estas se agrega a força da união de todos.

A Cadeia de União simboliza e demonstra ainda o princípio fundamental da plena Igualdade dos maçons. Todos os presentes, desde aquele que dirige a Loja ao mais recente Aprendiz se unem, na mesma exata e igual postura, cada um mero elo de uma cadeia. Não há, naquele momento, distinção alguma, não se atende a graus, a funções, a antiguidades. Todos iguais em comunhão!

É um momento de reflexão, de solidariedade, de união, em que cada um sente que contribui para o grupo - mas também sente que beneficia da força comum do grupo.

A Cadeia de União forma-se perto do final dos trabalhos, já depois de finalizados os debates da ordem do dia. Por muito acesos que tenham sido esses debates, por muito díspares que tenham sido as opiniões formuladas, por muito distantes que porventura estivessem as conceções confrontadas, o debate já terminou, a decisão já foi tomada, ora uma bissetriz traçada com as contribuições de todos, ora uma opção que não será a de todos. Mas todos contribuíram, leal e esforçadamente, para a assunção da decisão, contra a qual nenhum militará. Todos se reúnem na cadeia de União, onde não há lugar a desacordos, pontos de vista ou discordâncias: cada um assume a sua função de elo de uma cadeia, igual a todos os outros elos, solidário com todos os outros elos. De muitos, e diferentes, se faz um, o grupo, o conjunto.

A Cadeia de União é a expressão da rara capacidade que os maçons adquirem e praticam: conformar e utilizar a diversidade para o bem e o objetivo comum. Todos são diferentes, todos colocam as suas diferenças em prol do grupo, todos são ali iguais.

A Cadeia de União é a prática sempre repetida, que, em iguais proporções, reforça o elemento "cadeia" (cada um é um elo, uma peça de um conjunto) e "união" (todos juntos, todos em comum, solidários).

A Cadeia de União é uma prática pela qual se forma, reforça e assinala a coesão do grupo. Nos momentos em que o grupo assim se une, desvanecem-se os individuais egos, avulta o coletivo, na busca de uma egrégora fortalecida e fortalecedora. Todos os espíritos se unem no mesmo objetivo, na mesma intenção, na mesma prece, na mesma celebração, seja o que for, mas o mesmo...

A Cadeia de União é um gesto, mas é muito mais do que um gesto. É parte integrante do nosso segredo de maçons, não porque guardemos ciosamente a notícia da sua existência (este texto prova o contrário...), mas porque é realmente impossível explicar a quem nunca participou numa Cadeia de União o efeito, a paz, a comunhão, a força, que produz nos membros de uma Loja assim unidos. É um gesto, mas é muito mais do que um gesto. E o seu significado só é plenamente apreendido por quem nele participa, uma e outra e ainda outra vez e muitas vezes. É um significado que não se ensina. Aprende-se vivendo-o!

Fora de Loja, só se forma Cadeia de União em homenagem fúnebre a maçom que passou para o Oriente Eterno. E aí, então, têm lugar como elos nessa cadeia todos aqueles que se reclamam de ser maçons. Aí não importam reconhecimentos, nem regularidades, nem nada dessas miudezas. Aí, pessoas de boa vontade e com muito em comum homenageiam uma pessoa de boa vontade que nos precedeu no caminho que todos trilharemos.

Rui Bandeira

30 agosto 2010

Os símbolos e os rituais maçónicos: ferramentas de trabalho

 
Conta-se que um novo monge, chegado a um mosteiro, é incumbido de auxiliar os outros monges na cópia de textos antigos à mão. Nota, porém, que estão a copiar a partir de cópias, e não de textos originais., o que o leva a perguntar a razão ao superior, notando que, em caso de erro em qualquer cópia, esse seria propagado por todas as cópias seguintes. O superior responde-lhe: «É assim que temos feito há séculos, mas é uma boa questão, meu filho.»
Assim, o velho monge desce com uma das cópias à cripta para a comparar com o original, e por lá fica horas esquecidas. Não o vendo regressar, os monges, preocupados, enviam um deles ao seu encontro. Este, ao aproximar-se, ouve o ancião soluçar debruçado sobre um dos livros antigos. Pergunta-lhe o que se passa, ao que ele lhe responde, com os olhos rasos de lágrimas: «Aqui diz "celebrado", não diz "celibato"...»

