A
interrupção dos trabalhos presenciais em resultado da pandemia constituiu,
obviamente, um apreciável transtorno para a Loja. Interrompeu-se a programação
do ano, bem como o contacto presencial entre os obreiros da Loja. Ao fim de
algum tempo, passou-se a utilizar os meios técnicos disponíveis para passar a
reunir em videoconferência, nas mesmas noites em que normalmente haveria
sessões de Loja. Foi o remédio possível, mas rapidamente se verificou que... não
é a mesma coisa! Nem poderia ser, claro.
Inicialmente,
nas duas ou três primeiras videoconferências, ainda houve a alegria do
reencontro, ainda que por meios virtuais. Mas depois começou a ouvir-se o
lamento, de cada vez mais de nós até ser evidente haver unanimidade nesse
sentimento, de que... falta o ritual! E falta, efetivamente.
Mas
em quase todas as situações podemos escolher ver o copo meio vazio ou olhar
para o copo meio cheio. O copo está meio vazio, porque falta o ritual. Mas, por
outro lado, afinal o copo está meio cheio, porque nos demos conta de que falta
o ritual!
Efetivamente,
antes da pandemia (e subjetivamente este “antes da pandemia” começa a
parecer-nos algo como “no século passado”...) quantos de nós REALMENTE tínhamos
a noção da importância do ritual? Cada um que confesse a si próprio: é ou não
verdade que, antes da pandemia, ao menos uma vez, em momento de maior cansaço
ou num assomo de aborrecimento, se pensou que a repetição uma e outra vez do
ritual era, afinal, uma perda de tempo e que mais valia tratar-se do que se
tinha a tratar, debater-se o que se tinha a debater, decidir o que se tinha a
decidir sem se “perder tempo” com a repetição de um ritual já conhecido? E não
terá porventura havido alguma vez em que o ritual de encerramento foi
“despachado” em alta velocidade porque já era tarde e o ágape esperava?
Pois
bem, agora vimos, agora sentimos, que o ritual nos faz falta. Que a repetição
daquelas frases, por alguns já centenas de vezes ouvidas, nos conforta, que a
audição desse diálogo nos sintoniza, que os princípios, os lemas, os
símbolos dele constantes nos relembram
as condutas que devemos seguir, as melhorias que nos esforçamos por fazer, o
sentido da vida que buscamos.
Se
algo de bom para a Loja resultou da paragem em resultado da pandemia, foi isto
mesmo: lembrou-nos como o ritual é importante, como nos faz falta, como integra
a essência de ser maçom.
Assim,
enquanto nos mantemos nesta “apagada e vil tristeza” de nos irmos vendo (alguns
de nós, que a outros as videoconferências nada dizem) bimensalmente por
videoconferência, comecemos, cada um de nós de si para si e todos em conjunto,
a preparar o regresso à Luz das nossas reuniões presenciais e ao reencontro com
o ritual.
Porque
– não nos enganemos – há que preparar esse regresso e nos prepararmos para esse
regresso, pois este interregno deixou marcas, fez-nos perder o hábito de “ir à
Loja”, potenciou a nossa preguiça (e venha de lá o mais pintado dizer que
preguiça é coisa que não sente e nunca sentiu, que eu logo fraternalmente terei
de o apodar de Irmão mentiroso... Um dos vícios para que cavamos masmorras é a
preguiça...). Pelo que, quando regressarem as reuniões presenciais, haverá que
sacudir todos e cada um de nós para desalojar a instalada rotina de “não ir à
Loja” e motivar todos para comparecer... até porque vai haver ritual!
Na
minha ótica, três ações serão necessárias, quiçá indispensáveis.
1)
Nas duas ou três primeiras sessões, fazer um
trabalho mais pronunciado de divulgação e de motivação de todos a comparecer.
No limite, organizar que cada um da metade mais assídua tenha a tarefa de
contactar, motivar e tentar, por todos os meios exceto a força física, que os
menos assíduos agora venham. Não só porque vai haver ritual, mas afinal porque
vai haver um RECOMEÇO, um novo ciclo, a organização e funcionamento de uma nova
Loja pós-pandemia (quer nós estejamos cientes disso ou não, este interregno
pandémico é um corte, uma separação, entre a Loja de antes e a Loja de depois,
que será o que nós quisermos, pudermos e conseguirmos fazer dela. Então, os
menos assíduos, os menos interessados, os mais ocupados com trabalho, família e
tudo o resto que normalmente se atravessa à frente da “ida à Loja”, que melhor
oportunidade têm de contribuir para uma Loja mais à medida do seu interesse,
das suas necessidades, do que aproveitar o RECOMEÇO e a folha em branco que ele
transporta para escrever nela o que mais lhe interessa, para ajudar a fazer da
Loja o que eles sentem que falta? A Loja pós-pandemia far-se-á com todos, os
que antes vinham mais e os que antes vinham menos (ou não vinham de todo...),
que agora podem ajudar a refazer a Loja mais a seu gosto!
