História banal
Uma sexta-feira, João, no caminho entre a escola e a sua casa, viu um outro garoto da sua turma, chamado Luís, também a caminho da casa dele, levando todos os seus livros. Estranhou, porque os alunos costumavam deixar os seus livros na escola. Devia tratar-se de um marrão, um dos raros espécimes que estudava incessantemente e procurava ter sempre as melhores notas...
Conforme ia caminhando, João viu um grupo de rapazes correr em direção a Luís. Cercaram-no, empurraram-no, arrancaram todos os livros dos seus braços, atiraram-no ao chão. Os óculos de Luís voaram e caíram na relva a alguns metros de distância onde tudo se passava. Caído, Luís ergueu o rosto e João viu uma terrível tristeza nos seus olhos.
João correu até junto do colega, enquanto ele gatinhava, procurando os seus óculos. Pôde ver uma lágrima nos seus olhos. Enquanto lhe entregava os óculos, João disse-lhe:
- Aqueles tipos são uns idiotas! Deviam tratar da vida deles, em vez de se divertirem à custa dos outros.
Luís olhou João nos olhos e agradeceu-lhe - a ajuda e as palavras! Abriu-se um grande sorriso na sua face. Um daqueles sorrisos que realmente mostram gratidão.
João ajudou Luís a apanhar os seus livros e perguntou-lhe onde morava.
Por coincidência, moravam perto um do outro. Conversaram durante todo o caminho. João convidou Luís para ir jogar futebol com ele e os seus amigos nesse fim de semana. João aceitou e ambos passaram juntos boa parte do fim de semana, em renhidos jogos de futebol.
Chegou a segunda-feira e lá estava o Luís com aquela quantidade imensa de livros outra vez! João dirigiu-se a ele e disse-lhe:
- Caramba, rapaz, vais ficar realmente musculoso carregando essa pilha de livros assim todos os dias!
Luís simplesmente sorriu e entregou a João metade dos livros, para que este o ajudasse a transportá-los. Nos anos seguintes, João e Luís tornaram-se amigos muito unidos. Quando terminaram o secundário, sabiam que os seus caminhos se iam separar, mas esperavam manter a sua amizade. João ia tirar um curso de Desporto. Luís ia cursar Medicina. Luís era o orador que ia representar a turma na Cerimónia de Graduação dos Finalistas. João provocava-o constantemente, chamando-o de marrão, o pensamento que lhe viera à cabeça a primeira vez que nele reparara.
Luís teve de preparar um discurso de formatura e João estava muito aliviado por não ser ele quem devia subir ao palco e discursar. No dia da Formatura, Luís estava ótimo, muito bem-disposto, embora fosse visível algum nervosismo, por causa do discurso.
Quando ele subiu ao palco, limpou a garganta e começou o discurso:
- A Formatura é uma época para agradecermos àqueles que nos ajudaram durante estes anos duros. Pais, professores, irmãos, talvez até um treinador, mas principalmente aos amigos. Eu estou aqui para lhes dizer que ser um amigo para alguém é o melhor presente que se lhe pode dar. Vou contar-lhes uma história...
João olhava para o seu amigo, sem conseguir acreditar, enquanto ele contava a história sobre o primeiro dia em que se tinham conhecido. Ele tinha decidido matar-se naquele fim de semana! Contou a todos como havia esvaziado o seu armário na escola, para que a sua mãe não tivesse que fazer isso depois de ele morrer e estava a levar todas as suas coisas para casa.
Neste ponto do discurso, Luís olhou João diretamente nos olhos e fez um pequeno sorriso, enquanto concluía:
- Felizmente, o meu amigo salvou-me de fazer algo irremediável!
Até àquele momento, João nunca se tinha dado conta da profundidade do sorriso que Luís lhe dera naquele dia. Olhou para os pais do Luís e viu-os também olhando para ele, também sorrindo com a mesma gratidão.
A lição desta historieta é fácil: nunca subestime o poder das suas ações. Com um pequeno gesto, pode mudar a vida de uma pessoa. Para melhor ou para pior.
Rui Bandeira