Em Maçonaria, como em vários ramos da espiritualidade, incluindo crenças religiosas, é utilizado ou referido o conceito de "Luz", como algo a procurar, objetivo a atingir, mediante o trabalho do iniciado, do crente. Mas o que é, afinal, a Luz? Que simboliza? Cada um tirará as suas conclusões. A minha resulta da consideração, designadamente, dos elementos que seguidamente exponho.
Segundo a Infopédia, Enciclopédia e Dicionário Porto Editora, "Luz" é um "fluxo radiante capaz de estimular a retina para produzir a sensação visual", "claridade emitida ou refletida pelos corpos celestes", "clarão produzido por uma substância em ignição". Em sentido figurado, segundo a mesma fonte, é "verdade, evidência, certeza", "perceção, intuição", "guia, orientação", "iluminação espiritual, fé".
O Génesis, primeiro Livro da Bíblia, inicia-se assim:
No princípio criou Deus os céus e a terra.
E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas.
E disse Deus: Haja luz; e houve luz.
E viu Deus que era boa a luz; e fez Deus separação entre a luz e as trevas.
E Deus chamou à luz Dia; e às trevas chamou Noite. E foi a tarde e a manhã, o dia primeiro.
Gênesis 1:1-5
No entanto, um pouco adiante, consta:
E disse Deus: Haja luminares na expansão dos céus, para haver separação entre o dia e a noite; e sejam eles para sinais e para tempos determinados e para dias e anos.
E sejam para luminares na expansão dos céus, para iluminar a terra; e assim foi.
E fez Deus os dois grandes luminares: o luminar maior para governar o dia, e o luminar menor para governar a noite; e fez as estrelas.
E Deus os pôs na expansão dos céus para iluminar a terra,
E para governar o dia e a noite, e para fazer separação entre a luz e as trevas; e viu Deus que era bom.
E foi a tarde e a manhã, o dia quarto.
Gênesis 1:14-19
Portanto, só na quarta jornada da Criação o Grande Arquiteto do Universo criou o Sol e a Lua, "para haver separação entre o dia e a noite", para "iluminar a terra e para governar o dia e a noite e para fazer a separação entre a luz e as trevas". Então que Luz criou Ele logo na primeira jornada, que separação entre a luz e as trevas foi essa bem antes de criar os astros que, na quarta jornada, de novo se refere destinarem-se à "separação da luz e das trevas? Que "Dia" e que "Noite" (note-se as maiúsculas...) são esses referidos na descrição da primeira jornada se só na quarta jornada são criados os astros destinados a governar o dia e a noite?
Ou há grossa contradição logo na primeira página do Volume da Lei Sagrada judaico-cristão, ou então, a Luz , o Dia e a Noite referidos na primeira jornada não são os mesmos referenciados na quarta etapa da Criação...
Entendo que ajudará a esclarecer-nos o início do Evangelho segundo São João (não se estranhe a referência: a Maçonaria é originariamente teísta cristã; sobre a camada original, passou a incluir também a noção deísta, mas esta não anula aquela, tal como aquela não impede esta...):
1 No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus.
2 Ele estava no princípio junto de Deus.
3 Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito.
4 Nele havia a vida, e a vida era a luz dos homens.
5 A luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam.
6 Houve um homem, enviado por Deus, que se chamava João.
7 Este veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos cressem por meio dele.
8 Não era ele a luz, mas veio para dar testemunho da luz.
9 [O Verbo] era a verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todo homem.
Analisando os contributos dados por estes dois textos, chama a atenção, no texto do Génesis, a distinção aí feita entre "Deus" e o "Espírito de Deus", aquele realizando, executando a dinâmica da Criação, este apenas movendo-se "sobre a face das águas", mas sem atividade dinâmica.
Esta distinção encontra-se também na Filosofia Pitagórica, designadamente nos conceitos de
UM (princípio criador estático, força criadora em potência) e de
DOIS (a ação do Criador, a concretização da potência da força criadora).
Mas, regressando ao tema, na primeira jornada o Criador fez a LUZ, a separação entre a luz e as trevas, àquela chamando Dia e a estas Noite.
Esta LUZ não é, seguramente a luz física, pois essa só foi criada na quarta jornada, com a criação do Sol e da Lua e das estrelas, "para haver separação entre o dia e a noite" e "para iluminar a terra". A LUZ da primeira jornada tem um significado metafórico.
Olhando para o início do Evangelho segundo São João, verificamos que o Verbo estava junto de Deus e era Deus; nele havia a vida e a vida era a luz dos homens; era a verdadeira luz...
A LUZ metafórica referida na primeira jornada da Criação, explicitada no início do Evangelho segundo São João, é, no meu entendimento, a Consciência de Si do Criador, que proporciona que a Potência Criadora se realize. O Espírito de Deus movia-se no Caos Primordial, com a potência de tudo criar. Mas só a consciência de Si, da Vida que É, possibilitou a concretização da potência criadora. Essa consciência foi a LUZ que se separou das Trevas da inconsciência da Existência, da Vida e da fabulosa Potência Criadora. Separou-se assim o Dia (da consciência, da aquisição da visão sobre as capacidades e possibilidades) da Noite (em que o Espírito Criador, embora dotado da Potência Criadora não tinha consciência de tal e portanto apenas vogava, inerte e sem concretizar a sua Força). Havia o Verbo, o pensamento concretizável na palavra e, assim, na ação, que estava junto de Deus e era Deus, mas ainda inerte, que ficou ativo quando Aquele que É tomou inteira consciência de Si próprio e do seu Poder e da sua Força.
Portanto, para mim, a LUZ simboliza mais que o Conhecimento, a Sabedoria ou a Fé. Simboliza a Consciência do Criador e da Vida, Consciência essa que cataliza, ativa, a potência criadora que tudo criou e tudo regula.
Sendo assim, em que consiste a busca humana pela LUZ? Na criação de condições, na sublimação da nossa materialidade, de forma a que se possa ver a LUZ, adquirir a Consciência do Criador e da Vida, assim finalmente compreendendo o significado e objetivo da Criação, da Vida e do ínfimo, mas indispensável, papel de cada um nelas. É que tal Consciência é indispensável para ativar a necessária dinâmica para o que segue... Mas isso é já outro tema, crença individual que não tem cabimento neste espaço - que é de divulgação, não de proselitismo.
Esta a minha interpretação do significado simbólico da LUZ. Não a divulgo aqui para convencer ninguém do que quer que seja. Cada um analisará o que exprimo, tomará do meu pensamento o que lhe convenha, recusará o que não lhe agrade, complementará com outros indícios e raciocínios e teses e chegará à conclusão que, para si, será a certa. Se há algo que na Maçonaria é consensual é que há muitos caminhos para a LUZ...
Rui Bandeira