O tempo e as sucessivas passagens de testemunho encarregam-se de que as palavras, os símbolos e os gestos percam o seu significado original, adquirindo eventualmente outros completamente distintos. "Quem conta um conto acrescenta um ponto", diz com razão a sabedoria popular. Aquilo que, na sua génese, poderia constituir mero artifício literário destinado a ilustrar uma ideia pode, ao fim de algum tempo, ser distorcido pela própria evolução linguística. Ainda hoje se discute a que se referiria, precisamente, a frase bíblica que diz ser "mais fácil um camelo passar por um buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus". O camelo seria o bicho de duas bossas, ou uma má tradução da palavra grega que significa "cordel", ou ainda um tipo de cabo usado nos barcos para os amarrar ao cais? E o buraco da agulha, é mesmo um buraco literal de uma agulha vulgar, ou é uma porta, uma passagem, um estreito, como especulam alguns? As palavras - simbólicas - ficaram connosco; o seu contexto original perdeu-se. Ficou a ideia que se pretenderia passar: de que aos ricos é difícil "entrar no Reino dos Céus".

Por outro lado, algumas mentes têm tendência para tomar os símbolos por aquilo que representam. A partir deste instinto formam-se verdadeiros cultos: veja-se o das personalidades políticas nos países do bloco soviético ou , mais proximamente, o do Doutor Sousa Martins. Cientes deste facto, várias religiões têm duras regras de condenação da idolatria, que mais não é do que a adoração de um símbolo, ao tomar-se o objeto por aquilo que ele representa. O Islão proíbe, por exemplo, qualquer representação de pessoas ou animais, não vá alguém tentar-se e lançar-se em sua adoração; e os protestantes costumam acusar os católicos de idolatria por terem nas suas igrejas imagens humanas.

Quer as restrições alimentares estipuladas por certas religiões como o Islão ou o Judaísmo (segundo as quais não se pode consumir carne de porco, e se impõe que os animais sejam abatidos de forma ritualizada e sangrados) quer a proibição de consumo de álcool pelo Islão, parecem refletir hábitos e costumes anteriores ao surgimento dessas mesmas religiões. Recordemo-nos de que o álcool desidrata, e que quem o consuma no calor do deserto pode correr perigo de vida; que a carne de porco, rica em gordura, se decompõe facilmente com o calor, podendo provocar epidemias; que o mesmo se pode dizer do sangue, que, se retirado da carne, permite que esta chegue a secar ou, pelo menos, dure mais em temperaturas altas. Estas medidas constituem, por si mesmas, sensatas medidas sanitárias de defesa da saúde pública. Se a sua inclusão enquanto preceito das religiões em causa decorreu de causa humana ou revelação divina já é questão a ser respondida no foro íntimo de cada um.

A Maçonaria tem os seus símbolos e os seus rituais. Os símbolos - que representam princípios, ideias e deveres - servem para evocar, e não para que se lhes preste culto. Não há nada de idólatra nos símbolos maçónicos. Há, de facto, símbolos e lendas cuja génese se perdeu; mas persiste o seu significado, que não podemos garantir que seja o original. Há entre os maçons, como em todo o lado, quem tome os símbolos por mais do que eles representam, atribuindo-lhes sentidos oblíquos, afectando-lhes significados ocultos, e mesmo especulando encerrarem os mesmos verdades inalcançadas. Esta "corrente" existe desde que a Maçonaria existe - e existe ainda hoje - mas a maioria dos maçons tem os pés mais assentes na terra, e considera serem os símbolos, rituais e lendas simples ferramentas de trabalho. Cada um é, todavia, livre de crer no que quiser, e mesmo de fabricar o próprio objeto da sua crença, mas essa é uma postura que, em certa medida, é contrária ao espírito da Maçonaria, segundo o qual o Homem deveria caminhar para a Luz e para o Esclarecimento.

E aqui se suscita uma questão essencial: onde acaba a liberdade religiosa e começa a superstição e o disparate? Como se concilia, a este respeito, o facto de a Maçonaria defender a liberdade individual (que passa pelo direito de cada um crer no que quiser) com a defesa da Razão enquanto fonte de autoridade e de legitimidade? Perante princípios antagónicos temos que estabelecer hierarquias; e a Maçonaria dá primazia ao respeito pela liberdade individual, o direito de cada um acreditar no que queira, sobre o interesse em que todos sejam racionais e esclarecidos. Assim, cada um é senhor de si mesmo e do caminho pessoal que escolheu e, desde que respeite os ideais e princípios maçónicos e a liberdade alheia, tem o direito de não ver questionado, escrutinado ou dissecado aquilo em que acredita.

Paulo M.

27 agosto 2010

Brincadeira de "gente crescida"




Perguntou um dos leitores habituais do A-Partir-Pedra, no comentário ao texto "Os sinais de reconhecimento": "Continuo a considerar tudo isto um brincadeira de “gente crescida”. Para quê? Ensinamentos que os maiores filósofos do mundo não tenham explicado?" A pergunta é tão pertinente que, tendo tencionado inicialmente responder-lhe nos comentários, acabei por decidir dedicar-lhe o texto de hoje.

