A Maçonaria Americana e os novos tempos
Com efeito, não tendo vivido de perto as incidências do grande conflito ocorrido nos finais do século XVIII e primeira metade do século XIX entre a tradicional, monárquica, mas constitucional, potência marítima europeia - a Inglaterra - e a potência continental, que se tornou revolucionária, instável, oscilando entre a República, o Império e a Monarquia Constitucional - a França -, os Estados Unidos da América desenvolveram a maçonaria segundo os princípios da Regularidade, directamente herdados da sua Potência Colonizadora, sem presença importante da maçonaria de pendor Liberal.
Enquanto na Europa a Maçonaria Liberal se expandiu ao ritmo do avanço dos exércitos napoleónicos e das ideias saídas da Revolução Francesa, sob a trilogia Liberdade-Igualdade-Fraternidade e a Maçonaria Regular seguiu os caminhos mais institucionais da ligação às monarquias constitucionais, sob a trilogia Sabedoria-Força-Beleza, o espírito prático dos americanos (Nação construída desde o berço da sua Declaração de Independência sobre os pilares da Liberdade-Igualdade-Fraternidade, princípios fundamentais da sua identidade colectiva, que a sua Maçonaria não precisou de reivindicar), pouco virado para as abstracções da Sabedoria-Força-Beleza, erigiu como lema da sua Maçonaria Regular o lema Fraternidade-Auxílio-Verdade (Brotherly Love- Relief-Truth).
A Maçonaria Regular americana desenvolveu-se, assim, sem concorrência de outras orientações, privilegiando a Fraternidade entre os seus membros e a Solidariedade.
Mas as últimas décadas têm revelado problemas. Registou-se, entre os anos 60 e 80 do século passado um acentuado declínio de interesse pela Maçonaria, expresso numa significativa diminuição da entrada de novos elementos. Toda uma geração se desinteressou da Maçonaria! A partir da década de 90 do século XX, a situação começou a alterar-se, o declínio cessou. Um pequeno aumento de novas adesões é registado. A geração do século XXI redescobriu o interesse na Maçonaria! Mas isso veio pôr novos problemas. A diferença de idades entre os "velhos" e os "novos" é importante. A diferença de experiências (os "novos" não viveram a II Guerra Mundial, nem a da Coreia e têm uma vaga ideia da aventura militar no Vietname...; os "velhos" mostram-se avessos a qualquer mudança, ao que quer que altere, por pouco que seja, o que sempre fizeram) e de mentalidades (os "velhos" defendendo com unhas e dentes a concepção da Maçonaria como clube social e fraternal, dedicado à filantropia; os "novos" sedentos de estudo e análise, de obtenção de conhecimentos, de debate e aprofundamento e entendimento das lições dos rituais e dos autores maçónicos, aspirando a um trabalho mais ao jeito da Maçonaria Europeia) cavou um fosso entre estas duas gerações que nem sempre está a ser fácil de ser ultrapassado.
Os conflitos vão surgindo, as incompreensões aparecem. Para quem está de fora, é visível que as tensões se acumulam e que alguma mudança vai ter que haver, de forma a que um novo e saudável equilíbrio, minimamente confortável para ambos os lados, "velhos" e "novos", se alcance. Os mais ponderados, de uma e de outra geração, vão aconselhando calma e paciência e apontando, por um lado, que os "novos" têm muito a ganhar se atenderem à experiência dos mais antigos, ainda que isso implique retardar um pouco os passos da mudança por que anseiam (afinal de contas, os mais velhos já não conseguem andar com a vivacidade da juventude...) e, por outro, que os mais "velhos" têm de conseguir adaptar-se às mudanças e à evolução dos tempos, que o imobilismo não é solução e que o mais assisado será deixar a nova geração conduzir a Maçonaria para os carris do século XXI, ainda que isso lhes cause alguma desorientação e dificuldade na assimilação de novas referências. Os mais ponderados, em suma, assumem que nem o imobilismo nem a mudança brusca são desejáveis.
Esta evolução é, obviamente, um processo lento, doloroso, algo conflituante, por vezes. Mas tem de ocorrer. Quanto mais cada geração conseguir dialogar com a outra, procurar entender os seus anseios e receios e buscar harmonizá-los com os seus próprios receios e anseios, mais fácil a jornada se tornará, menos perigos haverá, menos derivas ocorrerão.
Para já, a Maçonaria Liberal está aproveitando a brecha e acabou de ser anunciada a criação do Grande Oriente dos Estados Unidos da América, em articulação com a "Maçonaria Moderna" (ou Liberal) de França e do resto da Europa e do Mundo ("traduzindo": do Grande Oriente de França e das Potências Maçónicas da Maçonaria Liberal agrupadas na CLIPSAS.
Não me incomoda nada. Há lugar para todos e a Maçonaria Liberal, sendo um ramo diferente da Maçonaria Regular com ela partilha o essencial dos princípios. Em democracias estabilizadas, as diferenças são mais de postura do que de fundo e resumem-se a questões que não devem fazer com que cada uma das tendências incompatibilize ou menorize a outra (aceitação ou não de ateus na Obediência, diferentes modos de intervenção na sociedade, diferentes posturas quanto às organizações mistas e femininas que se reclamam dos princípios maçónicos, e pouco mais, se é que algo mais...). Na Europa, é pacífica a implantação dos dois ramos da Maçonaria e é até existente, nalguns lados, ou encarada, noutros, a colaboração em assuntos profanos ou para o mundo profano, das Obediências de uma e de outra tendência. Cada uma das tendências procura contribuir para melhorar os seus membros e a Humanidade, à sua maneira. Talvez até se revele bom que a Maçonaria Liberal também se implante nos EUA. Talvez cada uma das tendências funcione como catalisador para o crescimento e melhoria da Maçonaria e, por conseguinte, também da outra Obediência. Mas que a Maçonaria Liberal soube aproveitar o momento para "meter uma lança... na América", lá isso é verdade! E só há que registá-lo...
Quanto à Maçonaria Regular americana, se é que de fora algum conselho é admissível, esta evolução será talvez um bom pretexto para reflectir que o imobilismo geralmente só impede mudanças harmoniosas, gerando mudanças tempestuosas e causando efeitos inesperados. Talvez esta brecha explorada pela Maçonaria Liberal na fortaleza Regular que era a Maçonaria Americana seja um exemplo disso mesmo... E, quanto aos mais "novos", talvez devam também ter em atenção que, se é necessário lavá-lo, convém não deitar fora o bebé com a água do banho... Ou, neste caso, será bom não deitar fora os "velhos" juntamente com a água corrente no desaguar da Maçonaria no século XXI...
Entendam-se! Afinal de contas, são Irmãos! Enquanto estão tão entretidos a brigar pelo tabuleiro do jogo, os "primos" já vos entraram em casa e também querem ficar com algumas das peças...
Rui Bandeira