Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XI
Todas as Lojas devem observar procedimentos iguais, tanto quanto for possível; para tal e para criar um bom entendimento entre os Maçons, devem ser mandatados membros das Lojas para visitar outras Lojas, tão frequentemente quanto as Lojas acharem conveniente.
Esta Regra institui e constitui a origem de uma prática que é inerente à Maçonaria e à condição de maçom: a visita a outras Lojas.
Todo o maçom tem o dever de assiduidade, isto é, de comparência às sessões da sua Loja. E, teoricamente, pode viver toda a sua vida maçónica, com aproveitamento, apenas frequentando a sua Loja, o seu grupo, com que partilha trabalhos e estudos, que influencia e de que recebe influência.
Mas indubitavelmente que a sua vida maçónica, a sua visão da realidade da Maçonaria, se alarga, aumenta em acuidade, se visitar outras Lojas além da sua. Com essa diligência, o maçom adquire a noção de como a prática das diferentes Lojas é, ao mesmo tempo, semelhante, uniforme, mas diferente. Ou seja, como a base de funcionamento das Lojas maçónicas é semelhante, segue um padrão comum (mesmo quando as Lojas trabalham em diferentes ritos), mas como essa uniformização não prejudica, antes permite e, quiçá, potencia diferentes práticas, diversas prioridades, subtis variantes de organização e atuação, que permitem verificar como é possível criar a diferença dentro da semelhança.
Ao visitar outras Lojas, o maçom adquire assim a noção de que não existe uma forma única de pensar e de trabalhar, que, mesmo seguindo um padrão comum, é uma riqueza incalculável da natureza humana a sua capacidade de variar, de fazer o mesmo diferentemente, de seguir as mesmas regras para atingir diferentes objetivos, prosseguir prioridades diversas. Em suma, que, dentro do plano geral de uma organização tendencialmente universal, há espaço - e pretende-se isso mesmo, que assim suceda! - para tantos projetos quantas as Lojas, que não há uma maneira "certa" de fazer as coisas, mas antes que cada Loja tem a forma de trabalhar que, para si, é a conveniente, que as diferenças entre as Lojas não tornam umas melhores ou piores do que as outras, simplesmente cada uma é a adequada para quem lá está se aperfeiçoar, se desenvolver, progredir ética e espiritualmente.
Visitar outras Lojas pode começar por ser uma simples - e muito humana - questão de curiosidade (vamos lá ver como eles fazem), mas acaba por reforçar aquela que é a caraterística distintiva do maçom que se preze de o ser: a Tolerância, a aceitação da diferença e, mais do que apenas isso, a consciência da riqueza da diferença, da diversidade, das variantes.
Originalmente, a regra previa que as visitas fossem efetuadas por representantes formalmente mandatados pelas Lojas. A evolução fez com que, nos nossos dias - e já desde há muito - qualquer Mestre Maçom possa visitar e, frequentemente, visite outras Lojas por sua iniciativa e a título individual. Quanto aos Companheiros e Aprendizes, a regra é de que as suas visitas ocorram acompanhados por um Mestre da sua Loja (mas esta regra, designadamente em relação aos Companheiros, não é universal: por exemplo, na Alemanha, quando o maçom é passado a Companheiro, recebe um passaporte, um documento identificativo da sua sua condição e da Loja a que pertence, com uma mensagem do Venerável Mestre da sua Loja, pedindo às outras Lojas que recebam em visita esse Companheiro; é uma das condições necessárias para que possa ser elevado a Mestre que efetue, pelo menos, duas visitas a duas Lojas diferentes, que devem ser certificadas nesse passaporte, como forma de garantir que todo o Mestre Maçom, quando o seja, conhece já que há diferentes formas de trabalhar, diversas práticas, distintas realidades).
Sendo livre a visita a outras Lojas, há, no entanto, que garantir que quem visita uma Loja, quem pretende participar nos seus trabalhos, é efetivamente maçom, no pleno gozo dos seus direitos dessa condição, e maçom do grau que declara ser. Por isso, quando se visita uma Loja, a não ser que se seja já pessoalmente conhecido e reconhecido por um obreiro dessa Loja, que se responsabiliza pela condição de maçom e pelo grau do visitante, deve o visitante ir munido de um "certificado de good standing", isto é, uma declaração emitida pelo Secretário da sua Loja, certificando que o portador é obreiro dessa Loja, qual o seu grau e que se encontra no pleno gozo dos seus direitos maçónicos. Se a visita for realizada a uma Loja de outra Obediência, deve ainda o visitante ser portador do seu passaporte maçónico, emitido pela Grande Secretaria da sua Obediência, documento pelo qual comprova que integra uma Obediência que mantém relações maçónicas com a Obediência da Loja visitada.
Estes documentos são indispensáveis, mas não necessariamente suficientes. Os obreiros da Loja visitada têm o direito (ou, quiçá, mesmo o dever) de se assegurar, pela forma tradicional, que quem se apresenta como visitante é quem diz ser, e tem o grau maçónico que afirma possuir. Pode (deve) assim o visitante ser telhado, isto é, interrogado (em regra pelo Guarda Interno ou pelo Guarda Externo, nos ritos que utilizam este ofício, mas também podendo tal diligência ser efetuada diretamente pelo Venerável Mestre da Loja ou ser por este delegada em qualquer outro obreiro da Loja), devendo, pela forma tradicional, mostrar saber fazer-se reconhecer como maçom e como maçom do grau que afirma ter. As Lojas inglesas são conhecidas pelo rigor que põem nesta diligência...
