Globalização versus TV, ou as brincadeiras perigosas.
A televisão portuguesa, qualquer dos operadores serve, é especialista em me pôr perante uma das minhas “ralações” actuais.
Talvez mesmo a maior de todas, dadas as relações que tem com a “vida” de todos nós.
Quando refiro “vida” refiro tudo o que se refere a liberdade, alegria, capacidade de escolha do que se quer a cada momento.
A capacidade de estarmos ou de mudarmos, de rirmos ou de chorarmos, de dormirmos ou de estarmos acordados, sem termos necessidade de pedir licença a quem quer que seja, com a garantia que as liberdades individuais que a democracia garante (garante mesmo ?) nos permitem optar, momento a momento, pela decisão que mais nos agradar.
Esta questão surge-me face a um programa que agora apareceu, pretensamente de humor, e é de um mau gosto a toda a prova (texto, interpretação enquadramentos,...).
A partir da ideia peregrina de uma camara de filmar instalada numa máquina de café, mostram-se as pequenas intrigas e os pequenos problemas que enchem grande parte da vida dos empregados do escritório.
De tudo isto o que ressalta é mais uma brincadeira à volta de um olho espião, uma versão aligeirada dos “Big Brothers” que por aí pululam.
É mais uma estúpida brincadeira com o direito à privacidade.
Há algum tempo publiquei, por outra via, um texto de revolta pessoal e de alerta geral para as consequências que poderão ocorrer (eu afirmo que irão ocorrer, inevitavelmente...) com o desenvolvimento dos processos de recolha de informação sobre a vida das pessoas.Reponho aqui, agora, esse mesmo texto com a esperança de abanar algumas “carolas” das que andam alegremente a brincar com este fogo.
Alguns de Vós já conheceis o texto que se segue. A esses peço desculpa pela repetição.
O conceito de globalização, muito em discussão desde há alguns (poucos) anos, pode ser observado e interpretado de maneiras diversas.
Desde logo sob a forma de super-controlo da actividade humana, o denominado “big-brother” que Orwell predisse para 1984.
Esta é claramente uma visão catastrofista, falta saber se irrealista.
Outra visão possível é a do “big-brother plebeu”, já não o do Orwell mas o das televisões, sendo fácil constatar que muitos dos que combatem o primeiro, se divertem enormemente com o segundo, não se dando conta que ao fazê-lo estão a alimentar o tal que odeiam e contra o qual se reunem em manifestações, algumas com grande adesão.
Do nosso ponto de vista entendemos que não há qualquer novidade no conceito, excepto no que se refere à tecnologia disponível, e essa como sempre, em tudo o que é tecnologia, será para bem se em boas mãos, será para mal se em más mãos (a distinção entre mãos boas e más fica com cada um).
De facto, se nos reportarmos ao âmbito das TI’s, aquilo que temos historicamente é o manuseamento da informação de forma global, concentrada há 40 anos, de forma parcelada há 20, de novo concentrada actualmente.
A utilização de meios automáticos para recepção, armazenamento e análise de grandes quantidades de informação, em espaços de tempo muito curtos, está hoje disponível com facilidade e custos muito baixos.
Toda a evolução do chamado “Tratamento da Informação” aponta para a construção e gestão posterior (entenda-se actualização permanente e correctiva) de massas de informação cada vez maiores, cada vez mais completas, de transformação e acesso cada vez mais simples e rápido.
Esta evolução tem a ver com a capacidade tecnológica disponível, mas tem a ver também com a noção de que organização da informação, e como tal todas as fases da sua utilização, deve coincidir com a organização da entidade em que circula, sobrepondo-se sem desvios às respectivas necessidades funcionais.
E aqui se levanta definitivamente a questão antiga e de sempre sobre a segurança destas grandes massas de informação.
- Quem lhes acede(?), quem as altera(?), quem as destrói(?),... quem é o “Master Plan” ?
- A quem pedir responsabilidades sobre fugas de informação ?
- E sobre erros contidos, inocentemente ou não, nesses “hipermercados” de dados ?
A vida diária está definitivamente dependente do funcionamento correcto e atempado de máquinas, cuja fiabilidade deixa muito a desejar, e cada vez mais, porque a qualidade dos componentes diminui na exacta medida em que aumenta a vontade de fazer maior número de unidades em menos tempo.
Por razões de produtividade, por razões de mercado, por razões apenas de fazer mais, produz-se cada vez mais depressa cortando etapas, algumas da maior importância, prejudicando as fases fundamentais de teste e de controlo da qualidade.
Quem não ficou já preso num elevador por quebra no circuito de energia ?
Quantos de nós não passámos já por dificuldades por erros nos sistemas operativos dos computadores com que trabalhamos ?
Quantas notícias tem sido publicadas sobre a retirada de automoveis do mercado pelos próprios fabricantes, alguns de marcas teóricamente acima de qualquer suspeita, por terem sido detectadas anomalias de construção ?
E o que aconteceu com o “Columbia” ? e há menos tempo com o “Space Shutle” ?
“A vida está por fio” é uma expressão cada vez mais real !
Mas a vida é cada vez menos individual, é outra verdade de que não nos damos conta, na contradição aparente de que cada vez vivemos mais separados dos nossos irmãos genéticos.
A questão é que várias tem sido as razões para o aumento desenfreado do controlo sobre os humanos.
As pestes ou a sua ameaça, o terrorismo, os movimentos de emigrantes, a pressa em conhecer o que está a acontecer no mundo e muitas mais razões, são desculpas esfarrapadas para a inevitabilidade do “big brother”.
Somos “superiormente” olhados no “metro”, no elevador, na rua, nas portagens, na loja, em toda a parte...
“Sorria, está a ser filmado...” é a última piada (?) descoberta pelo “marketing”, mas na verdade deveria anunciar-se “Revolte-se, proteste, parta a câmara que o está a filmar contra sua vontade, sem sua autorização e para fins que não conhece nem conhecerá...”
Atenção, porque a estória não acaba aqui.
O cartão único é outra das ferramentes importantes do controlo global.
O mesmo documento irá servir, dentro de pouco tempo (poucos anos !) para o médico do hospital conhecer os tratamentos que fez ao longo de toda a vida e quais as doenças de que padeceu, e isso será bom, mas servirá também para levantar dinheiro no “multibanco”, abrir a porta da garagem, passar a Via Verde, pagar os impostos, obter autorização para ir à casa de banho... !
Através do que nele ficar registado se saberá onde esteve, por onde andou, o que comprou, quando, onde, tudo, tudo, tudo.
Não tardará que, para comodidade de todos nós, nos seja implantada à nascença um “chip” (minúsculo circuito electrónico) na testa, ou qualquer outro local que seja técnicamente mais funcional, qual “via verde” permanente com utilização generalizada e que substituirá com vantagens óbvias, todos os cartões, todas as câmaras, todos os restantes controlos.
Um “chip” na testa e o “GPS” a funcionar e ficaremos todos segurissimos.
Não mais terroristas, não mais excessos de velocidade, não mais gripe das aves... teremos o mundo perfeito.
JPSetúbal
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