Depois da Torre de Babel, mas continando por terras entre o Tigre e o Eufrates, prossegue a Lenda do Ofício:
E o rei da Babilónia, que se chamava Nimrod, era ele próprio um maçon; e amava bem a ciência, e isto é dito pelos mestres em História. E quando a cidade de Nínive e outras cidades do Oriente foram construídas, Nimrod, o rei da Babilónia, enviou para lá três mil maçons a pedido do rei de Nínive, seu primo. E, quando os enviou, deu-lhes um Dever do modo seguinte: Que deveriam ser verdadeiros uns com os outros e que deviam gostar de estar uns com os outros e que deviam servir lealmente o seu senhor em troca do seu salário (...). E outros deveres de conduta lhes deu. E esta foi a primeira vez que aos Maçons foram impostos Deveres da sua ciência.
Nimrod é referido na Bíblia (Génesis, 10:8 e 1 Crónicas, 1:10) como o primeiro poderoso na Terra. É identificado como filho de Cush, neto de Cam, bisneto de Noé. O seu reino incluia as cidades de Babel, Arac, Acad e Calene, na Babilónia. Dominou também a Assíria e aí construu Nínive, Reobote-Ir, Calá e Resem.
O historiador da Antiguidade Josephus não o descreve de forma agradável. Declara-o um tirano e imputa-lhe a decisão da construção da Torre de Babel, como um desafio a Javeh, pois seria tão alta que nenhum novo Dilúvio a poderia inundar. O plano correu-lhe mal...
Seja como seja, o desafiador e rebelde Nimrod (escritos rabínicos defendem que o nome Nimrod deriva do verbo hebraico ma-rádh, que significa "rebelar"; Nimrod seria então aquele que se rebelou contra o Deus de Noé... e sobreviveu, mesmo derrotado no seu projeto) criou o primeiro império referenciado na Bíblia, unificando sob o seu domínio as terras da Babilónia e da Assíria.
A Lenda não lhe assaca, porém, faceta de conquistador. Pelo contrário, declara-o cooperante com o seu primo, rei de Nínive, na Assíria, enviando-lhe três mil trabalhadores (maçons) para o auxiiarem na construção desta e de outras cidades. Afasta-se a Lenda da fonte bíblica de que é tão manifestamente tributária? Nem por isso. A Bíblia não apoda Nimrod de conquistador, apenas refere que ele estendeu o seu domínio à Assíria e aí construiu Nínive e as outras cidades. Se aquele territóri foi conquistado ou povoado, é matéria omissa. Se o rei de Nínive era seu vassalo ou aliado, também nada nos esclarece.
Curiosamente, a Lenda acaba por ser mais esclarecedora - mantendo-se na esteira do que se registou na Bíblia.
A denominação de Assíria deriva de Assur. E quem foi Assur? Foi filho de Sem. E Sem foi filho de Noé, irmão de Cam. Assur e Nimrod foram então primos (Assur foi primo direito de Cush, pai de Nimrod e, logo, segundo primo deste).
Eis como o relato da Lenda confere com o ensinamento bíblico!
Que Nimrod terá sido um grande construtor (de várias cidades), confirma-o a Bíblia e o historiador da Antiguidade. Claro que não foi pessoalmente um trabalhador da construção. Foi quem ordenou, financiou, organizou, a construção das cidades. A referência da Lenda de que foi ele próprio um maçon não quer dizer que tivesse sido um construtor ou arquiteto, antes que foi o patrono, o patrão das construções. Teremos oportunidade de ver que mais vezes a Lenda atribui ao patrono de construções a designação de maçon. No fundo, maçon aceite, como, séculos mais tarde, veio a realmente suceder, originando a transição da Maçonaria Operativa para a Especulativa...
Mas a Lenda vai bem mais longe. Nimrod não foi apenas quem decidiu construir, não foi apenas um maçon aceite. Foi efetivamente o primeiro Grão-Mestre! É que a Lenda expressamente refere que foi por ele que aos maçons foram pela primeira vez impostos Deveres da sua ciência. Ora, quem tem o Poder de impor deveres aos maçons é unicamente o Grão-Mestre...
A Lenda prossegue na sua senda de encarar - como era usual na época medieval da sua criação - a Bíblia como fonte histórica. E também realça algo que só a Ciência Histórica moderna veio a apurar: que a Ciência, enquanto tal, nasceu na Caldeia - a região que venho designando por Babilónia.
Continua a confirmar-se que a Lenda é lenda - mas tem mais pontos de contacto com a História do que se pensaria...
Fontes:
Wikipédia:
The History of Freemasonry, Albert G. Mackey, Gramercy Books, New York
Rui Bandeira