Comecemos então por uma analogia. Existem milhentas formas de perder peso: dietas equilibradas, dietas malucas, jejum, exercício moderado, exercício pesado, exercício combinado com dietas, bulimia, enfim... Há para todos os gostos. No fim, todas têm o mesmo objetivo: perder peso. De uma forma mais lata, podemos ainda explorar o objetivo "ser saudável". Aí entram, além das dietas e do exercício, as pulseiras magnéticas milagrosas, os chás de tudo e mais alguma coisa, as noites de sono bem passadas, as almofadas mágicas, o auto-controlo, a alternância equilibrada entre períodos de descanso e períodos de trabalho, os amuletos, o cumprimento de determinados rituais, enfim... Todas elas nos prometem mais e melhor saúde. Umas serão globalmente mais eficientes do que outras - e não esqueçamos que a eficiência é diferente de pessoa para pessoa - e umas terão mais contra-indicações do que outras. No fim, cada um deverá procurar aquela que mais se lhe adequa, e pode, até, conseguir bons resultados combinando vários métodos ou aplicando apenas parte deles.

Do mesmo modo, tudo o que a Maçonaria ensina de substantivo pode ser encontrado de muitas outras formas: através de várias religiões, de diferentes correntes filosóficas, de palestras, de "gurus" privados, ou, para quem se disponha a despender algum do seu tempo, através até de uma boa biblioteca pública. O que a Maçonaria tem de único é o método, o meio, a forma. Não há ensinamentos exclusivos da Maçonaria que não sejam instrumentais, ou seja, que não digam respeito ao método e não ao fim, ao objetivo. Por isso, quem procura na Maçonaria ensinamentos exclusivos, secretos, reservados, e que o resto do mundo desconheça, então desengane-se: não há. Já aqui foi dito, bem como explicado o que a Maçonaria não revela e porquê. Os símbolos, as alegorias, os "segredos de grau"? Não passam de instrumentos, simples andaimes, meros artefactos que suportam, ilustram e consolidam os verdadeiros ensinamentos.

Mas que ensinamentos são esses, afinal?! Ah, esses são tão únicos como único é cada indivíduo! Pretender sabê-los seria como, através da descrição das técnicas de pintura de um dos grandes Mestres, pretender saber o que viriam a representar as telas pintadas por cada um dos seus discípulos... A Maçonaria apenas indica os princípios, e esses são bem simples: a fraternidade, a entre-ajuda, a tolerância perante a diversidade, a crença num Princípio Criador, o trabalho como meio de obter resultados, o desenvolvimento intelectual, a procura do Bem e da Virtude, o combate ao Vício e às Paixões, e tudo isto focado em cada um, do modo que este melhor entenda que mais lhe aproveita para atingir os objetivos que definiu para si mesmo. É, por isso, impossível dizer-se que ensinamentos é que a Maçonaria transmite: era preciso, para isso, que cada um estivesse ciente dos mesmos - que, tantas vezes, são absorvidos quase que "por osmose", pelo contacto com ideias alheias, sem que sejam propriamente sequer verbalizados, e por vezes nem mesmo conscientemente apercebidos, o que traz a segunda dificuldade: mesmo que apercebidos, podem não se conseguir transmitir senão de forma imperfeita. Pensemos como explicaríamos como se pinta a alguém que nunca pegou num pincel, mas sem o fazer passar pela experiência de conspurcar dezenas de telas brancas, nem se besuntar nas tintas, ou passar pelo experimentar, olhar e tentar de novo...

Por fim, quem considere ser a Maçonaria uma "brincadeira de gente crescida" deve recordar que:
  • a Maçonaria Regular não faz proselitismo, ou seja, não faz convites nem recruta novos membros, pelo que ninguém pode acusar a Maçonaria de o ter arrastado para um erro; cada um dos que adere à Maçonaria fá-lo pelo seu próprio pé, por sua própria opção e no exercício da sua própria liberdade.
  • apesar de nem todos serem livres de entrar, todos são livres de sair quando entendam; não queremos entre nós gente contrariada; há inúmeras formas de aumentarmos o nosso potencial humano e espiritual, das quais a Maçonaria é apenas mais uma.
  • como os meios de emagrecimento, cada um deverá procurar o que mais se lhe adequa; de facto, aos olhos de quem faça exercício duro uma ou mais horas por dia, uma pessoa dedicar-se ao vegetarianismo como único meio de emagrecer pode parecer uma "brincadeira de gente crescida"; se de facto o é ou não, já é questão completamente diferente...

Paulo M.