Não é obrigatório, mas é da praxe que, sempre que lhe seja possível, previamente informe a Loja a que pertence de uma visita que projete realizar (ou, se tal não for possível, pelo menos previamente informe o Venerável Mestre da Loja), para que, designadamente, o Venerável Mestre da Loja o possa encarregar de transmitir as fraternais saudações da Loja e do seu Venerável Mestre aos Irmãos e Venerável Mestre da Loja visitada. Similarmente, após a visita, é também da praxe que o maçom informe a sua Loja da efetiva realização da mesma e, sendo caso disso, como quase invariavelmente é, transmita à Loja as saudações da Loja visitada e os cumprimentos do seu Venerável Mestre ao Venerável Mestre da sua Loja.
Fonte:
Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 138.
Rui Bandeira
7 comentários:
Tenho para mim que uma das mais valias na formação de um maçom é a prática de visitar outras lojas, mesmo de outros Ritos diferentes de o de origem. Assiste e participa em algo diferente do que o que está habituado a ver, logo aprende algo novo, bem como ao visitar RLojas do seu Rito, vê formas diferentes de se trabalhar o mesmo, logo mais uma valia para si. E é na "diferença" que muitas vezes se dá melhor valor ao que se tem ;)
TAF
Boas @Rui.
Descubri um excelente site de observação espacial e gostaria de partilhar com todos os que nos lêem.
http://media.skysurvey.org/interactive360/index.html
Tem vários módulos de Interação e é ótpimo para aprender umas coisinhas.
Abraço
Nuno
No espírito deste post, devo referir que gostaria de visitar a R:.L:. Mestre Affonso Domingues! Está cheia de muitos sábios irmãos, a julgar por este blog. Muito aprendi já aqui e continuo a aprender! Continuem!
@ Peace Weapon:
Viva! Bem-vindo a este espaço.
Nos termos das regras da Maçonaria Regular e do espírito e prática da Mestre Affonso Domingues, todos os maçons da GLLP/GLRP ou de outras Obediências com quem a GLLP/GLRP mantém relações são sempre bem-vindos!
A Loja Mestre Affonso Domingues reúne todas as segundas e quartas quartas-feiras de todos os meses, exceto agosto.
Obrigado, Rui, pelo convite. Com a tua permissão, tomarei a liberdade de o transmitir aos restantes membros da Excalibur, e tenho a certeza que os mesmos vos irão receber com boas vindas, nas quintas dessas mesmas semanas, sempre que nos honrarem com a vossa visita.
Flávio S.
Caro Irmão Rui,
Há muito acompanho o seu blog e gostaria de parabenizá-lo, principalmente por esta série de análises dos tópicos das Constituições de Anderson.
Este, especificamente, me interessou, pois estou pesquisando acerca dos termos que são usados pelas obediências brasileira para o procedimento de verificação do irmão visitante, que na Maçonaria anglo-saxã é denominado simplesmente de "examination".
É que aqui há obediência que diz "trolhamento", enquanto outra defende "telhamento".
Como se trata de questão semântico-etimológica, concordo com a premissa do irmão Kennyo (http://www.noesquadro.com.br/2011/02/telhamento-ou-trolhamento.html) de que se deve procurar a origem na língua portuguesa e não inglesa.
É por isso que, recorrendo ao irmão do outro lado do Atlântico, peço que me esclareça:
1. Está correto e é corrente o uso aí em Portugal que o termo “trolha” signifique também “operário que assenta e conserta telhados”?
2. Está correto e é corrente o uso aí em Portugal que, semanticamente, “telhamento” significa FAZER, CONSTRUIR um telhado, enquanto que “trolhamento” seria PROCURAR GOTEIRAS E CONSERTAR, REPARAR um telhado?
3. Como cada obediência daí denomina em seu ritual (se é que consta algum termo no ritual) o exame do visitante, "telhamento" ou "trolhamento"? Digo "se constar", pois sei que se o ritual usar esta ou aquela denominação será ela que devemos usar (dura lex, sede lex), o que não nos retira o direito de sermos livres pensadores...
4. Houve mudança de tal denominação nas eventuais alterações sofridas nos rituais adotados? (É que, pelo que pude ver e estudar, aqui no Brasil as alterações e as mudanças de entendimento ritualístico aconteceram com certa frequência, mormente quando das cismas ocorridas).
Desde já receba o meu TFA.
Ricardo Lóes.
AM GOB/MG
@ Ricardo Julen Lóes:
Segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (www.priberam.pt/dlpo/),telhar é cobrir com telha, não existe o verbo trolhar e o substantivo trolha significa:
1. Espécie de pá em que o pedreiro tem a argamassa de que se vai servindo.
2. Servente de pedreiro.
3. [Popular] Pedreiro.
4. Operário que assenta e conserta telhados.
5. Pintor de brocha.
6. [Depreciativo, Popular] Homem sem importância ou sem préstimo.
7. [Informal] Bofetada, tapa, tabefe.
Em meu entendimento, em Maçnaria o termo correto é "telhar", pois a Loja deve reunir-se "a coberto" - a coberto de telha materialmente e asmbolicamente coberta da intromissão de estranhos, graças ao "telhamento" efetuado pelos oficiais com esa função.
Penso que trolhar foi uma corruptela que acaba por ser usada por alguns, quiçá muitos, no Brasil.
Em Portugal utiliza-se apenas os termos "telhar", "telhamento" e "ser telhado".
TFA.
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