Luís Manuel Douwens Prats, maçom esotérico
Há dois sábados atrás, ao fim da tarde, recebi uma mensagem SMS do José Ruah: Fui informado do falecimento do Luís Prats. O laconismo da mensagem não me impressionou: o José e eu estamos habituados a comunicar da forma mais simples e com o mínimo de palavras. Conhecemo-nos há muito e muito bem, não é preciso muito para cada um de nós entender o que o outro lhe quer transmitir - se for preciso entendemo-nos até por sinais de fumo...
Aquela curta mensagem, para além da informação objetiva e factual, indicava-me mais coisas: que o texto seguinte que eu escreveria para o blogue seria a evocação do Luís, que tinha partido um amigo e um Irmão que, presentemente, na Loja só nós dois e muito poucos mais recordávamos em pleno o Luís - e que não seria fácil escrever sobre ele!
A dificuldade em escrever sobre o Luís Prats resulta de uma ambivalência que nós (eu e, estou certo, também o José) temos em relação a ele: por um lado, recordamo-lo como um amigo, um amigo com quem tertuliámos agradavelmente durante alguns anos, um amigo que nos ajudou, ao José e a mim, a integrarmo-nos na Loja Mestre Affonso Domingues e a crescermos nela e com ela; por outro, o Luís foi certamente dos Irmãos com uma conceção da Maçonaria mais diferente e mais afastada da nossa. Assim, escrever sobre o Luís é recordar simultaneamente momentos de conversa e cumplicidade e ocasiões em que tivemos que saber gerir os desacordos.
Não é fácil escrever sobre o Luís Prats e a nossa relação com ele! Mas. pensando bem - e a ideia assola-me a mente deixando um rasto de um leve sorriso no meu rosto... -, acho que com o Luís Prats não houve nada de simples e fácil. Afinal, o homem foi psiquiatra!
O Luís foi um médico psiquiatra com uma longa e profícua carreira profissional. Reformou-se como Chefe do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Júlio de Matos. Era um melómano conhecedor. Era um conversador cativante. Mais do que isso, era um conversador hipnotizante: sem nunca elevar a voz e sempre mantendo um laivo de sorriso na expressão, com um tom pausado expunha, argumentava, insistia, explicava, repetia, e não demorava muito para que o seu ouvinte se sentisse como uma serpente a ser embalada pela música do seu encantador, tentado a seguir a argumentação, o caminho, a tese que laboriosa, calma e pausadamente o Luís expunha.
Esta capacidade do Luís tornava difícil, mas desafiante, a expressão da discordância. Sempre que alguém o fazia, retorquia com argumentação que, mais do que afrontar ou discordar diretamente, rodeava a posição exposta, enredava-a numa complexa teia de argumentos. Quando isso sucedia comigo, eu divertia-me a responder aos seus argumentos um a um, para receber nova remessa e dar novas respostas, em tertuliano bate-papo que não raro se prolongava madrugada fora.
O Luís Prats foi o nono Venerável Mestre da Loja Mestre Affonso Domingues. No texto que dediquei ao seu veneralato, escrevi, a dado passo, que tinha uma conceção rigidamente esotérica, quase crística, senão mesmo crística da Maçonaria. Para ele, a Maçonaria é essencialmente um método de desencadeamento e evolução de um processo iniciático, tendente à aproximação do Homem ao Divino - um processo paralelo, por exemplo, ao misticismo monástico cristão. isto é, e se bem interpreto o seu pensamento, o método iniciático maçónico é um dos métodos de aproximação do Homem ao Divino, como o são o dito misticismo monástico ou o budismo. Luís P. privilegiava, assim, o estudo, a teoria, a análise simbólica, tendo porém o cuidado de alertar para os perigos do que costuma designar de "devaneios esotérico-birutas" muito presentes em muita "literatura", principalmente do século XIX.
O Luís aplicou rígida e convictamente esta sua conceção no governo que fez da Loja, quando a tal tarefa foi chamado. Foi o último Venerável Mestre da Loja Mestre Affonso Domingues a quem a Loja permitiu que a gerisse de forma autocrática, Nesse sentido, pode-se dizer que foi o último de uma era, de uma dinastia, na história da Loja Mestre Affonso Domingues.
Em termos de conceção da Maçonaria, o José e eu dificilmente poderíamos estar mais longe das ideias do Luís. Em termos pessoais, de convívio, de amizade, de consideração, estivemos sempre muito próximos. Se discordámos da orientação do Luís quanto à gestão da Loja, não temos dúvida de que Como pessoa Luís estava sempre pronto a ajudar (assim, e bem, o definiu o José. num texto deste blogue).
Após o seu mandato, a Loja seguiu orientação diferente da preconizada pelo Luís e, discordante, ele veio a afastar-se. Isso não fez, porém, que diminuísse a nossa amizade e consideração por ele. A diferença de conceções existia. A generosidade e disponibilidade do homem sempre continuou a existir. A amizade e a consideração permaneceram.
Não me é fácil escrever sobre o Luís Prats, porque ele foi, indubitavelmente, um homem complexo: generoso e rígido, autoritário, mas paciente, No fundo, relacionarmo-nos com ele ensinou-nos que a amizade implica aceitar o amigo com tudo o que achamos que tem de bom e tudo o que nele encontramos de mau. Implica concordar e discordar. Implica, afinal o conceito que tão prezado é dos maçons: TOLERÂNCIA.
Recordo o Luís como um Mestre que me amparou, me guiou e ensinou - apesar de eu discordar de muito do que ele transmitiu...
A notícia da sua Passagem ao Oriente Eterno faz-me recordar o amigo e relembrar que, com concordâncias ou discordâncias, junto de nós ou afastado, o Luís Prats foi um dos nossos e como um dos nossos passou adiante.
Até sempre, Luís! Se no Oriente Eterno existe um espaço para tertuliar, guarda-me lá um assento, que, quando a hora chegar, saberei onde te encontrar!
Rui Bandeira