2)
A segunda
necessidade a satisfazer é... RITUAL, RITUAL, RITUAL. Se sentimos que o ritual
nos está fazendo falta, vamos matar a fome dele! Deveremos dar prioridade, nos
primeiros tempos, à execução ritual e, sobretudo, à execução de vários rituais,
designadamente o de Iniciação, o de Passagem e o de Elevação. Exceto os
dinossauros da Loja (eu e mais um ou dois), miraculosamente ainda não extintos,
os elementos do Quadro da Loja podem porventura ter ouvido falar, mas não
tiveram experiência dos primórdios dela. E os primórdios dela resume-se a uma
palavra triplamente dita: ritual, ritual, ritual. Durante mais de um ano, por
imposição do Grão-Mestre Fundador, era a nossa Loja e só a nossa Loja que fazia
Iniciações, Passagens e Elevações. No fim desse tempo estávamos exaustos, já
deitávamos ritual pelos olhos fora, mas foi com esse trabalho que forjámos a
argamassa que constituiu a coesão da Loja e que nos ajudou, ao longo de três
décadas, a superar crises e adversidades. A Loja pós-pandemia vai recriar a sua
coesão e a execução ritual vai certamente ter um papel nisso. Mas não
esqueçamos que para fazer um ritual de Iniciação temos de ter candidatos já
inquiridos e admitidos pela Loja à Iniciação. Aproveite-se o tempo de pausa
para ultimar as inquirições de quem está nos passos perdidos, de forma a
votarmos a sua admissão à Iniciação na primeira sessão presencial de Loja. Para
fazer Passagens, temos que ter Aprendizes com o interstício cumprido e as
respetivas pranchas lidas. Haverá que verificar se estão reunidas as condições
de Passagem também logo na primeira sessão presencial, para programar a
Passagem de quem pode fazê-lo logo nas sessões seguintes e assegurar o
cumprimento dessas condições aos que ainda as não reunirem, para serem passados
logo depois, numa fase subsequente tão rápida quanto possível. E o mesmo quanto
às Elevações.
3)
Finalmente, a terceira necessidade a satisfazer
é cíclica na nossa Loja: estabelecer qual o nosso projeto nos tempos mais
próximos, que iniciativas vamos assegurar, em que é que nos podemos distinguir
das demais Lojas.
Para satisfazer esta necessidade vai ser necessário apresentar
ideias, formular projetos, debater
prioridades. Este é, por exemplo, um dos pontos que porventura permitirá que os
mais desinteressados se voltem
realmente a interessar. Mas não tenho ilusões. O passado mostra-nos que este não é um processo
fácil, nem rápido, nem sequer particularmente eficiente.
Ter ideias, apresentá-las, defendê-las, harmonizar com as sugestões dos demais, estabelecer pontos de entendimento
e planos de ação nunca foi, não é e não será nunca fácil. Mas se há algo que os trinta anos da nossa
Loja mostram é que este processo, quantas vezes anárquico ou demorado, acaba sempre por, cedo ou tarde, dar
resultados positivos. Às vezes de
forma não esperada, às vezes sem decisão formal da Loja, mas por avanço de dois
ou três a que outros se juntam e acaba por se estar perante um projeto da Loja.
Pouco importa. A seu tempo, algo se
fará. E cada coisa que se faça é mais um elemento fortalecedor da Loja e da sua coesão. Nem sempre poderemos avançar
rápido. Teremos porventura de fazer pausas, de reordenar
prioridades. Mas algo se fará. E muito mais se discutirá e projetará e fará
mais à frente.
E verificaremos que, compreendendo que o ritual é importante e
dando-lhe a importância que lhe
é devida, ele não é tudo. Na Loja, como na vida, o equilíbrio é fundamental e o
caminho faz-se caminhando. A Loja pós-pandemia vai necessariamente ser
diferente da Loja de antes, mas a essência do que nós somos, essa, vai
permanecer. Esta é a Loja Mestre Affonso Domingues!
Rui Bandeira
Prancha apresentada na sessão virtual da Loja de 14 de
outubro de 6020, E. M.
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